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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13643: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (9): Dentro do Peak District, a vasculhar belezas incomparáveis

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
Chega de vos cansar com estas viagens inglesas, uma coisa é a viagem ser inolvidável para quem a faz outra para quem acompanha os relatos apaixonados, rendidos, do viajante.
Este Peak District tem desfiladeiros, regatos, estâncias termais, arquitetura imponente, casas senhoriais e marcas profundas da I Revolução Industrial. O apanhado de imagens procura impressionar-vos para quem se sentiu, sem reservas, impressionado do princípio ao fim.
O Luís desafiou-nos em encher estes passos, em férias, falando das nossas férias. Foi assim que eu as vivi, e é com a maior satisfação que procurei transmitir-vos a alegria deste viajante.

Um abraço do
Márioviage


Biblioteca em férias (9)

Dentro do Peak District, a vasculhar belezas incomparáveis

Beja Santos

O Peak Distric fica em Derbyshire, nas Midlands. A ideia era percorrer uma pequena superfície a pente fino, monumentos arqueológicos dentro de quintas, ver regatos, passear nas florestas, embrenhar-nos em casa senhoriais ímpares, parar em feiras, percorrer instalações da I Revolução Industrial. É disso que vos vou relatar, sabendo antecipadamente que esta síntese não contribui em si tão favoravelmente como eu gostaria para vos aliciar a vir até aqui, dispostos à vida pedestre, a misturar ambiente com história, visitas a aldeias e pequenas cidades. Paciência, é o que posso fazer e faço-o com imenso gosto. Vamos então à última etapa desta viagem. Primeiro a visita a Haddon Hall, sentimo-nos pequenos e até atrapalhados a detetar o que ali há de normando, de gótico e de Tudor, há por ali intervenções que chegaram até há um século atrás, intervenções dignas, nada de “fachadismo”. As reconstituições convencem.


Haddon Hall tem belas tapeçarias, móveis genuínos não faltam. A parede é do tempo. Senti-me nos tempos isabelinos e não desgostei.


Um detalhe do salão de receções, procurei registar o varandim onde os músicos alegravam os serões dos antepassados dos duques de Rutland e seus convidados. As dimensões são impressionantes e, curiosamente, o salão é acolhedor, é mesmo íntimo.


Este corredor é impressionante, quem concebeu esta ala sabia da poda, tinha tato fino para o cumprimento largura e altura, é tudo gigantesco e não é, grandioso e acolhedor. Entra muita luz, todas estas casas procuram rasgar janelas para vencer os invernos rigorosos, os tempos de negrume, que são longos.


No Peak District há património mundial da humanidade, e grandioso, digo-o sem exagero. Ali para os lados de Cromford, de Derwent Valley assinala a chegada da revolução industrial, do motor de ignição, do tear mecânico, o que estão a ver é uma das primeiras fábricas de lanifícios do mundo, isto, ainda por cima rodeado de vales frondosos, como Matlock Bath, que se mostra abaixo.


Matlock Bath terá sido assim há cerca de 180 anos atrás, o esforço para manter a sua beleza é grande, a despeito das lojas de Fish and Chips e de traquitana inconcebível. Ali perto temos Cromford onde um dos pioneiros da revolução industrial, Sir Richard Arkwright mandou construir Willersley Castle, hoje uma guest house superintendida pela Christian Guild Holidays, os preços são módicos, ali pernoitei.


Willersley Castle, Cromford, Derbyshire. Hoje não está exatamente assim, mas é dos pontos altos das belezas incomparáveis do Peak District. Mais: passeia-se à volta de Willersley Castle e fica-se com a sugestão de que Sintra para aqui se transmutou, em sem qualquer prejuízo.



A fotografia é minha, o postal é de 1930, tirei-a em Cromford, na visita aos primórdios do mundo fabril, em Inglaterra e em todo o mundo. O postal mostra-nos Derwent Valley e vale a pena andar por ali, muitas fábricas desapareceram, havia moinhos em profusão, hoje é meramente um recanto turístico, um espaço de negócios, de escritórios, de entretenimento.


Está na hora da abalada. Estas são as Midlands, mas não sai de Derbyshire. O leitor encontrará nomes como Biddulph Grange Garden, aconselho a visitar se gosta de floricultura, de um espaço reconstruído, com jardins secretos e recantos íntimos; Buxton é uma estância termal encantadora tem ópera e tudo; Leek para ser sincero, foi um desapontamento, mas vi lá uma instalação fabril abandonada que me arrepiou; Ashbourne é uma pequena jóia, com os seus declives e muita arquitetura jorgiana e eduardiana; e há Tidewell com uma imponente igreja, e visitei Eyam que tem uma casa espantosa, Eyam Hall. Chegámos ao fim. Para quem quiser, tenho mapas, brochuras e ofereço-me como cicerone para quem quiser ir visitar com um guia apaixonado. O Peak District gravou-se-me na alma. Nada mais a acrescentar.

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Nota do autor:
Tinha programado que a série terminaria hoje, mas seguir-se-à a resenha de uma viagem que fiz recentemente a Bilbau.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13618: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (8): Notas soltas de viagem em Inglaterra, Maio-Julho de 2014

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13618: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (8): Notas soltas de viagem em Inglaterra, Maio-Julho de 2014

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
Não sei como os outros fazem, regresso de qualquer viagem ajoujado de papelada de variada espécie, em muitos casos é tudo metido num saco de plástico e nas circunstâncias de uma mudança eventualmente haverá uma rememoração de tudo quanto se viu, ou quase. Neste mundo em que vivemos emulsionados em imagens, achei fazer tudo o sentido recapitular alguma dessa papelada e expô-la aqui, estes foram os sentimentos vividos, nestes momentos coincidentes com estas imagens era este o meu estado de alma, era assim a alegria do viajante. E que no caso de Inglaterra está sempre pronto a regressar, tudo aquilo tem caráter, tal como estes materiais vão para um saco de plástico, vale sempre a pena revisitar.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (8)

Notas soltas de viagem em Inglaterra, Maio-Julho de 2014

Beja Santos

Não é novidade para ninguém que vivemos numa sociedade de hiperconsumo onde as imagens, a estética e o entretenimento em geral nos estilizam e padronizam. O viajante tira fotografias, compra álbuns, aqui e acolá saca brochuras, às tantas regressa com um saco cheio que inevitavelmente irá parar a certas caixas que jamais voltarão a ser consultadas, ou quase.

No campo das imagens, é quase sempre intolerável ter que selecionar: o que nos sensibiliza a fundo, as recordações afetivas, a sedução daquela paisagem, as alegrias que se viveram naquela hora, por exemplo, e sabemos todos nós que o se vê de manhã não é o que se vê à tarde, o mesmo se passa com as estações do ano e com uma coisa sobre a qual não filosofamos muito, o chamado estado de espírito. A que propósito vem este arrazoado? É que já estive em Oxford, em Faringdon, já lhes teci hossanas, e cheio de convicção. Mas tenho aqui material solto, que me é prazenteiro, estamos em férias, permitam-me que vos fale dele, antes de continuar a viagem por outras paragens.

Primeiro, este espantoso celeiro a poucas milhas e Faringdon, conhecido por Great Coxwell Barn, vem do tempo do rei João, data de meados do século XIII, pertenceu à Abadia de Beaulieu. Sempre que venho a Faringdon, rumo até esta construção austera, estou absolutamente convicto que o Siza Vieira partilharia da minha admiração. Tentei vezes sem conta uma boa imagem, saía tudo truncado. Por isso recorro ao postal do National Trust, uma fundação nacional do património reconstruído e paisagístico. O monumento é rigorosamente aquele que eu amo, o azul envolvente nunca o vi, deve ser um toque de artista para relevar o ebúrneo daquela pedra talhada para guardar cereais, silo precioso para proteger os cereais na longa invernia. Não é uma beleza?


Segundo, deixo-vos algumas reminiscências de Oxford. O grande museu da cidade é o Ashmolean, visito-o para me reencontrar com os Pré-Rafaelitas, há para ali dádivas solenes, desde preciosidades egípcias até às vestimentas que o coronel Lawrence usou nas guerras do deserto, onde se cobriu de glória. Estava então patente uma exposição sobre Cézanne e seus contemporâneos, quadros pertencentes à famosíssima coleção Pearlman. Sempre apreciei o figurativismo de Amedeo Modigliani e gostei de conhecer este retrato de Jean Cocteau, pintado entre 1916 e 1917, dou-me bem com estas formas adelgaçadas, os tons carmins e alaranjados a contrastar com a fatiota acinzentada e um fundo que até pode lembrar a pintura cubista. E, sabe-se lá porquê, lembrei-me do nosso Amadeu Souza Cardoso com quem Modigliani conviveu, em cuja casa se aboletou, em cujo estúdio trabalhou. É revoltante pouco se falar desta ligação de dois artistas ímpares, há bem dez anos visitei em Paris uma exposição no museu de arte contemporânea da cidade dedicado à primeira escola de Paris, só se falava de raspão de Souza Cardoso, não gostei, mais tarde ou mais cedo a verdade virá à tona de água, de há muito que os investigadores sabem como Souza Cardoso era estimado por Modigliani. Viva Amedeo!


Saí do Ashmolean com uma grande vontade de ir visitar lojas de velharias e passear-me por onde se vende música e livros. Dei comigo a olhar esta ponte que liga dois colégios, de há muito que aqui paro, sempre curioso, há nesta construção algo que me lembra a Ponte dos Suspiros, no Palácio dos Doges, em Veneza, é um construção sóbria, uma réplica do renascimento italiano mas cabe bem nesta cidade. Não acham que é verdade?


Já vos falei de que os colégios em Oxford, tal como em Cambridge, têm as suas igrejas e capelas. A mais célebre está em Cambridge, a capela real, com o teto em leque, do tempo dos Tudors, uma obra-prima. Mas esta igreja cuja imagem vos mostro é dedicada à Virgem Maria, faz parte da tradição liberal católica da Igreja de Inglaterra, empolgou-me o cromatismo dos vitrais, espero não vos desiludir.


Um bom acumulador que se preza não deita fora os programas musicais, lembrança dos espetáculos a que assistiu. Fui ouvir no Sheldonian Theatre o Quarteto de Cordas Elias, executaram três quartetos de Beethoven. São aqueles fios de música que nos infundem a vontade de lutar, de deixar o ouvido à escuta a enovelar-se com a gratidão, a vastidão dos mares, o arrebatamento puro. É um bom agrupamento musical e nem me atrevo a compará-lo com os agrupamentos míticos que se podem escutar na temporada musical da Gulbenkian. Soube-me muito bem, a despeito desta histórica sala não ter os requisitos mínimos de conforto e haver até imprevisíveis pontapés nas costas ou pisões de dedos dos pés, tal a estreiteza dos corredores, é claro que tudo isto foi concebido no tempo em que tínhamos estaturas médias e a obesidade e a corpulência eram pouco comuns.


Pronto, estamos a viajar para o Norte, alguém sugeriu que fossemos até Devizes, no Wiltshire, visitar a rede de canais, tem a sua magia. E tem mesmo, a gente sobe e desce nas bermas dos canais recuperados depois de séculos de abandono ou maus tratos. Tirei duas ou três fotografias, ficou tudo esborratado. Entrámos numa casa de chá e vi este postal, comprei logo. Elucida, parece-me com é a vida dos canais e das suas comportas, dá gosto ver estas embarcações, por vezes em filas enormes, parecem bairros em trânsito aquático. Deixem-me divagar…


Porque é que guardei esta brochura numa viagem num velho comboio até Swanage? Se a nossa civilização é um espetáculo, a permanente busca do deslumbramento, esta imagem tem a marca da realidade, o comboio existe, tal como as ruínas, lá no alto, de Corfe Castle, tudo se conjuga e harmoniza, dentro da carruagem vê-se tudo a correr, esta imagem retém, em perenidade, a panorâmica de um castelo em ruínas, em cujo vale uma locomotiva a vapor sacode o silêncio. Gostei muito desta imagem. Por isso vos ofereço o que me parece invulgar, muito belo.


Prossegue a viagem para o Norte, vamos para Ilam Hall, em pleno Dovedale, Peak District, o primeiro parque nacional inglês. Ilam Hall é do século XIX, construção vitoriana, a igreja é medieval, com vitrais novecentistas. Não resisti a estas cores vibrantes, goste-se ou não está aqui a apologia da fé, uma das fontes que nos pode levar a crer na superioridade do imaterial. Seja como for, tocou-me, aqui fica à vossa consideração.


Estamos agora em Haddon Hall apresentado como “The most perfect english house to survive from the middle ages”. Tenho mais para vos mostrar, fica para a próxima. Vejam este teto que nos deixa pequeninos, é impressionante o vigamento, percorre-se a casa sala por sala e sente-se que há uma gema inconfundível, houve, com rara felicidade, uma intervenção feliz, apropriada, que permite olhar o passado e sentirmos que não há ali cenários de papelão, para turista se impressionar.

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13592: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (7): Primeiro, Wakefield e arredores, depois Derbyshire

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13592: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (7): Primeiro, Wakefield e arredores, depois Derbyshire

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
Estamos em Julho e volto a Inglaterra.
A maior satisfação era ter comigo a Joana e a Benedita.
Começamos na região de Yorkshire e depois subimos até Derbyshire. Vimos parques, museus, exposições, passeámos em florestas, entrámos em casas magnificentes como Hardwick Hall e Temple Newsam House. Não faltaram jardins nem passeatas por os parques infantis. Contagiei a Joana com as visitas às charity shops, onde se compra bom e barato, praticando filantropia. Ali me abasteço de roupa, de música, de quinquilharia vária. Tivemos sorte com o tempo. E todos queremos voltar, haja oportunidade, pois claro.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (7)

Primeiro, Wakefield e arredores, depois Derbyshire

Beja Santos

Aterrou-se em Manchester e viajámos imediatamente para Wakefield, pedi para irmos visitar um museu onde tinha encontro aprazado com a escultora do século XX que mais admiro, Barbara Hepworth. Entrámos no museu, a Benedita deslumbrou-se com aqueles minérios incandescentes de um artista cujo nome não retive e posou para a câmara, penso que ela julgou que estava numa sala de brinquedos.


Barbara Hepworth foi altamente influenciada por Brancusi mas cedo ganhou autonomia. É uma escultura que apela às raízes fundas da natureza, sentimos a cultura megalítica, as árvores, os cursos de água; mas há algo de anatómico naquela pedra polida, permanentemente esburacada, por vezes é o ente humano reduzido ao esquematismo, parece que a artista regista o fundamental da nossa magnitude, é tudo tão depurado que não é preciso pedir mais, contentamo-nos com a justa medida.


Deambulando pelo museu, cometi uma barbaridade: à socapa, disparei o flash sobre esta pintura de Fernand Léger, felizmente foi a alguma distância, a vigilante veio alvoraçada: No flash! No photos! O mal estava feito. Nunca mais vou esquecer este quadro de Fernand Léger, cores suaves, está marcado pelo cubismo, ainda não é o Fernand Léger das construções maquinais, das tubagens e seres humanos quase tirados da BD.


Continuamos em Wakefield, estamos agora de visita ao parque de esculturas de Yorkshire, espaço de serenidade pontoado por esculturas extremamente originais. Foi a vez da Joana se sentar ao lado de figuras mudas, gostei da fotografia, se me permitem a imodéstia.


Almoçámos no parque e seguimos para Temple Newsam House, na região de Leeds, é uma casa esplêndida em mobiliário, pintura, cerâmica, têxteis, prataria, é só riqueza, magnificência. A Benedita esteve-se nas tintas, queria brincar, pular, pôr tudo num badanal. E ganhou, visitámos a casa à pressa, a correr atrás dela, neta menos fleumática não pode ser, os vigilantes de expressão severa, a Benedita só queria correr, a riqueza não a impressionou.


Já estamos em Derbyshire, impunha-se mostrar à Joana Hardwick Hall, mandada construir por Bess de Hardwick, a mulher mais rica do seu tempo, viveu sempre nas graças de Isabel I. Não conheço uma sala como esta, tão contemporânea do início do século XVII, Bess devia ter dinheiro graúdo, uma parte da casa aparece forrada com toda esta tapeçaria flamenga, esplendorosa e bem mantida. A Joana sentiu-se bem, e eu feliz por vê-la feliz.


Mudámos de paragem, estamos no Peak District, onde se situa o primeiro parque nacional. Ilam Hall é uma casa vitoriana reconvertida em albergue de juventude. Ali perto, com as ovelhas a balir à volta, temos a capela e gostei muito deste túmulo jacente, são belas esculturas, impressionantes. Não resisti e pumba. Espero que gostem.


Agora estamos em Buxton, cidade termal, com ópera, hotéis luxuosos, parques frondosos, por ali, entre os séculos XIX e XX passearam-se os que vinham a banhos. Estava um dia de sol e havia uma exposição de carripanas gloriosas do passado, com intervenções imaginativas. Filha e neta estavam divertidas. Eu não menos, este registo impunha-se.


E passámos para o parque infantil, a Benedita viveu momentos gloriosos, nunca conhecera tamanho escorrega, gostou que se fartou, misturou-se com os mais crescidos, subiu e desceu inúmeras vezes, nunca se cansou, nós a debitar de quinze em quinze minutos duas libras esterlinas, ela queria divertir-se, indiferente ao valor da libra. E todos nós contentes com o contentamento dela.

E ficamos por aqui, vamos para a última jornada, ver parques, jardins sumptuosos, Haddon Halle, berços da Revolução Industrial, em Cromford, Derwent Valley, Matlock e depois Hartington e Eyam. Não há bem que sempre dure, acabaram as férias. O importante é mesmo o que fica: estas gratas memórias, vermos as pessoas que amamos felizes. E esta intensa vontade de querer voltar, Inglaterra vale.

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Setembro de 2014 > > Guiné 63/74 - P13563: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (6): De Swanage para Faringdon, de Dorset para Oxford

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13563: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (6): De Swanage para Faringdon, de Dorset para Oxford

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
Nunca se esqueçam do que José Saramago escreveu em “A viagem a Portugal”: a viagem nunca acaba, o viajante é que se tem que afoitar à estação do ano, à luz do dia, passear-se com calor ou com frio, o espaço e o tempo acolhem-nos consoante estas dimensões do mês, da manhã, da tarde ou da noite.
É esta a grande prerrogativa da viagem, por mil vezes que visite aquele local há sempre diferenças, nuances, imprevistos. Aqui o imprevisto foi a falta de bateria.
Espero que gostem destas imagens de um Maio em sítios pouco usuais no turismo de massas.
Tive grandes alegrias e uma das maiores é oferecer-vos estas imagens, os olhos da minha sensibilidade.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (6)

De Swanage para Faringdon, de Dorset para Oxford 

Beja Santos 

À partida para Swanage em comboio ronceiro, veio a chuva, coisas do tempo inglês. Houvera um almoço regalado em casa do historiador Ben Buxton, um estudioso que mantém uma curiosidade exemplar por mundos em extinção, dedicou vários livros às gentes das ilhas Hébridas, gente desalojada que fugiu da vida inclemente, gente que lutou pelos direitos humanos e que sofreu muito. E fomos por ali fora, desculpem esta imagem pintalgada pela chuva, os jovens acenaram quando passámos, fica bem registar esta alegria espontânea com os passageiros desconhecidos, numa estação em nenhures. A seguir veio o bom tempo, acreditem ou não, apanhei esta estação seca, toda composta, exibindo malas do passado. A linha funciona porque há uma associação de voluntários que cuidam de tudo, digam o que disser a Grã-Bretanha do respeito pelos valores patrimoniais identitários é uma coisa muito séria.



Ainda é possível fazer certos filmes porque existem comboios de antanho, vejam como esta locomotiva está bem conservada, as carruagens estão bem decoradas, viaja-se festivamente entre os séculos XIX e XXI. Os ingleses sentem-se orgulhosos e os viajantes como eu regozijam pelo respeito a património nacional. A brincar, a brincar, eles foram obreiros da nossa civilização, tratam discreta e polidamente de manter esse passado.


Não é só na Feira da Ladra que busco papéis velhos, imagens apetecíveis para os meus devaneios. Numa dessas estações onde deixam revistas velhas, que cada um pode levar e, querendo, deixar uma pequena moeda para uma obra de ajuda humanitária, apanhei esta imagem, para mim é um testemunho eloquente desse povo a quem coube na rifa somar triunfos e ter praticamente o século XIX por sua conta. Olhem para esta satisfação, para esta exuberância:


Pronto, estamos em Swanage, mas muito longe da época balnear, deixou de chover mas o céu não esta simpático, há luz suficiente para captar um dos ângulos da baía, é tudo espaçoso, dá para perceber que este verde é eterno, foi a vontade de Deus.


Voltámos a Faringdon, esta é a velha town hall, foi pena o inábil fotógrafo não ter apanhado o topo do telhado, mas dá para perceber que é um belo edifício e bem circundado. Ainda hoje ostenta o nome de cidade com mercado, no passado tinha estrada para Londres, ali perto há monumentos de grande valor: o Vale do Cavalo Branco, uma preciosidade da Pré-História, Buscot Park, onde há uma casa opulenta em cujos salões um dos gigantes da pintura Pré-Rafaelita, Burne-Johns, deixou um obra surpreendente, espero que gostem:


O salão de Buscot House, com as pinturas de Burne-Johns

Esta é a porta principal da igreja de Todos os Santos, de Faringdon, templo anglicano. O mais importante está aqui, a pujança do tempo, o testemunho medieval, esta porta, acreditem, está datada do século XIV, é magnificente, carvalho um tanto carcomido e as ferragens são assombrosas. Só por esta porta vale a pena vir conhecer Faringdon.


O último passeio na região foi a Burford, é uma localidade que não falho quando visito o condado de Oxford. Muito bem preservada, tem vários ingredientes que me atraem como o mel atrai as abelhas: as lojas de velharias, é possível comprar por meia libra uma belíssima fotografia do século XIX; a igreja matriz tem vitrais genuínos, dá para perguntar como escaparam à fúria da Reforma, tal como a estatuária dos santos. Tive sorte no dia e na hora quando captei esta imagem, céu azul e nuvens em viagem, a seguir vim até à rua principal, vejam os cuidados com a arquitetura.

Havia muito mais a dizer, estes passeios de Maio prolongaram-se, a seguir viajou-se a Bath, aí descobri que a câmara me atraiçoava, a bateria descarregara, esquecera em Lisboa. Assim ficaram memórias na minha cabeça, de Bath até Derby, passando por Illum Hall e mesmo Ashbourne. Peço perdão pela minha aselhice. Como é velho e relho dizer-se, a viagem nunca acaba, o viajante é que tem que voltar. Voltarei quando se proporcionar. Com a promessa de que estarei em Inglaterra em Julho. Como irei contar. Estejam bem, fiquem à espera de notícias.


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13537: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (5): De Oxfordshire para Derbyshire: os primeiros dias

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13537: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (5): De Oxfordshire para Derbyshire: os primeiros dias

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
Consegue-se bom tempo em Maio, em Inglaterra, mesmo com chuvadas intercalares.
O que continua a impressionar-me, e já lá vão umas boas visitas, é a harmonia entre a natureza e o construído, há aquele privilégio do sempre verde, há o sombrio da pedra, aquele diálogo circunspeto entre o antigo e a intrusão da modernidade, tudo se processa sem violências.
Gosto muito da arquitetura de Oxford, os seus parques, os seus museus. E sabe bem vaguear pelo campo.
Prometo continuar, não defraudar as vossas expetativas, neste Verão.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (5)

De Oxfordshire para Derbyshire: os primeiros dias

Beja Santos

O fito era percorrer as velhas aldeias da região das Cotswolds, aqui viveu gente insigne, como o escritor Thomas Hardy e William Morris, o genial artista de Arts and Crafts, depois vagabundear por Oxford, uma vez mais, e apanhar um comboio para a região de Derby, passando pelas relíquias da Inglaterra da Revolução Industrial, dos séculos XVIII e XIX.

O primeiro passeio aconteceu nos arredores de uma terra bem curiosa, de nome Faringdon, que tem uma igreja que Cromwell mandou bombardear, naqueles tempos da guerra civil. Algum disse: “Vamos ver uns quilómetros de bluebells, se não for agora não as apanhamos viçosas”.
Estávamos em Maio, o passeio foi de tarde, entrámos no bosque com sombras aconchegantes, o tempo aprazível. E era aquela embriaguez de azul. Os ingleses são assim nos seus cultos às flores. Tudo começa no início de Fevereiro quando os campos húmidos brotam os snowdrops, é o anúncio floral, depois daquele Inverno taciturno, plúmbeo, com cargas de água diluviais, em que a natureza adormece profundamente.

Estes campos de bluebells são um espanto, parecem tapetes viçosos, anunciam a maturidade primaveril. Ora vejam, do grande para o pequeno:



Cambridge ou Oxford, qual delas a mais bela?
Voto por Cambridge, tem mais intimidade, toda ela cheira à vida universitária, sinto-lhe a intimidade. Mas não nego as belezas de Oxford, a sua opulenta biblioteca, os seus colégios históricos, o Ashmolean Museum, profundamente didático, rico em tudo, em escultura, pintura, cerâmica, de todas as épocas. Tive sorte com a luz, gosto deste pátio que dá acesso à Bodleian, uma biblioteca ímpar num edifício ímpar, como se vê há qui uma mistura bem doseada de vários séculos.


Passei pelo Sheldonian Theatre, reputada sala de música, dentro de dias iria passar por lá Maxim Vengerov, ali fazem preleções figuras do mundo, como Kofi Anan. Prudente com o valor das libras, fui ouvir um trio nacional, com uma escolha musical de arrebatados românticos. A sala é esplendorosa, os lugares desconfortáveis, paciência.


E mostro-vos algumas fotografias dispersas de colégios e igrejas. Dá gosto deambular, bisbilhotar, ouvir e perguntar. Vejam lá se gostam:




Gosto muito dos cemitérios ingleses, não é só a tranquilidade, é a ausência do espalhafato dos mortos, acabou-se o terreal e ficamos todos em amenidade, é possível contemplar sem arrepios estas lápides sóbrias, há bancos para ler e meditar, esta atmosfera é um bálsamo, não se sai daqui a pensar nas coroas de espinhos nem nas lágrimas vertidas, ganha-se força para nos alegrarmos com as coisas que o bom Deus nos oferece enquanto estamos vivos, em cemitérios como este até se tem discernimento para preparar em boa forma a passagem para a outra vida.
É assim que penso, é assim que vibro nestes locais de apaziguamento, ouvindo o chilreio das aves e o murmúrio do vento, até porque, por definição, o tempo inglês é instável.


E chega por hoje, vamos viajar amanhã até Swanage, no Dorset, é lindo de morrer, vamos visitar o historiador Ben Buxton. Depois eu conto, até porque andei num velho comboio decorado à moda dos anos 1950.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13517: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (4): "Carta aberta às vítimas da descolonização”, por Jacques Soustelle