Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4252: Os Bu...rakos em que vivemos (7): Destacamento de Rio Caium (Luís Borrega)
Caríssimos LG,VB e CV
Aí vai alguns considerandos sobre a Ponte Caium
Alfa Bravo
Luís Borrega
Destacamento da ponte de Rio Caium visto da margem direita do Rio Caium
DESTACAMENTO DE RIO CAIUM
UM BU... RAKÃO
Na perspectiva do Gen Almeida Bruno, Colónia Balnear de Férias para os “BANDOS ARMADOS” da CCav2749/BCav 2922 (PICHE 1970/1972)
Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça.
O Destacamento de Ponte Caium, em conjunto com o Destacamento de Cambor (na estrada Piche-Canquelifá) pertenciam à CCav 2749.
Ponte Caium tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que o Destacamento podia aguentar.
No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição.
Para o comandante do BCav 2922 (Ten Cor Raúl Augusto Paixão Ribeiro), não era prioritário ir reabastecer-nos. Tivemos de esperar pela coluna de reabastecimento a Buruntuma, para recebermos os géneros necessários à manutenção do Destacamento.
E como era o Destacamento da Ponte de Rio Caium?
Era uma ponte estreita em pedra e cimento com 59 metros de comprimento sobre o Rio Caium, na estrada Piche – Buruntuma. Estava situada a 17,5 km de Piche, a 3,5 Km do Destacamento de Camajabá (pertença da CCav 2747 sediada em Buruntuma) e a l8,5 Kms de Buruntuma.
O aquartelamento estava instalado no tabuleiro da ponte. Dois abrigos à entrada e dois abrigos à saída. Estes eram feitos de bidões de gasóleo de 200 litros, cheios de terra, uns em cima dos outros, cobertos com troncos e cimento por cima. Ao meio do tabuleiro a cozinha, o depósito de géneros e o refeitório. Eram uns barracos, cujo telhado eram chapas de zinco. Havia ainda um nicho com uma santa e do lado esquerdo (sentido Buruntuma) estava o forno.
Como armamento pesado tínhamos um Canhão S/recuo montado num jeep e um morteiro 81 mm num espaldão apropriado. O restante do armamento era HK21 e RPG 7 apreendidos ao IN
Dilagramas, morteiro de 60 mm e G3 distribuídas pelo Grupo de Combate.
Para nos reabastecermos de água (para beber, cozinha e banhos) tínhamos que nos deslocar a 2 km do aquartelamento, a um poço cavado no chão, com um Unimog a rebocar um atrelado carregado com barris de vinho (50 litros) vazios, que eram cheios com latas de dobrada liofilizada, adaptadas para o efeito.
Como era de difícil solução a localização de um heliporto, foi decidido superiormente, manter sobre a estrada, uma superfície regada com óleo queimado, para a aterragem de helicópteros.
Como se pode imaginar, nas horas de lazer o tempo era preenchido a jogar cartas, ler, escrever à família. Quase todos os dias tínhamos saída à agua, patrulhamento às áreas em redor, etc.
Os dias e as noites eram passados nos limites do espaço, do tempo, na expectativa dum ataque – e quando este começasse, já estaríamos cercados por todos os lados, porque ali não havia milícias, nem tabanca, nem pista de aviação ou possibilidade de retirada (só saltando o parapeito da ponte e atirarmo-nos ao rio uns bons metros mais abaixo).
A desvantagem da área diminuta tinha contrapartidas benéficas: era mais difícil ao PAIGC acertar com os morteiros e a nossa artilharia tinha mais à vontade nos tiros de retaliação, nos limites do alcance das peças de 11,4 instaladas em Piche.
Se o General Almeida Bruno tivesse sobrevoado o Destacamento a bordo dum Alloette ou numa DO 27, certamente teria pensado que ali estaria alojada a “Colónia Balnear de Férias” do BCav 2922 para premiar os seus “Bandos Armados”.
Ali tínhamos praia fluvial (não era aconselhável ir a banhos por causa dos Crocs), caça grossa (aos Crocodilos e a outras espécies cinegéticas)e pesca.
Pensaria de certeza que a boa vida que levava em Bissau, na messe de oficiais e também no Palácio do Governador (onde deve ter almoçado e jantado bastantes vezes) era inferior à vida que os “BANDOS ARMADOS” levavam na sua Colónia Balnear de Ponte Caium (cercada do tão falado arame farpado).
No dia 27 de Junho de 1971, pelas 22,00 h, um grupo IN estimado em 30 elementos, flagelou o Destacamento com morteiros 61 mm, RPG 2 e RPG 7 e com armas automáticas ligeiras (Kalash e PPSH vulgo costureirinhas) causando um ferido às NT. A rápida e certeira retaliação obrigou o IN a retirar deixando rastos de sangue, indicando terem tido baixas.
Nesse ataque, apesar de ter um vasto palmarés de ataques e emboscadas, não estava presente junto do meu Grupo de Combate (3.º GC/CCav 2749), não me lembro concretamente do motivo, mas pela data só poderia ter ido render algum graduado por motivo de férias no Destacamento de Cambor (situado na estrada Piche-Canquelifá) ou estar envolvido nalguma operação de minagem nas margens do Rio Corubal em conjunto com os sapadores da CCS/BCav.
Caros Camarigos LG, CV e VB
Espero que o Corpinho esteja Jametum.
Em resposta à solicitação do Luís Graça, para falarmos dos BU… RACOS da Guiné estou a enviar uma estória acerca de um desses Bu… racos.
Espero que informaticamente façam o tratamento adequado.
Manga di Saúde
Alfa Bravo
Luís Borrega
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4215: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (7): Luís Borrega, visitante um milhão (Luís Borrega)
Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)
domingo, 19 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)
Fotos: © Alfredo Reis (2009). Direitos reservados.
1. Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...
... E já agora, aqui vai um exemplo das dificuldades para chegar a Banjara.
Digo-vos também que foi no caminho para lá que eu fui ferido e fui, por isso, para uma estadia de nove meses no Hospital Militar Principal da Estrela [,em Lisboa]... [Não admira, por isso, que o António eleja Banjara como o pior Bu...rako que ele conheceu]
59. Operação sem nome. 15 de Julho de 1968 (**)
Situação particular: Do antecedente o IN coloca minas no itinerário Sare Banda-Banjara.
Missão: Transporte de frescos e correio. Patrulhamento do itinerário Geba-Banjara-Geba.
Força executante:
Dest A - CART 1690 (1 Secção +) ref. c/PEL MIL 111/Companhia Milícias 3
Dest B - PEL CAÇ NAT 64
Dest C - 1 PEL REC/ EREC 2350
Desenrolar da acção:
Em 16 de Julho de 1968, às 11h15 saiu do destacamento de Sare Banda o 1º Gr Comb , constituído por 2 secções do PEL CAÇ NAT 64 e seis milícias que iniciaram a picagem da estrada.
As 12h05 verificou-se o rebentamento de uma mina A/P, reforçada com 1 mina A/C, que provocou 6 mortos e 1 ferido grave às NT pelo que tive que pedir uma evacuação urgente e fiz transportar os corpos dos mortos (com excepção de 1 que ficou completamente pulverizado) e o ferido para Sare Banda.
O transporte foi feito num Unimog, levando como escolta uma secção de atiradores e 1 Daimler. O restante pessoal ficou a manter segurança no local do rebentamento e aguardando a chegada destas viaturas.
Quando as mesmas regressaram verifiquei que os elementos da Companhia de Milícia não queriam prosseguir na operação, pelo que tive de os obrigar a continuar a desempenhar a missão de que iam incumbidos: picar a estrada.
Consegui que a coluna prosseguisse em direcção a Banjara, que se atingiu às 16h25. A saída de Banjara verificou-se às 17h00, tendo a coluna atingido Bafatá às 18h30.
Foi cumprida integralmente a missão apesar do grande atraso em relação ao previsto.
A distância de Banjara a Geba era, em linha recta, de 27,5 km. Na prática era quase o dobro (47 km).
A. Marques Lopes
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Notas de L. G.:
(*) Vd. poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu... rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)
(**) Vd. poste de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara (A. Marques Lopes)
domingo, 12 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4175: Os Bu...rakos em que vivemos (5): Guileje bem se podia considerar um hotel de 5***** (Manuel Reis)
sexta-feira, 10 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4168: Os Bu...rakos em que vivemos (4): Acampamentos de apoio à construção da estrada Mansabá/Farim (César Dias)
Carlos,
Como estás no comando da Tabanca, e porque este bu...rako te é familiar, se vires de interesse, podes publicar.
César Dias
Destacamento do Bironque
Foi neste buraco que vários bandos se esconderam, CART 2732, CCAÇ 2753, Pel Sap do BCAÇ 2885 e outros que nos revezaram, daqui partiam e voltavam dia e noite, para levar a bom termo a estrada Mansabá - (K3)Farim, apesar das minas, das flagelações etc. Mas não me espantaria nada se aparecesse um Sr. General a dizer que como parque de campismo até não estava mal.
Foi mais um desabafo
Um abraço para todos
César Dias
BCAÇ2885
Boa estrada de acesso, feito à custa de muito sangue, suor e lágrimas, porque as minas não pouparam civis e militares e as emboscadas eram o pão nosso de cada dia.
Fotos: © César Dias e Carlos Vinhal (2009). Direitos reservados
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4153: Os Bu... rakos em que vivemos (3): Acampamentos de apoio à construção da estrada T.Pinto/Cacheu (Jorge Picado/José Câmara)
terça-feira, 7 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4153: Bur...akos em que vivemos (3): Acampamentos de apoio à construção da estrada T.Pinto/Cacheu (Jorge Picado/José Câmara)
domingo, 5 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4141: Os Bu...rakos em que vivemos (2): Bula, CCCAÇ 2790 (António Matos)
Bula > Mercado Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados De 1970 a 1972 foi uma zona de grande actividade guerrilheira com passagens constantes de Este para Oeste e vice-versa a desencadear constante perseguição da nossa parte e originando-nos diversas baixas. Na tentativa de minorar essa movimentação do IN, foi montado o maior campo de minas de todo o ultramar (cerca de 16.000 minas) em cuja equipa de técnicos me encontrava na qualidade de alferes atirador e minas e armadilhas. A montagem demorou bastante tempo e o desgaste físico e psicológico a que fomos submetidos leva-me a confrontar essa realidade com qualquer outra na Guiné. Lá, vi caírem vários camaradas de pernas decepadas; Lá, vivi momentos de inolvidável apreensão ao temer flagelações sem hipótese de grandes defesas, pois não estávamos armados uma vez que se tornava incompatível o transporte da G3 com aquela actividade; Lá, vi indígenas igualmente vítimas daqueles engenhos; Lá, voei com o sopro da deflagração duma mina que tinha sido accionada por outro camarada; De lá, falei com o meu Deus a implorar protecção; Do meio de todo aquele inferno lembrava os pais, irmãos, namorada... Naquele campo de ferros e trotil alienei parte da minha capacidade de ser inteligente para sobreviver e poder, um dia, vir a um blog contar como foi... Os dias começavam bem cedo para que o calor não perturbasse tanto os movimentos cirúrgicos que as nossas mãos executavam... Quantas vezes, mal chegados à arena, regressávamos de imediato fruto de acidente com um camarada... No dia seguinte, qual trapezista que cai do seu equilíbrio e se estatela no chão, voltávamos, maquinalmente, estranhamente calmos, sem reinvindicar nada, até que (quantas vezes, meu Deus!) o PUM se ouvisse e os gritos nos dilacerassem as entranhas... E os dias sucediam-se... E os acidentes também... E os erros que se cometiam aquando de deslocações pelo campo a fim de permitir operações que nos eram atribuídas... E com que trágicos resultados... E quantas vezes, depois de regressar ao quartel após esse part-time eu tomava o comando do meu Pelotão para o acompanhar em operações de maior melindre... Mas nem só de minas era constituído o nosso dia-a-dia! No nosso buraco cabíam outras realidades... O nosso camarada António Matos manuseando uma mina portuguesa. Foto: © António Matos (2009). Direitos reservados Estive destacado em Augusto Barros cuja população, hostil por excelência, era verruminosa. Às nossas ofertas de arroz e mão de obra para a construção de tabancas, agradeciam com flagelações. A essas, respondíamos com galhardia e de todas saímos vencedores e impusemos a autoridade. As picadas de acesso a Bula cedo se tornaram suportáveis pela adopção de critérios psicologicamente traumatizantes: as viaturas da frente eram cheias com as mulheres e crianças que necessitavam de se deslocar aproveitando as disponibilidades militares. Porém, a hipótese de contacto era sempre admitida e o ambiente tornava-se fechado, de dentes cerrados, olhos prescutando o inimigo e o mergulho para o chão estava à distância de um clique. Quando os mísseis assobiaram por cima das nossas cabeças, a dimensão da guerra tomou outra envergadura. Quando as Panhards demoravam mais um bocado e a luta tomava foros de coisa de homem-a-homem, a nossa meninice perdia mais uns pontos e os homens iam-se formando com a bitola das leis da selva. E quantas vezes era solicitado o heli-canhão que, ao aparecer, permitia que muitos soldados chorassem de alívio e Lhe agradecessem a benesse de continuarem vivos... E para culminar a configuração do buraco, chegados ao quartel, quantas vezes encarávamos uma hierarquia militarmente incompetente, balofa, désputa e estúpida! Esta hierarquia que perguntava pelos estragos materiais e esquecia os mortos e os feridos! Isto não são figuras de retórica, sr. Almeida Bruno! Se do alto do seu pedantismo tiver dúvidas (não as devia ter, falando como fala!) recordo-lhe o 19 de Janeiro de 1971 na estrada Bula-S.Vicente. Documente-se e limpe-se a esse guardanapo, meu caro senhor! Nem só de Guileje viveu a guerra da Guiné! E heróis, houve-os nas mais insignificantes situações! Nos mais miseráveis e recônditos buracos desabrocham estórias dum dramatismo incomensurável que a morte, só por si, deveria fazer erguer monumentos individualizados a cada uma das vítimas! (in http://sekanevasse.blog.com/). Camarada Luís Graça, por aqui me fico na identificação do meu buraco na expectativa de que esta prosa, pouco cuidada, possa ser motivadora de outras fotografias que envergonhem os homens do ar condicionado, calcanhares em cima da mesa, arrotando estrondosa e etilicamente nas reuniões da socialite! Um grande abraço, António __________ Notas de CV: (*) Vd. último poste de António Matos de 4 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4139: Comentários que merecem ser Postes (1) As vacinas da tropa ou as doses cavalares (António Matos) Vd. Primeiro poste da série de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu... rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)