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sábado, 31 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14208: Memórias de Copá (4) : Janeiro e Fevereiro de 1974. Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné. (António Rodrigues)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Boruntuma (a minha 1.ª CCAV/BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem:

Caros Camarigos, 


Na sequência do texto publicado neste Blog no passado dia 7 (P 14128) aqui vos deixo mais um pouco das minhas memórias da guerra, como testemunho do que se passou em Copá em Janeiro e Fevereiro de 1974. 


Copá. Janeiro e Fevereiro de 1974.
Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné.

Entretanto Copá continuava calmo desde o dia 7 de Janeiro de 1974 e assim se manteve durante praticamente todo o resto do mês, mas o infernal dia 7 tinha deixado vários estragos, entre os quais os pneus e o depósito de combustível da viatura (única) furados, o que fez com que durante cerca de três semanas não tivéssemos viatura para irmos à água e à lenha, remediávamos com a lenha que se ia arranjando à volta do quartel e a água, ia o pessoal de cada abrigo buscar a sua com latas. 

Mas, um belo dia eu acordei bem disposto e resolvi consertar os furos nos pneus e no depósito, neste último com um taco de madeira certo à feição e a meio da tarde desse dia 31 de Janeiro de 1974 eu tinha o carro pronto a andar e continuava com a mesma boa disposição com que me tinha levantado de manhã. 

Fui para o abrigo e até fiz o serviço do puto, lavei a mesa e os bancos e no fim sentei-me na cama sozinho a pensar numa notícia que dias antes tinha ouvido na rádio do PAIGC e que dizia que, até ao fim do mês Copá seria arrasado, ora aquele era o último dia do mês e pensando nisto de súbito comecei a sentir uma grande tristeza, não sei por que razão, mas o meu coração adivinhava algo de mal. 

Despi a roupa, peguei numa toalha e preparava-me para ir tomar um banho. 

Quando já com a toalha à volta da cintura ia a sair a porta do abrigo, ouço ao longe uma saída de morteiro, que só me deu tempo a atirar-me de barriga para o chão e já estava a rebentar na minha frente. 

Eram cerca das 17h30 e, começava assim mais uma violenta flagelação a Copá com morteiros 120, confirmava-se a tristeza que eu tinha sentido antes, porque durante esse ataque iria acontecer uma coisa trágica e quase inédita na guerra colonial ou pelo menos rara. 

Esta era mais uma flagelação da artilharia do PAIGC a Copá, quebrando a relativa paz de quase um mês, flagelação essa que iria ter a duração de cerca de hora e meia a duas horas, tendo caído dentro do arame farpado perto de 20 granadas felizmente sem consequências. Esta flagelação a Copá, foi desferida a partir de duas bases distintas: a artilharia do PAIGC estava instalada na região da fronteira frente a PANANG R e na região nordeste de Copá, SINCHA JADI. 

Visto que, como prevíamos um ataque em força, pedimos auxílio ao Comandante de Batalhão e este por sua vez pediu-o a Bissau ao Governador-Geral Bettencourt Rodrigues, que imediatamente mandou dois aviões Fiat G-91 em auxílio de Copá. 

Esses aviões tinham naquela altura o nome de código de «Miquel», enquanto Copá se chamava por sua vez «Ex-Rei-Victor» e era por estes nomes que se comunicavam os pilotos dos aviões e o homem das transmissões. 

Logo que os aviões Fiat começaram a sobrevoar a área de Copá, como de costume, o inimigo calou-se, os Pilotos pediram ao homem das transmissões as referências necessárias e prepararam-se com as manobras que entenderam para bombardear o local indicado, um de cada vez, o primeiro sobrevoou o local, depois baixou de altitude e largou a primeira bomba sobre SINCHA JADI, enquanto o segundo se mantinha à distância, mas quando o primeiro descarregou a bomba, começou a ganhar novamente altitude, embora estivesse a acontecer uma coisa estranha, ouviu-se um segundo rebentamento e o avião levava lume na cauda, a determinada altura, quando ele já ia bastante alto, vimos perto dele uma pequenina sombra que nos parecia um pássaro a voar, mas logo de seguida o avião guinou para o lado esquerdo, neste caso para o lado do Senegal e começou de novo a baixar, e nessa altura pensávamos nós em Copá que ele iria largar a segunda bomba numa outra base inimiga, que nos estava a flagelar a partir daquela direcção, (PANANG R) mas era puro engano, o avião ia acabar por se despenhar, talvez próximo ou dentro do território Senegalês a cerca de 3 a 4 Kms de Copá, enquanto o piloto que era a pequena sombra que antes tínhamos visto junto ao avião se tinha ejectado ao aperceber-se que fora atingido por um Míssil Russo (Strela Terra-Ar) e desceu de pára-quedas sem qualquer problema, só que, a área onde ele desceu era perigosa, porque era aquela onde se encontrava o inimigo e distante de Copá cerca de 5 Km. 

Quanto ao avião, ao despenhar-se no solo, provocou uma estrondosa explosão e chamas com uma altura enorme, o que foi com certeza motivo de grande alegria para os homens do PAIGC que acorreram todos para o local da queda e que com aquela acção se deram por satisfeitos naquele dia, tendo terminado por isso aquela flagelação a Copá. 

A queda do avião deu-se por volta das 7 horas da tarde, quase ao anoitecer e o inimigo dirigiu-se imediatamente para o local, pelo que passado pouco tempo era já noite, eles lançaram do local da queda um very-light vermelho, sinal luminoso que nos indicava a presença deles naquele local. O segundo avião Fiat ao aperceber-se do que tinha acontecido ao primeiro abandonou o local a todo o gás na direcção de Bissau e ninguém mais o viu. 

O piloto do avião abatido, veio a descer precisamente no local onde minutos antes tinha largado a bomba e a sorte dele, foi o inimigo ter saído dali para ir ver os destroços do avião, senão talvez tivesse sido feito prisioneiro, mas ele ao ver-se em terra, largou o pára-quedas e talvez desorientado desatou a fugir, mas não se dirigiu a Copá e, no outro dia de manhã ainda ninguém sabia dele, pelo que, nesse mesmo dia de manhã, começaram a chegar a Copá uma série de helicópteros, 2 avionetas e 2 aviões Fiat para fazerem uma busca e tentarem localizar o piloto desaparecido. Nesse conjunto de helicópteros era transportado o famoso Sargento dos Comandos Africanos, de seu nome, Marcelino da Mata e o seu categorizado e célebre grupo de homens por ele treinado e conhecido em toda a Guiné durante a guerra colonial, pela forma corajosa e eficaz como combatiam ao lado das tropas Portuguesas. 

Mas as buscas durante toda a manhã com todo aquele aparato aéreo, tornaram-se infrutíferas e o piloto não apareceu, apenas encontraram o pára-quedas e algumas granadas do PAIGC e, como o homem não aparecia, ao fim da manhã regressaram a Bissau. 

Mas por volta das 5 horas da tarde desse mesmo dia, chegou a Copá uma mensagem que dizia, que o Piloto Tenente Gil (8), tinha aparecido num aquartelamento prós lados de Nova Lamego (soube mais tarde que esse aquartelamento era Piche) e que tinha já contado a história da sua aventura, que era a seguinte: mal chegou a terra começou a andar praticamente sem destino e andou quase toda a noite e no dia seguinte, com a sorte de não ter sido apanhado por ninguém, até que chegou a uma certa povoação e pediu a um homem Africano que o guiasse até ao quartel mais próximo, o que realmente aconteceu e só nesse momento é que ele pode comunicar que estava vivo e livre de perigo e tinha terminado também aquela sua com certeza muito marcante aventura. 

(8) Piloto Tenente, Victor Manuel Castro Gil 




Link do episódio Nº. 17 da Série "A GUERRA" da RTP:
www.rtp.pt/programa/tv/p28097/e17

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323



Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 DE JANEIRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Efemérides (181): Copá – Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14194: Casos: a verdade sobre... (7): O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou à Tabanca Grande (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 23 de Janeiro de 2015:

Prezado amigo e camarada Carlos Vinhal.

A atitude do jornalista escritor José Vicente Lopes de eleger o blogue como fonte, viva, para a reconstrução da história da Guerra da Guiné é sábia da parte dele e gratificante para nós. Essa guerra onde empenhamos a juventude, a saúde e avida é um romance real e nós os seus actores.

Copiei o estilo dos camaradas António Rosinha e C. Martins para o texto anexo e dá-lhe o destino que entenderes.

Com um abraço e expectativa das notícias prometidas...

Manuel Luís Lomba


“Uma Guerra Desnecessária”… 

O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou ao convívio da Tabanca Grande, neste mês de Janeiro, efeméride do início da sua guerra “militar”, com o ataque a Tite, em 23/01/63), da derrota, morte e eventual profanação do cadáver do comandante paigcista Jaime Mota(1), em 7/01/74, na mesma altura em que, ali ao lado, o pelotão dos 29 valentes derrotava o cerco e assalto combinados de infantaria, artilharia e blindados do IN a Copá, narrado pelo camarada António Rodrigues(2).

Exército Português há só um, o fundado por D. Afonso Henriques e mais nenhum!

Em 1128, o rei fundador, ao comando da sua primeira batalha, derrotou o IN galego Fernão Peres de Trava, não o matou, não o maltratou e concedeu-lhe o dom da sua pessoa para o escoltar até à sua mãe, não como prisioneiro, não obstante vitorioso, mas como um homem e companheiro afectivo dela.
Num teatro de guerra, D. Afonso Henriques elevou ao auge o seu respeito pela dignidade humana do combatente.

As guerras são loucura humana, injustas, desnecessárias, exceptuando as de legítima defesa.

Quando o nosso compatriota Amílcar Cabral detonou a Guerra na Guiné, éramos país com mais de 8 séculos de história civilizacional e pluricontinental há 5 séculos. A nossa Constituição, essa lei fundamental, imperava em toda a dimensão da portugalidade e reconhecida por todas as instâncias internacionais.

“Vestiram-nos a camisola” (a farda) e expedidos para a Guiné, fazer uma guerra para acabar com aquela guerra…

Jamais o Povo da Guiné-Bissau beneficiará de cooperação tão extensa e profunda como a que lhe prodigalizou o Exército Português, ao custo de sangue, suor e lágrimas, como contrapartida…

Amílcar Cabral trocou a ética e tradições do Exército Português, que terá servido até à patente de alferes miliciano, pela doutrina e métodos de guerrilha de Mao Tsé Tung, líder da China, onde se tirocinou, em 1960, com passaporte de cidadão português…

Correspondemos sempre por cima aos martírios que nos eram impostos no teatro de operações, cedo nos apercebemos que Amílcar Cabral sabia muito melhor o que fazia do que nós que aquela guerra da Guiné não acabaria no binómio derrota-vitória: só teria fim por desistência, por falta de comparência…
Como assim, se Portugal era país, tinha exército e o PAIGC era exército e não era país? Paradoxalmente, de derrota em derrota, o PAIGC levou os portugueses a desistir primeiro… E não lhe entregaram um país em Bissau; foram desfazer-se dele, em Argel…

Por esse formato de independência, pouco mais sobrou para o Povo da Guiné-Bissau que o PAIGC de Conakry, Moscovo e Havana e o seu exército… A história vem tratando a Guerra da Guiné como “Uma Guerra Desnecessária” – citando Churchil…

No tocante aos aludidos crimes de guerra, a criminalidade é imanente à condição humana (está bem dito, Luís Graça?). Pela multiplicidade da gente que a informa, a sociedade castrense não será excepção à regra. Há muitas provas da coragem de muitos em não pactuar com ela, pelo silêncio, sabendo de antemão que passariam a ser pisados.

Trazemos à colação o testemunho e autocrítica do coronel Vasco Lourenço, o principal motor do MFA, vertidos no seu livro Do Interior da Revolução (Âncora Editora, 2009), pags. 38 e 39.

Era comandante da subunidade de Cuntima, mandou prender dois régulos, conotados com o IN, entendeu despachar o mais notório para a sede do batalhão, para ser interrogado por especialista, com as mãos algemadas atrás das costas. Só que aquele detido era príncipe da sua etnia e reagirá, não à detenção, mas ao que considerou grave afronta à sua condição, com uma greve de fome, até à morte. O general Spínola levantou-lhe um auto de averiguações e só não o terá punido porque o seu comandante do batalhão reclamou junto do Comandante-chefe a responsabilidade da ocorrência; mas não deixou de ser transferido de Cuntima para Nema…

É este o meu (nosso) Exército e D. Afonso Henriques o seu patrono…

O exército do PAIGC foi o primeiro a atormentar a vida dos guineenses, começando por destruir a sua economia, os seus equipamentos sociais, a matá-los e a estropiá-los.

O Exército Português bombardeava e assaltava as suas bases, na floresta; o exército do PAIGC flagelava as vilas e tabancas densamente povoadas, que aboletavam guarnições militares (chegou a dirigir 300 por mês). As baixas dos relatórios registam as vítimas do costume: velhos, mulheres, crianças e incapazes…

Em 1962, o exército do PAIGC começou a atormentar e a matar guineenses em Catió, Susana, Varela, S. Domingos - e nunca mais parou…

A malta grisalha que foi envolvida nessa guerra, vai-se reunindo a curtir a nostalgia do tempo que não volta, sem patriotismo africano saudosista. Haja libertação e libertadores, mas mitologias à parte.

Amílcar Cabral foi o instituidor da pena de morte na Guiné, há 100 anos abolida por Portugal, aplicando-a a delitos comuns e a delitos políticos, no I Congresso de Cassacá, em Fevereiro de 1964, e ordenou execuções imediatas. Quando em 1 de Junho de 1970 foi a Roma receber as bênçãos de S. S. o Papa Paulo VI, poucos dias antes havia ordenado fuzilamentos em Quitafine, pelo delito de oposição política, entre os quais o de Abdulai Seck, chefe da segurança do partido, em Ziguinchor.

Todos os homens são iguais e guerra é guerra – parafraseando o ex-sapador Braima Cassamá.

Um abraço para o Luís Graça, os editores, camaradas intervenientes, extensivo ao José Vicente Lopes(3).

Descansa em paz, comandante Jaime Mota.

Manuel Luís Lomba
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Notas do editor

(1) Vd. postes de:

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)

17 de janeiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
e
18 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

(2) Vd. poste de 7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Efemérides (181): Copá – Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

(3) Vd. postes de:

3 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja Santos)

6 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)
e
10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14193: Casos: a verdade sobre... (6): Tratamento de prisioneiros do PAIGC (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

1. O nosso camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323 (Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 1973/74) enviou-nos o seguinte texto. 

COPÁ – JANEIRO DE 1974

A minha 1ª CCAV / BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá. 

Este texto sobre os acontecimentos em Copá no início de Janeiro de 1974 foi retirado das minhas memórias da Guerra na Guiné. 
 
Chegámos ao dia 3 de Janeiro de 1974 e foi um dia mais ou menos calmo como de costume, embora durante a tarde enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá, que soubemos depois estava a ser violentamente flagelado com armas pesadas, mas tal era ainda nessa altura o nosso àvontade, que, apesar de ouvirmos tantos rebentamentos e tão próximo de nós mantivemo-nos a jogar à bola no exterior do arame farpado e realmente até ao fim do dia nada de anormal nos aconteceu. Deitamo-nos como de costume cerca das 20h30 ou 21h00, embora ficasse como era normal um homem de sentinela em cada abrigo.

O nosso baptimo de fogo

Eram 23h30 em ponto do dia 3 de Janeiro de 1974, quando o Manuel Vicente Antunes que àquela hora fazia reforço no meu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que ouviamos um rebentamento, que saíssemos da cama porque havia perigo, mas não foi necessário o grito do sentinela, pelo menos para mim que ao ouvir o rebentamento saltei imediatamente da cama e vim para ao pé da vala ver o que se passava.

Quase no mesmo momento todos os meus camaradas de abrigo estavam fora da cama e a nossa primeira reacção àquele rebentamento e aos outros que se lhe seguiram, é que seriam rebentamentos do obús 10,5, arma da nossa artilharia instalada em Canquelifá e que estavam a bater a zona depois de terem sido atacados durante a tarde. 



Entretanto, um dos meus camaradas de abrigo foi ao posto de transmissões saber o que na realidade se passava e na verdade de Canquelifá não havia notícias, mas o Alferes que comandava o pelotão de Africanos que já tinha mais experiência do que nós disse-lhe: "Vai avisar os teus camaradas que se previnam que este fogo é de armas inimigas"; e assim estávamos realmente pela primeira vez a ser atacados por armas inimigas e a enfrentar a realidade daquela guerra. Era este o nosso baptismo de fogo. 



As primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns 2 Km de distância, entre Copá e Bajocunda, elas vinham bastante alternadas, atiravam 3 morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três e assim sucessivamente. Entretanto perante o que estava a acontecer, lembrei-me dum conselho que me tinha dado o Amândio Noversa com a experiência que ele já tinha e que era o seguinte: “Sempre que oiças um rebentamento seja ele de que arma for, atira-te para o chão e tenta abrigar-te porque isso pode valer-te a vida”.



E eu ao lembrar-me disso, fiz precisamente o que devia, meti-me dentro da vala a aguardar o que viria a acontecer, entretanto os rebentamentos continuavam de 10 em 10 minutos e cada vez a aproximarem-se mais do nosso aquartelamento o que nos dava a impressão de o fogo estar a ser comandado por rádio. Enquanto isto acontecia, os restantes meus camaradas que se mantinham fora da vala diziam: "O Rodrigues é um cagão, tem medo a isto só está bem no buraco", palavras não eram ditas e eis que ali junto a nós cai a primeira granada, (pois que elas se tinham vindo a aproximar lentamente) e, ao rebentar, os estilhaços bateram com violência no telhado de chapa do nosso abrigo, foi então que os meus camaradas se abrigaram também na vala convencidos do perigo em que estávamos, e diziam uns: "Ai N.ª Srª de Fátima"; outros, "Ai minha Mãezinha"; e depois diziam todos, o "O Rodrigues sempre tinha razão em se ter protegido porque isto está feio".



Entretanto as bombas continuavam a cair, é curioso que a dada altura duas em cada três granadas caiam ali próximas, mas não rebentavam, entravam na terra a uma profundidade cerca de 5 metros e então dizíamos nós uns para os outros, "Amanhã não vão faltar aí granadas inteiras", dizíamos isto porque era de noite e apenas as ouvíamos cair, mas elas perfuravam a terra e desapareciam pelo chão dentro. 


A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava, a nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era naquela noite o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitamos em nos mudarmos todos para o abrigo 1 que ficava ali mesmo ao lado e ali ficamos à espera do que iria acontecer, uma vez que não dispunhamos de armas com que pudéssemos responder, a arma mais forte que tinhamos era um morteiro 81 cujo alcance máximo, segundo me recordo,  era cerca de 5 Km e a distância a que estava o inimigo era superior, por isso a nossa resposta limitou-se a um ou dois disparos de morteiros. 

O PAIGC continuava entretanto a disparar de 10 em 10 minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte, precisamente no momento em que o luar desapareceu, foi aí que o primeiro ataque a Copá desde que lá chegamos terminou. Viemos a saber mais tarde que o destacamento de Copá sempre foi um dos que ao longo da guerra sofreu regularmente fortes flagelações, aliás não era difícil qualquer um de nós encontrar provas mais do que evidentes do que tinha lá acontecido muitas vezes. 

Os Guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, 58 granadas,  mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento. 

Felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento, mas a ideia que nos ficou foi que o barulho que fizemos durante a noite da passagem de ano serviu ao inimigo para ponto de referência, que aproveitou para apontar as armas a Copá e depois acabou de acertar, através de rádio, próximo do local. 

Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso, passaram-se os dias 4, 5 e 6 com relativa calma, para o dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida, mas nesse dia veio mesmo a realizar-se, só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC. 

Eram cerca das 9.30h da manhã, estava eu e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, a dado momento ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio, lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada, ficamos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tinhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim fizemos, eu peguei no carro imediatamente e regressamos para dentro do arame farpado, formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, em Copá ficamos apenas 5 ou 6 homens mais ou menos,  um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados Africanos.


7 de Janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei

Na mesma altura em que saiu o pelotão, partiu também para outra zona do mato, nos arredores de Copá na direcção da fronteira com o Senegal, um Africano civil que era nosso informador, que passadas algumas horas chegava com más notícias, disse-nos ele que ali próximo o PAIGC estava estacionado com várias viaturas carregadas de munições para atacar Copá, o que na verdade se veio a concretizar nesse mesmo dia.

Na verdade esse dia 7 de Janeiro de 1974 foi para a minha companhia e particularmente para o pelotão destacado em Copá, o dia mais infernal que lá passamos e que, eu já mais esquecerei. 

Entretanto do local da emboscada chegava-nos via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido, dois mortos – o Soldado Rui Silveira Patrício e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro [1], os primeiros mortos do meu Batalhão.

Os dois faziam parte do 3.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que eu recordo com muita saudade, havia também quase todo o pelotão que fazia segurança à coluna bastante ferido, nomeadamente, o Alferes Santos que o comandava e outro homem com uma perna partida, um outro que acabou por perder uma vista e ainda hoje tem o corpo cravado de estilhaços, para além de duas viaturas Berliet destruídas: a primeira porque accionou a mina anti-carro e o condutor Sousa foi cuspido pelo ar e caiu ao chão, ficou com as partes superiores das pernas pisadas, porque bateu com elas no volante ao ser cuspido e arranhou uma perna ao cair, a sua carga era parte do pessoal que fazia segurança;  a segunda ia carregada de munições de G3 e granadas de morteiro 81 e 60, na cabine desta viatura seguia o Soldado Condutor Abílio Correia Sabino Magalhães e o Rui Patrício mais o Aguiar Ribeiro.

O Correia saltou abaixo sem problemas, mas nesse mesmo momento os outros dois camaradas já tinham sido atingidos com um tiro, o Rui Patrício ainda desceu da viatura e disse ao Correia que ia morrer, o que aconteceu naquele preciso momento, o Aguiar Ribeiro já ferido abrigou-se debaixo da Berliet que entretanto começou a explodir as munições que trazia tendo ficado reduzida a um monte de ferros espalhados pela picada, o que deu origem a que o Aguiar Ribeiro morresse completamente calcinado pelo fogo, pois que para além das munições começarem a explodir, o PAIGC ainda continuou a atacar durante bastante tempo, tendo usado Minas Anti-Carro e Anti-Pessoais, RPG2, RPG7 Morteiros e armas automáticas. 

Para além dos mortos e feridos e das referidas viaturas, destruíram o dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro a todos os militares Europeus e Africanos que se encontravam em Copá, foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, que incluía os postais de Boas Festas e lembranças dos nossos Familiares que, dadas as circunstâncias não chegaram a tempo do Natal e tendo sido ali destruídas não pudemos recebê-las. 

Para socorro dos camaradas que sofreram a emboscada, para além do Grupo de Combate de Copá, partiu de Bajocunda mais um Grupo de Combate da 1.ª CCAV / BCAV 8323 e de Pirada,  comandados pelo próprio Comandante de Batalhão, partiram mais 2 Grupos de Combate da 3.ª CCAV / BCAV. 


Estas forças de socorro levantaram 6 minas antipessoais e destruíram 1, levantaram uma Anti-carro, tendo recolhido a Bajocunda e a Copá respectivamente pelas 20h00.


Guiné > Zona leste > Pirada > Copá > 1.ª CCAV/ BCAV 8323 (1973/74) > Berliet destruída pro mina A/C na emboscada de 7 de janeiro de 1974 na picada Copá-Bajocunda. Foto de António Rodrigues. Cortesia do blogue da Associação dos Combatentes do Concelho de Arganil.
Foto: © António Rodrigues. (2013). Todos os direitos reservados.


Ataque a Copá no mesmo dia durante várias horas (das 17h00 às 22h20), ficando a guarnição reduzida a 29 homens

Mas nesse dia as coisas más não tinham terminado, aí, às cinco horas da tarde desse mesmo dia, com apenas pouco mais de um homem em cada posto (porque o restante do pelotão ainda se encontrava no local da emboscada) concretizavam-se as informações que tinhamos recebido de manhã e Copá às dezassete horas em ponto começava a ser atacado de novo pela artilharia do PAIGC.

Os poucos que ali nos encontravamos metemo-nos nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tinhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiros 120 e 82 que carregava sobre nós persistentemente, só cerca das 20H00 é que entrou o restante pelotão em Copá debaixo de fogo, quando a maioria da população aos gritos se punha em fuga das suas tabancas que ardiam infernalmente e fugiam em direcção à Republica do Senegal cuja fronteira ficava dali a 3 Kms. 



Juntamente com a população fugiram (desertaram) praticamente todos os militares Africanos que ali se encontravam em reforço da Guarnição, ficando apenas em Copá naquela noite, um Alferes e um furriel Europeus que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323 num total de 29 homens. 



Devo dizer que nessa noite vivemos um autêntico ambiente infernal e de terror com tantas chamas à nossa volta, das tabancas e do milho, que ardiam como gasolina, para além do perigo que representava o calor das chamas próximas das nossas munições que podiam explodir em qualquer momento e nós debaixo de tanto fogo, chamas e bombas não sabia-mos onde protegê-las. 

Mas o ataque do PAIGC continuava, agora já noite e com as chamas a servirem-lhe de alvo, mas nós continuavamos sem capacidade de resposta, porque eles estavam a grande distância e as nossas munições eram muito poucas para se gastarem inutilmente, dispunhamos apenas de umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60 e talvez pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, que viriam a ser lançadas de dilagramas [2], mas a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque e vimo-nos forçados a pedir auxílio a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22h20 da noite, altura em que a artilharia do PAIGC parou com o fogo, tinham decorrido 5 horas e 20 minutos seguidos, que nós aguentamos debaixo de fogo intenso e violento. 

Entretanto os estilhaços das bombas tinham rebentado os fios da iluminação eléctrica, visto que tinhamos um gerador próprio e como era de noite o avião não tinha qualquer sinal para nos localizar, então através do rádio o piloto falou para o nosso posto de transmissão e perguntou qual a localização do inimigo, no que foi mais ou menos informado, depois o piloto pediu para lhe fazermos um sinal que consistia no seguinte: como junto das cantinas existiam sempre uns bidões com garrafas de cerveja vazias, utilizamos essas garrafas para fazer uma grande cruz no centro de Copá e enchemo-las com gasóleo, pusemos-lhes uma torcida de pano e acendemo-las de seguida e assim o piloto já nos podia detectar facilmente além de que, esse mesmo sinal lhe servia também de ponto de referência para a partir dali localizar o inimigo. 

Feito isto e já sem se ouvir o mais pequeno ruído do inimigo, (porque este, mal ouviu o ruído do avião calou-se imediatamente),  o piloto do Dakota tentou localizar o melhor possível a base do PAIGC naquela noite e quando entendeu que estava sobre ela começou a despejar bombas e manteve-se por ali durante cerca de mais de meia hora, espaço de tempo em que nos mantivemos relativamente calmos porque o fogo tinha parado. O avião regressou à base cerca das 23h00. O resultado do bombardeamento do avião deixou-me as maiores dúvidas, porque de noite todos os gatos são pardos. 

Mas o PAIGC, ao emboscar nesse mesmo dia de manhã a coluna que nos vinha abastecer de munições e ao atacar em massa Copá nesse dia à tarde apanhando-nos quase desarmados, tinha feito uma acção muito bem planeada e em grande escala, jogava forte na conquista de Copá nesse dia. 

Mas mais uma surpresa estava para acontecer, nessa mesma noite aconteceu uma coisa bastante curiosa para nós, o inimigo não satisfeito com o resultado do ataque que tinha terminado minutos antes, ou talvez pensando que estaríamos quase todos mortos, ao aperceber-se que ia ser bombardeado pelo nosso avião, em vez de se retirar para o interior do Senegal, que ficava ali muito próximo e donde provavelmente eles se tinham deslocado, usou uma táctica inesperada, como era noite escura e se podiam deslocar à vontade sem serem vistos pelo avião, saíram do local onde se encontravam e deslocaram-se para junto do nosso aquartelamento, pois sabiam que assim estavam em melhor segurança em relação ao avião, e mal o avião partiu e se foi embora, eram cerca das 23 horas, começamos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dava-nos ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo. 

Entretanto quase todos os meus camaradas do Abrigo 7 se foram deitar, pois todos estávamos bastante cansados, mas eu ao ouvir todo aquele estranho ruído tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia e então decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer. 

Devo dizer que debaixo do bombardeamento que sofremos nessa tarde não sofremos o mais pequeno ferimento em ninguém, por isso tenho que acreditar que tínhamos Deus do nosso lado, até porque quando estávamos debaixo de fogo quase todos nós rezávamos uma oração, principalmente o terço a Nossa Senhora, eu sentia bem essa protecção a cada momento. São situações tão aflitivas e angustiantes, em que esperamos a morte a cada segundo que passa que, mesmo os não crentes se juntavam a quem rezava. 

Enquanto nessa noite de 7 de Janeiro de 1974, eu esperava pelo resto dos acontecimentos, o que fiz foi rezar mais uma oração a Deus Nosso Senhor, que nos protegesse a todos do que poderia ainda acontecer naquela noite, ainda por cima éramos tão poucos, com a deserção dos Africanos durante aquela tarde estavamos reduzidos a 29 no total. 

Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado,  com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!

E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo. 

Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. 

Mas agora a coisa mudava de figura, ainda estavamos todos vivos e de saúde e por isso, como estavamos frente ao inimigo, apesar das armas de que dispunhamos continuarem a ser de capacidade inferior às deles e um número reduzido de munições, iríamos aplicar o melhor das nossas forças para lhe darmos resposta adequada e tentar defender a nossa posição e principalmente a nossa integridade física.





Esquisso de Copá, comas posições das NT e do PAIGC. Autor: António Rodrigues

Uma das primeiras coisas que fizemos a mando de um Furriel, foi lançar uma granada de bazuca do tipo iluminante, que na realidade por uns momentos ilumina tudo por onde passa, o que nos permitiu ver claramente a posição do inimigo e nos ajudou a cumprir a nossa missão com a maior objectividade possível.

Começamos então a disparar na direcção adequada dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, a luta era quase corpo a corpo e muito renhida e a secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado, este estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame e é aqui que o meu camarada Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas, sobre-o blindado que tentava entrar e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas que não teriam grande efeito sobre tal arma, mas o certo é que quem o comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento, mas a confusão era enorme e não sabíamos bem o que se passava com o restante do nosso pessoal, a dado momento aproximou-se do nosso abrigo o Demba, (um soldado Africano do nosso exército que ia em fuga para o Senegal, era o ultimo deles a abandonar-nos) que nos disse que o Alferes Brás já estava preso e nós ficamos ainda mais baralhados e confusos e dissemos até uns para os outros, se calhar esta noite vamos ser feitos prisioneiros do PAIGC, mas felizmente o Alferes Brás ainda não estava preso (e nunca chegou a estar) confirmamos isso quando pouco depois ele gritou em voz alta como costumava fazer, perguntando lá do seu posto, “EI PESSOAL ESTÁ TUDO VIVO ?”

Era verdade, estavamos todos vivos e ninguém com a ajuda de Deus estava ferido, aguentamos o resto daquela hora infernal de tiros e granadas sobre as nossas cabeças, continuamos a defender-nos principalmente através de dilagramas e morteiro 81, este último teve papel importante nessa noite, cujo artilheiro o tirou do tripé (e cujo prato se partiu ao fim dos primeiros disparos) para o poder manobrar da melhor maneira (o próprio Alferes Manuel Brás ajudou a segurar no tubo já quente do morteiro com ajuda de uns panos para não queimar as mãos) e foi esse morteiro 81 que veio a causar os maiores problemas ao inimigo, que ao fim de 1 hora e 5 minutos, teve que retirar, possivelmente com alguns mortos. [3]

Em Copá ficavam enormes incêndios com tudo a arder em grandes chamas e nós os militares e população tinhamos vivido horas amargas e terríveis nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974 que jamais eu poderei esquecer. 

O PAIGC, esse, não conseguiu os objectivos a que se tinha proposto, ao cortar-nos de manhã o abastecimento a Copá e ao atacar-nos à tarde em massa, o seu plano em parte tinha falhado. 

Era 1 hora e 15 minutos do dia 8 de Janeiro de 1974 quando o tiroteio acabou e pudemos então descansar um pouco. No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificamos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo, vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado (tinham o aspecto de uma Pisa).

A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta, mas encontramos ainda um carregador e caixas de munições da KALASHNIKOV, maços de tabaco e bonés, mas haviam mais sinais, o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos de que atrás falei, mas como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar perto dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro, mas vendo-se atrapalhados não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los. 

Entretanto durante todo esse fogo nenhum dos nossos homens ficou ferido,  graças a Deus. 

A todos os possíveis leitores do relato deste episódio da Guerra na Guiné, abraço com amizade e peço desculpa pela pobreza da minha escrita porque, de facto este não é o meu mister mas penso que me faço entender. 
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[1] O Soldado Rui Silveira Patrício era natural de Stª. Margarida – Conceição do Concelho da Covilhã (encontra-se sepultado no Cemitério Concelhio no talhão dos Combatentes) … O 1º. Cabo António Aguiar Ribeiro era natural de Orca, Concelho do Fundão (encontra-se sepultado no Cemitério de Martianas na freguesia natal) 

[2] Granadas de mão lançadas pela Espingarda Automática G3 com munição própria.

[3] Em 2009 soube por um jornalista que se deslocou em 2007 a Copá na Guiné e falou com ex-guerrilheiros, que lhes disseram que, nessa noite entre outros, lhes matamos o comandante da operação.

Foto 1 - Junto ao poço de Copá 

Foto 2 - Junto ao poço de Copá 

Foto 3 - Junto ao poço de Copá

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto da 1ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74)

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 

[Subtítulos da responsabilidade do editor]
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


quinta-feira, 17 de maio de 2012

Guiné 63/74 – P9917: Convívios (437): Almoço/Convívio do Batalhão de Cavalaria 8323, dia 2 de Junho de 2012, em Coimbra (António Rodrigues)


1.     O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323, Copá, 1973/74, solicita-nos a divulgação da próxima festa da sua companhia. 


Almoço/Convívio do Batalhão de Cavalaria 8323

2 de Junho de 2012

Ançã - Coimbra 




Camaradas, 

Agradeço a publicação, no nosso Blogue, da notícia do almoço/convívio do Batalhão de Cavalaria 8323, que prestou serviço na Guiné 1973-1974, em Pirada, Bajocunda, Copá, Paunca, Sissaucunda e Buruntuma. 

Realiza-se no próximo dia 2 de Junho no Restaurante Quinta do Pingão junto à estrada Nacional, em Ançã - Coimbra. 

Para mais informações, os interessados (que espero sejam muitos ) devem contactar o nosso Camarada e Amigo: 

José Tomás Fernandes 
Telefones: 253 672 374 (das 09h00 às 18h00 horas) 
Telemóvel: 964 241 854 
Ou, 
Paula: 253 673 929 (a partir das 21h00 horas) 

As inscrições devem ser feitas até ao próximo dia 25 deste mês de Maio. 

Um abraço, 
António Rodrigues 
Sold Cond Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323. 


Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9912: Convívios (254): Encontro da Magnífica Tabanca da Linha, dia 31 de Maio de 2012 em Alcabideche (José Manuel M. Dinis) 


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9375: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (5): ): "Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda [, em 31 de março de 1974]"...

1. O nosso camarada e amigo, António Graça de Abreu (AGA), era um homem bem informado  (e melhor formado) lá no CAOP1, e por onde andou no TO da Guiné: Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, entre meados de 1972 e as vésperas do 25 de abril de 1974... 

Não admira por isso que haja, pelo menos, uma referência aos "blindados" do PAIGC (leia-se: dos seus "amigos soviéticos")(*), que terão sido utilizados, sem grande efeito prático (a não ser eventualmente psicológico) num ataque ou flagelação a Bedanda,
em 31 de março de 1974... 

Eis aqui esse excerto do seu Diário da Guiné, 1972/74, de que temos, por gentileza e generosidade suas, um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp). (**)

Sobre os famosos blindados do PAIGC (que, na prática,  não jogaram nenhum papel efetivo nesta guerra, pelo menos a ponto de desequilibrar os pratos da balança...), escreveu-me há tempos [ 13 de janeiro de 2010,] o Nuno Rubim o seguinte:

(...) "Luís, junto te envio cópia de um documento emanado pela 2ª Rep / Com-Chefe Guiné sobre os BRDM 2. Também existem no AHM [, Arquivo Histórico Militar,] referências ao modelo 1.

"Há uma carta do A. Cabral para o Pedro Pires (Dez 72 ) a 'sugerir' a utilização dos blindados nos ataques a alguns dos nossos aquartelamentos fronteiriços no Sul. Na Net encontrarás farta documentação sobre essas viaturas [...].

O nosso camarada António Rodrigues, em comentário ao blogue do Sousa de Castro, CART 3494 & Camaradas da Guiné, poste P136, de 9 do corrente, diz que estas viaturas blindadas já tinha usado antes, em Copá, no nordeste da Guiné (Aliás, já o tinha escrito, antes no nosso blogue, em poste de 23 de novembro de 2010):

(...) "Eu e os meus camaradas, enfrentamos essas mesmas viaturas [ duas,] durante o forte ataque desencadeado pelo PAICG a Copá, na noite de 7 para 8 de Janeiro de 1974, tendo uma delas derrubado o arame farpado e penetrado dentro de Copá cerca de 10 metros. António Rodrigues  1ª. CCAV / BCAV 8323 Copá 73/74" (...).

Diz-se neste Poste que o PAIGC a 31 de Março de 1974 apareceu com viaturas blindadas no ataque a Bedanda (Cubucaré).

Na realidade, ainda não se sabe com rigor que tipo de viaturas se tratava... É mais provável  que se tratasse de veículos de reconhecimento, anfíbios (tipo BRDM),  ou de viaturas de reeconhecimento para transporte de tropas (tipo BTR)... De qualquer a sua utilização na Guiné de viaturas blindadas, por parte do PAIGC (mas também pelas NT), estava muito condicionada por diversos fatores adversos: geografia, hidrografia, clima... Os especialistas da guerra colonial Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes escreveram o seguinte sobre as "viaturas de combate" do PAIGC:

(...)" Em fevereiro de 1974, foram referenciadas viaturas pesadas paraa rebocar morteiros de 120 mm no Norte da Guiné, zona de Canquelifá, junto à fronteira com o Senegal. Dias mais tarde foram detectadas, em ataque à guarnição portuguesa de Bedanda, no Interior-Sul do território, viaturas blindadas provavelmente  BRDM, BTR, PT-76 ou PT-34, todas de origem soviética". (In: Afonso, A.; Gomes, C. M. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d, p. 259).

2. Aqui vai o excerto do Diário do AGA (com a devida vénia):


 (...) Cufar, 3 de Abril de 1974

A guerra está feia. Bedanda embrulhou durante todo o dia, um ataque tremendo, doze horas consecutivas de fogo. A festa só acabou à noite com uma espécie de cerco à povoação levado a cabo pelos homens do PAIGC.

Em Cufar, tão próximo, além de distinguirmos nitidamente as rajadas de metralhadora de mistura com os rebentamentos dos RPG, foguetões e canhão, à noite viam-se as balas tracejantes e as explosões no ar.

Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda. Existe uma estrada que vem da Guiné-Conacry, passa junto a Guileje – abandonada pela tropa portuguesa, – entra pela região do Cantanhez e termina em Bedanda. O IN está a utilizar esse percurso para deslocar camiões carregados com todo o tipo de armamento, em seguida é só despejar sobre os aquartelamentos portugueses mais expostos e fáceis de alcançar, como Chugué, Caboxanque, Cobumba, Bedanda, Cadique e Jemberém.

Bedanda é uma povoação grande, a maior do sul da Guiné depois de Catió. Terá uns cinco mil habitantes e ontem já se falava em abandonar o aquartelamento. A população africana saiu da vila, ficando por próximo.

Bedanda levou com mais de sessenta foguetões e centenas e centenas de granadas de RPG, morteiro e canhão sem recuo. Foi medonho, há muita coisa destruída, mas tiveram sorte, contam-se apenas dois feridos, um furriel e um negro que levou um tiro nas costas. A tropa passou mais de doze horas metida nas valas.

Espera-se novo ataque a Bedanda. As NT já foram remuniciadas e há promessa de se enviarem mais militares para defender a terra. Os guerrilheiros também devem ter ido descansar e reabastecer-se.

Todas estas flagelações, apesar de serem destinadas aos vizinhos do lado, deixam marcas em todos nós. São horas, dias, meses a ouvir continuamente o atroar dos canhões da guerra. Eu ando um bocado desconexo, excitado, “apanhado”. Quase não tenho dormido, são as sensações finais, o cansaço, o desamor à mistura com o alvoroço do regresso a casa. (...)

______________

Notas do editor:

(*) Vd.poste de 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9368: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte I)

(**) Último poste da série > 14 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9352: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (4): Os foguetões 122 mm que vi, ouvi e contei ao longo de quase dois anos...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7333: Dando a mão à palmatória (26): A reparação, moral, que é possivel fazer, neste momento, aos camaradas de Copá (Virgínio Briote)

1. Mensagem do nosso querido amigo, camarada e co-editor deste blogue, Virgínio Briote (que tem estado de licença sabática) [ na foto à direita, Alf Mil Comando, Café Bento, Bissau, Maio de 1965] :

Data: 24 de Novembro de 2010 18:58
Assunto: Copá


Caros Luís, Carlos e Eduardo,
  
(...) Em relação ao caso de Copá (*) tenho, antes de mais, que referir que o Amadu Djaló é totalmente alheio às notas de rodapé. Essa foi por mim acrescentada com base na informação escrita no livro do Fernando Henrique.

Na grande maioria das notas que fiz recorri a mais do que uma fonte. Lamentavelmente não o fiz neste caso de Copá e causei danos a Camaradas de uma forma injusta. E neste momento não me é possível reparar o erro (todos os exemplares da 1ª edição foram vendidos). No caso de vir a ser feita uma 2ª edição prontifico-me a corrigir em nota de abertura. A outra possibilidade é de o fazer no próximo livro do Amadu, que está em preparação.
Da minha parte quero pedir desculpa ao António Rodrigues e a todos os Camaradas de Copá que não se revêem na forma como a nota foi, por mim, redigida.

Um abraço
vbriote

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Guiné 63/74 – P7320: Controvérsias (111): Copá: Quero aqui repor a verdade dos factos! (António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, membro da nossa Tabanca Grande, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323,
Copá, 1973/74, autor do manuscrito “Memórias de um Soldado", enviou-nos a seguinte mensagem (que nos chegou através da sua filha, Sandra Rodrigues, e do António Graça de Abreu):

Quero aqui repor a verdade dos factos!
Estimados Amigos e Camaradas da Guiné,

Fazendo jus à palavra de ordem do Blogue (Não deixes que sejam os outros a contar a tua História por ti!) depois de ter lido os livros "No Ocaso da Guerra do Ultramar", de Fernando de Sousa Henriques, e "Guineense Comando Português", de Amadu Bailo Djaló, fiquei deveras estupefacto e com uma espécie de murro no estômago, com as mentiras e enormidades que lamentavelmente o autor do 1º. e o editor do 2º. livros escrevem sobre Copá, deturpando a verdade da História e de alguns factos aí ocorridos.

Ora, eu como protagonista, que junto, com os meus camaradas, vivemos e presenciámos esses mesmos factos, não posso nunca, enquanto viver, permitir que quem quer que seja, escreva mentiras tão torpes, induzindo em erro todos os seus leitores, e por isso quero aqui repor a verdade dos factos, até porque eu e os meus camaradas da altura nos sentimos bastante ofendidos com o que nesses dois livros está escrito sobre o mesmo assunto.

Relativamente ao primeiro caso, no capítulo "Os Derradeiros Dias do Destacamento de Copá" (página 329), o autor escreveu que este destacamento era comandado por um furriel, e termina o capítulo (ao qual dedica cinco páginas) exarando um voto de louvor a esse furriel e aos seus dois ou três acompanhantes que junto dele sempre se mantiveram. [Sobre este livro, vd. também poste do nosso camarada Hélder de Sousa, de 10 de Novembro de 2008].

Diz também que, aí pela segunda quinzena de Fevereiro [de 1974], depois de uns três dias seguidos de assédio forte a Copá e aí a meio de uma tarde que nunca esqueceremos, foram aparecendo aos poucos e em pequenos grupos, ou isoladamente os elementos provindos daquele destacamento. Sem o saberem deixaram para trás o furriel, o fulano das transmissões e não sei se mais alguém.

Nada mais falso do que isto. Senão vejamos:
(i) Na segunda quinzena de Fevereiro de 1974, já não havia um único soldado em Copá, fomos evacuados no dia 12;
(ii) A partir do dia 13 de Janeiro desse ano, a guarnição de Copá ficou constituída por 40 militares todos brancos, pertencentes à 1ª. Companhia do BCav 8323, aquartelada em Bajocunda (o comando do batalhão estava em Pirada), vinte e sete homens do 4º. Pelotão que já lá se encontravam desde 18 de Novembro de 1973 comigo incluído, comandado por um alferes, dois furriéis, quatro primeiros-cabos e vinte soldados;
(iii) A 13 de Janeiro de 74 fomos reforçados com mais 13 homens do 1º. Pelotão da mesma companhia, dois furriéis e onze soldados.

Ora qualquer leitor que desconheça a verdade, ao ler o referido capítulo do livro, fica com a ideia que a quase totalidade destes militares fugiu ou desertou (miseráveis desertores,  como escreve o autor).

A verdade dos factos por mim testemunhada é a seguinte.
- Como atrás referi, o comando do destacamento de Copá sempre pertenceu ao alferes comandante do 4º. Pelotão que lá se encontrava e nunca a um furriel: 1ª. mentira.

- Depois de vários dias seguidos de forte assédio de bombardeamentos a Copá, (estávamos a ser bombardeados todos os dias desde o dia 31 de Janeiro,  dia em que foi abatido um FIAT G91) ficamos com o aquartelamento destruído e com a moral em derrocada,  como escreve o autor (e é verdade) e no dia 9 de Fevereiro, durante mais um bombardeamento, a meio da tarde, 5 camaradas nossos fugiram para Canquelifá,  a cerca de 12 kms de Copá, 4 dos quais regressaram ao amanhecer do dia seguinte (o 5º. recusou-se a regressar e foi sobe prisão para Nova Lamego, donde regressou mais tarde à companhia já em Bajocunda).

Donde se conclui que não houve nenhum furriel que ficasse sozinho em Copá,  acompanhado de 3 homens, porque 35 de nós mantivemo-nos firmes em Copá até ao fim, junto do nosso alferes que de facto nos comandava.
Quando li o livro fiquei bastante irritado, ao sentir que também eu era considerado mais um miserável desertor, o que como se vê pelo exposto não é verdade.

A prová-lo, segue junto uma cópia da ordem de serviço nº. 9 de 12 de Abril 74 da 1ª. CCav / BCav 8323,com um louvor aos 35 que nunca fugiram de Copá.
Ora que eu saiba, quem é desertor não recebe louvores.

Curiosamente, ainda no capítulo do livro referente a Copá, o autor escreve o seguinte (página 332):

Normalmente durante a noite, ouvíamos o roncar de viaturas que deviam proceder ao reabastecimento das diferentes posições no terreno ou, então, à mudança das mesmas com transportes de pessoas, armas e munições.

Esta situação trazia-me preocupado, pois se viessem ao assalto ao nosso aquartelamento a nossa oposição seria difícil, no caso de utilizarem viaturas blindadas, de que já se ouvia falar, uma vez que só dispunha-mos de umas três ou quatro bazucas, usadas nos patrulhamentos e sem nenhum pessoal treinado para a luta anti-carro. Os RPG-2 e RPG-7, usados pelo IN, revelavam-se de manejo mais fácil e eficaz.

Também em Copá se ouvia de vez em quando o roncar dessas viaturas durante a noite.

Ora nós em Copá, no dia 7 para 8 de Janeiro de 74, enfrentámos o assalto do PAIGC ao nosso aquartelamento, precisamente com dois blindados, um dos quais chegou a entrar dentro do aquartelamento e nós na altura,  só com 27 homens (bazucas uma) e muita sorte, lá os conseguimos repelir.
Conclusão: acho que o autor deveria ter pesquisado mais qualquer coisa para escrever a verdade, ainda por cima tendo estado no aquartelamento que estava mais perto de nós e na mesma altura. Quanto ao resto do livro, estou de acordo com o que está escrito em geral.

Lamentavelmente, o editor do livro "Guineense Comando Português" também escreve na página nº. 262 - em nota do editor nº. 291 -, o seguinte:

O destacamento de Copá (da Companhia de Pirada BCav 8323), depois de três dias de intensas flagelações, foi temporariamente abandonado durante a tarde de 13Fev74 pela maioria dos militares da guarnição, que, em fuga se dirigiram para Canquelifá deixando no aquartelamento um furriel e dois ou três camaradas. Na manhã de 14Fev74, os militares foragidos regressaram ao seu destacamento que, depois de armadilhado e minado, foi oficialmente extinto em 05Abr74.

Isto parece-me uma cópia tirada a papel químico do livro "No Ocaso da Guerra do Ultramar". Ora pelo acima exposto mais uma vez isto não corresponde à verdade e tenho pena que isto não venha a ser corrigido quer num quer no outro livro. Comentários para quê: é uma pobreza Franciscana.

Nota final: Soube recentemente, através de uma pessoa que se deslocou à Guiné e a Copá e falou com os guerrilheiros da altura, que lhe disseram que, durante os combates na noite de 7 para 8 de Janeiro de 74, com carros de combate do PAIGC, lhes matamos o comandante que os comandava nessa noite. E a minha conclusão é que esta foi mais uma razão para eles retirarem ao fim de 01,10 horas e assim termos escapado a uma quase eminente captura.

Conclusão, faço votos para que quem escreve sobre estas coisas procure ser bastante mais rigoroso.

Transcrição da ordem de serviço Nº 09 de 12 de Abril de 1974 da 1ª C.CAVª./B. CAVª. 8323.RESERVADO Pág. Nº 74

Continuação da ordem de serviço Nº09 de 12 ABR 74 da 1ª. C.CAVª./B.CAVª. 8323

3º. Louvo os Militares abaixo designados porque:
Tendo feito parte do Destacamento de Copá, sobre o qual o IN desencadeou fortíssimas e a partir de 31 Janeiro, ininterruptas flagelações da maior violência e duração, evidenciando notável serenidade, coragem, capacidade de sofrimento e elevado espírito de missão, constituíram-se como verdadeiros exemplos de virtudes Militares, tendo com a sua atitude, merecido o respeito, consideração e apreço de todos os seus camaradas e superiores, sendo inclusivamente citados pela sua conduta em mensagens expressas por S EXA CMDT CHEFE, escrevendo já uma página para os Factos e Feitos do BCav 8323,que se orgulha de os ter nas suas forças.
Por tais actos, justo se torna que publicamente se dê testemunho do conceito em que a sua conduta é tida, o que faço através do presente louvor.
Às praças são concedidos 10 (dez) dias de licença nos termos do Artº. 107º. do R.D.M.
(O.S. Nº. 55 DO B. CAVª. 8323)

1ª. CCV./ B. CAV. 8323 – 1º. PELOTÃO

- Fur. Milº. Nº. 16891072 – CARLOS EUGÉNIO A. P. SILVA
- ..“..... “..... Nº. 18533372 – JOSÉ CARLOS PEIXOTO MOTRENA
- SOLDADO Nº. 00605573 – CARLOS AMÍLCAR DA C. BARATA
- .......“........ Nº. 01372673 – JOÃO MANUEL DA SILVA FRANCISCO
- .......“........ Nº. 01620173 – MANUEL GERALDES ALEXANDRE
- .......“........ Nº. 02703373 – ANTÓNIO MANUEL PIRES
- .......“........ Nº. 02915273 – MANUEL CARVALHO
- .......“........ Nº. 02965173 – ANTÓNIO JOSÉ CARDOSO GASPAR

1ª. C.CAV/B.CAV 8323 – 4º. PELOTÃO

- ALF. MILº. Nº. 04718772 – MANUEL JOAQUIM BRÁS
- FUR. MILº. Nº. 12876872 – GUILHERME MANUEL ROSAS DA SILVA
- ... “..... “...... Nº. 15767472 – JOSÉ LUÍS FILIPE
- 1º. CABO Nº. 02510373 – FRANCISCO RODRIGUES FERREIRA
- “...... “.... Nº. 02963673 – JAIME DE JESUS TIAGO
- “......“..... Nº. 03151673 – JOÃO GONÇALVES RIBEIRO
- “...... “.... Nº. 17515373 – FERNANDO DE SOUSA DAS NEVES
- SOLDADO Nº. 00235371 – JOSÉ MARIA DA SILVA C. MAIA
- .......“........ Nº. 01004773 – ALFREDO MANUEL DA SILVA TOMÁZ
- .......“........ Nº. 01217273 – JOSÉ BORGES VICTOR
- .......“........ Nº. 01375373 – JOSÉ DO ROSÁRIO FERNANDES
- .......“........ Nº. 01385673 – DOMINGOS DE ALMEIDA
- .......“........ Nº.01591473 – ANTÓNIO CARLOS DE JESUS
- .......“........ Nº. 01703075 – JOÃO REIS SILVA
- .......“........ Nº. 01960473 – CASSIANO PEREIRA DE SOUSA
- .......“........ Nº. 02612773 – MANUEL PIRES ESTÊVÃO
- .......“........ Nº. 02860473 – MANUEL JOSÉ MIRANDA DA SILVA
- .......“........ Nº. 02897673 – ARLINDO MARQUES TEIXEIRA
- .......“........ Nº. 03086073 – ANTÓNIO DE OLIVEIRA LEAL
- .......“........ Nº. 03179673 – GABRIEL VIEIRA DIAS LOBO
- .......“........ Nº. 03203073 – JOÃO FERNANDES PIRES
- .......“........ Nº. 03425073 – JOÃO MANUEL DA SILVA CUSTÓDIO
- .......“........ Nº. 08984273 – FRANCISCO VAZ GONÇALVES
- .......“........ Nº. 17232372 – MANUEL VICENTE ANTUNES
- .......“........ Nº. 17365472 – JOAQUIM MANUEL DOS SANTOS
- .......“........ Nº. 03566873 – FRANCISCO ANTÓNIO DE BRITO
- .......“........ Nº. 01852273 – ANTÓNIO RODRIGUES

4º. Louvo o 1º. Cabo Enfermeiro Nº. 15226573 – José Manuel Magalhães Teixeira porque, fazendo parte da força que, em 07JAN74 foi fortemente emboscada na picada para Copá e apesar de ferido, encontrou força e ânimo para mesmo nessa situação continuar a tratar dos vários feridos e relegando-se a si próprio para último lugar, quando já exausto, terminara praticamente a sua Missão.
Evidenciou assim o 1º. Cabo Teixeira, notável estoicismo e abnegação que importa realçar, o que faço através do presente louvor, que ao abrigo do Artº. 107º. do R.D.M., é acompanhado de 10 (dez) dias de licença. (O. S. Nº. 72 DO B. CAVª. 8323)

RESERVADO

Forte abraço para todos os Ex-Combatentes.
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

13 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7277: Controvérsias (110): O que era ser ranger entre 1960 e 1974? (3) (Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 4745)