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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20858: (De)Caras (152): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte I (Depoimentos do embaixador Nunes Barata, e do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: (i) o alf mil António Pinto; (ii) o  Mário [Rodrigues]  Soares, comerciante de Pirada e "agente duplo", segundo era voz corrente; (iii) o alf méd médico (e grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes (1933-2012( ; e (iv) e o alf mil Spencer.

Foto (e legenda): © António Pinto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu >  Setor L6 > Pirada > c. 1973/74 > 14 de Fevereiro de 1974, ten cor cav, cmdt do batalhão e o célebre comerciante  Mário Soares (este em primeiro plano: dizia-se que tinham contactos privilegiados com os "dois lados da guerra", as NT e o PAIGC, ou pelo menos, as autoridades senegalesas).

O ten cor cav Jorge [Eduardo Rodrigues y Tenório Correia] Matias, cmdt do BCAV 8323/73, que estava sediado em Pirada (, o comando, a CCS e a 3ª C/BCAV 8323/73) faz aqui uma homenagem, emocionada aos bravos de Copá, o 4º pelotão, da 1ª C/BCAV 8323/73, comandado pelo alf mil at cav Manuel Joaquim Brás, e a que pertencia o António Rodrigues, e reforçada por mais uma secção, do 1º pelotão, comandada pelo fur mil Carlos Eugénio A. P. Silva.

Foto (e legenda): © António Rodrigues. (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. O célebre comerciante de Pirada, Mário [Rodrigues]  Soares era uma figura "intrigante"... Conviveu com vários camaradas nossos, ao longo da guerra, como o António Pinto (*) ou o Carlos Geraldes(**)... Dizia-se que tinha relações privilegiadas com os dois lados do conflito, as NT e o PAIGC. Dizia-se inclusive quer era um "agente duplo", trabalhando para a PIDE/DGS e para o PAIGC. Ora, não temos provas disso. Está em causa a sua honra. 

Temos que ser cautelosos, não fazer juízos apressados sobre o comportamento dos comerciantes portugueses e outros (libaneses, cabo-verdianos...) que ficaram no mato, apesar da guerra. Em boa verdade, a tropa tinha tendência para pôr em causa a "lealdade" dos comerciantes, colocados num posição difícil no interior da Guiné.

Do Mário Soares sabe-se que tinha bons contactos no Senegal. E que  desempenhou o seu papel na história da indepência da Guiné-Bissau.  Foi através dele que o gabinete do Governador António Spínola consegiu chegar ao Leopoldo Senghor (como se depreende de um histórico depoimento do embaixador Nunes Barata, ex-alf mil, na altura, colaborador íntimo de Spínola,  de que a seguir reproduzimos um excerto; por lapso, chama-lhe António Mário Soares)...

Não sei o que é feito  dele, é provável que já não esteja entre o número dos vivos. Em 1974 já teria cerca de 40 e tal  anos, a avaliar pelas fotos acima reproduzidas,  Li algures (, já não posso precisar onde...) que ficou na Guiné, depois da independência, mas terá saído do país ainda no tempo do Luís Cabral, em novembro de 1975.  Sabemos, pelo Carlos Geraldes, que em 1964/65, era casado, tinha duas filhas e um filho e era natural de Lisboa. Luísa era o nome da esposa. A filha mais chamava-se Rosa, o filho do meio era José (e estudava em Lisboa) e mais nova, Eva Lúcia, tinha nascido em 11/9/1957.

Alguém dos nossos leitores ainda se lembra dele, do  Mário Soares ? Tem fotos e histórias dele ?

O seu nome era referido com muita frequência nas cartas que o Carlos [Adrião] Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66) mandava para casa, e de que foi publicada uma seleção no nosso  blogue, em 2009 (**).

O Carlos Geraldes conheceu o Mário Rodrigues Soares quando a sua companhia, a CART 676, chegou a Pirada, em 15 de outubro de 1964, vinda de Bissau (via Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego). Vão tornar-se amigos. O Carlos passa a ser visita frequente da sua casa. E descreve-o logo nestes termos: "É uma excelente pessoa. Muito gordo, de bigodinho à brasileiro, mas sempre de boa disposição, irradiando simpatia na forma franca e directa com que trata toda a gente branca ou preta." (Pirada, 15/10/1964). E defendo-o das suspeitas de colaborar com o IN.

Estamos a reler as suas cartas, que nos ajudam a perceber melhor a personalidade e o comportamento deste comerciante português, "bon vivant", hospitaleiro, insinuante, amável, prestável, com um vasto capital de  relações sociais, a nível interno e até externo (com as autoridades e os comerciantes do outro lado da fronteira, no Senegal). Nesta I parte, selecionámos excertos das cartas para a família, do período de Outubro de 1964 a março de 1965, e em que o Carlos faz referências ao seu "amigo M. Santos", pseudónimo de Mário Soares.

Segundo a historiadora Maria José Tístar ("A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Coilibri, 2017), o comervciamte  António Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal, seria  um "agente duplo":  informador da PIDE/DGS,  e ao mesmo tempo informador do PAIGC.

Contrariamente ao Rodrigo Rendeiro,  comerciante de Bambadinca,  que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o Mário Soares terá ficado na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975. (***)

A CART 676 foi mobilizada pelo RAP 2, partiu para o CTIG em 8/5/1964 e regressou a 27/4/1966. Esteve em Bissau, Pirada e Bissau. Comandante: cap art Álvaro Santos Carvalho Seco.


1. Depoimento do embaixador João Diogo  Munes Barata:

[Alferes miliciano na Guiné (1970); secretário e, posteriormente, chefe de gabinete do Governador da Guiné, general António de Spínola (a partir de Maio de 1971); adjunto diplomático da Casa Civil do Presidente da República, António de Spínola (Maio a Setembro de 1974),  tendo no desempenho deste cargo, colaborado no processo de descolonização; delegado do MNE na Junta de Salvação Nacional]

(...) Com essa ideia, portanto, com a ideia de avançar no processo de descolonização, o general tentou estabelecer contactos com o Governo senegalês e, através dele, com o PAIGC. Os primeiros contactos foram feitos através do chefe da delegação da PIDE/DGS [em Bissau], o inspector Fragoso Allas e por Mário Soares. Mário Soares, não o Dr. Mário Soares, mas [António] Mário Soares um comerciante de Pirada, um homem que se chamava Mário Soares, mas que era comerciante em Pirada, uma povoação fronteiriça da Guiné com o Senegal. Esse comerciante ….

Eu lembro-me de um dia estar no meu gabinete no Palácio e de o senhor Mário Soares ir lá comunicar que já tinha estabelecido o contacto com o lado de lá e que, portanto, se podiam iniciar as negociações para uma ida, para um encontro do Governador com o presidente Senghor. Houve previamente um encontro. O general Spínola foi duas vezes ao Senegal (acompanhei-o em ambas as visitas).

A primeira, para um encontro com o ministro senegalês dos Assuntos Parlamentares, porque evidentemente o presidente Senghor, na altura, ainda não sabia bem quais eram as ideias do general Spínola e não quis, evidentemente, romper as exigências protocolares e, como chefe de Estado encontrar-se com o governador de uma província, de uma colónia. E mandou um ministro. (...) (****)


2. Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos [Adrião] Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), que se tornou amigo do Mário Soares e visita frequente da sua casa... Reprodução de excertos das suas cartas com referência explícitas ao Mário Soares:


Parte I (outubro de 1964 - março de 1965) (*****)

Pirada, 15 de outubro de 1964


(...) Segunda-feira de manhã partimos para Pirada. (...)

Começámos logo por ser apresentados ao comerciante mais importante cá da terra, o Sr. Mário Soares, um grande amigalhaço de toda a tropa que por aqui tem permanecido. Acompanhado de um empregado que segurava um enorme cesto cheio de pão fresco acabado de sair do forno. Ali mesmo no meio da estrada, começou a distribui-lo pelos soldados que o recebiam boquiabertos de espanto. Não poderia haver melhor recepção de boas vindas. Um verdadeiro luxo.

(Daqui em diante, sempre que mencionar esta personagem, designá-lo-ei pelo pseudónimo, M. Santos, para não suscitar quaisquer parecenças, com a figura pública actual que todos conhecem) (...)

(...) Quanto à nossa casa é esplêndida. Tem um grande quintal, com um poço no meio e uma larga extensão cimentada debaixo de um enorme alpendre, encostado à casa, sob o qual tomaremos as nossas refeições, quando tivermos aqui a nossa Messe. A casa é fresquíssima e dorme-se aqui muito bem, pois não tem mosquitos! Faltam apenas os móveis, mas temos cá um carpinteiro indígena muito habilidoso que já nos está a fornecer mesas e cadeiras. Camas temos duas de casal, uma em madeira, outra em ferro, emprestadas pelo M. Santos. Os sargentos estão a dormir em camas de ferro militares, que trouxemos. (...)

(...) Quanto à luz eléctrica, por enquanto não está montada, embora tenhamos um gerador trifásico de 220 Volts, movido por um motor a diesel. Só estamos à espera de arranjar fio para fazer a instalação por toda a aldeia. Contamos que lá para Janeiro se possam pôr de lado os Petromax e se pense até na possibilidade de sessões de cinema com uma máquina de projectar do Sr. M. Santos.

É uma excelente pessoa. Muito gordo, de bigodinho à brasileiro, mas sempre de boa disposição, irradiando simpatia na forma franca e directa com que trata toda a gente branca ou preta.


É o nosso Anjo da Guarda. Todos os dias manda cá o criado dele, o Demba, com uma garrafa de água filtrada e um termos com cubos de gelo, para que nunca nos falte água fresca no quarto. É um indivíduo que, mesmo aqui, longe da nossa civilização, não descura todos os pormenores de conforto para criar à sua volta um ambiente requintado e de um bom gosto que se julgaria inacreditável encontrar por estas paragens. 

Vive como um nababo indiano rodeado por uma família tranquila (a esposa e duas filhas) e que, pelo menos, aparenta a mais completa felicidade. Um verdadeiro achado que vim encontrar aqui neste fim do mundo mas, estou bem em crer, quase princípio do Paraíso.

Já começou a afluir gente vinda de todo o lado, até do Senegal, para se tratar no nosso posto clínico, pois a novidade de termos um médico na Companhia, depressa se espalhou. Aliás, a dois passos daqui, estão os nossos principais informadores, nas pessoas do chefe da polícia e outros funcionários administrativos da aldeia senegalesa nossa vizinha, com quem o nosso amigo M. Santos mantém fortes relações de interesses mútuos. São eles os primeiros a comunicar a presença de grupos armados que habitualmente passam por esta zona a caminho da região centro da Guiné, o Oio. Está até combinada uma jantarada em que eles serão nossos convidados. (...)

Pirada, 1 de dezembro de 1964


(...) Bafatá é uma vilória bastante razoável. Tem um clube que até dá cinema todos os dias. A energia eléctrica é fornecida por um gerador a diesel, um bocado velho e a luz está constantemente a ir abaixo. Mas é melhor que nada. Fui lá este fim-de-semana com o M. Santos e a família, e não deixei escapar a oportunidade de farejar um pouco de civilização.

Hoje também posso dizer:

- Olhem, sabem? No sábado fui ao cinema! Agora não são só vocês que me dizem isso em todas as cartas que me escrevem.

Por acaso até era um filme do Jerry Lewis, que já tinha visto, “Jerry, Primeiro Turista do Espaço”.

Jantámos em casa de um comerciante amigo do M. Santos e, no domingo, almoçámos em casa do Secretário da Administração, outro amigo dele e que, conforme vim a descobrir, depois, é de Viana! Falámos sobre a nossa terra, recordando os tempos em que andou no Liceu, que nessa altura seria ainda, evidentemente, o Liceu Velho.

Bajocunda, 8 de fevereiro de 1965

(...) Ontem, domingo, fui até Pirada, resolver alguns assuntos pendentes e aproveitei para rever os amigos que lá deixei, o M. Santos e a família, (...)

(...) O M. Santos, como sempre, faz questão em receber-me para jantar, o que eu nem me atrevo a recusar, tão maravilhosos são os jantares em casa dele.

Quando finalmente regressei a Bajocunda já passavam das 23h00, hora propícia para eles andarem por aí a preparar alguma emboscada… mas felizmente, por enquanto ainda não se resolveram.
Na noite anterior tinha também visitado, de jeep, algumas tabancas por aqui perto, para dar uma impressão de que estamos sempre vigilantes a qualquer hora do dia e que podem confiar na tropa para os proteger, caso venham a ser atacados por algum grupo armado que, vindo do Senegal, resolva fazer política de terra queimada para assustar as populações e levá-las a abandonar este território, que é o que esta gente mais teme.

Quem me sugeriu a ideia para esse passeio nocturno, e até me serviu de guia, foi um comerciante de Bajocunda, o Sr. António Costa. Muito alto e muito gordo, este indivíduo de raça negra é também um grande bonacheirão que gosta imenso de beber e de receber visitas mas que no entanto não chega aos calcanhares do M. Santos, lisboeta de gema, recém incluído nestas guerras por ter tido dificuldades financeiras na Metrópole, segundo se consta.  (...)

Bajocunda, 22 de fevereiro de  1965


(...) O M. Santos, por várias vezes já me mandou recado para ir lá [, a Pirada,]  comer uns camarões ou umas sardinhas assadas mas, obviamente, nem tenho podido. (...)


Bajocunda  1 de março de 1965


(...) Ontem à noite, antes de jantar, estivemos em Pirada, eu o Gabriel e o Inácio (outro alferes da mesmo Companhia de Cavalaria, que gradualmente se está a juntar a nós em Bajocunda). 

O M. Santos recebeu-nos com a habitual cortesia mas não conseguimos ficar lá muito tempo, pois o capitão começou a resmungar pelo facto de terem vindo todos os oficiais de Bajocunda, de maneira que, a contragosto, tivemos de vir embora. Aliás, desde que apanhou aquele susto na estrada Bajocunda-Canquelifá, o capitão nunca mais foi o mesmo. (...)


Pirada, 15 de março de 1965


Estou de novo em Pirada, onde me sinto como em casa. Foi um verdadeiro alívio deixar Bajocunda pois não consegui afeiçoar-me aquilo de maneira nenhuma. 

Isto aqui, em Pirada, é muito mais airoso, há muito mais população, a Messe é fora do quartel e tenho o meu amigo M. Santos que continua a ser uma excelente pessoa.

Bajocunda ficou entregue a uma Companhia de Cavalaria e nós ficámos apenas com Pirada e Paúnca. É muito menos trabalhoso. (...)


Pirada, 21 de março de 1965



Mais uma vez aqui estou a colocar, à pressa, a escrita em dia, à luz do Petromax, pois desta vez adiantaram o dia do Correio. Tenho de fazer serão para poder chegar a tempo. Mas não faz mal, amanhã só me levantarei lá para as dez da manhã.

Aqui dorme-se muito. Depois do almoço, dorme-se a sesta, quase sempre até às 4 da tarde. Depois quando há serviço para fazer, vamos até ao quartel. Quando não há, toma-se banho, jogamos o Ôri ou vamos a casa do M. Santos beber uns whiskies.

Autêntica vida de malandro! Quero dizer… de guerreiro! Porque de vez em quando também se vai para o mato a qualquer hora do dia ou da noite e fica-se por lá não importa quanto tempo, a dormir em que cama houver, ou mesmo até sem dormir!

E quando o Manel Jaquim [, o homem do cinema ambulante,]por cá aparece, lá tenho de pagar os bilhetes a uma data de gente muito simpática que me enche de mimos, interesseiros, claro!
-“Alfero Gérardis, bonito, boniiito… dimais!!!” – são os elogios que estou sempre a ouvir, por esta acção psico-social, actividade a que agora me dedico no intervalo das guerras. (...)

[Seleção, fixação, revisão de texto, e realces a negrito e a amarelo: LG]

(Continua)

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28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4875: Cartas (Carlos Geraldes) (4): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1964

terça-feira, 19 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16317: Controvérsias (132A): Quem conta um conto, acrescenta-lhe sempre um ponto... A morte do comandante Mamadu Cassamá,e as viaturas blindadas, em Copá, em 7/1/1974 (confrontando duas versões, a do guineense Bobo Keita, "o comandante dos tanques anfíbios" e a do escritor cubano Ramón Pérez Cabrera)

1.  Depoimento de Bobo Keita, comandante do PAIGC (1939-2009) sobre a morte de Mamadú Cassamá(*), em Copá, em 7/1/1974:


"Mamadú Cassamá morreu no ataque a Copá. Tomei parte nesse ataque, juntamente com o camarada Paulo Correia. O Mamadú era dos que ainda acreditavm na 'força' dos amuletos... Avançou muito e foi até aos arames  que circundavam o quartel,  Pegou nos arames e fez força para os arrancar. Foi localizado e um tiro cverteiro silecncoiu-o de vez. O Mamadú Cassamá era o camdante daqule zona".

In: Norberto Tavares de Carvalho, De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes. p. 244.


Bobo Keita, já antes, noutra passagem se tinha referido a Copá e à utilização de viaturas blindadas;(p. 193):

"Para o assalto a Copá, que fica a uns trinta quilómetros da cidade senegaleas de Wassadou,  peguei em dois dos meus tanques (sic), constitui um comando e fomos à emboscada.  A operação em Copá contou com Quemo Mané, comandante de infantaria. Copá também não foi fácil para os tugas, Alinhámos um número razoável de combatentes, menor que Guileje e Guidaje, e o objetivo era o de isolar os colonialistas. A tomada do quartel não nos interessava, queríamos somente convencê-los  de que não tinham mais nenhuma escapatória e que deviam partir da nossa terra".

Infelizmente, Norberto Tavares de Carvalho, nas longas conversas com Bobo Keita, não explorou devidamente o fato de este ter sido nomeado, ainda em vida de Amílcar Cabral, " comandante dos tanques anfíbios" (sic) ou   "chefe dos blindados",  em substituição do Inocêncio Cani (1938-1973), antigo comandante da marinha do PAIGC, que iria ser o carrasco do  líder do PAIGC, em 20/1/1973 (vd. pp. 165 e ss.)...

No início do cap. XII, pode ler-se (p. 177): "Depois do funeral do Amílcar, realizado no dia 1 de fevereiro de 1973 em Conacri, fui tomar conta dos tanques anfíbios (sic)", tendo seguido depois  "de Boké para o Leste em março de 1973".

Em conclusão: o PAIGC já tinha viaturas blindadas anfíbias e vai usá-las contra Copá, em janeiro de 1974, de acordo com o testemunho (insuspeito) do nosso camarada António Rodrigues, um dos bravos de Copá (*). 

Mas fica a dúvida por esclarecer:  o PAIGC  tinha duas ou mais "viaturas blindadas" de tipo anfíbio  ? Eram mesmo do PAIGC ? Ou eram emprestadas pelo Sékou Touré ? Seriam do tipo  BRDM-2 ? Se sim, por que é que o Bobo Keita não se faz transportar nelas,  na "viagem triunfal" até Bissau,  em setembro de 1974 ?

2.Excerto de: Ramón Pérez Cabrera - "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba" (edição de 2005), p. 1979


[Com a devida vénia...Sublinhados nossos] [Extensas partes do livro podem ser consultadas, em modo de pré-visualização, no portal da Kilibro]


3. Aristides Ramón Pérez Cabrera (n. 1939) não é nem jornalista nem historiador, e muito menos um investigador independente.  É um "homem de partido", é um homem do regime castrista, que chegou ao comité central do Partido Comunista, pelo que se não pode esperar do seu livro "La historia cubana en África", publicado em 2003, uma obra isenta, objetiva, imparcial, crítica, etc. Tal como muita da tralha "chauvinista", "trauliteira e patrioteira" que todos  nós escrevemos e continuamos a escrever sobre o glorioso passado dos nossos países europeus (nós, os portugueses, os espanhóis, os franceses, os ingleses, os alemães, os italianos, os suecos, os russos, etc.).

Muito menos foi, tanto quanto sei, o nosso Cabrera,  um combatente "internacionalista" que tenha arriscado o coirão nas bolanhas da Guiné ou nas savanas do sul de Angola... Os elementos que juntou para escrever "La historia cubana en África" e as informações que publicou, devem ser tomadas com as naturais reservas... É um trabalho de pesquisa bibliográfica e de recolha de testemunhos, que tem alguém interesse documental.  

Não tendo formação (científica) em história, é natural que corra o risco de descambar para o panegírico, a propaganda, a tirada patrioteira, sem grande preocupação com o rigor factual e o respeito pela verdade, o contraditório, a triangulação, a exploração  de outras fontes documentais, etc.

É o caso, por exemplo,   do nome do comandante das forças que atacaram Copá em janeiro de 1974... O homem que morreu em 7/1/1974 não era Mamadou Cassamba (sic), mas sim Mamadu Camassá... E não terá morrido a tripular uma das "quatro" (sic)  viaturas  blindadas BTR (ou BRMD) que o PAIGC não devia ter na altura, mas sim de um tiro certeiro, talvez no coração ou noutro órgão vital... disparado pelo nosso António Rdorigues ou algum outro dos bravos de Copá.

O Ramón Pérez Cabrera estava a milhares de quilómetros de distância, provavelmente em Havana, não viu o horror e o heroísmo desses dias em Copá, nem cita fonte idónea... Inclino-me mais facilmente para aceitar, como versosímil,  a versão do  Bobo Keita, que afirma ter estado em Copá nessa noite, tal como o comandante da Frente Leste, o Paulo Correia, valente guerrilheiro balanta, com várias  e importantes funções políticas a seguir à independência, que irá morrer muito mais tarde, em 1986, fuzilado, depois de barbaramente torturado  pelos esbirros do 'Nino' Vieira, na sequência de uma inventona....

Enfim, tudo indica que o  Cabrera, ingénua ou deliberadamente,  terá inventado um versão "heróica" para a morte (estúpida) de um comandante de guerrilha que nem sequer devia ter "carta de condução" de BTR (ou BRDM)... 

Aliás, o Bobo Keita, velha glória do futebol no tempo dos "tugas", não parece ter grande consideração pelo seu camarada Mamadu Cassamá: dele diz, com ironia, que  "era dos que ainda acreditavam na 'força' dos amuletos", a exemplo do próprio 'Nino' Vieira (leia-se, dos "mésinhos" que tornavam o "corpinho de bó" impenetrável às balas do "tuga")...

Moral da história: quem conta um conto, acrescenta-lhe sempre um ponto...  LG

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Vd. poste anterior:

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15327: Louvores e condecorações (10): Os bravos Copá, da 1ª C/BCAV 8323/73, que resistiram durante mais de um mês ao cerco do PAIGC


Guiné > Zona leste > Setor L6 > Pirada > BCAV 8323/73 (1973/74) > 14 de fevereiro de 1974 > O 4º Grupo de Combate da 1ª C/BCAV 8323/73, homenageado na parada pelo ten cor Jorge Matias, um dia depois da sua retirada do destacamento de Copá,

Foto: © António Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados. (Edição: LG]





António Rodrigues,
um dos bravos de Copá
Louvor aos "bravos de Copá": ordem de serviço nº 9, de 12 de abril de 1974, da 1ª C/BCAV 8323/73. Copá veio à baila na sequência do poste P1523 (*)...

Depois de um dos dias mais violentos de toda a guerra da Guiné, em 7/1/1974 (**) a guarnição de Copá, junto à fronteira com o Senegal [vd. carta de Canquelifá], fica reduzida a escassas três dezenas de militares metropolitanos, mas conseguiu resistir por mais um mês ao ternaz cerco do PAIGC, abandonando  depois aquela posição em 12/13 de fevereiro de 1974, por decisão do Com-Chefe. (**)

Em 14/2/1974, o comandante do batalhão, o ten cor Jorge Matias, presta uma homenagem pública (e emocionada), na parada de Pirada, aos bravos de Copá (***).

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15323: Em busca de... (239): Pessoal de Pirada ao tempo do BCAV 8323/73... Quem ouvir falar do episódio em que o ten cor cav Jorge Matias terá recebido, em janeiro de 1974, por intermédio do comissário político do PAIGC, em Velingará, um tal Biai, um pedido de Luís Cabral para entabular conversações com as autoridades portuguesas? (José Matos, historiador)

(**) Vd. postes de:

7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)


(...) 7 de Janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei

Na mesma altura em que saiu o pelotão, partiu também para outra zona do mato, nos arredores de Copá na direcção da fronteira com o Senegal, um Africano civil que era nosso informador, que passadas algumas horas chegava com más notícias, disse-nos ele que ali próximo o PAIGC estava estacionado com várias viaturas carregadas de munições para atacar Copá, o que na verdade se veio a concretizar nesse mesmo dia.

Na verdade esse dia 7 de Janeiro de 1974 foi para a minha companhia e particularmente para o pelotão destacado em Copá, o dia mais infernal que lá passamos e que, eu já mais esquecerei.

Entretanto do local da emboscada chegava-nos via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido, dois mortos – o Soldado Rui Silveira Patrício e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro (...)  os primeiros mortos do meu Batalhão. (...)

Ataque a Copá no mesmo dia durante várias horas (das 17h00 às 22h20), ficando a guarnição reduzida a 29 homens

Mas nesse dia as coisas más não tinham terminado, aí, às cinco horas da tarde desse mesmo dia, com apenas pouco mais de um homem em cada posto (porque o restante do pelotão ainda se encontrava no local da emboscada) concretizavam-se as informações que tinhamos recebido de manhã e Copá às dezassete horas em ponto começava a ser atacado de novo pela artilharia do PAIGC.

Os poucos que ali nos encontravamos metemo-nos nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tinhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiros 120 e 82 que carregava sobre nós persistentemente, só cerca das 20H00 é que entrou o restante pelotão em Copá debaixo de fogo, quando a maioria da população aos gritos se punha em fuga das suas tabancas que ardiam infernalmente e fugiam em direcção à Republica do Senegal cuja fronteira ficava dali a 3 Kms.

Juntamente com a população fugiram (desertaram) praticamente todos os militares Africanos que ali se encontravam em reforço da Guarnição, ficando apenas em Copá,  naquela noite, um Alferes e um furriel Europeus que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323 num total de 29 homens.



Devo dizer que nessa noite vivemos um autêntico ambiente infernal e de terror com tantas chamas à nossa volta, das tabancas e do milho, que ardiam como gasolina, para além do perigo que representava o calor das chamas próximas das nossas munições que podiam explodir em qualquer momento e nós debaixo de tanto fogo, chamas e bombas não sabíamos onde protegê-las. (...)


Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado, com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!

E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo.

Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. (...)



31 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14208: Memórias de Copá (4) : Janeiro e Fevereiro de 1974. Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné (António Rodrigues)

(...) Logo que os aviões Fiat começaram a sobrevoar a área de Copá, como de costume, o inimigo calou-se, os Pilotos pediram ao homem das transmissões as referências necessárias e prepararam-se com as manobras que entenderam para bombardear o local indicado, um de cada vez, o primeiro sobrevoou o local, depois baixou de altitude e largou a primeira bomba sobre Sinchã Jadi, enquanto o segundo se mantinha à distância, mas quando o primeiro descarregou a bomba, começou a ganhar novamente altitude, embora estivesse a acontecer uma coisa estranha, ouviu-se um segundo rebentamento e o avião levava lume na cauda, a determinada altura, quando ele já ia bastante alto, vimos perto dele uma pequenina sombra que nos parecia um pássaro a voar, mas logo de seguida o avião guinou para o lado esquerdo, neste caso para o lado do Senegal e começou de novo a baixar, e nessa altura pensávamos nós em Copá que ele iria largar a segunda bomba numa outra base inimiga, que nos estava a flagelar a partir daquela direcção, (PANANG R) mas era puro engano, o avião ia acabar por se despenhar, talvez próximo ou dentro do território Senegalês a cerca de 3 a 4 Kms de Copá, enquanto o piloto que era a pequena sombra que antes tínhamos visto junto ao avião se tinha ejectado ao aperceber-se que fora atingido por um Míssil Russo (Strela Terra-Ar) e desceu de pára-quedas sem qualquer problema, só que, a área onde ele desceu era perigosa, porque era aquela onde se encontrava o inimigo e distante de Copá cerca de 5 Km. (...)

(...) E a nossa vida em Copá era assim diariamente um autêntico inferno, sem um momento de sossego e a toda a hora à espera do pior, os bombardeamentos de artilharia do PAIGC eram em Copá o pão nosso de cada dia, a situação era cada vez mais insuportável, pois éramos apenas 30 a 40 homens, para aguentar aquele aquartelamento, além disso não tínhamos armas capazes de responder às do inimigo, até que depois de tantos bombardeamentos a Copá sem resposta da nossa parte, talvez o PAIGC se tenha convencido de que nós tivéssemos fugido de Copá ou que estaríamos todos mortos, pelo que no dia 11 de Fevereiro de 1974, mandou os seus homens junto de Copá, portanto perto do arame farpado, disparar uns tiros e atirar umas granadas, provavelmente para verificar se ainda lá haveria alguém com vida, o que graças a Deus ainda acontecia com todos nós. (...)

13 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14245: Memórias de Copá (6): Fevereiro de 1974 (António Rodrigues)

(...) Entretanto, nesses dias chegava ao comando do meu batalhão em Pirada, uma ordem emanada das autoridades de Bissau para desactivar e abandonarmos Copá, pelo que, no dia 12 de Fevereiro de 1974 logo ao romper do dia chegava a Copá uma forte coluna militar para nos evacuar. (..:) 

Neste dia [13] em que chegamos a Pirada, quando à hora do almoço entramos no refeitório, apareceu-nos lá o nosso Comandante de Batalhão, o [tenente] coronel Jorge Matias, que fez questão de abraçar os homens de Copá um por um,  e quando chegou a vez de abraçar o Alferes Manuel Joaquim Brás, eu que estava a seu lado, tive a oportunidade de ouvir as palavras emocionadas que ele lhe dirigiu, que foram as seguintes: “Ó Brás, tu trazes os teus homens todos vivos? Eu tenho que te pedir desculpa porque em Bolama te chamei básico e afinal és o oficial mais operacional que tenho no Batalhão. " (...)

Logo no dia seguinte, 14 de Fevereiro de 1974, depois do almoço, o comandante de Batalhão [tenente] coronel Jorge Matias mandou formar na Parada do quartel de Pirada a 3.ª Companhia, bem como o pelotão de Copá em frente uma do outro e a seguir fez um discurso emocionado de homenagem aos homens de Copá, durante o qual nos explicou os esforços que tinha feito durante as horas dramáticas de Copá para nos socorrer com reforços e outros auxílios, nomeadamente, na noite de 7 para 8 de Janeiro de 1974, que culminou com a chegada a Copá no fim da tarde do dia 8 de um pelotão de Pára-quedistas. Dizia-nos isto ao mesmo tempo que dizia que nesses momentos rezava a Deus por nós, dizia-o com tal emoção que as lágrimas lhe chegaram a correr pela cara, findo o discurso fez desfilar em continência para nós a 3.ª Companhia, o que também nos emocionou um pouco. 

Foi-nos ainda dado conhecimento de nova mensagem de S. Exa. o Comandante-Chefe que, citando a guarnição de Copá, enalteceu o relevante comportamento da mesma. A culminar esta cerimónia foi-nos dado um louvor colectivo que saiu à ordem com o nome de cada um de nós, falava-se ainda que teríamos um mês de férias na metrópole, o que não veio a concretizar-se, porque passados cerca de dois meses e pouco veio a dar-se a revolução de 25 de Abril. (...).

Guiné 63/74 - P15323: Em busca de... (262): Pessoal de Pirada ao tempo do BCAV 8323/73... Quem ouvir falar do episódio em que o ten cor cav Jorge Matias terá recebido, em janeiro de 1974, por intermédio do comissário político do PAIGC, em Velingará, um tal Biai, um pedido de Luís Cabral para entabular conversações com as autoridades portuguesas? (José Matos, historiador)


Guiné > Zona leste > Setor L6 > Pirada > c. 1973/74 > 14 de Fevereiro de 1974, ten cor cav, cmdt do batalhão e o  célebre comerciante Mário Soares (este em primeiro plano:  dizia-se que tinham contactos privilegiados com os "dois lados da guerra", as NT e o PAIGC. O  ten cor cav ten cor cav Jorge [Eduardo  Rodrigues y Tenório Correia] Matias, cmdt do BCAV 8323/73, que estava sediado em Pirada (, o comando, a CCS e a 3ª C/BCAV 8323/73) faz aqui uma homenagem, emocionada aos bravos de Copá, o 4º pelotão, da 1ª C/BCAV 8323/73, comandado pelo alf mil at cav Manuel Joaquim Brás,  e a que pertencia o António Rodrigues, e reforçada por mais uma secção, do 1º pelotão, comandada pelo fur mil Carlos Eugénio A. P. Silva.

Foto: © António Rodrigues. (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

1. Mensagem do nosso amigo José Matos 

[José Matos, nosso grã-tabanqueiro, investigador independente em história militarm, autor entre outros do artigo "A ameaça dos MiG na guerra da Guiné", originalmente publicado na Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352, e no nosso blogue em quatro postes recentes]


Data: 9 de outubro de 2015 às 20:19
Assunto: Pirada

Olá,  Luís

Precisava de uma pequena ajuda tua,  no sentido de divulgares uma situação que se passou em Pirada em janeiro de 74.

Nessa altura, o comandante do Batalhão de Cavalaria 8323/73, o ten cor Jorge Matias,  recebeu uma informação do delegado político do PAIGC, em Velingará, um tipo chamado Biai, de que Luís Cabral queria falar com as autoridades portuguesas.

Perguntava se algum dos camaradas que estava em Pirada nessa altura ouviu alguma coisa sobre isso e se pode contar...

Ab

José Matos


PS - Olha, já agora saiu, em França, um livro sobre a Operação Mar Verde... Podes clicar aqui para saber mais.


2. Comentário do editor:

O BCAV 8323/73 foi mobilizado pelo RC 3 (Estremoz), partiu para o TO da Guiné em 22/9/1973 e regressou 10/9/1974. Esteve sediado em Pirada, setor L6. Comandante: ten cor cav Jorge Eduardo  Rodrigues y Tenório Correia Matias. Unidades:  1ª C/BCAV 8323/73; Bajocunda; 2ª C/BCAV 8323/73:  Piche, Buruntuma, Piche;  3ª C/BCAV 8323/73: Pirada. O facto mais saliente dessa época foi a heroica defesa e depois retirada de Copá em 12/13 de fevereiro de 1974, por ordem de Bissau.

Temos três dezenas e meia de referências, no nosso blogue,  a este batalhão, a maior parte relacionadas relacionadas com os acontecimentos de Copá, e aos bravos de Copá. Como se sabe, este destacamento acabou por ser retirado pelas NT em 14/2/1974. Pertencia à 1ª C/BCAV 8323/3, sedidada em Bajocunda.

Alguns camaradas deste Batalhão que integram a nossa Tabanca Grande, e que referenciamos numa pesquisa rápida pelo blogue (,,, nas há mais!);

(i) Amílcar Ventura, ex-fur mil da 1.ª C/BCAV 8323/73 ("Os cavaleiros do Gabu"), Bajocunda, 1973/74, natural de (e residente em) Silves, membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2009;

(ii) António Rodrigues, ex-soldado condutor auto 1.ª C/BCAV 8323/73  (Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma); é o autor da notável série "Memórias de Copá" (de que se publicaram pelo menos 6 postes):

(iii) Fernando [Manuel de Oliveira] Belo, ex-soldado condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323/73, Pirada, 1973/74; 

(iv) Manuel Valente Fernandes, ex-alf mil médico do BCAV 8323 (Pirada, 1973/74).

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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14245: Memórias de Copá (6): Fevereiro de 1974 (António Rodrigues)

1.     O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto Da 1ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda,  Copá e Buruntuma, (a minha 1.ª CCAV/Bcav8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


COPÁ – FEVEREIRO DE 1974 



Como por esta altura do ano passa mais um aniversário dos dolorosos dias que vivi em Copá, aqui vos deixo mais algumas histórias do que lá se passou há 41 anos.
Entretanto, nesses dias chegava ao comando do meu batalhão em Pirada, uma ordem emanada das autoridades de Bissau para desactivar e abandonarmos Copá, pelo que, no dia 12 de Fevereiro de 1974 logo ao romper do dia chegava a Copá uma forte coluna militar para nos evacuar.

Esta coluna para ludibriar o PAIGC, teve que mudar o percurso entre Bajocunda e Copá, pelo que em vez de ir como de costume pela zona perigosa de Massacunda e que era o caminho mais curto, foi por uma picada raramente utilizada mais longe 10 km e que passava pela localidade das Dingas, chegando a Copá ao amanhecer do dia 12 de Fevereiro de 1974, foi para nós uma grande alegria, vermos chegar os camaradas que nos vinham libertar daquele lugar infernal que era Copá.

Chegada a coluna a Copá, começamos a carregar nas viaturas as nossas principais coisas e os sapadores de minas e armadilhas trataram de armadilhar os principais abrigos com minas anti-pessoais, depois de carregarmos o que tínhamos a carregar, saímos para fora de Copá e entretanto, tínhamos reunido todas as camas amontoadas no abrigo das transmissões que era o mais forte, depois de estarmos todos cá fora, esse abrigo e o seu conteúdo foi destruído por uma carga explosiva de comando à distância e além disso, o vagomestre tinha incendiado um bidão de azeite de 200 litros. Este é um ponto a lamentar, pois durante muito tempo esse bidão lá permaneceu cheio, o esparguete e o arroz, em vez de azeite eram feitos com manteiga, o azeite devido às circunstâncias, teve que ser queimado.

Mas por falar em cargas explosivas, veio-me à ideia um outro caso passado ainda em Copá: em determinada altura, chegamos a montar fora do arame farpado alguns fornilhos (cargas explosivas artesanais à base de gasolina, vidros e outros objectos que fizessem o efeito de estilhaços) que seriam accionados à distância do interior de Copá mas, a verdade é que, quando tivemos necessidade de accionar esses fornilhos durante um ataque, os mecanismos não funcionaram e qual não é o nosso espanto, quando no dia seguinte fomos ver qual a anomalia que não deixou funcionar os fornilhos e, verificámos que os fios de ligação que passavam despercebidos debaixo de terra, estavam todos cortados, impedindo assim os fornilhos de explodir, isto tinha sido obra do IN, possivelmente numa das noites em que nos destruiu a instalação eléctrica e ficamos às escuras.

Partimos então todos de novo na direcção das Dingas, caminhando a pé e fazendo segurança às poucas viaturas que seguiam connosco, cerca do meia dia estávamos nas Dingas, onde todos nos abastecemos de água num poço que praticamente esgotamos, quando chegou a minha vez de encher o cantil, já só consegui metade lama e metade água, mas a sede era imensa e tudo servia para a matar, ao ponto de ao beber, sentir passar areia pela garganta. Felizmente não tínhamos ainda tido qualquer problema, recomeçámos a andar, mas muito lentamente, devido a que os sapadores iam na frente muito devagar com os detectores electrónicos de minas e armadilhas, levámos assim quase toda a tarde para atingirmos a próxima povoação que era Amedalai, onde chegamos à tardinha e aí esperavam-nos mais viaturas, para nos transportar os últimos 5 km até Bajocunda, onde chegámos mesmo ao anoitecer.

Aí chegados, graças a Deus sem qualquer problema, foi para nós pelotão de Copá uma alegria enorme, reencontrarmos de novo os nossos camaradas, foi uma alegria tal que, eu depois de chegar a Bajocunda, nem me lembrei sequer mais da minha bagagem, depois de encontrar os meus amigos dirigi-me com eles ao Café Silva existente em Bajocunda e para aí fui matar a fome e a sede, depois já noite escura o meu amigo Albino da Silva Vasques levou-me com ele salvo erro para o abrigo 9, onde dormi nessa noite e só de manhã quando acordei me lembrei das minhas malas, das minhas coisas, que tinham sido descarregadas da Berliet que as trouxe de Copá.

Levantei-me e fui procurá-las ao local onde a Berliet tinha descarregado, encontrei realmente o meu saco e a minha mala, mas a mala estava aberta e metade das coisas que me pertenciam tinham desaparecido, nomeadamente, o estojo da barba quase completo, possivelmente foi algum Africano que lá passou antes de eu lá chegar e encontrei ainda uma série de coisas espalhadas pelo chão, recolhi tudo o que pude e levei o que encontrei, mas não fiquei triste, porque a alegria de ter chegado de novo a Bajocunda, suprimiu tudo isso.

Nesse mesmo dia 13 de Fevereiro de manhã, foi-me destinada uma cama no abrigo 2, onde passei a pertencer até ao fim, onde travei novas amizades, com novos camaradas, nomeadamente, com os mecânicos Francisco e Campos.

Mas nesse mesmo dia, todo o pessoal que tinha regressado de Copá, seguiu para Pirada, inclusive eu, a fim de aí todos sermos vistos pelo médico do Batalhão, em virtude do mau bocado porque tínhamos passado em Copá. Dessas consultas resultou que o Banharia fosse mandado para Bissau, para uma consulta externa, a qual lhe viria a facilitar o regresso quase imediato à metrópole, por necessitar de tratamento psiquiátrico. O restante pessoal, tratava-se apenas dumas diarreias ou umas dores de cabeça, que foram tratadas com umas injecções ou uns comprimidos. Embora eu tenha de reconhecer que, todos nós saímos de Copá traumatizados com toda aquela violência.

Neste dia em que chegamos a Pirada, quando à hora do almoço entramos no refeitório, apareceu-nos lá o nosso Comandante de Batalhão, o Coronel Jorge Matias, que fez questão de abraçar os homens de Copá um por um e quando chegou a vez de abraçar o Alferes Manuel Joaquim Brás, eu que estava a seu lado, tive a oportunidade de ouvir as palavras emocionadas que ele lhe dirigiu, que foram as seguintes: “Ó Brás tu trazes os teus homens todos vivos?” Eu tenho que te pedir desculpa porque em Bolama te chamei básico e afinal és o oficial mais operacional que tenho no Batalhão. (Por este motivo eu dizia, quando estive em Bolama que mais tarde voltaria a falar deste 4.º Pelotão)

Neste dia 13 pelas 05.00 horas da manhã, um grupo de guerrilheiros do PAIGC (provavelmente os mesmos que estariam emboscados no dia anterior em MANSACUNDA  MAUNDE à espera de nos atacar quando regressávamos de Copá) talvez sentindo-se enganados, porque lhe trocamos as voltas optando pelo percurso um pouco mais longo e que passava pelas DINGAS, dirigiu-se à DINGA BANTANGUEL e penso que, como represália por a população não nos ter denunciado, queimou cerca de 50 Tabancas, grande quantidade de milho e alguma mancarra, tendo retirado depois novamente na direcção de MANSACUNDA MAUNDE, deixando ainda o gado todo tresmalhado nas matas, mas a população não foi molestada.

Logo no dia seguinte, 14 de Fevereiro de 1974, depois do almoço, o comandante de Batalhão Coronel Jorge Matias mandou formar na Parada do quartel de Pirada a 3.ª Companhia, bem como o pelotão de Copá em frente uma do outro e a seguir fez um discurso emocionado de homenagem aos homens de Copá, durante o qual nos explicou os esforços que tinha feito durante as horas dramáticas de Copá para nos socorrer com reforços e outros auxílios, nomeadamente, na noite de 7 para 8 de Janeiro de 1974, que culminou com a chegada a Copá no fim da tarde do dia 8 de um pelotão de Pára-quedistas. Dizia-nos isto ao mesmo tempo que dizia que, nesses momentos rezava a Deus por nós, dizia-o com tal emoção que as lágrimas lhe chegaram a correr pela cara, findo o discurso fez desfilar em continência para nós a 3.ª Companhia, o que também nos emocionou um pouco. Foi-nos ainda dado conhecimento de nova mensagem de S. Exa. o Comandante-Chefe que, citando a guarnição de Copá, enalteceu o relevante comportamento da mesma. A culminar esta cerimónia foi-nos dado um louvor colectivo que saiu à ordem com o nome de cada um de nós, falava-se ainda que teríamos um mês de férias na metrópole, o que não veio a concretizar-se, porque passados cerca de dois meses e pouco veio a dar-se a revolução de 25 de Abril. 


Foto 1 - Com guerrilheiros do PAIGC junto ao pontão de Tabassai, Pirada

Foto 2 - No regresso de Copá a Pirada, reencontro com um amigo

Foto 3 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, 4.º Grupo de Combate

 Foto 4 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, Homenagem aos Homens da Companhia

Foto 5 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, Coronel Jorge Matias 

Foto 6 - Passeando em Copá, Dezembro de 1973

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 DE FEVEREIRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Boruntuma (a minha 1.ª CCAV/BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 


Memórias de Copá 
Janeiro e Fevereiro de 1974 

Camaradas, 

Como por esta altura do ano passa mais um aniversário dos dolorosos dias que vivi em Copá, aqui vos deixo mais algumas histórias do que lá se passou há 41 anos. 

Retomando o fio à meada do que atrás vinha a contar, o dia 1 de Fevereiro de 1974 passou-se na expectativa de encontrar o piloto aviador, que como disse veio a aparecer ao fim da tarde desse dia e quanto a acções de guerra nada houve a assinalar. 

Porém, no dia seguinte (2 de Fevereiro de 1974), estávamos sentados a almoçar e ao bater a 1 hora da tarde, rebentava novo e severo flagelo a Copá, com Morteiros 120 mm e canhões sem recuo, que duraria até cerca das 4 horas da tarde. Esta flagelação provocou diversos estragos nas Tabancas, Escola, valas e abrigos, mas graças a Deus mais uma vez saíamos dessa flagelação todos ilesos. 

A artilharia de Canquelifá (com obuses de 10,5) tentou apoiar-nos mas com pouca eficácia, porque os 10,5 naquele caso tinham um alcance insuficiente. 

No dia 3 entre as 16 e as 18 horas sofremos nova e intensa flagelação a Copá com morteiros 120. Quase todas as granadas caíram dentro do arame farpado, mas felizmente não houve danos pessoais. Arderam algumas Tabancas e mancarra armazenada. 

No dia 4, Copá volta a ser flagelado entre as 17h30 e as 18h30 com morteiros 120. Canquelifá, com boa vontade, tentou ajudar-nos de novo com os obuses 10,5, mas infelizmente com poucos resultados, limitavam-se a fazer algum barulho com as suas explosões. Esta flagelação não causou danos pessoais nem materiais. 

No dia 5 de Fevereiro, ao romper do dia, dá-se início ao desenrolar da operação “GATO ZANGADO” que decorreu entre o dia 5 e o dia 12 de Fevereiro, com as nossas tropas apoiadas pelo grupo de Comandos Africanos comandado pelo Sargento Comando Marcelino da Mata a tentarem chegar a Copá, com a tão ansiada coluna de reabastecimento. Pelo caminho levantaram 3 minas anticarro e destruíram outras 6. Pelas 10h30 da manhã, no local do costume, MASSACUNDA MAUNDE, sofrem forte emboscada com RPG e armas automáticas, que causaram às nossas tropas 1 morto e um ferido. 

A coluna acabou por mais uma vez não chegar a Copá, que era o seu destino. 

Durante esta acção, foi referenciada uma viatura do PAIGC tipo Ambulância de origem Russa. 

Na parte da tarde desse dia, as nossas tropas deslocaram-se para o local, onde recolheram a referida viatura, 63 granadas RPG7, 44 granadas RPG2, 5 minas anti-pessoais, 21 minas anti-carro, 4 granadas de morteiro 82, 17 granadas de morteiro 60, 2 granadas de mão ofensivas, 12 granadas de mão defensivas, 5 dilagramas, 2 cunhetes de munições 7.62 mm (de origem Soviética), 2 caixas de disparadores, 8,3 Kg de TNT, artigos de fardamento e equipamento, 15 caixotes de munições diversas, diversas caixas de ração de combate, refrigerantes, tabaco, 300 Kg de açúcar e 50 Kg de sal. 

Ainda no dia 5, Copá volta mais uma vez a ser flagelado entre as 14h45 e as 16h15, com morteiros 120 e canhões sem recuo, caíram cerca de 100 granadas, não houve danos pessoais, mas arderam 2 Tabancas. 

Entretanto, no dia 6 em Copá, continuavamos ansiosamente à espera que uma coluna pudesse efectivamente chegar até nós para nos trazer reforços de pessoal, correio, armamento e algum alento moral, visto que nós estávamos completamente desmoralizados e isso nos viria trazer um pouco de alento. Nesse dia, ao romper da manhã forças da 1.ª BCAV de Bajocunda apoiadas novamente pelo Grupo de Combate do Marcelino da Mata tentam de novo a progressão de uma coluna de Bajocunda com destino a Copá, mas ao chegar ao local já fatídico de nome Massacunda a coluna seria mais uma vez fortemente emboscada por cerca de 100 elementos do PAIGC com RPG7 e armas automáticas que causaram às nossas tropas 10 feridos, 5 da 1.ª BCAV e 5 do Grupo do Marcelino. Um dos feridos da 1.ª BCAV veio a falecer, tratava-se do meu camarada Soldado Silvano Farinha Alves (1) do 2.º Grupo de Combate da 1.ª BCAV 8323. A situação mais uma vez se complicou e nem a presença do Marcelino da Mata (que chegou a lutar corpo a corpo com os guerrilheiros) e do seu grupo evitou que a coluna novamente regressasse a Bajocunda sem atingir o seu destino após terem sido pedidas directivas ao CAOP face à situação muito difícil de ultrapassar. As forças que compunham a coluna, para poderem regressar à origem, tiveram que ser remuniciadas via helicóptero. 

Entretanto nós em Copá, sem sabermos o que se passava, alimentávamos a esperança de ver chegar a tão desejada coluna, e como de novo havia livre circulação em Copá, era cerca do meio dia quando montado numa bicicleta a pedal entrou em Copá um homem Africano tipicamente vestido, que nos disse que tinha acompanhado a coluna até determinado local e que tudo vinha a correr bem e em breve ela estaria por aí a chegar, entretanto o homem, depois de deitar os olhos aos estragos no interior de Copá, pegou na bicicleta e partiu a todo o vapor em direcção ao Senegal, ali muito próximo e em cuja direcção se encontrava uma base do PAIGC, entretanto através das transmissões quase nessa mesma altura sabíamos que a coluna tinha sido emboscada e regressava a Bajocunda com mais um camarada nosso morto, o que para nós foi um duro golpe em todos os sentidos, pois para nós essa coluna representava muito, devido a que estávamos no isolamento e quase sem mantimentos. 

O referido Africano partiu de bicicleta de Copá às 12h15, pelas 12h30, Copá começava a ser flagelado mais uma vez com morteiros 120 e canhões sem recuo, bombardeamento que teve a duração de hora e meia. A maior parte das granadas caiu dentro do aquartelamento, provocaram mais alguns incêndios, destruíram mais alguns mangueiros, mas felizmente não houve consequências pessoais. Rapidamente concluímos que o homem que tinha atravessado Copá em bicicleta, era com certeza um dos homens do PAIGC que tinha beneficiado da nossa benevolência e assim pôde espiar tudo à vontade. 

Toda esta situação provocava em nós um sentimento de impotência, desespero e grande ansiedade, ao ponto de alguns camaradas nossos, principalmente os que se abrigavam no abrigo 6 que estavam com o seu moral abaixo de zero, a ponto de até terem receio de saírem da vala para irem à cozinha buscar comida. No abrigo 7 onde eu me encontrava, refiro mais uma vez o 1.º Cabo João Ribeiro, que tinha sempre uma palavra encorajadora para os seus camaradas, o que levantava o nosso moral naquelas difíceis situações. 

Entretanto, com a não chegada a Copá da coluna atrás citada, ficamos ainda mais desorientados e sem qualquer alento, onde nos sentíamos cada vez mais abandonados, no meio dum completo isolamento, onde apenas tentávamos conviver uns com os outros e, para além disso, no meio daquelas aflições todas, estávamos sem bebidas e quase sem géneros alimentícios, pelo que pedimos que por meios aéreos nos enviassem água capaz de se beber. De Bissau mandaram-nos helicópteros com alguns bidões de água, só que os bidões que transportavam a água, eram bidões que tinham transportado gasolina, pelo que a água que eles traziam nem para nos lavarmos servia, pelo que preferimos continuar a servir-nos da água dos poços ali existentes, apesar de, de vez em quando na lata com que a tirávamos, aparecer uma ratazana ou quaisquer outros animais mortos, quando isso acontecia, o remédio, que não era remédio nenhum, era deitar fora aquela água e voltar a encher a lata do mesmo sitio. A água que consumíamos naquelas situações e na Guiné em geral, era de uma qualidade inqualificável e no nosso caso em Copá, não nos era fornecido qualquer tipo de tratamento para lhe adicionarmos. 

Eu que creio em Deus e sou católico, sempre que éramos atacados, no meio daquela grande aflição diária, sem termos mais a que nos agarrar, tomava a iniciativa de organizar uma oração geral e o Ribeiro era dos primeiros a acompanhar-me, só um camarada ironicamente chamado Jesus, que era da Beira Baixa, não rezava, a razão sabia-a ele. 

Alguns dos nossos camaradas do abrigo 6, durante as flagelações, por vezes abandonavam o seu posto e vinham refugiar-se no nosso que era o 7, mas o Ribeiro repelia-os, dizendo-lhes que no posto 7 não havia lugar para cagões. 

Entretanto no dia 7 de Fevereiro de 1974 estivemos de folga, pois Copá nesse dia não sofreu qualquer flagelação, embora nós ficássemos todo o dia alerta. 

No dia 8 de Fevereiro, pelas 10h30 da manhã, uma força da Companhia de Caçadores Pára-Quedistas 121 em patrulhamento naquela área, entrou em contacto com um grupo guerrilheiro de cerca de 50 elementos, causando-lhe 2 mortos confirmados e vários feridos e apreendeu-lhes 1 RPG7 e 4 granadas do mesmo. 

Os Pára-Quedistas, sofreram 1 ferido grave e 2 feridos ligeiros. 

No mesmo dia 8 de Fevereiro de 1974, fomos visitados de novo pelas bombas IN, tínhamos acabado de almoçar e o meu camarada Lobo, que era quem dava aulas em Copá, que era um pouco surdo, convidou-me a ir com ele até junto de um poço (que embora dentro do arame farpado ficava do lado da fronteira do Senegal) para tirarmos água com uma lata e lavarmos as nossas roupas, eu aceitei, lá fomos com a lata numa mão e a roupa na outra a caminho do dito poço e ao passarmos junto do Posto 6, lá estavam os nossos camaradas, os mais medrosos estavam mesmo metidos nas valas, a aguardar o que pudesse acontecer nesse dia e perguntaram-nos então para onde íamos? Nós dissemos-lhes que íamos para o poço tirar água e lavar a roupa, uma vez que em Copá as lavadeiras tinham fugido, eles então disseram-nos: tenham cuidado, pois eles podem estar por aí perto e pode ser perigoso, é que nós nem água para nos lavarmos cá temos, porque não temos coragem para a ir buscar; nós dissemos-lhes: vamos com Deus que não há-de acontecer nada! Lá fomos eu e o Lobo, tirámos do poço a água necessária e começamos a lavar a roupa, mas o Lobo como era um pouco surdo disse-me: Rodrigues, se ouvires alguma coisa avisa-me que eu não ouço bem; continuamos a lavar a roupa, entretanto os nossos camaradas do abrigo 6 ganharam coragem, pegaram nas latas e foram ter connosco ao poço para levarem água para as suas necessidades, nós os dois nesse momento tínhamos a roupa quase lavada. 

No preciso momento em que um dos nossos camaradas metia a lata no poço e ao mesmo tempo nos dizia: antes de ontem, ao metermos a lata no poço começou o ataque a Copá; rebentava mais um flagelo a Copá eram 15h00 da tarde, eu ouvi o primeiro rebentamento que era a saída do disparo do morteiro, larguei o par de peúgas que estava a torcer e disse: foge Lobo, desatei a correr para o meu posto, o Lobo viu-me correr e fugiu também, os outros dois camaradas do abrigo 6 não se aperceberam do rebentamento, ficaram junto ao poço, só fugiram quando caiu a primeira bomba dentro de Copá, já eu estava no primeiro abrigo que encontrei que foi o 6, o mais próximo do meu, eles não me seguiram logo, porque pensaram que, como o primeiro rebentamento coincidiu com as palavras deles acerca do anterior ataque, pensaram então que eu estaria a brincar com eles, mas felizmente mais uma vez aguentámos essa flagelação que durou cerca de 2 horas, Deus continuou ao nosso lado. 

No dia 9 de Fevereiro de 1974, da parte da tarde, voltámos de novo a ser flagelados durante várias horas, entre as 14h00 e as 17h40, com morteiros de 120 de granada de espoleta retardada e canhão sem recuo. 

Nesse dia fomos bombardeados com uma violência inusitada em Copá, pois apercebemo-nos que estávamos a ser bombardeados pela artilharia do PAIGC a partir de duas bases IN distintas e a determinada altura a confusão foi ainda maior porque ficamos cercados de fogo de artilharia a partir de mais dois pontos diferentes. O que se passou foi que, a guarnição de Canquelifá começou a disparar os seus obuses de 10,5 na tentativa de nos socorrer, mas o alcance destas armas ficava-se pelas imediações de Copá, por outro lado em Bajocunda, estavam em fase de instalação 3 obuses 14 chegados ali há poucos dias, cujos artilheiros na tentativa desesperada de nos ajudar, fizeram alguns disparos na direcção de Copá, cujas bombas sobrevoaram o aquartelamento e caíram ali mesmo juntinho do arame farpado, rebentando na pequena pista de aviação e quase nos atingiam, causando em nós um ainda maior susto e confusão, porque naquele momento não sabíamos a origem de todo aquele fogo. 

Valiam-nos quase sempre os nossos anjos da guarda, os aviões FIAT G91, às vezes depois de estarmos duas ou três horas debaixo de fogo, mas valia sempre a pena, porque era a forma de o fogo inimigo parar e podermos levantar um pouco a cabeça. 

Neste dia tivemos apoio aéreo pelas 15h20 mas sem grandes resultados. 

Após um curto intervalo, continuou o bombardeamento a Copá ainda com mais violência, eu e os meus camaradas contamos em poucos segundos 48 disparos de morteiro seguidos, antes que a primeira dessas bombas caísse dentro de Copá, poucos segundos depois, apanhamos de uma só vez com toda aquela chuva de bombas quase ao mesmo tempo em cima de nós, porque praticamente todas caíram dentro do aquartelamento e nós contávamo-las uma a uma até cair a última. 

Eu suponho que nesse dia o PAIGC tinha uma série de morteiros a disparar ao mesmo tempo. 

Pelas 17h40, voltamos a ter apoio aéreo dos FIAT G91 e aquele violentíssimo bombardeamento a Copá naquele dia terminou. 

Foi durante este bombardeamento que estive mais perto de ter morrido, eu e os meus camaradas de abrigo, porque uma das bombas caiu 2 metros atrás da vala onde nos encontrávamos, passou sobre a minha cabeça a tão pouca distância que senti o cabelo deslocar-se à sua passagem, eu pensei: desta não escapo, a explosão levantou uma nuvem de terra que quase nos cobriu a todos e todos demos um grande grito de aflição, passada a confusão sacudimos toda aquela terra e felizmente para além de alguns estilhaços quentes que nos caíram nas costas provocando-nos pequenas queimaduras, estávamos todos bem. 

Mas a explosão fez os seus estragos: no local onde explodiu, tínhamos uma barraca feita de chapas de bidões, onde tínhamos duas camas, protegidas com um espaldão de bidões cheios de terra, a explosão abriu um buraco onde cabia um automóvel, destruiu o espaldão e a barraca, uma das camas de ferro que estava no seu interior ficou dobrada como uma sanduíche com o colchão no meio. 

Durante este bombardeamento, dois camaradas nossos de um outro abrigo, sofreram ferimentos ligeiros, não provocados por balas ou estilhaços, mas por uma granada que explodiu bem junto à trincheira onde se abrigavam que a fez desmoronar, deixando-os semi-soterrados. 

Ainda durante este bombardeamento, caiu uma granada precisamente em cima do banco do condutor do Unimog, que estava estacionado no centro do aquartelamento, que quase lhe separou a cabine do resto. Aquele Unimog acabou ali e lá ficou para sempre. As tabancas, que no caso de Copá, se encontravam todas dentro do arame farpado, no final deste ataque estavam praticamente todas queimadas e tínhamos também um abrigo destruído. 

O PAIGC tinha apostado forte naquele aquartelamento e não nos largava, mas mais uma vez nada conseguiu, pois nós respondíamos-lhes quase sempre com o nosso silêncio, mas firmes no nosso posto, pois não possuíamos armas em Copá capazes de os atingir. No entanto nesse dia 9 de Fevereiro de 1974, o nosso moral estava cada vez mais em derrocada, talvez devido a isso, 5 camaradas nossos do abrigo 3, durante a flagelação desse dia fugiram de Copá debaixo de fogo do inimigo e foram em direcção ao quartel de Canquelifá, que ficava dali a 12 km de distância, onde chegaram felizmente sem qualquer problema, quatro deles regressaram a Copá às 06h30 da manhã do dia seguinte, acompanhados de uns guias que os nossos camaradas de Canquelifá lhes arranjaram, o quinto recusou-se a regressar, seguindo sob prisão para Nova Lamego, regressando mais tarde à Companhia já em Bajocunda. Os abrigos ou postos a que me tenho referido, eram na realidade as nossas casernas, que não eram mais que um buraco ou cave aberto no chão, mais ou menos com 2 metros de profundidade de formato quase sempre quadrado, cuja cobertura era feita de troncos de árvores, pedras, terra e algum cimento. 

E a nossa vida em Copá era assim diariamente um autêntico inferno, sem um momento de sossego e a toda a hora à espera do pior, os bombardeamentos de artilharia do PAIGC eram em Copá o pão nosso de cada dia, a situação era cada vez mais insuportável, pois éramos apenas 30 a 40 homens, para aguentar aquele aquartelamento, além disso não tínhamos armas capazes de responder às do inimigo, até que depois de tantos bombardeamentos a Copá sem resposta da nossa parte, talvez o PAIGC se tenha convencido de que nós tivéssemos fugido de Copá ou que estaríamos todos mortos, pelo que no dia 11 de Fevereiro de 1974, mandou os seus homens junto de Copá, portanto perto do arame farpado, disparar uns tiros e atirar umas granadas, provavelmente para verificar se ainda lá haveria alguém com vida, o que graças a Deus ainda acontecia com todos nós. 

A história deste ataque do dia 11 é a seguinte: passámos a noite de 10 para 11 sobressaltados como sempre, mas sem acontecer nada de especial até à hora em que ouvimos os primeiros tiros. Eu estive nessa noite de reforço das 4 às 5 horas da manhã, fui rendido e deitei-me na cama, mas durante muito tempo não conseguia adormecer, porque o Banharia, nosso camarada de abrigo, tinha medo de estar de noite acordado sozinho e por isso quando me sentiu entrar no abrigo para me deitar, começou a querer conversar comigo e nunca mais me deixava adormecer, até que a certa altura eu o ameacei, que ou me deixava dormir ou eu me chateava com ele. Eram 6 horas da manhã desse dia 11, eu acabei de dizer estas palavras ao Banharia, cobri a cara e preparava-me para adormecer quando nesse momento rebentou um forte tiroteio e algumas granadas RPG 7, saímos imediatamente todos da cama o mais rápido possível (tão rápido que o meu camarada Lobo até trouxe para a vala um cobertor da sua cama preso nos pés) e como constatámos que o inimigo estava frente a nós, reagimos e disparámos fortemente, que o fogo inimigo durou apenas cinco minutos, pelo que concluímos que eles vinham apenas ver se nós ainda lá nos encontrávamos. 

Entretanto em Pirada, o nosso Comandante de Batalhão, Coronel Jorge Matias e o Capitão Oficial de Operações, ao ouvir tal tiroteio, sabendo da nossa forte reacção a este, que foi felizmente o último ataque a Copá, ficaram admiradíssimos, por depois de tanto sermos massacrados em Copá, ainda termos moral para reagirmos daquela maneira. 

Tínhamos passado já cerca de dois meses terríveis de plena guerra em Copá, assistíamos às consequências trágicas e situações humanas verdadeiramente horrorosas que a guerra provocava, principalmente na população civil, que se via forçada a fugir das suas pobres casas e ficavam sem os seus poucos haveres, metia dó ver a miséria e a desgraça daqueles pobres Africanos a gritar e a fugir com as suas crianças, quando não tinham feito mal a ninguém para que tal lhes acontecesse, eles apenas queriam em paz, semear e colher o seu milho, mancarra, arroz, etc. 

Se em todas as guerras, que infelizmente grassam pelo mundo, ou se chega a um acordo ou tem de haver um derrotado, eu que em 1973, parti para a Guiné convencido que ia lutar por uma causa justa, depois de lá estar e ver a realidade daquela guerra, que tanto fazia sofrer e chorar os nossos soldados e as suas famílias e as populações locais, essas as mais atingidas sempre, eu perguntava muitas vezes a mim mesmo, se não éramos nós exército Português que estávamos ali a provocar todo aquele sofrimento, uma vez que mantínhamos uma situação de guerra há cerca de 13 anos e não vislumbrávamos qualquer saída para ela. 

Foi assim que vi aquela maldita guerra, é este o meu ponto de vista mas, respeito o de todos os outros que como eu a viveram. 

Nota: 

(1) O Soldado Silvano Farinha Alves era natural de Cava – Madeirã, Concelho de Oleiros. 






Um forte abraço deste vosso amigo 
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: