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sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24905: Notas de leitura (1640): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Graças à disponibilidade do nosso confrade José Matos, que me facilitou uma cópia do segundo volume de o Santuário Perdido, inicia-se hoje, e com adaptação ou tradução livre o segundo volume, recentemente dado à estampa. Estamos em 1966, dá-se conta das tremendas dificuldades na operacionalidade da Força Aérea, o PAIGC alargou a sua área de atuação, crescem os efetivos das nossas Forças Armadas, numa tentativa de contrariar as hostilidades, as flagelações, a decomposição económica, a concentração das populações em destacamentos ou aldeamentos em autodefesa. Os autores, na introdução, contextualizam a situação militar e dão um quadro nada risonho do dispositivo da FAP. Como fizemos com o primeiro volume, vamos publicando em pequenas doses, até porque o livro de Hurley e Matos vem profusa e adequadamente ilustrado.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume
Texto da contracapa:

De 1963 a 1974, Portugal e os seus inimigos nacionalistas travaram uma guerra cada vez mais intensa pela independência da Guiné “portuguesa”, então uma colónia, hoje a República da Guiné-Bissau. Durante a maior parte do conflito, Portugal desfrutou de uma supremacia aérea praticamente incontestada e baseou cada vez mais a sua estratégia militar e o seu programa de pacificação política na singularidade desta vantagem. A Força Aérea Portuguesa (abreviadamente FAP) desempenhou de forma consequente um papel nevrálgico na guerra da Guiné. Com efeito, durante todo o conflito, a FAP – apesar dos muitos desafios que teve de enfrentar – provou ser o operacional militar mais eficaz e rápido contra o PAIGC, a força de guerrilha que lutava pela independência.

A guerra aérea pela Guiné representa um episódio notável na história do poder aéreo e por várias razões. Por exemplo, foi o primeiro conflito em que uma força de guerrilha utilizou misseis terra-ar. Além disso, o nível em que Portugal dependia do seu poder aéreo era tal que a sua neutralização contundente condenou a estratégia militar na região.

Em última análise, as perdas inesperadas da FAP em combate deram origem a uma cascata de efeitos que acabaram por mitigar a sua própria iniciativa operacional; a eficácia no campo de batalha das forças terrestres estava, até então, bastante dependente do apoio aéreo, era em si um apoio moral e psicológico e assegurava resiliência aos militares portugueses.

A guerra aérea na Guiné portuguesa representa assim uma ilustração convincente do valor – e das vulnerabilidades do poder aéreo, num contexto de guerra de guerrilhas, bem como dos impactos negativos que havia numa confiança excessiva na supremacia aérea.

Este é o segundo de três volumes da minissérie Santuário Perdido, examina a evolução do poder aéreo português e dos sistemas que a guerrilha instalou durante os anos mais ativos do conflito, isto à medida que ambos os lados procuravam meios e métodos para contrariar os esforços do outro. A obra está profusamente ilustrada com fotografias originais e inclui obras de arte a cores, especialmente encomendadas.
Índice
Abreviaturas
Hierarquia militar de oficiais e sargentos


Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

“O comando que me foi confiado não era ‘confortável’. Era necessário começar por reformar atitudes de espírito, lutar contra rotinas viciosas e criar uma máquina de guerra tão eficiente quanto possível, com os meios disponíveis.” (Coronel José Krus Abecasis, comandante da Zona Aérea da Guiné, 1965-67).

Em meados de 1966, a guerra na Guiné já estava no seu quarto ano e não alcançara os resultados previstos por Lisboa. Apesar do constante aumento de efetivos militares, após a eclosão da luta armada em janeiro de 1963, a guerrilha do PAIGC representava um desafio cada vez mais ousado ao domínio colonial português.

O PAIGC estava altamente motivado, habilmente liderado e cada vez mais bem armado. No verão de 1966 o PAIGC tinha recuperado das perdas sofridas durante as primeiras contraofensivas portuguesas e desencadeou uma contraofensiva de assédio militar a quartéis, destacamentos e aldeamentos em autovigilância, impôs perturbação económica em todo o território, contou com uma mobilização popular que se acolhia em áreas fronteiriças ou em determinados pontos dentro da colónia. Num relatório datado de julho desse ano, Arnaldo Schulz, governador e comandante-chefe das forças armadas na Guiné, escrevia num relatório que o inimigo persistia em ampliar as suas áreas de ação: “Não parece que lhe faltem recursos em termos de armas e munições e não há sinais de que a sua mão de obra se tenha reduzido.”

Nos dois anos anteriores, a atividade do PAIGC conhecera uma constante intensificação, especialmente no Sul, aí estava mais fortemente instalado e propagandeava o controlo de 50% de toda a Guiné. A pequena, inóspita e pobre de recursos Província Ultramarina era tida como o remanescente menos valioso do legado colonial de 500 anos de Portugal. Com efeito, desde a abolição do comércio atlântico de escravos, a Guiné tornara-se um défice permanente para o tesouro português, tinha apenas valor para um punhado de empresas que obtinham lucros com o cultivo do amendoim e do coconote. Apesar deste potencial económico anémico, e de haver um número insignificante de europeus ali a viver, o agravamento da situação representava a mais ameaça militar à continuação do domínio português no seu império, Arnaldo Schulz informou um oficial superior, em agosto de 1966, “se é verdade que a guerra do Ultramar não pode ser ganha na Guiné pode, por outro lado, ser completamente perdida lá.”

Para reprimir a luta armada em expansão, o efetivo das tropas mais que duplicou entre 1963 e 1966, passando de 9650 militares para 20.801, incluindo contingentes de forças especiais, como Comandos, Paraquedistas e Fuzileiros. As forças terrestres na Guiné, no entanto, sofriam de deficiências cronicas em preparação, equipamento e moral, comparativamente aos elementos da guerrilha, perfeitamente adaptados ao terreno e à vida no mato, bem adestrados para este tipo de guerra e dispondo de uma competente direção operacional, isto de acordo com uma avaliação feita em agosto de 1966 pelo general Venâncio Deslandes. Numa tentativa de corrigir este desequilíbrio, Deslandes considerava necessário criarem-se unidades especializadas de artilharia e impulsionar o rearmamento da Marinha, as embarcações navais deviam de expor de fogo intimidador e de apoio às forças terrestres; mas concluía a sua análise dizendo que “a forma mais simples e possivelmente mais rápida de atingir esse objetivo será o reforço do poder aéreo.”

O reforço aéreo iniciara-se em 1963, e daí a 1966 o número de aeronaves atribuídas à Guiné aumentou de 32 para 50. Número enganador, desmentido pelas deficiências sistemáticas que paralisavam a Força Aérea Portuguesa: escassez crónica de pilotos e pessoal de manutenção, insuficientes instalações de base e uma permanente falta de peças sobressalente e munições, isto de acordo com o coronel José Duarte Krus Abecasis, comandante da zona aérea de Cabo Verde e Guiné até janeiro de 1967. Havia escassez de motores para três aeronaves de transporte, os C-47 Dakota, apenas um estava operacional de forma confiável para operações em todo o país. Nesse ano de 1966 teve dificuldades de manutenção, com falhas mecânicas e escassez de peças que se refletiu na capacidade de a Força Aérea abastecer as forças terrestres. Depois de muitos protestos por parte dos oficiais da Força Aérea, a situação tendeu a melhorar no outono de 1967, mas sempre com incumprimentos. De acordo com o secretário-de-Estado para a Aeronáutica, Fernando Alberto de Oliveira, em 1968, “A Força Aérea não estava em condições de realizar regularmente todas as atividades de apoio que por leis lhes competia em exclusividade".

Os aeródromos e instalações conexas revelaram-se inadequados durante a primeira fase da guerra. A instalação principal da FAP e a sede da Zona Aérea em Bissalanca nem sequer fora designada como base aérea permanente, só o foi depois de maio de 1965, dois anos e meio após o início da luta; até então serviu como uma base de aeródromo de segundo nível. Mesmo quando mudou de nome para Base Aérea 12, necessitava de pessoal adequado, alojamento e abrigos para acomodar as novas aeronaves que chegavam ao longo de 1966. As defesas aéreas da base foram consideradas “irrelevantes” apesar do punhado de canhões obsoletos de 40 mm e 12,7 mm atribuídos ao único pelotão aéreo da BA12.
Instalações da Força Aérea Portuguesa na Guiné e Cabo Verde, 1961-1975 (Matthew M. Hurley)
Uma unidade do PAIGC no Sul da Guiné (Arquivo da Família Cristiana)
Arnaldo Schulz, governador e comandante-chefe das Forças Armadas, 1964 a 1968 (Coleção de José Matos)
Aquartelamento do Exército português (Coleção de José Matos)
Imagem com alguns meios navais utilizados na Guiné (Coleção Virgílio Teixeira)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24893: Notas de leitura (1639): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte I: a voz dos colonialistas republicanos nostálgicos e exilados

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24015: Notas de leitura (1547): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Este texto de recensão centra-se nas alterações introduzidas em 1965 pelo novo Comandante da zona aérea, Coronel Krus Abecasis, destinadas a melhorar a eficácia da informação e a encontrar as respostas mais adequadas entre a força aérea e as forças terrestres; o novo comandante procurou uma resposta satisfatória para os bombardeamentos noturnos, envidou esforços para adaptar o C-47 a bombardeiro noturno. O que traz à discussão o modo como ao longos destes anos o PAIGC procurava mitigar os efeitos por vezes devastadores dos bombardeamentos; e igualmente se vê que as armas que utilizava eram ineficazes para danificar os aviões, a artilharia antiaérea demorou a chegar mas a resposta portuguesa não se fez esperar, toda essa artilharia foi completamente inutilizada, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (14)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois, dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Seguiu-se uma descrição sobre os comportamentos militares dos primeiros Comandantes-Chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental. Por fim, abordou-se a Operação Tridente, começa agora o período da governação Schulz. Pela narrativa destes autores, revela-se à puridade a ideia feita de que Schulz não tinha estratégia adequada para querer contrariar a ofensiva guerrilheira, adotou um modelo de disseminação da quadrícula que era totalmente partilhado por outros potências coloniais a enfrentar a insurgência, e, obviamente, apercebendo-se da natureza do terreno, teria de apostar no apoio aéreo e na capacidade dos bombardeamentos. E os autores explicam claramente as dificuldades surgidas com as aeronaves. Vamos continuar esse relato e acompanhar o período da governação Schulz, e procurar entender a natureza da resposta do PAIGC.

Vimos como o novo comandante da ZACVG, Krus Abecasis, liderou alterações de fundo para melhorar a coordenação com as outras forças militares e com a rede dos comandos aéreos, instituiu-se um mecanismo permanente de coordenação entre as diferentes forças intervenientes no teatro de operações, assegurando comunicações em tempo real e as forças de superfície, criou-se um comando com ligação a Nova Lamego para apoiar as operações terrestres no Leste da Guiné; havia em Bissalanca uma força de alerta completa, incluindo dois T-6 prontos a intervir. Os autores pormenorizam toda a orgânica montada por Krus Abecasis.

Apesar das medidas expeditas tomadas para uma melhor coordenação ar-terra, não se esbateram completamente as dificuldades entre os ZACVG e as outras forças. O PAIGC primava por ataques rápidos e pronta fuga, desaparecendo no interior das matas, o apoio aéreo muitas vezes chegava tarde, o que originava queixas e críticas do Exército à Força Aérea. Mas o balanço da nova coordenação foi substancialmente positivo, apesar de se terem mantido dificuldades sérias em abastecer as forças de superfície por via aérea. Lembram os autores que o transporte aéreo era a única opção disponível em 85 por cento do território, e sem o apoio da FAP muitas unidades isoladas não poderiam sobreviver. No entanto, o défice de transporte aéreo que já se manifestara durante a Operação Tridente, não desapareceu. 14 dos 20 DO-27 permaneciam paralisados por razões não especificadas e 3 C-47 estavam constantemente indisponíveis devido a exigências de inspeção ou manutenção em Portugal. Ora o C-47 Dakota revelou-se fundamental para o abastecimento das forças portuguesas dispersas pela Guiné. Krus Abecasis procurou minimizar o tempo de inatividade do C-47 devido a requisitos de manutenção, e estabeleceu um circuito regular de abastecimento pelo C-47 para unidades destacadas em Nova Lamego, Farim, Bafatá e Tite, dia sim, dia não. Nos lugares onde as forças portuguesas dependiam de transporte naval, os T-6 eram rotineiramente encarregues de escoltar as lanchas, especialmente na região sul. Krus Abecasis tomou igualmente medidas para melhorar a capacidade de ataques noturnos da FAP, que nos dois primeiros anos da guerra se tinham limitado a um punhado de missões de bombardeamento pelos P2V-5, mas os Neptune eram muito poucos e não impediam o entusiasmo do PAIGC pela escuridão. Abecasis estudou o modo como a Força Aérea dos EUA usavam os C-47 modificados como armas noturnas no Sudoeste Asiático. Ele pediu às OGMA em Alverca para supervisionar a conversão do C-47 em bombardeiro noturno, para poder levar bombas de diferente calibre. Estas alterações tornaram possível a realização de bombardeamentos noturnos em altitudes seguras e produziram resultados até ao final do ano, reforçaram a “guerra antiaérea”, que opôs uma capacidade de destruição da defesa aérea das FARP que procuravam cercear a sua ação aérea. Grandes teóricos do movimento revolucionário como Mao Zedong, Giap e Guevara classificavam a defesa aérea como uma das prioridades da guerrilha, considerações que se aplicavam singularmente à Guiné onde o poder aéreo era notoriamente soberano. O PAIGC distribuía um manual para os seus quadros dizendo que se deviam desenvolver maneiras eficazes de derrotar os aviões inimigos, havia que conhecer as debilidades dos aviões, evitar os seus pontos fortes e explorar as suas fraquezas.

No início da guerra, os aviões eram um terror inultrapassável para a maioria dos militantes do PAIGC. Os bombardeamentos aéreos no Morés eram de tal modo aterradores que os aldeões decidiram internar-se na floresta do Oio, contrariando as ordens da direção do PAIGC. Cabral e os seus colaboradores buscavam uma resposta para tão tremendo desafio. As medidas de defesa inicialmente adotadas repetiam procedimentos que tinham sido usados por guerrilheiros na Malásia, Indochina e outros lugares, caso do emprego de folhagem natural, camuflagem, cobertura da escuridão para se protegerem dos aviões, evitavam-se as áreas abertas e procuravam-se tomar medidas para garantir a ocultação da observação aérea em viagens de dia.

Os camponeses, por exemplo, construíam coberturas de galhos de árvores para se esconderem sempre que ouviam aviões a aproximarem-se das bolanhas onde plantavam arroz, enquanto os guerrilheiros e os habitantes procuravam esconder-se no arvoredo ou ficar parados para impedir a deteção no ar; normalmente vestidos de indumentária escura, os guerrilheiros procuravam confundir as tripulações deitando-se entre troncos de árvore queimados; em área húmidas ou perto de cursos de água, os insurgentes emergiam na água e respiravam através de palhinhas improvisadas; em áreas dominadas pelo PAIGC, uma das medidas adotadas pelas populações eram extensas trincheiras de proteção, recorrendo-se a um sistema de alerta rudimentar que consistia em tambores usados para anunciar a aproximação das aeronaves, e, como já adotados noutros ambientes por insurgentes, o PAIGC assentava as suas bases numa rede dispersa de habitações camufladas, tudo para dificultar a sua localização do ar. Uma diretiva do PAIGC que veio a ser apreendida pelas forças portuguesas, reiterava a ordem permanente de Cabral para que as unidades do PAIGC não permanecessem numa determinada área mais do que dois dias consecutivos. Quem desobedecesse podia ser punido – primeiro pela FAP e, depois, pelo alto-comando do PAIGC.

Outras medidas de defesa passiva passavam pela tática conhecida por “abraçar o inimigo”, ou seja, combater a partir de posições tão próximas das forças portuguesas de tal modo que a aviação não pudesse largar as suas bombas. E para minimizar ainda mais as oportunidades de deteção e destruição, muitas atividades de apoio ao PAIGC ou às populações amigas, como era o caso do cultivo de arroz, processavam-se principalmente à noite. As unidades armadas do PAIGC preferiam operar na escuridão para evitar a intervenção da Força Aérea. Abecasis sublinhava que a noite era o grande aliado do inimigo. O PAIGC espalhava com frequência informação para alerta dos seus militares e população civil, mostravam-se fotografias horríveis de vítimas e danos, insistia-se na tomada de medidas para haver uma defesa agressiva por parte dos combatentes das FARP, mobilizaram-se quadros móveis e comités da aldeia para campanhas de educação da defesa civil em massa. Até os livros escolares produzidos pelo PAIGC traziam avisos sobre os perigos dos bombardeamentos aéreos.

A destruição de aviões dava um importante impulso moral aos guerrilheiros, era uma forma de abalar o conceito de superioridade e invulnerabilidade. Em inflexão estratégica, o PAIGC encorajava que a resistência armada devia incluir lançamento dos RPG- 2 e 7 para atingir os aviões, o que se revelava ineficaz. O PAIGC recorreu aos seus amigos para montar sistemas de defesa aérea e foi assim que surgiram armas pesadas como as do tipo soviético SG-43 Goryunov, que foram reportadas pela primeira vez pelas autoridades portuguesas em 18 de julho de 1963. Eram armas de pouca ajuda e não podiam meter medo mesmo ao velho T-6 Harvard da Segunda Guerra Mundial, contra os aviões a jato os canhões de 7,62 mm não tinham qualquer eficácia.


Circuito de fornecimento dos C-47, 1965 (Matthew M. Hurley)
O C-47 Dakota foi fundamental para fornecer as forças portuguesas dispersas por toda a Guiné (Coleção Virgílio Teixeira)
Arma antiaérea DShK 12,7 mm (Arquivo da Defesa Nacional)
Guerrilhas do PAIGC a receber instrução sobre o uso da DShK (Arquivo da Defesa Nacional)

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 20 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23998: Notas de leitura (1545): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24007: Notas de leitura (1546): História de Portugal e do Império Português, Volume II, por A. R. Disney; Guerra e Paz Editores, 2011 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23998: Notas de leitura (1545): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Aqui fica o repositório dos dois primeiros anos da governação Schulz, no tocante à sua estratégia que assentava fulcralmente num eficaz e permanente apoio aéreo, num modelo que ele reproduziu da presença francesa na Argélia, a disseminação em quadrícula do dispositivo terrestre, num máximo de território com população ou em zonas apreciadas como altamente dissuasoras para a presença de guerrilheiros, isto contando com a navegabilidade de grande parte dos rios (o Corubal passava a ser uma exceção, ainda havia transporte até à Ponta do Inglês inicialmente, e depois fazia-se o abastecimento por terra, a partir do Xime, acabou por se abandonar a posição), e fundamentalmente o apoio aéreo, Schulz apostava nos bombardeamentos e na surpresa da deslocação das forças helitransportadas. Aqui se conta as dificuldades que se sentiu e como se tornou evidente haver uma descoordenação entre Lisboa e Bissau.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois, dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Seguiu-se uma descrição sobre os comportamentos militares dos primeiros Comandantes-Chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental. Por fim, abordou-se a Operação Tridente, começa agora o período da governação Schulz.

O quinto capítulo da obra intitula-se “Eles Têm Unicamente o Céu”, e abre com uma citação: “Chegámos a uma escola do PAIGC… Tinham caído bombas perto: dois professores mostraram-me os seus fragmentos. As crianças cantavam uma canção, ‘Nós temos a terra, os portugueses têm unicamente o céu.”

O Brigadeiro Schulz veio enfrentar uma guerra em franca expansão na Guiné portuguesa, quando assumiu o comando da província, em maio de 1964. Apesar do resultado inicial da Operação Tridente parecer positivo, o PAIGC não abrandou a sua atividade no Setor Sul e foi aumentando nos outros. A ofensiva da guerrilha no Morés, em particular, era uma ameaça, exigia uma grande mobilização de forças no território. Um número crescente de benfeitores estrangeiros proporcionava ao PAIGC treino militar, apoio diplomático, santuário e ajuda material, incluía morteiros, metralhadoras antiaéreas, lança-granadas foguete e canhões sem recuo; o Congresso de Cassacá permitiu reforçar a unidade a determinação dos insurgentes. Schulz ia ter mais tropas e meios para recuperar a iniciativa ao PAIGC. Vinham forças terrestres e aéreas, incluindo paraquedistas e sobretudo o DO-27.

À medida que o número de aeronaves atribuídas à ZACVG aumentava, mais que duplicou o número de militares entre o início da guerra e a chegada de Schulz. O sistema político-militar ganhou coerência, no passado tínhamos um Governador, Vasco Rodrigues (1962-1964), e um Comandante-Chefe, Louro de Sousa, a separação de poderes revelara-se um erro absoluto. Com Schulz deu-se a conjugação de Governador e Comandante-Chefe, pode implementar uma abordagem mais abrangente e proceder a uma estratégia com o comando unificado, adotou o sistema de quadrícula anteriormente implementado pelas forças francesas na Argélia, a divisão do território em unidades militares autónomas, em cada um dos setores havia guarnições que operavam de forma independente sob as ordens de um Comandante de Batalhão, podendo solicitar forças de reação rápida. Foi um tipo de estratégia que contou fortemente com o poder aéreo, o que veio exigir uma extensa vigilância no ar para detetar a atividade inimiga; os helicópteros não só transportavam as forças especiais como davam apoio de fogo, e também dentro da lógica da quadrícula francesa criaram-se as ZLIFAs (abreviatura de Zona de Livre Intervenção da Força Aérea), estas eram estabelecidas em terrenos dominados por insurgentes ou áreas onde não havia nem forças portuguesas nem população civil; não havia necessidade de coordenação em missões de ataque e reconhecimento armado com as forças do Exército ou da Marinha; as ZLIFAs também foram estabelecidas ao longo de vias navegáveis e passagens de fronteira, tudo no intuito de dificultar o trânsito do PAIGC; como observou um General da FAP, José Francisco Nico, as ZLIFAs tinham por objetivo manter o inimigo em permanente estado de insegurança e privá-lo de iniciativa em áreas menos controladas pelas forças terrestres.

A estratégia de Schulz dependia da intimidação dos ataques helitransportados, mas na época ele tinha apenas três helicópteros Alouette II à sua disposição e as suas limitações impediam o seu uso em operações de assalto; para superar a cadência, o Governo encomendou vinte e um Alouette III em 1964, mas demoraram mais de um ano a chegar.

No entretanto, impôs-se um equilíbrio mais severo dos recursos, em 1964 a FRELIMO lançava o seu primeiro ataque em setembro, a FAP ia ser comprometida com o um terceiro teatro de operações, ainda mais longínquo. Agravando ainda mais as dificuldades da FAP, os aviadores portugueses na Guiné foram privados dos seus mais potentes aviões de combate, deu-se a retirada dos F-86 fornecidos pelos EUA. De janeiro a agosto de 1964, os aviões Sabre tiveram um total de 577 saídas, das quais 430 foram missões operacionais de ataque e apoio de fogo; em comparação, os T-6 tiveram quase o dobro de saídas durante o mesmo período. Contudo, os Sabres, provaram ser o apoio de fogo por excelência, dada a sua velocidade, poder de fogo e capacidade de resposta pronta. O Tenente-Coronel Manuel Barbeitos de Sousa voou na última missão de um Sabre em 20 de outubro de 1964.

Esta diminuição de meios aéreos preocupava Schulz que sustentava a sua estratégia no poder aéreo, em particular a capacidade da FAP fornecer apoio de fogo às forças de superfície, os T-6 sozinhos eram notoriamente insuficientes neste contexto. Os responsáveis da FAP recomendaram a substituição do T-6 por aeronaves movidas a hélice, caso do Corsair, o Skyraider ou o T-28 Trojan, propostas que nunca foram verdadeiramente consideradas. Os decisores em Lisboa puseram a hipótese de substituição dos F-86 por F-84 ou P2V-5 que estavam a servir em Angola, hipótese que se revelou impraticável devido às potenciais repercussões diplomáticas. O Governo português chegou a um acordo com a República Federal Alemã para a compra de 65 caças que eram cópias licenciadas do F-86 produzidos no Canadá e que foram considerados menos propensos à atenção negativa dos EUA. Mas a venda foi detetada e os EUA vetaram o acordo. Lisboa aceitou mais tarde uma oferta alemã para transferir um lote de Fiat G-91 que se iriam mostrar mais adequados para operações ar-terra na Guiné. O acordo com a Fiat satisfez o comando da ZACVG, juntou-se uma equipa de mecânicos a Leipheim, na Alemanha Ocidental, para ações de formação e treino no Fiat G-91, isto no final de 1965. Até lá, a FAP tinha de confiar no lento, venerável e vulnerável T-6. Nessa conjuntura, o PAIGC ia estendendo as suas atividades por quase toda a província, incluindo o Setor Leste nas áreas despovoadas ou escassamente povoadas.

De janeiro a novembro de 1965, as FARP flagelações, emboscadas e outras atividades de guerrilha, incluindo áreas que não tinham sido anteriormente afetadas pela sua guerrilha. O PAIGC e as FARP mantinham uma luta militar implacável na parte Sul do território.

No contexto internacional, a Organização da Unidade Africana reconheceu o PAIGC como o único movimento de libertação legítimo da Guiné portuguesa, isto em março de 1965, era uma tomada de posição que iria assegurar ao PAIGC mais apoio.

Quando o Coronel Krus Abecasis chegou a Bissalanca como novo Comandante da ZACVG, em julho de 1965, deparou-se-lhe de imediato com uma situação estratégica intrigante. O PAIGC continuava a expandir-se e a intensificar as suas operações por toda a Guiné, tinha a iniciativa e a surpresa do seu lado, atacava onde queria e quando queria. Exigia-se uma resposta vigorosa, mas a zona aérea carecia de meios, Abecasis reestruturou o Comando e mais tarde acabou por observar que a relação operacional da FAP com os seus serviços da Guiné revelava descoordenação. Dois anos antes de assumir o comando, Abecasis visitara Bissalanca e descobrira essas desconexões e deu o exemplo de que havia pedidos urgentes de apoio aéreo que eram aprovados por escalões de comando superiores sem previamente se verificar se havia disponibilidade de aeronaves e de tripulação.

Chegara-se ao cúmulo de os pilotos estarem em missões sem nenhuma ideia da disposição das forças terrestres que estavam a apoiar ou do seu movimento. Abecasis concluiu a sua avaliação pedindo um sistema de trabalho que lhes assegurasse uma maior flexibilidade e um conhecimento mais detalhado do alvo e uma melhor compreensão das possibilidades e limitações que eram impostas à aviação.

Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné Portuguesa, 1964-1968 (Coleção José António Viegas)
Guerrilheiro do PAIGC sobraçando um RPG-2, pronto a disparar (Coleção Alberto Grandolini)
Pilotos alemães e portugueses em Oldenburg, ação de formação em Fiat G-91 (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Tenente Fernando Moutinho num Fiat G-91 (Coleção Fernando Moutinho)
Sala de operações em Bissalanca, onde diariamente eram planeadas e analisadas as missões (Coleção Fernando Moutinho)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 13 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23979: Notas de leitura (1542): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (12) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23997: Notas de leitura (1544): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IX: o vagomestre e o petisco que não podia ser para todos: o caso da mão de vaca com grão...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Estamos agora a cerca de metade do livro em que o nosso confrade José Matos é coautor. Deu-se a evolução da FAP de 1961 a 1963, houve melhorias em Bissalanca, o pessoal melhorou a sua capacidade de treino, começou a guerra, que alastrou rapidamente da região Sul para a outra margem do Corubal e subiu até ao Morés. O que aqui se relata é esse primeiro ano das missões da FAP na Guiné. Como observam os autores, os pilotos tinham inicialmente grandes dificuldades com as cartas desatualizadas, procedem ao registo de acidentes e dão conta do estado das aeronaves. É facto que o efetivo das forças terrestres aumentara gradualmente nestes primeiros anos, os comandos militares não dispunham inicialmente de um bom sistema de informações, o corrupio de operações limitava-se a tentar suster as intrusões e a constituição de bases no interior do território, mas desconhecia-se integralmente a questão central da manobra do PAIGC. Quando se vêem historiadores a criticar estes 2 primeiros anos da guerra, estes críticos de bancada não tomam em consideração que era a guerrilha que possuía a iniciativa e o defensor procurava imaginar o que vinha a seguir. Mas foi assim que aconteceu, é manifestamente irrelevante andar a pôr a História em tribunal.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos.

Os comandos militares da FAP na Guiné procuraram prontamente reagir e deter a atividade subversiva, mormente nas regiões fronteiriças, mas se bem que fosse notória a falta de qualidade e atualidade dos mapas aeronáuticos, tudo fizeram para evitar intrusões acidentais, designadamente na fronteira senegalesa, para não haver consequências políticas. Mesmo assim, o Senegal protestou alegando ter havido intrusões no seu espaço aéreo, cortou relações oficiais com Portugal. Em 21 de dezembro de 1961, alegadamente dois F-86 invadiram o espaço aéreo senegalês. Portugal reconheceu a intrusão, mas negou qualquer intenção deliberada, alegou-se que uma patrulha de reconhecimento de rotina sofrera uma falha de navegação e a intrusão não durara mais de 30 segundos. A República da Guiné igualmente protestou contra repetidas violações do seu espaço aéreo. A FAP teve neste período vários danos ou mesmo destruições antes de se terem iniciado os combates aéreos. Um F-86 sofreu um acidente com a colisão de um pássaro em 19 de agosto de 1961, apesar dos danos da colisão o Tenente Teixeira Lobo pousou com sucesso, mas a aeronave ficou inoperável durante várias semanas. A primeira perda aérea operacional da ZACVG ocorreu em 29 de maio de 1962. Nessa data, o Tenente José Cabaço Neves e o Furriel Manuel Soares Matos morreram num acidente de T-6 numa passagem de baixo nível quando investigavam tráfego suspeito nos rios. Outra perda ocorreu em 17 de agosto quando um F-86, no regresso de um reconhecimento, foi destruído num acidente na aterragem causado por fortes chuvas. A aeronave pousou no centro da pista, rolou invertida e explodiu, felizmente o Tenente Barbosa conseguiu escapar sem ferimentos graves. A frota Sabre ficara reduzida a 7, das quais 3 das 4 aeronaves estavam operacionais no início da guerra.

Após o ataque a Tite e as emboscadas na região de Fulacunda, o PAIGC estendeu a sua ação; tempos depois, obteve-se a informação de que a guerrilha dispunha de metralhadoras e passava a usar minas anticarro. Os ataques dos insurgentes, davam-se sobretudo à noite e centravam-se em três tipos principais de alvos: linhas de comunicações (estradas, pontes e transportes fluviais), instalações militares (acima de tudo, os quartéis) e a infraestrutura económica (entrepostos comerciais, outros locais onde estivessem armazenados produtos para exportação). Agrupamentos populacionais, vilas importantes e destacamentos militares foram alvo de ataques, sabotagens, flagelações com espingardas, metralhadoras ou morteiros. Os guerrilheiros do PAIGC também procuraram começar a atacar as aeronaves portuguesas com os meios disponíveis, principalmente armas de pequeno calibre e, usando escandalosamente a propaganda, reivindicaram, no final de 1963, o abate de 17 aviões, incluindo mesmo cinco no dia 21 de fevereiro. De facto, houve uma única perda de aeronave naquele ano. A primeira ação real de ataque aéreo da ZACVG aconteceu em 4 de abril, depois de uma aeronave de observação Auster ter detetado armas de fogo próximo de Darsalame. A resposta foi um ataque de um caça F-86 que pretendia obter um efeito mais psicológico do que real. Naqueles primeiros meses, a FAP pouco melhor podia fazer, dispunha de informações vagas e fragmentadas. “Naquela altura era praticamente inexistente a informação fora das áreas populacionais que nos eram afetas”, segundo o Tenente-General António de Jesus Bispo, que cumpriu três missões na Guiné entre 1963 e 1971. “Não havia uma ideia clara da disposição do inimigo no terreno, pelo menos ao nível dos pilotos”. O sistema de obtenção de informações na FAP foi melhorando à medida que a guerra avançava, mas não faltaram surpresas táticas e estratégicas que acabavam por complicar a operacionalidade no ar.

Em 1 de abril de 1963, o recém-chegado Comandante-Chefe das Forças Armadas, Brigadeiro Fernando Louro de Sousa, apresentou a sua primeira avaliação do que se estava a passar em relatório enviado para o Ministério da Defesa: registava com preocupação a escalada da atividade guerrilheira em muitos pontos do território e como estava altamente perturbada a atividade económica e afetados os transportes. Remanescentes do Movimento de Libertação da Guiné, com sede no Senegal, ainda permaneciam nalguns pontos no Norte da Guiné, mas este movimento havia sido quase totalmente suplantado pelo PAIGC. O partido orientado por Amílcar Cabral revelava-se o mais bem armado e preparado dos dois e beneficiou do apoio dado pela República da Guiné, por outros regimes africanos e pelas nações do bloco comunista para além da China. Na opinião de Louro de Sousa, o PAIGC representava “maior perigo para a estabilidade da situação política da província” face ao seu rival menor.

Passados 8 dias de Louro de Sousa ter emitido a sua primeira avaliação para Lisboa, em 9 de abril de 1963, o Governador da Guiné, Vasco Rodrigues, recebeu outra queixa do Senegal, desta vez alegando que 4 aeronaves haviam atacado a vila senegalesa de Bouniak. O Senegal colocou a questão no Conselho de Segurança da ONU, foi adotada uma resolução que deplorava a violação de soberania e pedia às autoridades portuguesas para tomar todas as medidas necessárias para evitar situações como aquela. As autoridades portuguesas reconheceram um ataque ocorrido em 8 de abril de F-86 e T-6 contra a vila de Bunhaque, a 4 quilómetros de Bouniak, mas uma investigação conduzida pelo comandante da ZACVG, Tenente-Coronel Durval Serrano de Almeida, concluiu que não caíra fogo no lado senegalês. Este episódio permanece indiscritível, o comandante posterior, José Duarte Krus Abecassis (1965-1967), reconheceu que a FAP bombardeou e metralhou deliberadamente uma base de apoio inimiga no Senegal, em 1963. O governo português manteve uma política de negar oficialmente tais ataques, enquanto o Senegal convidava jornalistas estrangeiros para examinar os danos dos ataques e os resíduos das armas envolvidas. Krus Abecassis considerava que a recusa de Portugal em admitir tais ataques nos trazia descrédito político.

Com apenas 3 meses de guerrilha, a Guiné entrava na comunicação internacional, chamava a si críticas generalizadas e a condenação na ONU. Durante o ano de 1963, as operações da FAP acompanharam estreitamente o alargamento da atividade militar portuguesa. Em junho e julho, os guerrilheiros de Cabral lançaram ataques nas regiões do Xime e Xitole, o PAIGC atravessara o Corubal e procurava estender-se para o centro da Guiné. A guerrilha implantou-se na região do Oio, o que permitia ao PAIGC estabelecer uma rede de atividades em diferentes direções no interior da Guiné, obteve o apoio da etnia Balanta e dos Oincas nesta região densamente florestada do Morés. O ministro da Defesa português, Gomes de Araújo, admitiu publicamente que a guerrilha “infestara” aproximadamente 15 por cento da superfície do território. Para conter a maré insurgente, as forças portuguesas lançaram uma série de operações terrestres destinadas a repulsar as posições do PAIGC, as contribuições da FAP a essas operações normalmente incluíam incursões preparatórias para reconhecimento, mas também transporte de tropas, apoio de fogo, reabastecimento, evacuação médica.

No entanto, a situação agravava-se. O Ministério da Defesa enviou o General Venâncio Deslandes que chegado a Lisboa elaborou um relatório que começava por dizer que “a situação atual é realmente grave, cerca de um quinto do território dá sinais de insurgência, mais agudos nas regiões fronteiriças e na região Sul”. Alertou ainda a que um ataque a Bissau “seria fácil de executar, com todas as consequências políticas que isso acarretaria”.

(Continua)
Panorama geral de Bissalanca no início da guerra. Nessa época, a FAP dispunha de 30 aeronaves no teatro, incluindo os T-6 (Aquivo Histórico da Força Aérea)
No início da guerra, a FAP na Guiné dispunha de três ou quatro F-86 prontos para combate (Aquivo Histórico da Força Aérea)
Operações do PAIGC entre janeiro de 1963 a janeiro de 1964 (Matthew M. Hurley)
Peça de artilharia antiaérea Goryunov SG-1943 7,62 mm (à esquerda). Foi uma das primeiras armas de defesa antiaérea usadas pelo PAIGC (Coleção Abert Grandolini)
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Notas do editor

Poste anteruor de 16 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23895: Notas de leitura (1534): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Dando continuidade à recensão desta obra onde se procura passar em revista as atividades da FAP na guerra da Guiné, dá-se a palavra aos autores para fazerem uma apreciação dos condicionalismos em termos de abastecimento e recursos, uma constante que jogou a desfavor das operações aéreas, ao longo dos anos da guerra. Passa-se igualmente em revista a natureza do armamento bélico, o tipo de armas de destruição usadas pela FAP, a necessidade de desenrascar peças, canibalizando aviões avariados. Estamos já no início da guerra, vamos seguidamente apreciar a evolução dos primeiros anos, pautados, primeiro, pelas dificuldades sentidas em captar a natureza da estratégia da luta armada, a sua escolha de pontos de apoio em locais do Sul, do Leste e da região do Morés; a resposta de fixação de destacamentos para apoio das populações e a imprescindível utilização da FAP não só em missões de soberania, de acompanhamento das atividades operacionais e de transporte de feridos, tanto militares como civis.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Seguiram-se outros capítulos, fez-se a contextualização sobre a ascensão dos movimentos de libertação e estamos nesta altura já a falar sobre a implantação da FAP na Guiné num contexto de Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, 1961, prepara-se Bissalanca para as operações de combate mediante de um programa de construção para reabilitar e ampliar a pista do aeródromo, também com a construção de hangares e outras instalações para manutenção e suporte. Verificou-se que um dos problemas mais prementes que se punha à FAP eram as peças, que demoravam muito a chegar e levantavam seríssimos problemas de manutenção. A situação prolongou-se pelos anos seguintes, num relatório de 1961 escrevia-se que a frota DO-27 estava quase totalmente aterrada e só 3 dos 19 helicópteros Alouette-III estavam em perfeitas condições para o combate. Os sucessivos pedidos para estabelecer instalações de manutenção na Guiné não foram atendidos, o que forçava a FAP a canibalizar alguns aviões para obter peças. Estes problemas de manutenção afetaram também as aeronaves que serviam a Guiné: por exemplo, 1 em cada 5 voos dos transportes DC-6 da FAP sofria de falhas de motor enquanto voava de Portugal para África.

O abastecimento de munições também se revelou muito difícil, para o general Diogo Neto revelou-se um dos maiores problemas: “Utilizámos sempre o que estava disponível, o que nem sempre foi o mais adequado. O arsenal nunca esteve satisfatoriamente abastecido, o que obrigava a restrições mensais no consumo”. Dada a intensidade da guerra na Guiné, esta situação só poderia deteriorar-se. No auge da guerra, a FAP consumia mais munições na Guiné do que em Angola e Moçambique juntas. Para mitigar a carência, recorria-se ao fabrico português, incluindo metralhadoras recuperadas de aviões desmantelados.

As bombas de gravidade usadas na Guiné eram de 500 libras, havia bombas comuns de 50 kg e bombas de fragmentação de 20 libras, 15 kg e 200 kg. Usaram-se igualmente foguetes de fragmentação e a munição usada com menos frequência eram foguetes de alta velocidade de 5 polegadas lançados do Neptune e os foguetes de 68 mm disparados pelos T-6 em algumas missões. A partir de 1964, a FAP também empregaria armas incendiárias na Guiné.

Oficialmente, o napalm e o fósforo branco deveriam ser usados “apenas contra alvos militares bem referenciados e em áreas de difícil penetração”. A despeito da crítica internacional contra o uso do napalm e armas semelhantes, as autoridades portuguesas continuaram o seu uso durante a guerra.

Qualquer arsenal aéreo, por mais bem abastecido que esteja, será irrelevante desde que não disponha de pessoal treinado para o empregar. A FAP na Guiné avaliou sempre as suas tripulações em escassez crónica. O ex-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Lemos Ferreira, observou a disparidade de haver 40 mil homens a combater em meios terrestres contra 60 ou 70 pilotos. Durante os primeiros anos da FAP na Guiné o número nunca ultrapassou os 30, número por demais insuficiente para operar com as aeronaves disponíveis. O número de pilotos aumentaria no final de 1964 e teve o seu ponto mais alto em setembro de 1963, seja como for era um número insuficiente. Em resultado da permanente falta de tripulações, os pilotos voaram um número extraordinariamente elevado de horas e em diferentes aeronaves.

No início da década de 1970, o tempo médio de voo acumulado para cada um dos pilotos é de 2731 horas, número excessivamente elevado. 2 anos de comissão era já um período de exaustão, atendendo às condições de vida, ao clima e à natureza da luta. Não se encontravam voluntários para mais 2 anos. Em 1967, o Ministro da Defesa Nacional visitou a Guiné, e pôde constatar uma série de fatores que impactavam negativamente o moral das forças portuguesas, o clima era considerado devastador. Houve mesmo um diplomata norte-americano que visitou a Guiné e que observou durante os 5 dias de estadia que era mais quente do que ele tinha experimentado na selva amazónica. Até os assessores cubanos do PAIGC se queixavam do calor e das durezas do clima. Mesmo na pacífica Bolama passavam-se tarde opressivas, esperava-se impacientemente pelas ventoinhas do teto para estar no refeitório.

A despeito deste quadro de constrangimentos, pode observar-se que a FAP na Guiné pôde a seu modo constituir-se um modelo de organização. Essa organização e a doutrina que lhe estava subjacente, pessoal e aeronaves, iriam ser postos à prova na escalada da guerra.

Estamos agora em novo capítulo, entrou-se na guerra, contrariando todas as previsões que apostavam em ataques fronteiriços, a primeira flagelação do PAIGC foi em Tite, a 25 kms em linha reta de Bissau, nessa mesma data militantes do PAIGC emboscaram forças portuguesas na região de Fulacunda, a 25 kms a leste de Tite. Entrava-se num quadro estratégico que fora esboçado em agosto de 1961, a passagem para a insurreição armada, envolvendo formas possíveis de sabotagem, flagelações e outras formas de intimidação das forças portuguesas. No segundo semestre de 1962, o PAIGC lançara uma campanha de ataques de pequena escala, cortando comunicações, desarticulando as vias comerciais, lançando em pânico as populações, isto na região sul. Em dezembro de 1962, o PAIGC anunciou publicamente “o uso de todos os meios necessários na luta pela autodeterminação e pela independência”. Nesse mesmo mês, as informações policiais colheram provas de que elementos armados do PAIGC estavam reunidos em Koundara, na fronteira da Guiné-Conacri, serão porventura estes os efetivos que atacaram Tite. Por este tempo já se tinha reforçado consideravelmente o efetivo militar no território, em termos terrestres. O contingente, em 1958, era de cerca de 900 militares do Exército, operando a partir de Bissau e Bolama, estes efeitos aumentaram em 1959. No final de 1962, o efetivo rondava os 5 mil homens distribuídos por 10 pontos em todo o território.

Neste contexto de início de guerra, os aviadores e pessoal de apoio cumpriram uma variedade de requisitos operacionais. Com efeito, as missões pré-guerra do ZACVG incluíam formação, obtenções de informações, faziam voos de soberania, sobretudo nas áreas menos acessíveis pelos meios terrestres. As aeronaves de transporte e outras revelaram-se da maior importância quando o Exército procurou estabelecer-se no interior. Mas os seus ativos eram criticamente escassos.

Todos os três teatros viram aumentar o uso de napalm, apesar do consumo ter sido mais intenso na Guiné do que em Angola ou Moçambique (Coleção Jochen Raffelberg)
Manutenção de um T-6 em Bissalanca (Coleção José Nico)
Bombas de napalm de 80 kg (Coleção Jochen Raffelberg)
Uma amostragem das munições transportadas por um F-86F (Arquivo Histórico da Força Aérea)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 DE DEZEMBRO DE 2022 >
Guiné 61/74 - P23885: Notas de leitura (1532): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VIII: O Prémio Governador da Guiné para o sold Baldé

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Eu só espero que o coautor José Augusto Matos esteja a acompanhar criticamente esta adaptação de partes essenciais do seu livro que eu aqui faço um tanto às três pancadas, desconhecedor que sou da terminologia mais fiável e inclusivamente a leitura que eu faço e procuro transcrever de aspetos essenciais não corresponderá ao olhar dos autores, daí o pedido de auxílio a quem sabe da poda. O que aqui se elenca é a escolha, com os recursos possíveis, de aeronaves que melhor se adaptassem à realidade do solo guineense. Quando, em 1961, já não era possível camuflar mais que em breve iria eclodir a luta armada foi necessário apetrechar Bissalanca a diferentes níveis, tinha que ser aeródromo civil , dispôr de hangares, pistas bem mantidas, uma proteção de segurança, instalações compatíveis com as forças dotadas para a permanente intervenção. E os autores vão nos dando explicações quanto à natureza das aeronaves, dando os porquês daquelas que vingaram, caso do DO-27, dos Alouette II e III, do Dakota, do Noratlas e do Fiat G-91, revelaram-se preponderantes, deram uma colaboração extraordinária, até que a supremacia aérea foi posta em causa.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Seguiram-se outros capítulos, fez-se a contextualização sobre a ascensão dos movimentos de libertação e estamos nesta altura já a falar sobre a implantação da FAP na Guiné num contexto de zona aérea de Cabo Verde e Guiné, 1961, prepara-se Bissalanca para as operações de combate mediante de um programa de construção para reabilitar e ampliar a pista do aeródromo, também com a construção de hangares e outras instalações para manutenção e suporte.

Quando os primeiros pilotos da FAP chegaram em julho desse ano, ainda não encontraram em funcionamento qualquer centro de operações ou alojamentos de pessoal, foram preciso mais 6 meses para dar por concluídas as melhorias essenciais e a base aérea de Bissalanca iniciar as suas operações. De acordo com a classificação apresentada pelos autores, temos uma base aérea e aeródromos de manobra e trânsito. Bissalanca não podia apoiar todas as atividades da FAP, daí ter-se criado uma rede de mobilidade, o ponto focal era o aeroporto do Sal, uma plataforma para operações na Guiné ou para a Base Aérea n.º 9 em Luanda. Com os aperfeiçoamentos introduzidos em Bissalanca, aqui puderam aterrar aviões de carga, incluindo o Boeing 707. Procurou-se igualmente estabelecer uma rede de aeródromos e pistas auxiliares para maior apoiar as unidades de superfície. Identificaram-se 28 pistas de aterragem, mas nenhuma foi pavimentada e apenas uma poderia ser usada pelo DC-3 ou aeronave similar. A maior parte destas pistas podia receber aviões utilitários leves e vários aeródromos (Bafatá, Tite e Bubaque) foram melhorados para acomodar caças com motor de pistão e Bubaque passou a dispor de logística como aeródromo suplente de Bissalanca. Apareceram posteriormente aeródromos em Cufar, Nova Lamego e Aldeia Formosa. No aceso da guerra, havia mais de 70 campos de aterragem, uma boa parte deles não passava de clareiras ou trechos abertos de estradas. Ao longo da guerra na Guiné, os aviadores portugueses chegaram a fazer até 7 surtidas por dia para estas pistas rudimentares.

Os planos elaborados em 1960 previam um complemente de 4 aeronaves de observação, transporte médio e apoio de fogo para estarem permanentemente na base aérea de Bissalanca. Este dispositivo foi alterado depois das primeiras flagelações, em 1963 (houve um antecedente, perpetrado por um movimento rival do PAIGC, o Movimento de Libertação da Guiné, que atacou S. Domingos, Susana e Varela em julho de 1961, mas que não passaram de incidentes que levaram a maioria dos residentes europeus a fugir para Bissau. Por essa altura já a FAP tinha começado a transferir aeronaves militares para os territórios africanos envolvidos em conflito. Em fevereiro de 1961, a FAP deslocou 12 F-84 para Luanda, em agosto desse ano chegaram os primeiros helicópteros Alouette II. No verão de 1961, já havia uma expetativa de rebelião na Guiné e Moçambique, a Guiné recebeu dois aviões Dakota e um Auster, mas os ataques do movimento de libertação da Guiné exigiram que se despachasse para ali caças F-84. E havia pedidos para pôr na Guiné F-86, a operação denominou-se “Atlas”. Em agosto de 1961, oito aviões Sabre chegaram à ilha do Sal, este contingente chegou a Bissalanca em 15 de agosto. Os pilotos portugueses do F-86 passaram rotineiramente a permanecer 3 meses na base aérea, com funções de reconhecimento. Chegaram depois dois T-6 desmontados e encaixotados por via marítima. No início de 1962, oito T-6 tinham sido montados e organizados como esquadrilha de apoio de fogo. Na opinião de peritos da FAP, o T-6 representou um bom compromisso entre simplicidade, facilidade de manutenção, durabilidade, carga e flexibilidade para dar apoio de fogo às forças terrestres. Chegaram igualmente Texans e Harvards, que tinham servido na Argélia e foram equipados para fazer fogo e lançar bombas. Mais tarde, a Alemanha Federal forneceu T-6, DO-27 e caças G-91.

Os T-6 eram os aviões considerados menos apropriados para ataques contra bases do PAIGC ou concentrações de guerrilheiros, devido ao ruído dos motores e à sua baixa velocidade, sobretudo. O T-6 precisava de 2 a 3 minutos para metralhar ou lançar uma bomba, ficando exposto a fogo terrestre hostil. Para muitos era considerado um estorvo nas operações. Contudo, tornou-se no avião de ataque a solo da FAP na Guiné e assim permaneceu até ao fim da guerra. A aeronave de patrulha marítima Lockheed P2V-5 Neptune foi introduzido na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné nessa época, quando o F-86 e o T-6 se estrearam em África. Portugal tinha adquirido uma dúzia de aeronaves oriundas da Holanda em 1960 e a sua implantação foi imediatamente reconhecida como uma prioridade operacional, devido ao seu longo alcance e resistência, transporte de carga pesada e capacidade de monitorar a atividade costeira. Chegara a Bissalanca em 1961, mas os dois Neptunes, tripulações e pessoal de manutenção transferiram-se para o Sal no início de 1962. No ano seguinte, os P2V-5 realizaram operações marítimas e de reconhecimento terrestre sobre a Guiné e ilhas adjacentes procurando cartografar as possíveis rotas de infiltração do movimento insurgente. No entanto, as reparações exigiam longos períodos de inatividade enquanto não chegavam as peças ou os especialistas da base aérea do Montijo. Também estas aeronaves eram obrigadas a regressar ao Montijo após 60 horas de voo para inspeção programada e manutenção. Contra as dificuldades, aquele destacamento que fora criado em 1961 teve que ser dissolvido, e a partir de então um par de aviões P2V-5 e suas tripulações permaneciam em permanente estado de alerto no Montijo, prontos para ajudar as forças portuguesas em Cabo Verde e Guiné, sempre que necessário.

Para as missões de transporte em distâncias médias, a FAP contava com o Dakota, desde 1961 que havia um disponível em Bissalanca. Pelo menos em 1967 e 1968 os aviões Dakota foram também usados para lançar paraquedistas em grandes operações terrestres. As tarefas de observação, ligação e transporte mais leve recaíam originalmente em aviões como os Auster e Broussard, que tiveram passagens relativamente curtas na Guiné até serem substituídos pela DO-27, a partir do final de 1963. A FAP realizou testes com o DO-27, de fabrico alemão, a partir da primavera de 1961 e descobriu que a sua capacidade, resistência e versatilidade eram ideais para o serviço em África. O DO-27-A4 tinha uma autonomia de mais de 6 horas, carregava equipamentos da rádio VHF e HF, incluindo um conjunto ARC-44 que permitia a comunicação de voz com as forças terrestres. Entraram ao serviço entre dezembro de 1961 e janeiro de 1962, estava-lhes destinado uma longa permanência na Guiné entregando cargas, fazendo reconhecimentos, evacuando pessoal doente ou ferido, acompanhando equipas de comando, entre outras missões. Nenhuma outra classe de aviões teve um peso tão simbólico na guerra aérea na Guiné.

Como tem vindo a ser observado, os helicópteros revelaram-se insubstituíveis. O primeiro helicóptero foi adquirido em França, era o Alouette II, três deles foram enviados para Bissalanca e prontamente usados em funções de ligação, logística, evacuação médica, até terem sido suplantados, em 1966, pelos Alouette III. Não levantavam problemas de substituição de peças, como era o caso dos F-86 e o P2V-5, que exigiam manutenção depois de 10 a 15 horas de voo, vivia-se uma situação agravada pela falta de técnicos qualificados.

A falta de peças, equipamentos de manutenção e respetivo pessoal foi sempre um tormento para a FAP na Guiné, mesmo quando chegou o Noratlas e o Fiat G.91, foi sempre uma escassez que acompanhou a presença da FAP durante toda a luta de libertação.

Aeródromo de Nova Lamego, que dispunha de T-6 e Alouette III (Coleção Virgílio Teixeira)
Base aérea e aeródromos do ZACVG
Kaúlza de Arriaga cumprimentando pilotos dos F-86 destacados para a “Operação Atlas” no Montijo (Coleção Conceição e Silva)
Capitão Almeida Brito, um dos pilotos do F-86 envolvidos na “Operação Atlas”. Será anos mais tarde vítima de um míssil Strela, na Guiné (Coleção Conceição e Silva)
Um F-86 à noite na ilha do Sal (Coleção Conceição e Silva)
Os F-86 em Bissalanca, ao lado do T-6 e C-47 (Coleção Lobo Fernandes)
Mapa da Operação Atlas (Matthew M. Hurley)

(continua)

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Notas do editor

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