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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18247: Efemérides (267): Faz 51 anos que chegámos a Bissau, no T/T Uíge, partindo depois numa LDM e num Batelão BM-1 para Gadamael (Mário Gaspar, ex-fur mil, CART 1659, Gadamael, 1967/68) - Parte I



Brasão da CART 1659 (Gadamael, 1967/68), "Zorba". Lema: "Os Homens Não Morrem"


Guiné > Região de Tombali > CART 1659 (1967/69 > Ganturé em 1967


Foto (e legenda) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (****)


Efemérides > Passaram 51 Anos: Chegada ao largo de Bissau, 17 de janeiro de 1967

por Mário Vitorino Gaspar






“… Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca…”

Álvaro de Campos


Bissau, 17 Janeiro de 1967


Chegámos à barra do porto de Bissau, na noite de 17 de janeiro de 1967. O paquete Uíge estagnou. Silêncio geral. Rapidamente surgem negros de tanga. Descalços. Começaram por carregar aos ombros, mas vagarosamente, alguma bagagem. Mais parecia que o cais de Bissau se desmoronava quanto ouvi as primeiras palavras dum nativo, bem perto do local onde me encontrava. Dei com os pés na minha mala de viagem. Não entendi o que diziam, simplesmente palavrões, que nem ficavam mal como fundo daquele palco. Nunca fui “menino-bem”. Mas f­oi o primeiro choque.

Esperava, no mínimo de entender uma única palavra em Português. Escutava uma língua que desconhecia. Era do meu conhecimento, não era novidade, sabia perfeitamente o País onde vivia. Tinha plena consciência do papel de Portugal nos ditos territórios Portugueses de África. Aquelas gentes viviam num mundo bem distante da civilização. A imagem que assistia transportava-me a 500 anos atrás. Recuara nos tempos. Quando um descarregador nativo estendia as mãos, não só cigarros que fumava como procurando que lhe desse dinheiro, tentei falar com ele. Ficou parado e sorriu. De repente saiu da sua boca uma rajada de palavrões em Português. Comecei por rir.

Avistava­‑se a iluminação de Bissau. Toda a minha Companhia – CART 1659, encontrava­‑se bem unida, quase mão na mão, quem sabe se para se proteger. Recebi ordens para levar a minha Secção mais para a frente, também que não desembarcaríamos em terras da Guiné. Outros militares seguiram connosco e entrámos numa LDM e Batelão BM­‑1. Tive de escutar alguns desabafos de homens da minha Companhia.

Ficámos espantados, visto julgarmos desembarcar na capital. Sem explicação, deram-nos uma maçã, um quarto de pão, uma laranja e um ovo. O destino? Bem tentei saber, sem resultados. O destino? Incerto? Depois de encaixotados avançávamos por via fluvial estreita, o mato quase que nos tocava. Afinal o destino era o mato. O Capitão ia encolhendo os ombros. Se frustrado estava mais fiquei, por outra, enganado. Como tinham a coragem de nos colocarem naquela ridícula situação? As horas passavam, no romper do novo dia, fui verificando estarmos encurralados de mato por todo o lado. Um ou outro riso, mas era mais o silêncio que inundava as nossas almas. O sol queimava.

Rapidamente se esgota a míngua do menu dado à saída do Uíge. Os militares começaram a abrir as malas. Comi uns nacos de presunto e de salpicão que cada um trouxera da terra-natal. Aqueles pitéus salgados acabaram por nos criarem problemas. Sede. O calor ia aumentando e alguns ainda dormitavam aos solavancos. Os Oficiais e Sargentos tiveram alguma informação oriunda do Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Mansilha. Nada de novo. Eu não parava, embora No pouco espaço que existia, ia conversando com militares da Companhia, também com Furriéis que conhecia, mas de outra Companhia e de um Pelotão Fox. Soubemos qual o destino: – Gadamael Porto.

A fome e a sede apoderaram­‑se de nós. O pessoal começava já a sen­tir a mudança do clima. Havia quem comesse as cascas das laranjas, rindo talvez para disfar­çar. Vómitos! Muitos despejaram para as águas do rio tudo aquilo que haviam digerido. Para além da comida, era a falta de água.

No Uíge existiam passageiros de Luxo, de 1.ª, de Porão. Rica vida passada a bordo do Uíge. Começaríamos por ser mais iguais? Tinha a certeza que a desigualdade ia continuar. Era um dos privilegiados. Sempre responsável. Assumira, desse para onde desse!

Não sabia muito bem se no futuro as coisas se passariam do mesmo modo. Avistámos uma povoação, na margem direita do rio, tendo o coman­dante de companhia talvez, através dos fuzileiros que nos acompanhavam, dito tratar­‑se de Cacine. Era uma “avenida” de palmeiras, e cá bem à frente, militares gritavam:
– Salta que é periquito!

Com um pequeno barco os fuzileiros chegaram a terra, trazendo sacas. Verificámos serem laranjas, bem sumarentas, mas mais pareciam vinagre. Segundo diziam, tínhamos que nos apressar devido à maré. A mata nas margens era densa e nós éramos não só uns intrusos, mas também periquitos – termo utilizado para designar todos os militares que estavam no início da comissão. Muito embora as azedas das laranjas não matassem a fome, de algum modo ajudavam a enganar o estômago. O Capitão, falando com os Oficiais e Sargentos informou que se juntaria a um pelotão uma secção, ficando destacados num local de nome Ganturé. Fizemos um sorteio e ao meu Pelotão tocou-lhe o destacamento ao qual se juntou uma outra Secção.


Gadamael Porto, 19 de Janeiro de 1967

“Não sou eu nem o outro
Sou qualquer coisa de intermédio
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro”.

Mário de Sá-Carneiro


Desembarcámos em Gadamael Porto, e o termo “porto” não tinha significado, visto não existir porto algum. Nem sequer um simples cais.
– Salta, salta periquito! – ouvíamos, enquanto um aglomerado de militares pulava de contente.

Entendia aquela alegria, mas a verdade é que se éramos os periquitos, e a CCAÇ 798 é que saltava. Juntava­‑se a popu­lação civil que nos olhava­, não expressando alegria. De imediato tivemos que carregar as malas e saltarmos para cima de uma caixa de uma GMC, que substituía o cais que não existia. Houve quem escorregasse e caísse no lodo.

Os gritos continuavam, e as viaturas militares preparadas para trans­portarem o meu Pelotão e a
Secção para Ganturé, começaram a andar. Não houve tempo para analisar aquele local isolado no mato, e enquanto uns recebiam instruções e continuava a descarga, nós avançávamos, também para local incerto. Alguém avisou não ser necessário picar­‑se visto ter existido movimento de viaturas durante todo o dia.

A Companhia de Caçadores 798 [, a que pertencia o nosso camarada, grã-tabanqueiro, Manuel Vaz,] começava a embarcar na LDM e no Batelão. Para eles era a alegria do fim da comissão.

Depois de passado o casarão à esquerda, onde funcionava o comando, ultrapassámos o abrigo, que funcionava como porta­‑de­‑armas e mais ou menos percorridos três quilómetros, cortámos à esquerda e eis à nossa vista a “colónia de férias”. Saíam já outras viaturas com os militares da companhia rendida, que grita­vam sorridentes em altíssimos berros:
– Salta, periquito, salta,periquito...

(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de janeiro de 2018  > Guiné 61/74 - P18202: Efemérides (266): Dia Internacional do Obrigado... uma seleção de 12 manifestações, no nosso blogue, de agradecimento e de gratidão, que são dois dos sentimentos mais genuinamente humanos... Um Oscar Bravo (OBrigado) à nossa Tabanca Grande, aos membros do nosso blogue, aos nossos leitores, a todos os que nos visitam, lêem e escrevem, aos nossos editores, aos nossos colaboradores permanentes, a todos os que nos apoiam, direta ou indiretamente (Luís Graça)

sábado, 25 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18012: Efemérides (265): 25/26 de novembro de 1967: a notícia da tragédia diluviana na Região de Lisboa que chegou a Gadamael pelas ondas hertzianas (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


1ª  página do Diário de Lisboa, 2ª edição, domingo, 26 de novembro de 1967 (Ano 47, nº 16143; diretor: António Ruella Ramos). Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Diário de Lisboa / Ruella Ramos.

Fonte:

(1967), "Diário de Lisboa", nº 16143, Ano 47, Domingo, 26 de Novembro de 1967, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_11918 (2017-11-23)

O maior desastre natural ocorrido em Portugal depois o terramoto de 1755... Nem os senhores coronéis da censura conseguiram apagar os títulos de caixa alta dos jornais, fizeram  tudo  no entanto para impedir que os diretores dos jornais  dessem o número exato dos mortos... Ainda hoje não sabemos quantos portugueses morreram: nos [atuais] concelhos de Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer.


1. Mensagem de Mário Vitorino Gaspar [ foto atual à direita; ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associação APOIAR]

Data: 25 de novembro de 2017

Assunto: FAZ HOJE 50 ANOS

Camaradas Luís,

Lembrei-me e disparei. Este tiro. Levei com diversos estilhaços a 25 de Novembro de 1967. 

Atravesso um péssimo período da minha vida. Ambos os filhos (42 e 47 anos foram vítimas de Síncopes Cardíacas), o mais novo a 14 de Maio, só há um mês saiu do Hospital de Santa Maria. O mais velho foi a 14 de Outubro, só fez o cateterismo, não foi à Cirurgia de Bypass como o pai a 12 de Março de 2002 e o mais novo que com três entupimentos só fez um Bypass, mas teve de seguida uma gravíssima inflamação, ou vírus como lhe chamaram.

Simultaneamente, por insistência da minha parte, fiz Exames necessários para saber se tinha ou não a Doença de Parkinson. Tive a novidade que sim. Outro estilhaço. Sempre a verdade, custa escutá-la. Sei ser doloroso para todos, a verdade é essencial na minha vida, detesto os mentirosos. Mentem tanto que eles próprios acreditam que a sua mentira, é a verdade. "Verdade dos mentirosos", bom chavão e título para um Romance, Peça de Teatro, Filme – por que não de um filme – e nessa Guerra Colonial tantos são os mentirosos…

Pois há 50 anos "passei as passas do Algarve" e, na cama, mesmo ao meu lado, estava o meu Camarada Algarvio (Loulé) o Furriel Miliciano José Manuel Guerreiro Justo, dono do aparelho de Rádio. Armadilhei a sua cama até se convencer. Camas duras como os cornos e os mosquitos até comiam os mosquiteiros da cama.

Os camaradas de que falo estão todos vivos, incluindo o Capitão e Sargento Barreira que rondam os 84 anos e mantenho-me em contacto com todos.

Vou-me esquecendo de acontecimentos próximos, motivado pelo Parkinson, a memória arquivada decerto com falhas, mas viva ainda. Por vezes é difícil recordar um nome, aborreço-me. Teimoso como sou, recordo.

Ando há anos com as rodas avariadas, o problema é não ter um mecânico à altura, e talvez quinze dias rebentaram as pernas, sangue e pus a escorrer para os sapatos. Pernas inchadas e ardem, mais parece o Nosso Portugal a Arder. Há muito que ardemos… Matas e casas a arder? Calamidade.

Pois se considerarem serem textos a publicar no Blogue, façam-no. Nasceram agora, não são plagiados…

Um abraço para a Tabanca.

NOTA: Quando me for embora posso ser embrulhado em papel de jornal, no "Correio da Manhã" não quero…

Mário Vitorino Gaspar

2. Efemérides > Faz Hoje 50 Anos > Grandes Cheias de 25 de Novembro de 1967 (*)

A 25 de Novembro de 1967, estava eu em Gadamael Porto no sul da Guiné, numa guerra que não era minha. A minha Companhia era a CART 1659, com o lema "Os Homens não Morrem".

Os aparelhos Rádios comprados através de alguém que se deslocava a Bissau, normalmente de evacuados por ferimentos ou doenças, serviam para ouvirmos de Batuque, Mornas e Coladeiras da Ex Guiné Francesa (Conacri). Insistia no aparelho de Rádio comprado pelo Furriel Miliciano Mecânico José Manuel Guerreiro Justo (Loulé). Procurava com insistência alguém que falasse, de música estávamos fartos. 

De botão em botão, até que apanho um posto de Portugal. Milagre, autêntico milagre. Dormiam a meu lado os Sargentos Abílio Seabra de Oliveira Barreira (área da cidade do Porto); Manuel da Silva Pereira (Massamá) e António Martins Reis Dores (Elvas) e os Furriéis Milicianos Augusto Varandas Casimiro (área do Porto), Manuel Ferreira Jorge (Massamá), Joaquim Fernandes Alves (área do Porto), José Nicolau Silveira Santos (Açoriano a viver há 47 anos no Canadá) e Manuel Adelino Alves de Campos (vive no Faial).

Gritei para o pessoal. Sucede o inacreditável e assustador. Percebi estarem as populações de Alhandra e povoações próximas a serem vítimas de Inundações. Entendi o nome da vila de Alhandra. Terra para onde fora aos 3 anos era lá a terra onde viviam meus Pais; um dos meus Irmãos, o José, Fernanda minha cunhada, meu sobrinho Luís Filipe que nascera em Abril e todo um mundo de Amigos.

As notícias iam chegando, sabia bem que o Tejo galgava para a terra e estendia os braços pelas ruas mais próximas.

Pior que um ataque do PAIGC que lutava pela libertação. Longa a angústia. Nada poderia fazer. O rádio, aquele aparelho de mornas e coladeiras era já um amigo. Gosto dessa música, pudera… Comecei por ter pormenores das cheias e resolvi falar com o Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha sobre o assunto. Estranhou apanhar uma Rádio Portuguesa. Eu próprio nem acreditava. Um milagre, talvez pela calamidade da situação as Rádios tivessem colocado a funcionar outros meios que projectaram as emissões para outras distâncias.

Pois o Capitão enviou via Bissau um telegrama para os meus Pais. Ao fim de pouco tempo recebi a resposta da minha Mãe. Nunca cheguei a saber como conseguiu fazer chegar esse telegrama aos Correios da terra que ficavam bem perto do rio Tejo. As águas atingiram, no denominado pela população Largo da Praça, 2,20 metros de altura. Ainda hoje nas paredes da Junta de Freguesia existe a marcação dessas águas. O povo sofre, Alhandra recebe ajuda e o Povo mais prejudicado pouco ou nada recebe.

Este Portugal que Ardeu e Arde e as terras inundadas pelas chamas receberão todo o material e dinheiro vindo do País e Estrangeiro?

Em 1967, em Alhandra, colchões, cobertores fugiram para as mãos de quem não teve danos. Alguns Amigos meus que ficaram sem nada foram habitar para outros ares.

Nunca mais apanhámos uma emissão de Rádio de Lisboa.

Batuque, Mornas e Coladeiras. Gostava e gosto de Mornas e Coladeiras. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14905: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (10): Não, nunca percebi para que serviam os CTT no CTIG... Notícias de Alhandra, da minha família, por ocasião da tragédia, as grandes inundações, de 25 para 26 de novembro de 1967, que atingiram a Grande Lisboa, recebi-as através de telegrama militar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

(**) Último poste da série > 29 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17711: Efemérides (264): O antropólogo e professor doutor Mesquitela Lima, natural do Mindelo, São Vicente, que eu conheci na Academia Sénior de Lisboa... Morreu há 10 anos (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

domingo, 4 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16446: Banco do Afecto contra a Solidão (17): Regressei do Lar de Runa... Um lar é um lar, por muito bom que seja... Aquilo para mim era já Gadamael (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Instituto de Ação Social das Forças Armadas > Centro de Apoio Social de Runa (CASR), Runa, Torres Vedras


Foto: © Mário Gaspar  (2016). Todos os direitos reservados



1. Duas mensagens de hoje, do Mário Gaspra, enviadas às 3 e tal da manhã:

[foto à esquerda, Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]


(i) Assunto - Regressei do lar de Runa

Caros Camaradas

Mário Vitorino Gaspar regressou de Runa. Estou em Lisboa,  o Lar Militar em Runa fazia-me lembrar a Guiné.

Julgo estarem a confundir tudo. Sempre julguei que todos fossemos capazes de fazer um pouco de História – neste caso da guerra na Guiné – mas é mentira.

Cada um conta a sua verdade, parece mais que o Blogue não é necessário. Tenho a certeza que todos temos necessidade da importância do mesmo. Não pode ser um meio de se entreterem. Estive no Lar em Runa, sem computador e praticamente sem  contactos.

Quando uma parte se afasta há uma “história” ou “estória” mais, e cometem-se erros, para não dizer que se deturpa a verdade. O Camarada Coutinho e Lima tem razão, em Gadamael antes da CART 1659 tiveram a sua História a CART 494 e CCAÇ 798.

A CART 1659 era comandada pelo Capitão de Infantaria – e não de Artilharia, como alguém afirmou – Manuel F. F. de Mansilha.

A foto que consta do mesmo a cortar o bolo no Almoço de Confraternização na Batalha foi por mim enviada. Assim como o emblema da CART 1659 também fui eu que o fiz chegar ao Blogue.

Para saberem algo mais sobre o período de Janeiro de 1967 a Outubro de 1968, podem ler o meu livro “O Corredor da Morte”, estou a tratar de terminar uma 2.ª  edição, onde não vão existir omissões – omitir é mentir – não sou mentiroso…

Voltarei… Cumprimentos


(ii) Assunto: Um lar é... para além de tudo, um lar  – ou devia ser


Caros Camaradas e Amigos

Decerto não interessa a ninguém o que se passa num Lar. Eu estaria sempre interessado, sou curioso.

Podem crer ser pior um Lar – seja ele o melhor, tenha tudo aquilo que julgamos ser do melhor – só o sabemos quando lá estivemos.

O pessoal, todo ele compreensível, educado, trabalhador, simpático… Não tenho adjectivos para descrever, não existem palavras, mas é um Lar. Um Lar não pode ser isolado e afastado. Tem de possuir movimento de pessoas e movimentação.

Runa para mim já era Gadamael, na Guiné, no mato. Até os amigos se esquecem que existimos.

Falarei do assunto noutra altura.

Um abraço

Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor: 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16437: Memória dos lugares (343): A CART 494, que eu tive a honra de comandar, foi a primeira unidade de quadrícula em Gadamael (de 17/12/63 a 28/5/65) e em Ganturé (de 21/2/64 a 28/5/65)... Fomos também nós quem construiu o primeiro aquartelamento de Ganjola, para onde fomos destacados, de 17/9 a 15/12/63 (Coutinho e Lima, cor art ref)



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 494 (de 17/12/1963 a 28/5/1965) > A equipa de futebol... Em 21/2/1964, o 3º Gr Com instalou-se em Ganturé em 21/2/1964.


Guiné > Região de Tombali > Setor de Catió > Ganjola  > CART 494 (de 17/9/1963 a 15/12/1963) >  O primeiro aquartelamento


Fotos (e legendas): © Alexandre Coutinho e Lima  (2013). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do nosso camarada [Alexandre] Coutinho e Lima, cor art ref, ex-cap art cmdt da CART 494, Gadamael e Ganturé, 1963/65; adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné, 1968/70;  e ex-major art, cmdt  do COP 5, Guileje, 1972/73), 



Data: 29 de agosto de 2016 às 19:20
Assunto: P 7186 - 28 OUT 2010 - Memória dos lugares (105): Gadamael e as suas unidades de quadrícula


Caro Luis

Antes de mais um grande abraço, pois há bastante tempo que não temos tido contacto.

Aproveitando este magnífico tempo, aqui no Norte, tenho navegado no nosso blogue. revendo alguns aspectos relativos a Guileje e Gadamael. Hoje "esbarrei" no poste  P7186 do já longínquo ano de 2010.(*)

Nele é referido, com alguma incerteza, que a CART 1659 (67/68), poderá ter sido a 1ª. Companhia de quadrícula em Gadamael. Ora isso não corresponde à verdade. Com efeito, a primeira Companhia, naquela localidade, foi a CART 494, que eu tive a honra de comandar.

A Companhia chegou a Bissau em 22 de julho de 1963 e desde 17 de setembro até 15 de dezembro de 1963  esteve a passar umas "férias" em Ganjola (Norte de Catió, onde estava a sede do BCAÇ 356). O PAIGC ficou "tão contente", com a nossa chegada, que nos proporcionou, no próprio dia da chegada uma sessão de fogo de artifício diurno, que começou pelas 16h30; como certamente
pensaram que nós não tínhamos ficado totalmente satisfeitos, repetiram com uma sessão nocturna, por volta da 22g30.

A CART 494 foi a primeira tropa em Ganjola, onde construíu o primeiro aquartelamento, partindo do nada.

Transportada em 2 batelões (um motor) civis da Casa Gouveia (CUF) e no navio motor BOR da Armada, a Companhia fez a viagem de Ganjola para Gadamel, nos dias 15 e 16 de dezembro de 1963, tendo desembarcado em Gadamael Porto em 17.

Em 21 de fevereiro de 1964 o 3ª Grupo de Combate da Companhia ocupou a localidade de
Ganturé,  ficando assim a Companhia responsável pelos dois aquartelamentos, os quais construiu, de raiz.

Em Gadamael, construiu também a pista de aviação,apenas com pá e picareta e algumas cargas de trotil para desfazer os inúmeros morros de baga baga.

A CART 494 foi rendida em Gadamael / Ganturé, em 28 de maio de 1965, pela CCAÇ 798.(**)

No historial das Unidades que estiveram em Gadamel, falta preencher o período de 65 a 67.

Um abraço amigo,

Coutinho e Lima

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7186: Memória dos lugares (105): Gadamael e as suas unidades de quadrícula (Luís Graça / Daniel Matos)


(**) Último poste da série > 10 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16376: Memória dos lugares (342): Galomaro e as suas lavadeiras (António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912)

terça-feira, 28 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16244: Em busca de... (265): Camaradas da CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), que ajudaram o meu pai, José Salvador Pinto Aires: cap mil Mansilha, alf mil Gouveia, 1º cabo aux enf Martins (José Carlos Aires, filho)

1. Do nosso leitor José Carlos Aires, filho de José Salvador Pinto Aires, militar da CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganture. 1967/68 [, crachá, abaixo, cortesia do nosso amigo e camarada Carlos Coutinho] 




Data: 27 de junho de 2016 às 20:06

Assunto: Localização de ex combatentes - Guiné Zorba 1659

Boa tarde, ilustres Senhores.

Devido à vossa facilidade de localizarem antigos combatentes, recorro aos senhores, com o intuito de vos pedir uma ajuda, caso esteja ao vosso alcance, claro.

O meu pai, José Salvador Pinto Aires, teve um acidente com alguma complexidade, quando esteve em comissão na Guiné, caiu de um veículo de combate.

Teve a ajuda de alguns camaradas, com os quais gostaria de voltar a contactar ou saber o seu paradeiro para poder também mais uma vez agradeçer.

Não sei se me podem ajudar, ou se me indicam, quem possa facultar esta informação.

O meu pai que era atirador especial, ainda recebeu um louvor, por ter salvo o grupo em que seguia, porque ao caírem numa emboscada com fogo cerrado, pegou num morteiro que estava ao seu alcance e conseguiu afastar o inimigo.

Ficam aqui os dados do meu pai, se for preciso mais alguma informação é só dizerem para o meu Mail, o que necessitam mais.
Guiné - Companhia Zorba 1659

José Salvador Pinto Aires
Nº 004749


Obrigado pela vossa atenção e tempo dispensados.

Atenciosamente

Com os melhores cumprimentos

José Carlos Ferreira Correia Pinto Aire

PS - Camaradas que o meu pai pretende localizar:

Manuel Francisco Fernandes de Mansilha - Cmdt Companhia [], foto à direita, no último convívio, em 2015]

Luís Alberto Alves de Gouveia - Cmdt Pelotão

José Augusto Fraga Martins - 1º Cabo Enfermeiro

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15782: O meu coma: o corredor da morte (Mário Gaspar) - Parte I

1. Mensagem, de 21 do corrente,  do Mário Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68): 

Caros Camaradas


Como sempre aceito o desafio (*). O Luís tem razão, são "estilhaços das nossas memórias", e a vida é isto. Ainda há pouco tinha cinco anos. Despedido aos 53. Sentia-me um jovem. Amei toda a vida. Os amigos. Desapareceu o Vítor José Correia Pestana numa armadilha que montara. Quem comandava errou. Suicidou-se na Madeira, lançando-se ao mar de um penhasco. Dizia-lhe sempre que o encontrava:
– Matou o Pestana e o Costa!

E ele não respondia. Agredi-o tantas e tantas vezes. Depois de despedido, de uma vida de dádivas e de amor. De entrega. Eu que lutara por uma causa, saíra vencedor, sou derrotado. A Legislação aprovada foi abandonada por aquilo que já temia em 1996 no Jornal 2 da APOIAR. "A guerra pelos tostões dos subsídios, entre Associações". Veio a "Guerra com medo de se perderem os milhares de euros dos Protocolos entre as Associações e o Ministério da Defesa Nacional. E o Mário Vitorino Gaspar ficou sem os apoios por que lutou. A APOIAR corta e a ADFA… Através da sua Psicóloga Clínica Doutora Teresa Infante disse-me:
– Não o acompanho Psicologicamente por nos conhecermos há muito tempo, e por o Mário ter lutado pela Lei!

Disse-lhe que não era razão… Outra desculpa.

E as doenças… Ataques sucessivos. Alzheimer, que não o é, glaucoma e problemas pulmonares. Prisão de ventre. Inscrever-me para entrar num Lar Militar. Doenças! Como não bastasse, fico cheio de borbulhas que rebentam e ficam as pernas em chaga. Os dentes… Arranco 17 dentes. E depois de operado às cataratas, fico com a tensão baixa. Sou atropelado, para cúmulo por uma ambulância e dentro do Hospital das Forças Armadas. Na noite de 25 de Dezembro caio e vou de ambulância para o Hospital de Santa Maria e transferido para o Hospital Pulido Valente para os Serviços Intensivos. E no Carnaval vou de urgência novamente.

Queixar-me?

Envio para o Blogue o texto sobre o Meu Coma – O Corredor da Morte. Quantos "corredores da morte". Escapei. Com quase 73 anos mais 50% de aumento de experiência da vida são 108, mais que os anos de vida do Manoel de Oliveira.


Cumprimentos

Mário Vitorino Gaspar




2. O meu coma: o corredor da Morte 


por Mário Vitorino Gaspar


Não acredito que haja uma vida pós-morte, 

mas há qualquer inquietação dentro de mim 

ou qualquer crença dentro de mim que também 

recusa admitir que a morte seja o fim de tudo.” 

Professor Agostinho da Silva 



Dia 12 de Março de 2002. Chego a casa. O meu filho Alexandre está sentado defronte da televisão. A minha mulher encontra-se deitada. Eu, cheio de dores. Não se apercebem da minha grande aflição. E, o meu mal-estar prolonga­‑se. Só pretendia que aquilo passasse. Continuava a caminhar da sala para a cozinha e vice-versa. Bebo um gole de água. Despejo um copo. Outro. Olho de vez em quando para a televisão. Cigarro na boca. Continuava sem saber que programa estava a dar. Nem que canal. Aquela coisa de ter mais de 50 canais… O meu filho foi para a casa de banho… E as dores acentuavam­‑se. O peito.

Novamente na cozinha. Acendi um cigarro. Enchi os pulmões de fumo. Penso em acordá-los. Deito aos poucos o fumo do cigarro. Bebo um copo de água. E sai a água pela boca. Várias nascentes brotam do meu interior. Como bicas da fonte. Fico com a camisa molhada. Engasgo­‑me… Que dia é?

Ainda há pouco dissera ao Pinheiro, enquanto fumava:

– Ainda me dá qualquer dia uma “parecida comigo”, temos de estar atentos, esta vida que levamos na APOIAR… É uma guerra dentro de outra guerra. Destrói o que somos. Muitas reuniões, uma vida agitada! O amigo Jorge Santos também leva o mesmo caminho.

O mal­‑estar continuava, e só me lembro de uma igual aflição:

– Quando o nosso “herói” Carlos Lopes ganhou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos.

Parecia estar tonto. Acendi um novo cigarro. Tinham­‑me dado aquele isqueiro uns dias antes. Os braços e pernas trepidando, como a iniciar um sismo. Talvez o significado mais apropriado seja vibração. Novo cigarro. O último copo de água fizera­‑me arrotar. A nada...

Já a caminho de casa acontecera o mesmo. Mas porquê? Já há dias que começara a sentir aqueles sintomas.

Dos pulmões? Tinha uma fibrose pulmonar, provocada pelo pó de diamante. Nos anos 70, tinha sido uma guerra considerarem aquela fibrose como doença profissional.

Do coração? Ainda há bem pouco tempo tinha ido fazer um electrocardiograma com prova de esforço. Fui obrigado a ser ciclista. Um ciclista que pedala sem sair do mesmo local.

Dissera­‑me o cardiologista que o que eu precisava era de fazer uma “sangria”. Sorri e disse­‑lhe:

– Não sou nenhum porco!

Explicava­‑me que tinha mais glóbulos do sangue “x” a mais que o normal e que teria que fazer a dita “sangria”. Fiquei a saber que isso tam­bém não era aquela bebida que fazemos com vinho, gasosa, canela, limão e hortelã.

Seria cirrose? Já que os termos de neurose, psicose, e mais “oses”. 



Aquela merda da Guiné dera cabo de mim!

Mas por que razão não aceitei o convite da Ingrid Margarett Gusta­vsom (sueca com quem me escrevi enquanto estudante, bonita de olhos azuis e loira) e dar o salto para a Suécia? Poderia também ter ido para França?

Não me passava aquela aflição, e num ápice, quando o meu filho saía da casa de banho, e depois de ouvir o autoclismo. Tiro certeiro:

– Alexandre vem com o pai ao Hospital de Santa Maria!

– Mas porquê?

– Não me sinto bem!

– Mas o que é?

– Deve ser ou pulmões ou coração.

Saímos. Chuviscava. Uma chuva miúda. A “chuva molha parvos”. Continuava a sentir­‑me tonto. Arrotava. Fumei mais um cigarro.

O meu filho chamou a atenção com um: – “Não fume pai”.

Junto do largo do Santo António (cruzamento da Avenida de Roma com a Avenida da Igreja), na Praça de Alvalade. Esperámos por um táxi. Não fumo mais porque o meu filho ficara com os cigarros e o isqueiro. Entrámos para o táxi.

No Hospital de Santa Maria seguro­‑me à mesa do guiché

– Cartão da Segurança Social? E o cartão de utente não tem? De que se queixa?

A senhora que me atendia olhou­‑me, enquanto lhe entregava o cartão pedido. Fiquei desconfiado. Compreendi entretanto a razão de tal olhar: O meu aspecto doentio. Devia ter cara de um indivíduo que estava mesmo mal de saúde.

Olhei para o meu filho, sentindo­‑me cada vez pior. Cresci um pouco. Mais um pouco, ainda mais um pouco tentando afastar as dores:

– Porra! Sou combatente… Continuo a ser! Estive na guerra! – Con­tinuei, acrescentando ainda:

– O meu filho tem epilepsia. Olhem por ele! – Era uma desculpa. 

Enviado para fazer o electrocardiograma pelo médico que me fez a triagem e, enquanto digo à moça que iria fazer o exame “que tivesse calma, que depois lhe contava uma anedota”, ela gritava:

– Urgente, Urgente...

Sou colocado em cima de uma maca, enquanto digo para a técnica:

– Então não lhe posso contar a anedota?

Sou levado pelo maqueiro para a sala da triagem. Olho para o meu filho com algum receio e conforto­‑me em vê­‑lo aparentemente calmo e controlado, pedindo­‑me as alianças, relógio, carteiras, chaves, enquanto a maca vai deslizando pelo corredor até ao elevador que me transporta ao piso 6, à UTIC – Serviços Intensivos.

Quando a maca está quase a parar, depois de ter batido com as nós dos dedos na última parede, como se costuma ver nas séries de televisão e nos filmes, vejo um médico de barba grisalha, mas mais branca que preta e bata também branca. Sai­‑me pela boca:

– Olha quem ele é?!

– Afinal és tu! – Disse o Dr. Nunes Diogo.

– Conhece o Senhor Doutor Diogo? – Perguntou o maqueiro.

– Desde miúdo... – Respondi­‑lhe.

Não só o conhecia a ele – até tinha andado a estudar comigo no Externato Sousa Martins, em Vila Franca de Xira. O pai dele, Dr. Armando Diogo falava muito comigo quando eu era catraio, nunca cheguei a saber muito bem porquê. Como curiosidade este, foi um dos fundadores do Partido Socialista.

O Dr. Nunes Diogo para mim é o Tó Mané. Depois de me analisar disse que teria que fazer um cateterismo cardíaco, e que talvez se resolvesse o problema. Em caso contrário proporia a operação rapidamente. Apeteceu­‑me fumar.

É aqui que fico sem saber onde está a realidade. A partir deste momento, até dia 27 de Março, não sei o que é verdade.

Uma neblina percorre os meus olhos: – Lembro­‑me de me enfiarem depois da anestesia, um cateter na virilha, e vejo um coração (o meu) no visor. Não sei em que dia foi. Quando o cateter insuflava sangue observava uma nuvem, respondendo, julgo que em voz alta: – “estou f...”

– O saco de areia! – Ouvi alguém gritar, apontando para mim. Entro noutro mundo.

Fui operado a 15 de Março de 2002 pelo cirurgião Dr. Alberto Lemos; Ajudantes Doutor Manuel Dantas; Anestesista Doutora Ilda Viana; Perfusionista Doutor. Filipe Pereira e Instrumentista Doutora. Conceição Santos.

Tratou­‑se de uma Operação: BACx4 (1 c/M.ª Int.ª Esq.ª), Cirurgia de Bypass.

Um sonho? As estrelas – simultaneamente uma árvore de Natal, um presépio – uma amálgama de luzes dispersas, mais parecendo uma cidade vista ao longe numa noite escura.

Estava num campo, com muitas árvores. Viam­‑se muitos militares, curiosamente, todos eles velhos. Era uma concentração, talvez até de Associações. Mas estavam mortos, mas vivos nesse mundo onde pernoitava.

– Já escrevi uma carta de amor! – Disse.

– Mas a que escrevi o ano passado está exposta, mas parece que mais ninguém concorre!

Pedi que me trouxessem a minha neta Raquel. Ninguém me fez a vontade.

Está aqui o computador, é um «Plus menos».

Um rapaz apareceu. Não sei de onde… Fez primeiro um serviço de cerâmica antiga, e depois um bolo grande. Tudo num computador. Como se tirasse uma fotocópia. Que foi a nossa delícia! Ele era um artista… Um artista!

Dei ordens para darem ao rapaz algum dinheiro. Fomos até ao rio, que era perto onde um barco a remos nos esperava.

Afinal o rapaz acabou por vir connosco.

Deslocámo­‑nos à Sede da APOIAR – Associação de Apoio aos Ex­‑Com­batentes Vítimas do Stress de Guerra, tendo sido eu um dos fundadores a 18 de Abril de 1994. Só vi a sede por cima, portanto em corte. Via o tal rapaz sozinho. Fiquei no céu enjaulado. Encaixotado. Só. Preso.

O rapaz até tem alguns dons que devem ser aproveitados, mas peca por não ser lá muito certo. Não tem os alqueires bem medidos. Mas a trabalhar com o computador ele é uma “máquina”.

Estava novamente na Guiné, e voava, ou por outra, movimentava­‑me pelo ar rapidamente, com a G3 em punho, matando sozinho uma série de guerrilheiros do PAIGC.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15326: Blogpoesia (423): E é esta a História de Portugal (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659)

1. Em mensagem do dia 30 de Outubro de 2015, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), enviou-nos este poema da sua autoria alusivo à História de Portugal:


E é esta a História de Portugal

Mário Vitorino Gaspar

Portugal é Pátria/ Mátria.
O seu Povo tem História!
O Povo possui sua mestria:
– Contos vastos da memória!

Mas o Povo foi esquecido…
Narrados feitos da fidalguia
Povo sem nome naufraga perdido.
O Povo tem seu cenário do dia-a-dia.

História de reis. Povo a lutar:
– Fica História, Político e o Doutor!
O Povo ergue-se sempre a batalhar.
Republica? História do rei e senhor!

Guerra Colonial? É a Liberdade…
Meio século de povos colonizados.
Aos oprimidos reposta a verdade.
Opressores/oprimidos os Soldados.

Nostalgia da Revolução dos Cravos:
– Militares junto do Povo, é a Liberdade!
A luta foi vencida pelo Povo, seus bravos.
Vitória do Político, que mente de verdade.

O Povo! Tem sua História esquecida?
Heróis, evaporadas as façanhas na escrita.
E a História sem o Povo é empobrecida
Esta e a nossa História. Acredita?

Como sempre lá está a sofrer o Povo…
____________

Nota do editor

Último poste da série de 31 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15308: Blogpoesia (422): Com trastes e trapos velhos... (J. L. Mendes Gomes)

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15226: (Ex)citações (296): O abandono de Sangonhá e Cacoca, pela CCAÇ 1621, foi a 29 de julho de 1968 (Mário Gaspar, ex-fur mil art MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Guiné > Regão de Tombali > c. agosto de 1968 > Sangonhá destruída. Aqui está a prova do que restou de Sangonhá. Esta foto tem Direitos de Autor. Foi tirada com uma CANON

Foto (e legenda): © Mário Gspar (2015). Todos os direitos reservados (Edição:: L.G.).



Guiné > Região de Tombali > Sangonhá, a sul de Gadamael-Porto > c. 1967/68 >  Vista aérea do destacamento e da sua pista de aviação, na altura em que estava a chegar uma coluna militar [lado esquerdo]. Foto provavelmente tirada de uma aeronave DO 27. (*)

Foto: Autor desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual.  Cortesia de: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados (Edição e legendagem: L.G.).




1. Mensagem, com data de 6 do corrente, do Mário Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]

Assunto - Abandono de Sangonhá e Cacoca

Camarada Carlos

Penso ser preferível indicares a data de 29JUL68, visto ser a data oficial da CCAÇ 1621.

Na História da CART 1659 pode-se ler somente:

“300 Indivíduos vindos de Sangonhá e Cacoca para Gadamael durante o mês de JUL68 onde construíram 44 moranças”. Não refere a data.

Não fica mal acrescentares as Histórias das Companhias 1620 e 1621 – paguei as cópias no AHM.


Julgo não ficar mal publicar-se este último texto e com a minha dúvida.

Tenho a certeza que no dia que abandonei a segurança foi o abandono de Sangonhá, Cacoca e a CART 1659 foi atacada.

Um abraço, Mário Vitorino Gaspar




Guiné > Mapa da província >  Escala 1/500 mil (1961) > Detalhe: Posição relativa de Sangonha e Cacoca, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, a sudeste. Estes dois destacamentos e tabancas foram abandonados pela CCAÇ 1621 em 29/7/1968

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


2. O abandono de Sangonhá e Cacoca, pela CCAÇ 1621, foi em 29 de julho de 1968:

Caros camaradas

Para que o assunto fique esclarecido, em relação à extinção de Sangonhá e Cacoca, dou o meu parecer. A vista de avião da Região de Tombali - Sangonhá, deve ser de 1967/68. 

A CCAÇ 1620,  comandada pelo cap mil inf  Fernando António de Magalhães Oliveira foi rendida pela CCAÇ 1621, comandada por cap mil inf  Eduardo de Oliveira e Silva e cap graduado  art Artur Olímpio Sá Nunes, e foi esta Companhia, a CCAÇ 1621, a abandonar estes aquartelamentos, portanto em 29JUL1968, foi a retirada das forças estacionadas em Sangonhá e Cacoca e consequente extinção daquele Subsector.

Em 26JUL68 numa coluna de reabastecimentos, efectuada por elementos da CART 1659 a Guileje, rebentou uma mina A/C e tivemos um ferido grave e 7 feridos ligeiros e perdemos uma GMC. Não estive na mesma,  como é de calcular, montava a tal segurança.

Sucede que na História da Unidade da CCAÇ 1621 consta o abandono a 29JUL78 – é erro de certeza – e será 29JUL68.

Tenho dúvidas, julgo ter sido em 28JUL68, mas é para esquecer. Carlos,  podes não publicar esta parte.

Estive a comandar segurança – não sei bem quantos dias – enquanto 300 civis vindos de Sangonhá e Cacoca transferiram os seus haveres para Gadamael Porto, onde construíram 44 moranças. Os restantes civis foram para Cacine e não sei se seguiram alguns para Cameconde.

Na tal data, a data de 29JUL68, quando passava por mim a última viatura de Sangonhá, perguntei ao condutor se era mesmo a última, e era. Esperei por ordens de Gadamael para abandonar a segurança. O Radiotelegrafista estava junto e aguardava por ordens. Como não as recebesse,  chamei os amigos e camaradas Furriéis Milicianos e resolvemos – já que era eu que comandava o dispositivo de segurança – que regressássemos. Assim foi, mas desconfiado, resolvi dizer ao pessoal que ao chegarmos a Gadamael, e por brincadeira:
– Fazem um batimento com o pé esquerdo e corram!

Assim sucedeu, dei mais uns passos e o Radiotelegrafista acompanhou-me, tendo o Capitão, que não devia estar a ver bem me dissesse:
– Quem lhe deu ordens para abandonar a segurança? – Respondi:
– Fui eu, se era quem comandava!
– Vai chamar os homens e regressa à segurança!

Respondi que não o faria, tinha palavra e mandara os homens embora e para o banho e jantar. Então respondeu um Capitão que não era a mesma pessoa que conhecera, eu fui decerto o primeiro elemento da CART 1659 que ele, meu amigo, conheceu:
– Então vá sozinho!

Avancei e o Radiotelegrafista acompanhou-me,  pedindo que regressasse, eu sempre em frente e o meu camarada não me deixou, perguntando o que faríamos se surgisse o PAIGC. Sem querer tinha ao meu lado um elemento de ligação com Gadamael. Aproximou-se uma viatura com uns homens comandados por um camarada e amigo Furriel Miliciano que transmitiu ter o Capitão dito para eu regressar a Gadamael. Recusei dizendo que só recebia ordens pelo rádio. No cruzamento com o destacamento de Ganturé, o Alferes Miliciano que comandava o Grupo de Combate do nosso destacamento em Ganturé, diz-me para regressar. Continuei a andar, acompanhado pelo Radiotelegrafista, mais os homens de Gadamael e Ganturé.

Então recebo ordens para ir para as origens e assim fiz. Ao chegar a Gadamael, estava o Capitão que nada disse. Fui beber as minhas sete cervejas de seis decilitros fresquinhas, tomei banho e sentei-me para jantar.

Somos atacados com fúria e desandaram. Será que não passámos por eles? Acredito que sim.

Estávamos quase no final da comissão. O amigo Capitão devia estar noutra.

Mário Vitorino Gaspar

Furriel Miliciano, Atirador e Artilharia e MA
Gadamael Porto
CART 1659 – JAN67 a OUT68

PS - Voltei a comandar militares da CART 1659, pouco tempo depois da retirada, após escutarmos em Gadamael Porto, fortes e prolongados rebentamentos em Sangonhá: ainda hoje os tenho na memória, fomos a Sangonhá. O que vimos: restavam restos de paredes, um cão e também um gato. O cão por lá ficou, o gato depois de beber leite condensado com água, morreu em Gadamael. Aqui está a prova do que restou de Sangonhá. [Vd. foto acima].




Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > 1968 > Picada de Sangonhá para Cacine.

A CCAÇ 1621, que esteve antes em Cufar e Cachil, terminou a sua comissão em Sangonhá[, em 29 de julho de 1968, data do abandono  do aquartelamento e tabanca. Seis meses depois, os guerrilheiros do PAIGC foram, massacrados pela FAP,  em 6 de janeiro de 1969, quando atacavam Ganturé,  apartir da antiga pista de Sangonhá. Terá havido 36 mortos, e muitos feridos.


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > 1968 > Mulheres de Sangonhá, ao tempo da CCAÇ 1621.



Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > Coluna de Sangonhá para Cacine (1) . 


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > Coluna de Sangonhá para Cacine (2).





Guiné > Região de Tombali > Sangonhá > CCAÇ 1621 (1966/68) > Coluna de Sangonhá para Cacine (3): ao centro, o ex-fur mil Correia Pinto.

Depois de estar em Cufar e Cachil, a CCAÇ 1621 foi terminar a comissão em Sangonhá, que ficava a sul de Gadamael-Porto. O aquartelamento (e a tabanca) foram abandonados pelas NT em emados de 1968.

Estas fotos foram cedidas por antigos camaradas de armas ao Hugo Moura Ferreira, entre eles o ex-Fur Mil Correia Pinto. Foram-nos enviadas em julho de 2006, na sequência do convívio anual do pessoal da CCAÇ 1621, em 2 de julho de 2006.

O Hugo Moura Ferreira esteve na Guiné de novembro de 1966 a novembro de 1968, como alf mil inf, primeiro na CCAÇ 1621, em Cufar e Cachil (de novembro de 1966 a junho de 1967), e depois na CCAÇ 6, em Bedanda (de julho de 1967 a julho de 1968). O Hugo já não acompanhou a companhia, com destino a Sangonhá, por ter sido transferido para Bedanda (CCAÇ 6 - antiga 4ª Companhia de Caçadores) . A grande maioria do pessoal desta unidade era do Minho e Trás-os-Montes. O Hugo esteve pela primeira vez com eles, no convívio de 2 de julho de 2006  (***)..

Fotos (e legendas): © Hugo Moura Ferreira (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

3. Fichas de unidade: As páginas 360 e 361 da Resenha Histórico Militar da Guiné das Companhias:

Companhia de Caçadores N.º 1620

Identificação CCAÇ 1620

Unidade Mobilizadora: RI 1 – Amadora

Comandante: Capitão Miliciano de Infantaria Fernando António de Magalhães Oliveira Divisa: -

Partida: Embarque em l2NOV66; desembarque em 18NOV66

Regresso: Embarque em 16AGO68

Síntese da Actividade Operacional

Em 18NOV66, substituiu a CCAÇ 762 nas suas funções de segurança e protecção das instalações e das populações da área de Bissau, na dependência do BCAÇ 1876, efectuando, simultaneamente, uma instrução de adaptação operacional na região de Nhacra, de 25NOV66 a Dez66.

Em 05JAN67, rendendo, por troca, a CCAÇ 799, assumiu a responsabilidade do subsector de Cameconde, com um pelotão destacado em Cacine, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1861 e depois do BART 1896.

Em 01AGO67, por rotação com a CART 1692, assumiu a responsabilidade do subsector de Sangonhá, com um pelotão destacado em Cacoca, mantendo-se no mesmo sector do BART 1896.

Em 20MAR68, por troca com a CCAÇ 1621, assumiu a responsabilidade do subsector de Cachil, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BART 1913, tendo entretanto, cedido um Grupo de Combate para reforço de forças daquele batalhão em operações, de 22MAR68 a 27ABR68.

Em 1JUL68, por retirada das forças aquarteladas em Cachil e consequente extinção do subsector, recolheu a Bolama, onde permaneceu até ao embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n.º70 2.ª Div./4.ª Sec. Do AHM)

Companhia de Caçadores N.º 1621

Identificação: CCAÇ 1621

Unidade Mobilizadora: RI 2 – Abrantes

Comandante: Capitão Miliciano de Infantaria Eduardo de Oliveira e Silva e Capitão Graduado Artur Olímpio de Sá Nunes

Divisa:

Partida: Embarque em 12NOV66; Desembarque em 17NOV66

Regresso: Embarque em 18AGO68.

Síntese da Actividade Operacional

Em 19NOV66, foi colocada em Cufar, a fim de efectuar a instrução de adaptação operacional com a CCAV 1484. Seguidamente assumiu, em 27NOV66, a responsabilidade do referido subsector de Cufar, em substituição daquela subunidade, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1858 e depois do BART 1913.

Em 09JUL67, por rotação com a CART 1687, assumiu a responsabilidade do subsector de Cachil, no mesmo sector.

Em 20MAR68, por rotação com a CCAÇ 1620, assumiu a responsabilidade do subsector de Sangonhá, com um Pelotão destacado em Cacoca, passando a integrar o dispositivo e manobra do BART 1896 e depois do BCAÇ 2834.

Em 29JUL68 (a) por retirada das forças estacionadas em Sangonhá e Cacoca e consequente extinção daquele subsector recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso

Observações: Tem História da Unidade (caixa n.º 74 – 2,ª Div/4.ª Sec do AHM)

(a) – Consta, por lapso,  "1978",  na História da Unidade.


_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de setembro de 2015> Guiné 63/74 - P15176: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (14): Uma "visita de solidariedade" à Escola Piloto do PAIGC, em Conacri, dos "amigos suecos" Göran Palm e Beril Malmström, em novembro de 1969... Aparentemente não há qualquer relação com o episódio de Sangonhá, em 6/1/1969

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15214: Convívios (715): Almoço de Confraternização do pessoal da CART 1659 – ZORBA, levado a efeito no Concelho da Batalha, no passado dia 26 de Setembro de 2015 (Mário Vitorino Gaspar)

1. Em mensagem do dia 3 de Outubro de 2015, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) enviou-nos o rescaldo do Convívio da sua Unidade levado a efeito no passado dia 26 de Setembro,  na Batalha.


Almoço de Confraternização da CART 1659 – ZORBA
Restaurante Pérola do Fetal
Reguengos do Fetal – Concelho da Batalha
26 de Setembro de 2015

No dia 26 de Setembro, após Encontro de Amigos – abraços e risos, barriga de uns e cabelo branco, ou liso de todo de outros – recordações, também colocada a questão: – Estou a conhecer-te mas não sei quem és… Passaram 47 anos. Tudo passado junto ao lindo Mosteiro da Batalha. As aranhas tecem teias e as tecedeiras tecem linho e o homem teceu pedra e fez o Mosteiro.

Guiné bem longe – Gadamael Porto e Ganturé.

Depois de um primeiro encontro, uma ou outra surpresa, para além do envelhecimento, via-se em cada um o jovem que fora. Recordados momentos. Não vi sinais de se reviverem os maus momentos, muito embora me viessem à memória, ao olhar um a um cada rosto. Confundi-me, não tinha a certeza. Quando não sabia, não tive problemas em perguntar.

Recordei os mortos da Companhia: Furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana e do Soldado António Lopes da Costa a 12 de Outubro de 1967, vítimas de uma armadilha, e em 26 de Março de 1968 atingido de morte o Soldado Manuel Ferreira da Silva num ataque ao destacamento de Ganturé. Eles marcaram presença no almoço.

Seguimos para o Restaurante “Pérola do Fetal” – Reguengos do Fetal ficando na Serra de Aire, pertence ao concelho da Batalha.

Seguiu-se o almoço e a cavaqueira. Relembrámos aqueles que não tinham aparecido. Num ou outro caso faleceram, outros que desconhecíamos os motivos da falta. Confraternizámos, o alvo principal, nosso Capitão Miliciano e de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha, agora Advogado.


À esquerda: eu, o Jorge e atrás o Pedreiro e à frente – o terceiro a contar da esquerda o Justo – Guerreiro Justo. De blusão e camisa azul o Capitão Mansilha e do lado direito, à frente e de casaco – a surpresa Alferes Miliciano Júlio César Sousa Alves Moreira (um dos cinco Comandantes de Pelotão que tive) No fundo o Alves, Biga, Vitorino à esquerda de Mansilha o Pereira


Agora com as esposas e filhos de alguns. É difícil, mas a espreitar no lado direito, Pereira no seu lado direito o Barreira (1.º Sargento e à sua esquerda a sua esposa). O Alves está agachado, à sua direita o filho do Batista, o homem da bazuca da minha Secção


Ainda tenho a sopa de peixe no prato, e à direita o Maia de MA – foi ferido e o Pereira (Sargento)

As entradas e a sopa de peixe. Estive com a sopa mais de meia hora, já todos tinham comodo. Conversa com os Amigos. O Maia a meu lado esquerdo e a seguir o Pereira a quem roubei três galinhas e matei com uma fisga, a primeira não morreu com as fisgadas e matei-a com a faca de mato. Todos comeram galinha. E o Pereira dizia mais tarde: – Quem foi o filho da… que me roubou as galinhas? Anos depois contei-lhe.

Os meus velhos Amigos Jorge, Pedreiro e sua esposa e mais Amigos. Não os esquecerei
 

O Capitão, tendo à sua esquerda e em pé o Batista
 

É pena que não tenham ido ao Almoço mais Amigos Camaradas

O Biga faz contas à vida e na mesa atrás, o Capitão ao lado do filho. No lado direito está o Sargento Barreira e ao lado a esposa

Conversei com o Barreira e ainda se recorda, até foi ele mesmo que recordou as partidas que eu fazia ao Justo. Armadilhava-lhe a cama, dormia ao meu lado. Apanhava cada susto mas recuperava bem, ficando preparado para outra. Desafiava-me: – Já não me enganas!

Mas logo de seguida lá ia outra: ou na almofada; no rádio; num caixote, nos sapatos em qualquer que menos esperava.

Recordámos um episódio que foi na altura confortável. A minha mãe aproveitava os jornais desportivos que me enviava, para colocar entre eles uma posta de bacalhau alta. Penso que vinha de via aérea como jornais, mais barato. Eu quando tinha 2/3 postas, por vezes enviava de uma vez, pedia ao magríssimo Cozinheiro Lima que com tomate fizesse com o bacalhau desfiado e cru. Todos comiam e o 1.º Barreira dizia-me no fim: – A tua mãe continua a enviar-te bom bacalhau!

Um dia ao passar pelo armário – que era um caixote improvisado, como tudo – estava aberto e tinha postas de bacalhau que a mulher enviava. Espreitei e tirei talvez três boas postas que dei ao Lima. Todos comiam, fosse muito ou pouco. O Barreira depois de saborear o petisco diz: – A tua mãe continua a enviar bom bacalhau!

Respondi:
– Desta vez não foi a minha mãe, mas a sua mulher!

Era uma brincadeira, não se tratava de roubar fosse o que fosse, todos compreendiam. E riam.


O Alves à esquerda e no centro o Justo – engordou muito. A mesa ao fundo é a minha
 

E o bolo, uma beleza – não falta o lema da ZORBA - “Os Homens Não Morrem”
 

Passámos ao período do bolo, tragar uma fatia e comemorar este encontro. Um dia bem passado, recordando o tempo que ficou para trás. Honra para os mortos e os vivos que recordem: “OS HOMENS NÃO MORREM”

Discursou o Capitão Mansilha, depois de ter falado nestas quadras que lhe enviaram, disse ser curioso a Comemoração dos 50 Anos. Se forem da partida será Janeiro de 2017 e se for a chegada será em Novembro de 2018.

Propus que nesse dia o Almoço fosse em local em que fosse possível deixar uma marca. Talvez a colocação de uma Placa Alusiva ao facto. Será algo para pensar.

O Capitão Miliciano e de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha, leu as quadras que lhe enviaram em 2011 pelo Natal

Feliz Natal

Bem certo que o tempo passa…
Já nos vai pesando o pé!
Mas não há nada que faça…
Esquecermos a Guiné!

Algures em Gadamael…
Os outros em Ganturé.
Fulas, mandingas, papel
Sobe o rio com a maré.

Tempos difíceis, claro.
Sei que se foi cimentando.
A amizade. Um dom raro.
Que estamos comemorando.

Caro Mendes, Cabo Cripto.
Que que decifravas a mensagem.
Magro como um eucalipto.
Sempre com fé e coragem.

Vale a pena acreditar.
Que há mar e os rios correm.
O que nos fez regressar?!
Foi porque “OS HOMENS NÃO MORREM”.

Feliz Natal para si e
Para toda a Família
Natal de 2011

Terminámos este dia que ficará gravado na memória de todos. Voltaremos.

Texto do Ex Furriel Miliciano Mário Vitorino Gaspar
Fotos: Eduardo Mansilha e Fidelino Valada
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15193: Convívios (714): Encontro do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh SR 2199, a realizar no próximo dia 10 de Outubro de 2015, em Fátima (Luís de Sousa)

domingo, 4 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

1. Mensagem de Mário Vitorino Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]


Data: 4 de outubro de 2015 04:47

Caros Camaradas

Vai mais uma e talvez interessante, muito embora já tenha abordado esta situação. Agora com novos elementos. Por exemplo no meu Processo Individual vê-se nitidamente ter terminada a minha vida militar ali. O traço de cima para baixo isso indica.

Um abraço,
Mário Vitorino Gaspar


2. História de Vida > Só me Casei Depois de Vir da Guiné

por Mário Gaspar

Cheguei da Guiné a 6 de novembro de 1968 e passei à disponibilidade a 28.

Comecei por responder a anúncios de trabalho, fui a entrevistas de algumas empresas. Sabia o que queria e rejeitei aquelas que não me interessavam.

Fui contactado por uns serviços do Exér­cito que funcionavam na zona do largo da Estefânia, em Lisboa, devido a possíveis doenças tropicais. Queixava‑­me de problemas intestinais, mas não encontraram sinais de qualquer doença depois de ter feito exames, não só aos intestinos como às fezes.

Duas empresas me motivaram, a primeira
a Regisconta – “Aquela Máquina…” – como vendedor. Fui aprovado na primeira fase e as condições eram óptimas. Quando os dois possíveis indivíduos a contratar estavam eliminados, tinha pela frente 10 perguntas de Cultura Geral. Não sabia quem era o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não fui admitido. [Na altura, era o gen António Vitorino da França Borges, nomeado pelo Governo].

Em segundo lugar estava a DIALAP – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA. Após Testes Psicotécnicos sou aprovado e tenho pela frente a entrevista que convenço, entro ao serviço a 27 de janeiro de 1969 como possível Lapidador de Diamantes.

Havia que fazer um estágio de 9 meses, mas assinei o con­trato em maio, quando o estágio terminava em setembro, portanto muito antes da data prevista, visto ter obedecido às pretensões desta grande empresa.

Resolvido a questão do emprego decidi casar-me com uma das madrinhas de guerra. Tive o cuidado de resolver, antes as responsabilidades com aquelas que assumira compromissos.

O acto realizou-se na Igreja de São João de Brito no dia 29 de junho de 1969, em Lisboa. No dia do casamento, no altar, no final do dis­curso do padre, ouvi o seguinte: 
– Acabo de casar o morto vivo!

Estranhei, mas logo esqueci aquela frase. Quando fui buscar o Registo de Casamento à Igreja, o Sacristão entrega-me a Caderneta Militar, resolvo abri-la e assusto-me. Dado como morto.

Leio na Caderneta Militar, numa das páginas: – 1967, “Desembarcou em Bissau em 17 de janeiro (1967), desde quando conta 100% de aumento de tempo. Morto em 12 de outubro (…)” e noutra folha: "Baixa de serviço em 12/10/1967 por Falecimento". 

Senti um arrepio percorrer‑­me o corpo. 



Fotocópias da minha morte na Caderneta Militar: Baixa de Serviço 
“Por falecimento” e “Morto”

A caderneta militar desliga‑­se da minha mão trémula. Volto a folheá‑­la. Resolvi ir à minha Unidade Mobilizadora. Na Secretaria fui atendido por um major, que depois de ler o que lhe estendia para as mãos, me respondeu:
– Não faz diferença nenhuma!
– Não faz a si mas faz‑­me a mim! – Respondi‑­lhe.

Venho a saber que o furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana falecera



Como se vê a morte do Vitor José Correia Pestana coincide com minha: "12 deoutubro, em Gadamael", por "acidente com arma de fogo".

Terá existido um engano. Não existe informação desde 28SET67 o que indica que estou MORTO

A partir do meu casamento sou conhecedor da minha morte a 12 de outubro de 1967.

Só me casei depois de vir da Guiné. Terminada uma comissão em que estive em contacto com a morte, regresso e a morte continua no meu trajecto.

Mário Vitorino Gaspar
Ex Furriel Miliciano Atirador e de MA



Na minha Caderneta Militar, não existe informação desde 28 de setembro de 1967 o que indica que estou... MORTO!

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]
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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Guiné 63/73 - P15183: O nosso querido mês de férias (12): Era para entrar de Licença em Agosto, mas fui vítima de uma injustiça, acabando por a gozar de 22 de Setembro a 26 de Outubro (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) com data de 27 de Setembro de 2015:

Caros Camaradas da Tabanca Grande
O Tema proposto é óptimo. Há muito a dizer.
Era para entrar de Licença em Agosto, mas fui logo vítima de uma injustiça, acabando por gozar a Licença desde 22 de Setembro (sexta-feira) a 26 de Outubro (quinta-feira) – a Licença era de 30 dias, mais 5 dias ao abrigo de…

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Pode ler-se: "Até ao dia 22…" 

"Pouca coisa há que contar disto, embora haja muito que contar. Eu não me sinto em condições propícias para o fazer e nunca me encontrarei. Isto aqui é mau de mais para falarmos”

Viemos de Licença eu e o Furriel Miliciano Manuel Ferreira Jorge. Deslocámo-nos para Bissau de avioneta fretada. Depois de solicitarmos que o piloto desse umas cambalhotas, o que veio a fazer, acabámos por ver guerrilheiros do PAIGC a fugirem quando sobrevoávamos a zona.
Em Bissau ficámos numa Pensão – não recordo o nome, era um casal e a ideia que tenho, visto não conhecer a cidade, situada junto do Posto da PSP. Ficava, julgo que, perto do Café Benfica.
Poucos dias em Bissau, mas histórias não faltaram.
Desde Janeiro de 1967 que não cortava o cabelo. Todas as manhãs íamos ao Café Benfica comer um prego, especialidade da casa. Um Tenente-Coronel assistia ao nosso pequeno-almoço: prego com um pão enorme e cerveja. E o Senhor Oficial olhava muito, nada dizia devido estarmos vestidos à civil.
No dia da véspera do embarque tivemos de vestir a farda. Com um cabelo enorme metido dentro da boina. Quando a tirava da cabeça era o bonito, o cabelo em pé. Pois o Senhor Coronel ao nos ver fardados pergunta:
– Pertencem a que Unidade?
Respondemos, depois de muitas perguntas, inclusive a Companhia e em que zona e local estava, ainda esta:
– Quem é o vosso Comandante de Companhia?
– Capitão Mansilha.
– Conheço bem, quando chegarem de Licença digam que o Coronel f… manda cumprimentos!
Seguimos para o Quartel-General e depois para a Agência de Viagens Sagres. Balcão longo, e no lado direito 3 Capitães. Depois de falarem entre eles, olharam-nos profundamente, e um deles, disse:
– Não sabem cumprimentar os superiores? O Jorge respondeu prontamente:
– Então, bom dia!
Zangados os três, disse o Jorge:
– Estamos em Gadamael Porto, no sul em pleno mato, não em Bissau, e lá o cumprimento militar não existe. Existe o respeito a amizade. No mato não há nada disso.
No dia seguinte seguimos para o aeroporto, e o Boeing 700 e tal tinha sido inaugurado na partida do mesmo para Bissau. No avião tentámos namoriscar as Hospedeiras de Bordo. Quando almoçámos, isto por os pratos serem pequenos exigimos, de brincadeira, pratos para adultos. Curioso que nos foi facultado este atrevido pedido.

Chegados a Lisboa corremos para a saída, lá estavam os três Capitães. Como se estivéssemos numa Operação, sem trocarmos entre nós uma palavra, o Jorge pela direita e eu na esquerda, corremos e empurrámos os tipos, ficámos à frente. O Jorge seguiu para Amadora e eu para Alhandra. Tínhamos combinado encontros em Lisboa.
Sozinho e abandonado na carruagem. Triste e penso, convicto que iria passar os 35 dias, os últimos da minha vida. É difícil viver com a morte a bater à porta, e viver é ignobilmente um sonho. Vivemos nas trevas do nada. Aquela guerra é a guerra deles, embora seja a minha, vivo-a por acreditar na liberdade. Eles lutam por ela, e eu?
Desde o dia em que nasci, a morte sorria. Todos sabemos que a morte é o fim, só desconhecemos quando vai chegar esse fim. Estou enterrado nesse fim misterioso. O problema é que eu penso, se não tivesse esse condão de pensar tão fácil seria a vida. Uma vida sem nada. Mas penso, penso no amor. Se existisse efectivamente amor, problemas não existiam. As guerras com amor nunca existirão. Amor nas guerras? Creio que sim... Mas amor, amor não há guerras.
A minha mãe, que me ama disse que nasci e chorei. Queria viver a rir, não choro… Nem sequer recordo ter chorado. As lágrimas que verti caíram na alma. Sinto-as mergulharem e encharcarem o meu ser. O amor conhece-me, amo… Se não amasse não o conhecia.
E a morte? Pressinto-a do mesmo modo que está junto de mim quando posto perante um engenho explosivo. Aí domino eu, mas olhar para a frente, uma curva. É nessa curva que me encontro. Se a passasse… Mas não sei o que está para lá da curva. Somente vejo a curva, o início dela. Sucede o mesmo quando leio, só até à última letra da página. A página seguinte… É a curva, o virar da página e ler essa página. Viramos uma, outra? Para ganhar algo nesta vida, existirá alguém que fica a perder e se acreditar na verdade, se amar a verdade, amo a vida. Amo a vida, mas do modo como vejo aquilo lá no fundo, quem luta por algo vencerá. Mas acredito que posso ajudar, sendo ajudado. Não acredito naquilo que fizeram de mim.
Cumprirei a missão. Não vou esquecer. Tentarei amar aquilo que sofro. Disse para mim: Goza enquanto é tempo!
E assim iniciei os 35 dias de Licença, certo que iria cumprir.

A alegria da chegada.
Corri para o “cais 14”, e as fragatas imperiais e as bateiras dos pobres avieiros? Os golfinhos aguardavam a minha chegada. Riram e mais parecia me quererem falar. Após o encontro com a mãe e o pai, vieram os irmãos, cunhadas e sobrinhos.
Iria passar o tempo praticamente em Lisboa.
Estava preocupado, os 35 dias tinham de ser gozados e não gastos. Entretanto a minha mãe pede que vá com o meu pai a Casegas, à sua terra, Beira Baixa. Tinha combinado com o Jorge irmos à Feira de Vila Franca de Xira que começava no sábado, dia 30 de Setembro. Teríamos de regressar a 29.
Viajámos num Renault, mas contra a minha vontade. Acabara de sair do mato e ia para o mato.
Meu pai imensamente contente, e aguardava que o meu primo António acordasse, após uma noite de trabalho. Nesse primeiro dia, junto de uma fonte juntavam-se pessoas, umas atrás de outras para encherem as bilhas de água. A terreola é muito pobre.
Espantado ao ver um indivíduo, mais ou menos da minha idade, a apalpar tudo o que havia para apalpar. Acabava de comprar um maço de tabaco e fumava. Depois de o ver apalpar uma mulher – parecia-me que para ele tanto fazia quer fosse solteira, casada, divorciada ou viúva – eu comecei por ficar preocupado. Toda aquela gente que se juntava naquele Largo se calava. Por mero acaso – julgo que foi mesmo um acaso – ele olhou para mim. Mais parecia estar numa operação militar e disse para aquela criatura, que não conhecia:
– Ouve bem o que te digo!...
O indivíduo – pretendendo sorrir – olhou-me bem nos olhos, e deve ter verificado que estava zangado. Com o indicador virado para baixo na direcção da ponte medieval digo em tom agressivo:
– … Só vais parar na ribeira. Corre… Se não correres corro contigo…
Todo aquele pessoal me conhecia, eu ia reconhecendo um ou outro.
Chegou o meu primo António. Ainda não me vira e cumprimentou-me, dizendo em voz alta após saber o que fizera àquela figura da terra:
– Sabem, é o meu primo Mário, somos uns palermas… Foi preciso o meu primo estar aqui para que este imbecil fosse avisado. Coitado, também é uma vítima. Os pais por tanto quererem que estudasse acabou nisto.
Eu e o meu primo – um amante da cerveja – que era igualmente a minha companhia.

O tempo passa. Regressámos. O meu pai para cumprir aquilo que dissera, acelerou, embora a feira fosse no dia seguinte. Feira de Outubro, neste caso iniciada em Setembro.
Encontrei-me com o Jorge que chegara de comboio, seguimos para Vila Franca de Xira e jantámos num restaurante montado todos os anos, no mesmo local. Os empregados já me conheciam. Comemos chocos com tinta e alguma poeira. Começámos a percorrer e ouvia-se, com frequência o rebentar de uns estalinhos colocados na zona da frente de um carro que percorria uns carris e estalava, no impacto contra uma superfície lisa. Uns carros lançados com mais força era o suficiente para nós combatentes nos lançarmos na areia que secava sobre terra molhada. Risotas de todo o lado. Ficava calado e o Jorge corria atrás das pessoas. Entretanto depois do Jorge dormir na casa dos meus pais seguiu para Amadora. Marcámos o local dos encontros.

Passei o fim-de-semana com os familiares, saí e foi o reencontro com os amigos. As oportunidades para beber umas cervejas foram muitas, assim passei os dois dias, não deixando de me juntar com uns amigos no Café Ritejo. A minha tertúlia, lá estava o João Luís, e tive então de falar na estúpida da guerra. Uns velhotes amigos e meus mestres dessa universidade cumprimentaram-me e tive de lhes contar por alto o que passava. Não eram aquelas conversas que me entusiasmavam, pelo contrário, fugia delas. Aproveitei então visitar as madrinhas de guerra, em especial uma. Estava com dúvidas e realmente nem sequer sabia que atitude tomar. Estava a ser incorrecto. Dei um pouco de mim a cada uma, mas estava a agir mal. Tinha de tomar uma posição, não devia enganá-las. Gostava de todas, tal era o labirinto da minha cabeça. Namorava todas… Seria que namorava? Pouco tempo tinha ocupado, sentindo-me incapaz de olhar de frente qualquer delas. Meus dedos ramos de arbustos crescem e apoderam-se de tudo. Insensato. Este meu sonho! Carícia trémula bater de asas. Bebo lágrimas e suores que correm nas fontes dos meus olhos são salpicos. Já nem sei o que dizer. Asneiras! Penso nos poemas que escrevo às toneladas, mas são armas apontadas ao «eu», estilhaços aos bocados.
E nesta terra distante da guerra continuo em guerra, não discuto a guerra que continua. Choro o silêncio inexistente da paz.
E a verdade da liberdade? A liberdade morre na fantasia e harmonia da palavra. A terra enterra e desenterra cruzes que tremem ao vento. Interessava que fossem gozados aqueles últimos dias em terras de Portugal, longa desse Portugal inventado que nos esperava… Que me esperava.

Na segunda-feira fui para Lisboa sozinho. Segui para o Parque Mayer, depois de beber uma bica no Café Lisboa – local de encontro das velhas coristas – fui para o interior do parque. Vestia calças claras e casaco de xadrez. Fui pescado por uma senhora de 55/60 anos. Rosto com uns traços cuidados e pele enrugada. Com uma cana-da-índia, curvada na ponta, puxou-me. Peixe de África, da bolanha. Estava numa barraca dos tiros: “Vai um tiro, freguês?”
Conversámos, chegando entretanto uma rapariga simpática – mais ou menos com a minha idade – fez-nos companhia, e sempre insistiram nos tirinhos.
Um indivíduo musculado aparece e dirige-se à moça, segredando-lhe ao ouvido. Percebi o que pretendia. Elegantemente tira de entre os seios uma nota de 500$00.
Quando estendia a mão com o montante, segurei-a e com mão esquerda e dei à nossa companheira o dinheiro com a direita.
Ele avançou… Eu também. Até que só eu avançava. A criatura paralisada, e disse-lhe:
– Não apareças enquanto cá estiver. Deixa a Senhora em paz. Desaparece!
A rapariga assustada disse que “não deveria meter-me com aquele estúpido, tinha de ter cuidado”. Pediu-me para esperar por ela, após falar com a outra companheira. Decerto pedindo para se ausentar mais cedo. Lanchámos numa Pastelaria, bebi umas cervejas. Levou-me para um quarto, curiosamente limpo. Disse-lhe carinhosamente: “Tu é que vais gozar”! Retirando peça por peça, a nudez encarece e ele entontece e aquece. Aparece, endurece e cresce. Gozo. Império do Rei Gozo. Eu gozei, to não gozaste… Ela gozou. Sempre lhe ia dizendo: “Tu é que vais gozar”!

Retirei-me da cama sem uma palavra e fui ao duche. Enquanto corria, sem ser necessário o púcaro que não o era, mas sim lata mascarada de púcaro, senti umas mãos acarinharem-me o corpo. Após secar enterrei-me na cama e nela. Era um dos 35 dias… Classificado por mim com nota “20”. Saímos, ela não pagou o quarto, era amiga da casa, fomos jantar a uma Cervejaria, bebi algumas cervejas. Levei-a ao Parque Mayer e segui para a Estação do Rossio para apanhar o comboio dos Teatros, das Revistas e dos Filmes.
Em Alhandra – já o sabia – estava aberta a Cervejaria Soltejo. Conversei com o Senhor Manuel, e pedi um copo de 2 decilitros de vinho verde.
Abriu uma nova garrafa “Três-Marias”, e para a despedida mais um copo.
Convite para aparecer sempre.

O primeiro encontro foi nos Restauradores, Palácio do SNI. E uma moça bonita estava encostada à parede. O Jorge diz-me:
– Vou atravessar, entre ela e a parede!
Rindo tento desviá-lo, desvincular-se da ideia. Pediu licença à garota e passou.
Fomos então ao Parque Mayer e existiam as barracas dos tiros, mas só para falar a já entrada na idade. Prostitutas. Salazar tinha proibido. Conversámos e ri para a minha companheira, fazendo-lhe sinal. A oportunidade iria surgir. Combinado entre mim e o Jorge que “amigo não empata amigo”, no momento próprio cada um de nós seguiria seu caminho. Existia sempre o “ponto de encontro”.
Depois de me encontrar com a Cabíria (será este o nome que usarei quando falar da minha menina dos tiros). Cabíria, põe-se o nome de uma personagem que adorei Giulietta Masina do Filme “Noites de Cabíria” do realizador Federico Fellini.
O encontro foi muito semelhante ao primeiro, mais requintado, ainda estávamos no início de uma relação que em princípio teria a duração de menos de um mês. Mais parecia estar a viver um amor, um amor impossível, visto eu ter uma duração de 35 dias, dias que pretendia serem gozados, neste caso com prazer, os últimos. Ela sabia que esses dias iam terminar. Dissera que tinha as minhas madrinhas de guerra – algumas – até uma bonita sueca loira e de olhos azuis com quem escrevia desde os 13 anos.

Naquele dia reencontrei o Jorge, fomos para um bar e demos uma nalgada em cada rabo de mulher, sentada ao balcão. Sentámo-nos e pedimos, decerto cerveja. Aquela que estava mais próxima da nossa mesa pediu licença e sentou-se. Ouvimos:
– Não pagam nada? – O Jorge respondeu:
– Vai uma gasosa?
– Brincalhões! A gasosa é uma seca! Não os conheço, não os costumo ver por aqui.
Respondi:
– Somos africanos, e caçadores
– São ricos?
– Não vês que sim!
– Apalpam bem. Mexeram e aproveitaram o açoite.
Mandámos vir um gim gordon’s, e conversámos enquanto despejávamos umas cervejas e ela chamara já uma colega para acompanhar o Jorge que chamou a atenção:
– Somos caçadores mas outro tipo de caçadores, não caçadores que caçam, mas também os que são caçados…
E todos bem bebidos saímos os quatro para quartos bem perto, e vimos que bem defronte havia um outro Bar, teríamos oportunidade de o visitar. Desta vez estávamos na mesma. Foi divertido, as moças mereciam, sabiam já que éramos simplesmente militares da guerra a pretenderem divertir-se.

O Jorge seguiu para Amadora e eu no comboio dos Teatros, para Alhandra. Fui um pouco à tertúlia do Café Ritejo e conversei, já tarde mas ainda estava o João Luís e uns tipos a jogarem bilhar na Cervejaria Soltejo o Ti Manel. E disse-lhe, hoje trago-lhe uma surpresa, encontrei o livro “Palavras Cínicas”, vamos ler aqui umas curiosidades:
– Escreve este homem, escritor: "Vi que a vida era má e escrevi estas cartas"... – E continua:
 – Se as leres no meio de um festim, as porás de parte com enfado, mas buscarás a sua consolação quando o mundo te fizer chorar; "A vida é a escola do cinismo. Trazes coração? Esmaga-o ao entrar como uma coisa que nos compromete, que nos avilta. Se acaso és bom – tolice – não venhas. Aqui para triunfar, é preciso ser mau, muito mau. Sê mau, cínico, hipócrita, e persistente que vencerás. Serás aclamado, respeitado e invejado. Ri do Bem e da Virtude, da Alma e do Sentir. Ri de tudo, que é preciso querias. Abafa um protesto com um sorriso, uma agonia com uma gargalhada, um estertor com uma praga. Sê polido, meu amigo. Encobre a raiva sob o riso, e o riso sob o pesar. Sê mau, sobretudo. Se a alma compromete estrangula-a, se o riso desmascara sufoca-o, se o choro atraiçoa esfia-o às gargalhadas. Não ames nem creias. Todo o homem que ama é homem perdido, e todo aquele que crê nunca será ninguém. Odeia sempre. Odeia os que sobem e os que pretendem subir, odeia os que subiram e os que um dia subirão. Odeia todos e desconfia. Lembra-te que o Ódio dá mais prazer que o Amor".

Isto são alguns exemplos de “Palavras Cínicas” de Albino Forjaz Sampaio. Fui sempre contra as guerras, mas estou numa e cumpro. Não desertei por dois motivos: o primeiro tem a ver com o amor pela minha mãe e em segundo lugar foi ter à minha responsabilidade homens, e em seu nome parti não de braços descobertos, mas de arma na mão, pronto para tudo, até ter de matar para viver. a um determinado momento lê-se em Palavras Cínicas:
"Tu és filho de uma prostituta pois a tua mãe só foi de teu pai e o teu pai foi o primeiro a quem ela se entregou, que depois o egoísmo do seu amor fez conservar junto de si...".

Depois, é sempre a mesma conversa, até faz a pergunta:
- "Tu crês em Deus? Crês sim, que bem o sei. Pois bem; vai dizer-lhe que eu o odeio com toda a força do meu ódio. Tu que te dás com ele, que crês nele, que és amigo dele, vai dizer-lhe que eu o odeio, porque ele deixou morrer aquela criatura aqui do lado, cujos seis filhos abandonados me vieram comer o meu jantar".

Acrescenta:
 – "... Todos aqueles a quem fazemos bem lá dentro a secreta esperança de um dia nos correrem a pontapé... ". (...) "Em que acredito eu? No crime e no dinheiro. O crime é Deus, o dinheiro é Deus, e de ambos o dinheiro é maior. É por dinheiro que se compram almas, por dinheiro é que as mulheres se vendem".

Existe muita verdade nas palavras. A vida é vida, há-de ser vivida. Os dias passados, não são passados, talvez vividos. O amor surge e evapora-se por vezes, mas não morre, o amor vive connosco os dias todos. Prometo que amarei eternamente. Amo-te, desconhecida, aquela mais à frente amo eternamente, e a outra lá ao fundo amarei neste e noutro mundo. Amar a única maneira de alcançarmos o Amor no Mundo, uma Terra sem Ódios nem Guerras. Tudo isto é negado nas oito cartas de Albino Forjaz Sampaio. Adeus ao Mundo e para todos os amigos, mesmo todos. Meditem, vale a pena, é o que ele pensa, possivelmente que nem sequer em tal tínhamos ouvido falar, surgiu, concordamos ou não. No negativo, não esquecer que na multiplicação o menos por mais dá menos...
O Ti Manel escutou e sorriu. Despediu-se dizendo:
– Não desistas. Ele tem razão em muito do que diz.
Lá estava o copo de verde. Bebera demais. Dirigi-me para o Cais 14 ver o amado Tejo e despejar os vapores.
Fiz a visita a umas madrinhas de guerra e entre encontros e desencontros, alguns encontros – na cama. Noutro caso: – “mim cá nega”! – Tal como nos faziam as bajudas.

Depois de um encontro nos Restauradores, seguimos para a Portugália, e entre cervejas, eram as cervejas. O empregado verificando estarmos os dois metidos por entre copos de imperiais bebidas trazia consigo uma bandeja, com vontade de retirar os copos vazios. Eram muitos. O Jorge disse:
– Daqui não sai nenhum, deixe que os alinho. São todos da mesma altura, é fácil. Já está! Ó amigo espere, mas pode puxar aquela mesa para aqui e ficam os copos melhor. e nós também.
O empregado assim fez, acabámos por beber litros de cerveja e retirámos para o Parque Mayer. Aí pedi à Cabíria que ajudasse o Jorge a arranjar uma companheira. Assim foi. A mesma volta, encontros amorosos e demorados, não sabendo como iam decorrendo o novo amor do Jorge.
Depois de irmos levá-las de retorno, visitámos o Bar de rabos de fora dos bancos, e a tal palmada, escutámos:
– Hoje há outro! – Respondendo outra:
– Esse também já cá esteve!...
Bebemos duas ou três cervejas, como não estavam as moças da primeira vez saímos, deslocámo-nos para o outro Bar. Tinha uma portinhola. Tocámos a campainha, este era diferente. Surgiu um tipo que respondeu pelo postigo:
– Não podem entrar!
– Não podemos entrar? Mas que ideia essa! Temos dinheiro!
– Não entram!...
O Jorge põe a mão no bolso do casaco e tira a Licença dada no Quartel-general, em Bissau e o Bilhete de Identidade Militar e toca a campainha. Surge o mesmo tipo que fecha o postigo. O Jorge, bem bebido, toca novamente a campainha, tento desistir dizendo-lhe termos outros sítios para passarmos algum tempo. Toca consecutivamente até que a porta se abre e vemos um homem grande. Nessa altura já o Jorge tomava balanço para rebentar a porta. Algo impossível visto ser muito forte. O Jorge disse apontando o indicador direito e na esquerda a papelada, enquanto os abanava:
– Estou de licença e vim da guerra na Guiné. Lá mato pretos… Aqui mato brancos!
O grandalhão respondeu:
– Podem entrar!
Puxava pelo braço do Jorge, com força, dizendo:
– Vamos embora!
Acabámos por seguir, a verdade é que se tivéssemos entrado estávamos bem arranjados. Por entre mortos e feridos…
O Jorge e eu fomos na direcção da Estação de Caminhos de Ferro do Rossio. Cada um seguiu o seu caminho.

Em Alhandra, no Ritejo ainda restavam alguns amigos da Tertúlia, já velha. Falei um pouco com o João Luís que foi comigo até ao Soltejo, e a tratar de fechar a caixa, volto a interromper o Manuel. Abre uma garrafa de vinho verde “Três-Marias” e vai um copo. O Manuel diz:
– Queres dar uma volta comigo?
Como ele também sabia não ter nada para fazer, e eu interessado mais em me despedir. E, pensei, com o copo de verde na mão enquanto o Manuel acabava de arrumar o balcão. Pois aquilo vai mal, a passagem por Ganturé não foi famosa e o “corredor”? Para quem não quer guerra, muito menos esta… Cumpro, e comprometo o meu interior. O consciente apoquenta-me, assumi e como responsável só tenho de aguentar. Neste nono mês, se cumprissem, estou a 9 meses… Mais uma vez nove. Quem emprenhou?
Ando em baixo, não me parece que isto dê certo. Aquelas trampas das poesias, pareço estar a brincar denominar de poesias. São sepulturas, isso sim. Mortes!
- Estás a pensar em quê, anda daí! – Disse o Manuel.
Entrámos no carro. Nem perguntei para onde íamos.
– Vamos para Vila Franca?
– Já vais saber!...
Vila Franca mesmo.
– Ó Manuel leva-me para o “Zé Barbeiro”, possivelmente nem sabe que conheço muito bem esta casa de petiscos. E então para aqueles que gostam de comer uma perdiz, codorniz ou coelho bravo… Não falando dos pequenos camarões do Tejo.
Entrámos, ao analisar os rostos vejo conhecer a grande maioria dos presentes. Tinha convivido de perto com alguns. Tudo empregados e donos de restaurantes, cervejarias, tascas e até de pensões.
Todos sentados. Começaram a surgir nas mesas codornizes, depois seguem as imperiais. Inicia-se o repasto.
– Bom apetite a todos! – Disse o Zé Barbeiro, dono da casa.
Não estava ali para comentários, era mais um pedaço dos 35 dias de despedida. Segurei uma codorniz na mão e bebi meio copo de cerveja. Ao fim de dez minutos, olhei para o Manuel ao meu lado, e para toda a sala, ornamentada de utensílios e fotos de caça e caçadores. Verifico que um empregado que bem conhecia tinha umas quatro imperiais à sua frente. E continuo a percorrer a vista pelas mesas – não era preciso ir mais longe, na minha mesa – havia quem tivesse duas, três, quatro imperiais à sua frente. Vou desvendar este mistério. O Manuel arranjou alguma parecida com ele. Tenho meio copo, lá vai… E agora?
– Mais uma rodada? Será mesmo… E é!
Uma golada, outra imperial posta à minha frente. Zás, outra rodada! É isso, se alguém bebe o copo da última rodada, vem outra rodada. Muitos saem bêbedos daqui, mas eu não! A festa continuou, e o Manuel ria. Verdade que ele acompanhava o ritmo, mas existiam alguns com quase uma dúzia à frente. E as codornizes iam seguindo o ritmo. Terminada a maratona, ponho a mão no bolso para pagar o que me cabia, o Manuel segura-me a mão e diz:
– És aquele que nada tem a pagar, vamos embora!
Tropeçavam uns nos outros, e lá saímos e seguimos para Alhandra, o Manuel rindo, disse:
– Pregaste a partida àqueles palermas que se julgam bons bebedouros.
Lá fui para casa, a minha mãe estava acordada, ralada comigo e era bem cedo. O meu pai saíra de casa para o trabalho.

Recomecei novo dia conversando com a minha mãe e logo vou ao encontro do meu pai na Padaria. Era Padeiro, como eu e os meus irmãos não quiséssemos ser padeiros restou ao meu pai entrar para uma Sociedade Panificadora. Chegou mais uma hora da verdade. O dinheiro que ficava cá o meu pai colocava no Banco, e pedi 5 mil escudos, tendo ele respondido:
– Vê bem o que andas a fazer?
Retirou de um cofre o dinheiro e deu-mo na mão. Conversámos, sei que o enganava mas, em relação à minha mãe, tinha a certeza que não ia nas minhas conversas. Isto no que diz respeito à guerra. Enviava fotos sempre à civil mas enganá-la…

Seguiram-se mais uns dias. Namoro; encontros com madrinhas, com cama… E sem cama; “mim cá nega!”; Lisboa e as meninas… Não só a do Parque… Resumindo: Muito amor, até fartar e despejar de cervejas e não só…
Comboio para o Rossio, deixara de me encontrar com o Jorge, mas os locais eram os mesmos, variavam os restaurantes onde almoçava ou jantava.
Junto do Teatro Tivoli um andarilho pediu-me a licença de isqueiro ao me ver acender um cigarro. Ri com um certo aparato e o tipo fica zangado. Pedia e voltava a pedir e eu ria, até que me diz:
– Deite o isqueiro para cima do telhado e não paga imposto!
– Mas não pago imposto, nem deito o meu Ronson para o telhado.
Tinha o “V” de vitória. Tinha-o comprado em Bissau. E o homem insiste:
– Vem esta PIDE – não é outra coisa – chatear-me com a licença do isqueiro! Desampara-me a loja!
Ele sumiu-se. Fui até ao Parque Mayer. Outro dia igual, depois de almoçarmos, mas qual o meu espanto quando a Cabíria me diz:
– Larguei o Júlio, o tipo que ficava com o meu dinheiro, sabes a razão? Se quiseres acredita, tenho de te dizer, gosto de ti… Mas não rias, estou disposta a arranjar trabalho, sou nova, espero por ti…
– Eu não interesso a ninguém, sou peça de caça morta… Vou ser caçado e nunca mais me vês. Até hoje safei-me… Mas no dia 26 de Outubro que se aproxima, irei com uma arma apontada à minha cabeça. Estou como o outro, vamos festejar… O quê? Não sei… Olha! Vamos aquecer a alma! Anda e deita-te, e se me amas prova-o… Sou teu e faz de mim o que quiseres. Aviso-te que cair de focinho, não! Estivemos até à noite, a Cabíria não tirava os olhos de mim, o que me deixava preocupado. Estaria ela mesmo a esperar que regressasse?
Não a vi mais, tinha sido a minha companhia numa boa parte dos 35 dias que se aproximavam do fim.

Regressei de comboio. Fui a Cais 14 e sentei-me num dos degraus. Tomara banho naquele sítio. O Tejo, meu irmão. Tinha de ir visitar os meus amigos golfinhos. Oiço uma voz:
– Então estás bem? – Perguntava um paneleiro da terra.
Respondi-lhe:
– Sabes o que vais fazer? Corres até ao Largo da Praça… Vai, vai…
– Olha-me este se calhar julga que manda em mim… Parvo
– Segue em frente, é sempre a direito.
De manhã acordei e dediquei a manhã à família. Já faltavam poucos dias e dedicara pouco tempo aos amigos. Estivera com o Doutor Armando Diogo, com o Baptista Pereira, mas tive pouca vontade de lhes responder, sempre a guerra.
O Doutor recordava-se da conversa que tivéramos sobre o livro “Palavras Cínicas”, de Albino Forjaz Sampaio.
Pensei visitar a malta em Vila Franca de Xira, com aquela metida na cabeça dos 35 dias, os últimos 35 dias, esquecera-me.
Quando chego ao Maioral, é uma festa e lá estavam alguns dos meus camaradas da Tertúlia semanal com o Escritor Alves Redol. O meu primo que frequentava Direito disse ter uma prenda para mim. Deu-me algo embrulhado, julguei estar escondido. Abri, era um livro sobre Che Guevara. E o meu primo começou:
– A PIDE foi à Faculdade de Direito e apanhou-nos a Edição deste livro, fizeram uma fogueira e deitaram fogo aos livros que iam apanhando, saquei deste e pensei em ti. No livro há um discurso em que o camarada Che Guevara fala da Guerra de Guerrilha na Guiné.
Fiquei contente com tal prenda, mas fugi de falar da guerra. Talvez por isso segui para Alhandra após me despedir de um modo pouco digno da minha parte de amigos de anos. Soubera terem passado por situações que só quem não quer, não vê termos um regime opressor. Após quase 500 anos aquilo que vi nada glorifica os portugueses que nada levaram àqueles povos que nem falam português.
Fui apanhar em Alhandra alguns amigos, falei com o Gineto dos “Esteiros” de Soeiro Pereira Gomes – Joaquim Baptista Pereira que me contou as últimas e com o Doutor Armando Diogo falámos dos Processos que moveram na Guiné, tendo o Processo Militar sido dirigido pelo Capitão da Companhia 1620 e o Processo Civil pela PIDE, isto após ter rebentado uma granada quando os negros civis estavam num Batuque e morrera 10, ficando feridos mais de 20.
Fiquei por Alhandra e na Cervejaria Soltejo falei com o Ti Manel. Recordámos as conversas havidas antes do embarque. Ele quase implorara que eu desertasse. Assumi e estou nestes risonhos e gozados 35 dias á espera de morrer. E perguntei ao sábio Ti Manel:
– Como é possível ter-se o prazer de gozar quando se espera o fim, a marcha final? Pode um homem novo morrer numa guerra que detesta e já mesmo antes de ser um dos protagonistas? Pouco tempo mas se do ventre materno nasce o ser… Trajando o nu, igual, destino de boas e más gentes!
O Ti Manel respondeu:
– E acrescento. Só caminhou pela vida pecadora, e sem pecar rompeu o silêncio com gritos, gemidos e ais. Cresceu, Roberto, títere comandado de atilhos. Aprisionado de mãos opressoras. Libertou-se.
Respondi:
– Livre? Pairo na solidão que me mordeu as entranhas, as vísceras… Caio e não me ergo!
O Ti Manel, ouvindo interrompe:
– A fome transforma os prisioneiros em oprimidos e os donos de searas e de fábricas comandam os cordéis. Este mundo que olhas, por que o vês, repleto de cactos, de ervas daninhas e de homens, semeia algures a paz!
Olhando para o Ti Manel renasci:
– Nascentes nas areias que matam a sede do homem só, um mundo de tal bela natureza! Pássaros de voo livre esvoaçam, por entre castelos celestiais de nuvens desenhadas. O mundo, de todos e pertence a todos? O homem semeia! Oh mundo de tal bela natureza! Por vezes tão satânico. Com seus horrores anormais: sismos e inúmeros cataclismos. Mortes sem conta – sem olhar a quem, o bom e também o mau. Plantando cruzes em cemitérios e covas fundas. Oh homem… Oh homem de tal bela natureza! Planta a Paz, o Amor no Mundo. Apetece-me Ti Manel, mas tenho dificuldades neste momento em acreditar plenamente.

E estava no final da licença. Fui ver o rio Tejo, o meu Tejo. Lá estagnei.
Jantei e voltei ao Soltejo. Bebi e esperei pela noite.
O Manuel olhava-me, todos haviam abandonado a cervejaria.
O velho copo de vinho verde. Outro. Oiço o Manuel com as chaves do carro na mão:
– Queres vir?
Não sabia para onde, respondi de modo risonho e brincalhão:
– É mais uma voltinha… Para aquela menina de amarelo.
Entrei no carro, após uns minutos começo a ver não conhecer aquele percurso. O carro parou. O Manuel entrou num prédio novo e de portas abertas, começou por subir os degraus de uma escada e tocou uma campainha. Aberta a porta e depois de dar o primeiro passo vejo aquilo que nunca vira. Um mundo novo. Bacanal.
Ouvimos de dentro:
– Descalcem-se!
Tirei a camisa, os sapatos, as meias, calças e cuecas. Era uma festa profunda. Eu quero lá saber. Vi uma moça que conheço, estava sozinha, quem sabe… À minha espera. Tinha-a desejado, eis que cai nos meus braços. Pleno século XX. Olhei para o Manuel, das surpresas, que ria e já acompanhado. Bebidas e frescas. Levei uma fresquinha para minha menina, a coelhinha. Na mão levei uma cerveja, dei um gole. Agarrei-a e ela abriu os braços e puxou-me!
Pela noite fora, não esqueço…
Regressámos e no dia seguinte partimos para Bissau após as despedidas do cais.
Havia razões para o meu estado de espírito. Disseram-nos que o Amigo Pestana e o Costa tinham morrido com rebentamento de uma granada. Afinal a morte não me levou – por enquanto – mas percebera que ela andou bem perto.
A morte?
Em Bissau falava-se de uma grande Operação no sul da Guiné, no nosso Sector. Aliás era preferível estar-se em combate do que viver o clima de Bissau. Só se falava em Guerra.

Em Bissau no final da Licença 

Vim de Licença em 1968 pelo Carnaval (Terça-Feira de Carnaval a 19 de Fevereiro), mas foi diferente muito embora tivesse ido a Abitureiras – Santarém entregar alguns haveres à família de Vítor José Correia Pestana, este encontro foi traumático, morto a 12 de Outubro de 1967 no rebentamento de uma granada armadilhada, depois de se ter lançado para cima do engenho explosivo após ter tropeçado no fio, tentando salvar os camaradas. Ficou com a barriga perfurada e membros superiores e inferiores presos por fios. Ainda foi assistido pelo Médico tendo pedido aos camaradas que lhe dessem um tiro na cabeça. O Soldado Costa teve morte imediata.

No topo da Mesa, na Ida para a Guiné, Fur Mil Vítor José Correia Pestana Morto a 12 de Outubro de 1967

Esta Licença foi diferente, não existia o estado de espírito e a presença da morte, muito embora faltasse bastante tempo para o final da Comissão… Em termos Operacionais o Ano de 1968 foi rigorosamente mais farto em Operações. O PAIGC melhor armado, mas estava positivamente mais preparado.

Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Setembro de 2015 > Guiné 63/73 - P15178: O nosso querido mês de férias (11): vim duas vezes... e na segunda casei-me (Hélder Sousa); vim duas vezes... e na segunda já não regressei (António Murta)