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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Guiné 63/74 – P9882: Convívios (432): Almoço anual da CART 2479 - CART 11 (CCAÇ 11), dias 26 e 27 de Maio de 2012, em Coruche (Abílio Duarte)




CONVÍVIO 2012

DA
COMP. ARTILHARIA 2479
GUINÉ 1969 A 1971

Coruche 26 e 27 de Maio de 2012 

Amigos Combatentes na Guiné:

Vamos realizar mais um indispensável almoço-convívio desta vez em CORUCHE, terra do nosso amigo MALTA.

E de tão perto que está de Lisboa, queremos ver aquelas caras que não aparecem há muito tempo ou mesmo que nunca apareceram e que todos gostaríamos de rever. Pelas fantásticas experiências dos anos anteriores, pela camaradagem, pela emoção, pela memória, VALE A PENA.

As inscrições para o almoço deverão ser feitas para o Malta ou para o Leonel até 23 de Maio.

Em anexo vão as indicações para o local do restaurante e a respectiva ementa que é de comer e chorar por mais…

O alojamento é muito variado pelo que juntamos uma lista para cada um fazer as suas marcações. Através da Internet encontrarão mais hotéis (Sug: Google – “Hotéis em Coruche”).

Aqueles que vão do Norte deverão encontrar-se na Estação de Serviço de Sto Ovídio, Gaia, na A1 pelas 9 Horas.

ABRAÇOS E ATÉ SÁBADO, DIA 26 de MAIO

V N Gaia, 20 de Abril de 2012
(M. Pina Cabral)

Contactos:   

MALTA ........ 914599113 (Presidente Organizador 2012)
LEONEL ....... 912848724 (Secretário Permanente) 

__________
Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:

9 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9872: Convívios (249): Pessoal da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65, dia 28 de Abril de 2012 em Cascais (José Manuel M. Dinis) 


domingo, 29 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9826: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (12): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte II (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)












Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > Junho / julho / agosto de 1974 >  A paz, depois da guerra, ou guerra & a paz, como faces da mesma moeda... >  O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", no meio dos inimigos de ontem...  Fotos do seu álbum fotográfico, sem legendas... Agradeço-lhe a coragem e a frontalidade com que, dezenas de anos depois, ele me deixou ver e digitalizar essas fotos de inegável interesse documental. Este nosso camarada que vemos aqui a abraçar os inimigos de ontem, foi o mesmo que tinha escrito à mãe, em 6 de junho de 1974 a seguinte missiva: "(...) Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto, conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - ABRAÇÁ-LOS. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).


É o mesmo J. Casimiro Carvalho que na batalha de Gadamael pôs a vida em risco para salvar outros camaradas (e nomeadamente o seu capitão) e que chegou a ser ferido.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados.









Selos da Guiné, carimbo de 22.3.73, SPM de Guileje [2728 ]


 1. Continuação da publicação das cartas (e aerogramas) que o J. Casimiro Carvalho escreveu à família (e em especial ao pai e à mãe, ou a ambos) durante o período final da sua comissão, em que foi colocado na zona leste.


Em 8 de maio de 1974, J. Casimiro Carvalho parte de Bissau para Nova Lamego, de avião, a caminho de Paunca, indo integrar a CCAÇ 11. Aí espera acabar, sossegadamente, a sua comissão (, faltando-lhe então cinco meses), e inclusive "passar umas férias", como toda a gente lhe garante. Com 18 meses de Guiné, e depois das batalhas de Guileje e Gadamael, o nosso camarada transmite aos pais uma mensagem de otimismo. No verso da carta, fazia uma referência ao "momento único" que o país estava a atravessar (,referência ao 25 de abril de 1974 e às perspetivas de paz que se desenhavam no horizonte).








No final de junho de 1974, conta uma a um os dias que faltam para terminar a comissão: 49 dias (o mês de julho completo mais 18 dias do mês de agosto).  Mas não tem ilusões: só estará de volta  a casa lá para outubro... Faz questão de mostrar ao pai (ou à mãe) o seu espírito de "ranger" (ele tinha feito o curso de operações especiais em Lamego, com a nota final de aproveitamento de 15,28 valores). Mostra, além disso, a sua faceta de bom rapaz e melhor filho, brincalhão, ternurento, bem humorado, com jeito inclusive para a "ilustração"...



Entretanto, em 6 de junho a tropa de Paunca tinha estabelecido os primeiros contactos amistosos com os guerrilheiros do PAIGC. Essa primeira aproximação, bem sucedida, foi relatada por ele em carta enviada à mãe,  em 10 de junho (*): "Olá, maezinha, começo já por falar naquilo que me enche a cabeça e o coração" (...).


Em 30 de junho, escreve ao pai, e o tom da carta sugere despreocupação e descontração. A caminho de dois meses em Paunca, confessa que ainda não fez uma única patrulha... No entanto, a situação no nordeste da Guiné não parece estar totalmente calma.  J. Casimiro Carvalho não se refere, na sua correspondência, à evolução do estado de espírito dos militares do recrutamento local que integram a CCAÇ 11.






 Um mês depois, em carta não datada, faz já questão de mostrar os seus progressos em matéria de aprendizagem da língua fula. A carta tem as folhas divididas pelo menos em quatro partes, numeradas a romano... 

Na parte II, por exemplo, descreve a visita, ao quartel, de "um grupo do PAIGC", vindo em duas viaturas russas, "armados até aos dentes"... E acrescenta: "mais uma vez houve troca de saudações e cumprimentos, já nem se fala em guerra!"...

Na parte IV diz que a CCÇ 11 deve sair de Paunca em setembro ou até mesmo em agosto. Diz explicitamente ao pai que "agora estamos num país estrangeiro - República da Guiné Bissau - agora reconhecida por 80 países e agora pelo nosso também. Estamos todos contentes com esta situação e o que queremos agora é ir embora"... Nada faz indiciar a revolta ou insubordinação do pessoal africano da companhia, na sua maioria fulas: "Os africanos já entregaram o material de guerra todo,  que está a ser encaixotado para seguir para Bissau, e a seguir vamos nós. Que melhor fim de comissão podia esperar ?"...







Segundo me informou o nosso camarada, na última vez que o vi, em Monte Real, no passado dia 21, ele relatou aos pais o susto que apanhou quando os soldados (ou alguns soldados) da CCAÇ 11 sequestraram e expulsaram do quartel de Paunca os seus superiores hierárquicos... Essa carta ter-se-á perdido, depois de ter sido cedida a alguém que não a devolveu... A deduzir pelo conteúdo desta última carta (reproduzida acima), esses acontecimentos devem ter ocorrido em agosto de 1974, em data que o J. Casimiro Carvalho não me soube precisar com exatidão... Pode perguntar-se, no entanto, com que armas os soldados da CCAÇ 11 tomaram de assalto o quartel de Paunca e expulsaram os "tugas" ? As que já estavam encaixotas, prontas para seguir para Bissau ?



Numa outra carta dirigida à mãe, também não datada (mas possivelmente já de agosto de 1974), ele tenta tranquilizá-la, dizendo-lhe: "Acerca de eu ter tido ou não problemas aqui [sic],  pode ficar descansada que corre tudo às mil maravilhas"... Mentira piedosa para aliviar a angústia de uma pobre mãe ?... De qualquer modo, isto passa-se depois dos contactos com o PAIGC já se terem tornado rotina, havendo inclusive troca de "roncos", entre as NT e o antigo IN: "Tenho um cinturão de guerrilheiro do PAIGC, um cantil e um casaco de campanha, são recordações do princípio do fim da guerra. E tirei umas dezenas de fotografias deste tão histórico momento" (...).

Estas parecem ser as últimas cartas de Paunca. Os originais destas e das demais cartas que o J. Casimiro Carvalho confiou à minha guarda durante cerca de 5 anos e meio, já lhe foram devolvidas no passado dia 21 de abril, em Monte Real, conforme o prometido. Bem hajas, camarada Casimiro Carvalho, por teres permitido partilhar, sem reserva,  um pouco dos teus sentimentos e pensamentos íntimos durante a tua comissão militar no TO da Guiné... (LG).

__________

Nota do editor:

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9771: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) 11): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte I (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)







Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > c. maio / Junho de 1974 > Tempos de esperança e de temor > O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", entre os fulas...


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados.




1. Por ocasião do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 14 de Outubro de 2006, conheci pessoalmente o José Casimiro Carvalho, camarada que teve a grande generosidade de me confiar, na altura,  um valioso conjunto de cartas e aerogramas enviados a amigos e familares no período em que esteve em Guileje, Cacine e Gadamael (1972/73),  e depois em Colibuía-Cumbijã, já em 1974, e ainda Bissau e Paunca (a seguir ao 25 de abril de 1974).


Um seleção de excertos das suas "cartas do corredor da morte" (*)  já aqui foram publicadas oportunamente. Está na altura, por ocasião do nosso VII Encontro, em Monte Real, mo próximo dia 21, de lhe devolver os originais (!). Devo dizer que ele fez questão de os ofertar, em 2008, ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje, por ocasião do Seminário Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008). Manifestou-me expressamente essa intenção. Em bora hora não lhe fiz a vontade, ficando eu com os originais e entregando ao museu um coleção de cópias (digitalizadas pela Fundação Mário Soares). Estou por isso em condições, cinco anos e emio depois,  de lhe devolver os originais que ele agora, sim, vai poder oferecer a uma das suas filhas, conforme é seu desejo.  São coisas pessoais e intransmissíveis, e eu fico contente de servir de "correio", entregando as cartas e os arorgramas, enviados em 1972, 1973 e 1974, de diferentes SPM: 2728 (CCAV 8530, Guileje, Gadamael, Colibuía, Cumbijã, Bissau, 1972/74) e 5668 (CCAÇ 11, Paunca, 1974).


Entretanto, fiz ainda uma seleção da correspondência relativa à sua curta mas algo atribulada passagem pela zona leste da Guiné (Nova Lamego e Paunca).


Esta correspondencia é mais um elemento, importante, para a elucidação e compreensão do período final da guerra na Guiné, tanto no sul (Guileje e Gadamael) como na zona leste (Paúnca). Recorde-se o que o nosso ranger  escreveu sobre essas peripécias em chão fula (*)


 O que se passou em Paunca já aqui foi descrito no nosso blogue: os quadros (metropolitanos, brancos) da CCAÇ 11 foram expulsos do quartel de Paunca, sob ameaça de armas, pelos soldados fulas, amotinados. Recorde-se que a  CCAÇ 11, tal como a minha CCAÇ 12, tinha-se formado originalmente em Contuboel (de Maio a Julho de 1969), fazendo parte da "nova força africana" de Spínola. Estive, portanto,  com eles menos de dois meses, em Contuboel, com a malta da CCAÇ 11 (ou melhor, na altura, a CART 11) a que pertencia o meu amigo Renato Monteiro, o mediático homem da piroga no Geba . 


A seguir ao 25 de Abril de 1974, fugido do inferno de Guileje e Gadamael, caído de paraquedas em Paúnca, na CCAÇ 11, o Casimiro Carvalhos vai conhecer o desespero e a raiva dos nossos aliados fulas, na fase do cessar-fogo e retração do nosso dispositivo militar no TO da Guiné... Este é um dos episódios mais chocantes da guerra da Guiné, aqui contados pelo nosso herói de Gadamael. Só é pena que ele tenha sido tão parco em palavras, no que diz respeito a este final da sua comissão ... 

2. CCAÇ 11, Paunca, Agosto de 1974
por J. Casimiro Carvalho




(i) Com uma arma apontada nas costas pelos seus próprios soldados 


(...) [Em 8 de Julho de 1973, saímos de Cacine, em LDG, a caminho de Bolama, e daqui] fomos para o Cumeré tirar outro IAO . Eu fui para Prabis com mais 12 homens, outros foram para Quinhamel ou Bijemita (??). Depois fomos para Colibuía-Cumbijã [janeiro-março de 1974], e aí fui destacado para rendição individual, sendo transferido para Bissau a fim de tirar estágio de Companhias Africanas, e durante esse estágio deu-se o 25 de Abril [de 1974].


Fui então para Paunca, CCAÇ 11 – Os Lacraus, onde me mantive até ao fim da minha comissão [ A primeira carta que temos de Paunca, é datada de 14 de maio de 1974, e foi escrita á máquina, e era dirigida à "maninha. Em 30 de abril de 1974, ainda estava em Bissau e dá conta, à mãe, em carta, do ambiente que se vive na cidade, com ]. Não sem antes levar um susto de morte, pois os militares africanos da CCAÇ 11 sublevaram-se. Quando eu estava a dormir, ouvi tiros, vim em calções com a Walther à cintura até ao paiol. Quando lá cheguei, eles estavam a armar-se e a disparar para o ar e eu, quando os interrogava pelo motivo de tal, senti o cano de uma arma nas costas, ordenando-me que seguisse em frente (até gelei)...Juntaram todos os quadros brancos e puseram-nos no mato...assim mesmo.


(ii) Socorridos no mato pelos inimigos de ontem!


Caminhámos muito, de noite, desarmados, e fomos até um acampamento de guerrilheiros do PAIGC, contámos a situação e eles mandaram um punhado deles a Paunca. Gritaram então lá para dentro:
- Têm 5 minutos para se entregaram e restituir o quartel aos brancos ou destruímos tudo! - Eles, os fulas, entregaram-se.


No fim, já de abalada, fomos ao paiol, juntámos todas as granadas e explosivos, e eu fui encarregado de os fazer explodir , ao redor de uma enorme árvore. Que cogumelo de fogo, impagável !


(iii) Por fim, a peluda...


Fui encarregado de comandar uma coluna de 22 viaturas até Bissau, por Fajonquito, Jumbembem Farim, Mansoa, Nhacra…Bissau. Ao fazer o espólio, não tinha G3, mas , como não tinha…
- Ó pá, estiveste em Guileje ?... Então ‘tá bem, não entregas.


A seguir vim de avião para a peluda. (...).


3.  Cartas de Paúnca, SPM 5668: Em 20 de maio de 1974, J. Casimiro Carvalho escreve um aerograma à mãe, Angelina Carvalho, então a residir em Vila Nova de Gaia:



Paunca, 20 de maio de 1974

(...) Então o Luís, está em Lamego ? Mande dizer o nº dele e o nome todo e qual é o SPM dele, pois eu estou perto. [O aerograma é acompanhado de um esboço do mapa, com a posição relativa de três localidades: Paunca - Pirada - Nova Lamego] (...)

(...) Ontem  estive de sargento de piquete e fui guardar um recinto onde havia batuque. Olha, é bonito, os fulas a lutar género luta greco-romana, eles muito fortes , e ao som da batucada. Até vibrei.

Não tenho feito nada, é só dormir, não saí nenhuma vez para o mato, pois aqui é raro, e isso só por si já vale muito. É menor o perigo que corremos. Um beijo do seu José Casimiro.

No mesmo dia escreve ao pai, Ângelo Carvalho, também outro areograma, do  SPM 5568:

Paunca, 20/5/74

Paizinho: (...) Vou pô-lo ao corrente, mais ou menos, do que se passa por aqui: Há 8 dias, fomos informados que daí em diante não podíamos fazer fogo de armas pesadas, a não ser em caso de ataque ao quartel. No mato, mesmo que encontremos um Grupo IN, só abrimos fogo se eles abrirem, e neste caso [devemos] tentar acabar com o tiroteio, logo que possível. A aviação não bombardeia. 


Quando foi formado o Governo Provisório, o presidente do Senegal,  Senghor, enviou o seu avião pessoal a Lisboa, para ir buscar o representante da Junta [de Salvação Nacional] e tentar um acordo prévio de cessar-fogo, do qual ficou assente: o PAIGC anulou todas as operações de grande vulto (como a de Guileje) que estavam planeadas para o fim da época seca, ou seja, "agora", enquanto que Portugal se comprometeu a não abrir fogo sobre guerrilheiros do PAIGC, prioritariamente.


Portanto temos praticamente um cessar-fogo não oficial, que será oficializado em Londres, no dia 25, entre Aristides Pereira e Portugal. Isto está a correr pelo melhor, não acha ? Nós andamos todos contentes, se bem que isto a mim não me vem beneficiar quanto ao fim da comissão que se avizinha. (...).

Primeira parte do documento [, Informação,] escrito à máquina e datado de Paunca, 7 de junho de 1974, dando conta dos primeiros contactos das NT com os guerrilheiros do PAIGC, no subsetor de Paunca

Paunca, 10/6/1974

Esboço de aerograma (3 folhas), escrito no dia de Portugal [10 de junho de 1974]. Uma parte do conteúdo seguirá para mãe, em carta manuscrita, enviada nesse mesmo dia. Outra parte foi [ou já tinha sido dactilografada, com data de 7/6/74] sob a forma de uma espécie de comunicado [ Informação,] cujos destinatário(s) se desconhece.


(...) GUERRA E...PAZ


Guerra... palavra que pouco dignifica. Guerra, sinónimo de destruição. Prenúncio do fim. Mas... também há a paz. E para isso se está a tarablhar neste momenmto em todo o Portugal.


Ontem [leia-se: 6 de junho de 1974], algures na Guiné, tropas portuguesas (brancas), comandadas por um oficial superior, dirigiram-se em missão de paz a um destacamento inimigo, em território português, perto da fronteira com o Senegal, deixando todo o armamento nas viaturas [e] deparando com uma colossal e bem montada emboscada de segurança. Numa atmosfera de confiança,  inimigos de ambos os lados cumprimentaram-se, os dois comandandantes inimigos entraram num amistoso diálogo, findo o qual se chegou à conclusão que... o PAIGC, como nós, anseia pela paz.


Esses mesmos inimgos disseram que teriam imenso prazer em contactar com tropas africanas, em serviço nas nossas fileiras, para trocarem impressões e concluirem o que mais lhes interessava.


Hoje [, 7 de junho,], algumas dezenas de tropas africanas, comandadas pelo mesmo oficial superior, dirigiram-se ao mesmo local, procedendo como no dia de ontem. Encontraram um clima de amizade, não foram molestados, e até foram obsequiados com galhardetes e emblemas do PAIGC. Também se procedeu à troca de pequenas peças de fardamento.


Imaginem, um momento tão importante, um momento nunca conseguido durante tantos anos de guerrilha. Parece inconcebível. Mas aconteceu. Nunca em toda a história mundial, que eu saiba, antes mesmo de um cessar-fogo, se viu istio, duas forças inimigas, como uma família, reunidas em franca amizade, esquecendo  todos os antecendentes, pois eles sabem que com isso contribuem para finaliziar o que há tanto tempo vem vitimando e continuaria a vitimar inocentes [...]


Estou deveras emocionado, eu que como tanto outros vi tombarem amigos, companheiros de farra e de luta, amigos para o bem e para o mal, e para quê ?  [...]


Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto,  conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - ABRAÇÁ-LOS. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós.

Fica aqui, pois, o meu desejo para que tudo se desenrole como desejamos, no dia de Portugal, nas conversações de Londres. Somos livres, mas ainda não temos a PAZ.

Um militar que anseia pela Paz.




4. Num segundo poste, divulgaremos mais alguns excertos de cartas escritas pelo J.Casimiro Carvalho, em Paunca, em junho de 1974. Não tenho nenhuma missiva em que ele relate à mãe, ao pai ou a outros familiares a situação de insubordinação dos soldados da CCAÇ 12, situação essa que  terá ocorrido por volta de 21 agosto de 1974 [ data em que o PAIGC tomou conta da povoação e aquartelamento, segundo o relatório da 2ª rep/QG/CTIG, já aqui divulgado]. (***)

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9518: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (2): Frutuoso João Ferreira, natural da Lourinhã, 1º cabo at cav, 3ª C/BCAV 8323/73 (Pirada, nov73/ago74)

1. Faltam-nos, no nosso blogue, depoimentos dos "últimos guerreiros do império". Por uma razão ou outra (pudor, medo de censura social, falta de tempo, de disponibilidade,  de motivação, etc.), muitos dos  nossos camaradas que chegaram à Guiné nos  último meses que antecederam o fim da guerra e o regresso a casa, ainda não passaram para o papel ou para o ecrã do computador as suas memórias desse tempo, e os sentimentos contraditórios que muitos terão experimentado aquando da retração do nosso dispositivo militar e do "regresso definitivo das naus"...

Percorrendo a Net fui encontrar o depoimento de uma camara da minha terra, que esteve no TO da Guiné durante um ano (Set 73/Set 74) e que pertenceu ao BCAV 8323/73. Esse depoimento está publicado no sítio do Jornal das Caldas (edição em linha) (Jornal regionalista,  tem como diretor Jaime Costa e chefe de redação Francisco Gomes). Tem também uma página no Facebook

Por se revelar de grande interesse para os nossos camaradas que estiveram no leste da Guiné, no final da guerra (*), tomamos a liberdadade de reproduzir aqui, com a devida vénia, um excerto extenso do artigo. Os nossos parabéns ao autor do artigo e ao seu jornal. Um Alfa Bravo para o nosso camarada Frutuoso (e, no meu caso, conterrâneo). (LG)



Memórias da Guerra na Guiné > Frutuoso Ferreira > Jornal das Caldas, 28 de Janeiro de 2009 

Frutuoso João Ferreira foi 1º cabo atirador do Batalhão de Cavalaria 8323, na Guiné, em 1973/74.  Nasceu em Abelheira, Lourinhã, há 56 anos. Antes de cumprir serviço militar foi pedreiro da construção civil. Depois, quando regressou da Guiné à sua terra natal, continuou nessa profissão por mais quatro anos. Em 1978 tornou-se guarda-fiscal. Desde 2005 que está em situação de reserva da Brigada Fiscal da GNR. (...)


Assentou praça em Elvas, no Batalhão de Caçadores 8, em 14 de Maio de 1973, e foi tirar a especialidade em Estremoz, no Regimento de Cavalaria 3. Tinha 20 anos. 

“Quem vivia nos meios rurais, como era o meu caso, de política pouco ou nada conhecia, mas como qualquer bom português que se prezasse, o ânimo que tínhamos era que estávamos a servir a Pátria”, relata.

No dia 22 de Setembro de 1973 embarcou no Niassa (...). Ia o [BCAV]  8323 e mais dois outros batalhões e uma companhia. Levaram uma semana a chegar à Guiné. Alcançaram Bissau e entraram em lanchas [, LDG,] que os transportaram até à ilha de Bolama, onde estiveram um mês a tirar o IAO  (...)

O batalhão adoptou o nome “Os cavaleiros do Gabú” (Gabú era a região onde esteve). O comandante do Batalhão era o [tenente] coronel Jorge Mathias, da Ericeira.

 “Eu estava no 4º pelotão da 3ª companhia, comandada pelo capitão Ernesto Brito, de Lisboa. O alferes Alípio Cunha, de Vila Nova de Famalicão, comandava o meu pelotão e havia três furriéis – o Sousa, o Simão e o Esteves. Os outros comandantes de pelotão eram os alferes Manuel Gonçalves, Rodrigo Coelho e António Pereira, respetivamente do Fundão, Pinhel e Amarante”, descreve.

O comandante da [CCS] era o tenente Francisco Costa, de Coimbra. O capitão Ângelo Cruz, da Amadora, chefiava a 1ª Companhia, enquanto que o capitão Aníbal Tapadinhas, de Lisboa, comandava a 2ª. Integrava ainda o Batalhão a [CCAÇ 11], que tinha à frente o capitão Nuno Sousa, de Lisboa.

“Quando acabou a formação, regressámos no dia 31 de Outubro a Bissau e deslocámo-nos para Pirada, uma pequena povoação que ficava a poucos metros da fronteira do Senegal, onde o inimigo – os guerrilheiros do PAIGC – tinha algumas das suas bases”, indica.

Em Pirada estava a CCS e a 3ª companhia:

 “A nossa missão era proteger  [a sede do batalhão,] e as populações locais – os brancos que lá havia era só um casal de comerciantes e a filha – e patrulhar constantemente aquela zona para que o inimigo não tivesse nenhuma progressão no terreno. Havia um campo de minas e todos os dias íamos lá para ver se tinha acontecido alguma coisa. O certo é que os guerrilheiros do PAIGC nunca foram ao pé do arame farpado para nos atacarem”, lembra. “Mas desde a fronteira eles disparavam mísseis [ foguetões 122 mm] e nós respondíamos com os velhos obuses 14, que tinham menos alcance”, sublinha.

“A 1ª companhia foi para Paunca e a 2ª para Bajocunda e nós tínhamos de ir abastecê-las. Foi numa dessas alturas que passei o primeiro susto e momento aflitivo. Quando íamos para Bajocunda, a 13 de Dezembro [de 1973], foram detetadas várias minas anticarro. Toda a gente se protegeu, ficando só o sapador da CCS – o soldado Fernando Almeida – que as levantou. Repetiu a operação quatro vezes, só que a seguinte foi-lhe fatal”, narra.

“Gritava ele para o alferes Alípio Cunha, dizendo-lhe, satisfeito, que ao levantar a quinta mina já tinha dinheiro para ir à metrópole de férias (a passagem de avião custava cerca de quatro mil escudos – 20 euros) – os sapadores recebiam do Estado mil escudos (cinco euros) por cada mina anticarro que levantassem – mas a mina estava armadilhada com outra antipessoal e rebentou”, prossegue.

“O corpo ficou todo desfeito aos bocados, espalhados pelo mato. Um pé foi cair à minha frente. Juntou-se o que se pôde e ficámos muito impressionados e desmoralizados. Não estávamos assim há tanto tempo na Guiné e já havia uma baixa. A partir daí sentimos que estávamos na guerra a sério”, comenta Frutuoso Ferreira.



No dia 18 de Dezembro houve um ataque inimigo a Amedalai e a 7 de Janeiro [de 1974]  houve em Bajocunda uma emboscada com armas ligeiras a uma coluna que ia abastecer um pelotão que estava em Copá. Morreram dois soldados – Sebastião Dias e José Correia, da 2ª Companhia, que ficaram em cima das duas Berliet destruídas. O pelotão a que pertencia foi escalado para ir lá buscar os corpos e tentar trazer o que restava das viaturas, operação difícil mas conseguida.

Durante o mês de Fevereiro registaram-se várias investidas em Copá e Bajocunda. A 1ª companhia também sofreu ataques e morreram o 1º cabo António Ribeiro e os soldados Rui Patrício, Silvano Alves e José Oliveira.

“Passados uns dias fomos fazer protecção a Sissaucunda, povoação a quinze quilómetros de distância de Pirada, com meia dúzia de palhotas. Cada pelotão permanecia naquele fim do mundo durante um mês. A nossa alimentação era ao almoço arroz com marmelada e ao jantar esparguete com atum. No dia seguinte era quase a mesma e só variava com arroz com salsicha”, conta.

O PAIGC quis juntar-se à "festa” e no dia 13 de Abril [de 1974]  brindou-os com um ataque de mísseis lançados desde o Senegal. O destino era Pirada

“Vi os mísseis passarem por cima de Sissaucunda e começámos todos a correr para as valas escavadas no chão para nos protegermos. Sentia os mísseis a ‘assobiarem’ por cima de nós e poucos segundos depois a caírem em Pirada. O objectivo deles era atingir o quartel, mas caíram na povoação e mataram muitos civis”, descreve.

No dia 25 de Abril o PAIGC voltou a atacar Pirada e mataram civis africanos, mas “da nossa parte não houve feridos nem baixas”. 

A partir de 25 de Abril de 1974, em virtude das modificações políticas ocorridas em Portugal, “não tivemos mais problemas na Guiné, porque iniciaram-se os contactos e conversações com os chefes da zona, entre as nossas tropas, o PAIGC e a população. Ainda bem que assim foi, porque a guerra estava tão acesa naquele setor, que se tem continuado mais tempo não sei se estaria cá para contar a história”.

“A primeira vez que encontrámos o inimigo já como amigo, na fronteira do Senegal, houve um sentimento estranho. Mas baixaram as armas e começámos a trocar tabaco e bonés”, conta. E adianta: “Passámos o resto do tempo a recolher material bélico e na companhia do PAIGC a fazer propaganda política”.

A 21 de Agosto procedeu-se à entrega de Paunca ao PAIGC. No dia seguinte foi a vez de Bajocunda e a 25 de Agosto seguiu-se Pirada, com a recolha da CCS e da 3ª Companhia a Bissau.

Ainda prestou serviço no quartel-general em Bissau a guardar o palácio do brigadeiro Carlos Fabião, comandante-chefe das Forças Armadas na Guiné. No dia 4 de Setembro, na parada do BCP 12, em Bissalanca, cerca de 500 homens do [BCAV]  8323 uniram-se em formatura geral, “sentindo cada homem palpitar dentro do seu peito a dignidade do soldado português, que enfrentou os perigos de uma guerra dura”, manifesta Frutuoso Ferreira, que regressou a Portugal no dia 12 de Setembro de 1974.

Francisco Gomes (texto)
Texto e foto: Jornal das Caldas
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9512: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (1): O caso de Buruntuma e o ultimatum de Bobo Keita, comandante do PAIGC

domingo, 29 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9415: Em busca de... (180): Cherno Candé, o Fernandinho de Paunca (1973), procura o Fur Mil Gonçalves da CCA 11 (Os Lacraus)

1. Mensagem de Cherno Candé, o Fernandinho de Paunca (1973), com data de 20 de Janeiro de 2012:

Ola sr. Carlos!
Daqui uma vez mais o Fernandinho. Estou e à procura do furriel Gonçalves que aparentemente é de Viseu e serviu na CCAÇ 11 "Os Lacraus de Paunca" em 19773 e nos princípios de 74. Para isso tenho uma foto de um amigo meu que agora está a viver na Austrália. Entre essas pessoas está o furriel Gonçalves.


2. Contactámos o amigo Cherno nos seguintes termos:

Olá caro amigo Cherno
Queria que me dissesse porque anda à procura do meu camarada Gonçalves da CCAÇ 11. Por acaso o Cherno foi um dos miúdos que frequentava o Quartel? O nome Fernandinho foi-lhe posto pela tropa? Que idade tem hoje? Fala de uma fotografia onde está o Gonçalves. É capaz de me mandar a foto digitalizada?
Temos no Blogue poucos camaradas da CCAÇ 11 de 1973, mas pode ser que alguém se lembre dele.

Gostava de saber mais pormenores seus para publicar uma coisa bonita a seu respeito. Se tiver uma foto sua mande também.
Pelo seu endereço nasceu em 1963, é assim? Vive na Guiné-Bissau, em Portugal ou noutro pais estrangeiro?

Fico à espera das suas notícias.
Abraço
Carlos Vinhal


3. A resposta de Cherno Candé foi rápida, assim:

Boa noite sr. Carlos.
Pois é, eu era uns dos miúdos que andava lá no quartel. Na altura chamavam-me Fernandinho. Estive em Portugal há muitos anos, mas agora estou a viver aqui no Reino Unido, concretamente em Belfast - Irlanda de Norte.

Aqui vai uma fotografia onde estou eu e alguns dos furriéis e cabos. Na fotografia, entre os miúdos de pé, eu sou o segundo. Vai aí uma outra fotografia actual, já sou um homem com 48 anos. Vai uma outra fotografia entre esses grupos de pessoas está o furriel Gonçalves.

Caso soubere dele quero contactá-lo, por favor.

Muito obrigado pela atenção
Vai um abraço de Fernandinho.

Cherno Candé, o Fernandinho de Paunca (1973), hoje com 48 anos, a viver em Belfast - Irlanda do Norte

Paunca 1973(?) > Fernandinho será o segundo de pé a partir da esquerda.


Este conjunto de cinco fotos está identificado como sendo do Meireles. Será o tal militar a viver actualmente na Austrália? Será que o nosso camarada Casimiro Carvalho nos poderá ajudar a identificar o Fur Mil Gonçalves?

Fotos enviadas por Cherno Candé - Legendas de Carlos Vinhal
Emblema da CCAÇ 11 da colecção do camarada Carlos Coutinho


4. Comentário de CV:

É sempre com um misto de alegria e alguma nostalgia que recebemos notícias dos nossos meninos guineenses.

Não houve aquartelamento que não fosse invadido por traquinas crianças das tabancas. Ensinavam-nos os seus usos e costumes, prestavam pequenos serviços, recebendo de nós alguma comida e ajuda na execução dos seus trabalhos escolares. A par das nossas lavadeiras, esses fazem ainda hoje parte do nosso imaginário.

Gostaria que se conseguisse ajudar o Cherno Candé a encontrar o seu amigo Gonçalves, ex-Fur Mil da CCAÇ 11 em 1973 que viverá na zona de Viseu.
Desse tempo estou só a ver o camarada Casimiro Carvalho a quem apelamos, sabendo da sua estima pelos nossos irmãos guineenses, para tudo fazer para encontrar o seu camarada Gonçalves.
Casimiro, se eventualmente conseguires identificar alguém nas fotos de quem tenhas os seus contactos, por favor põe em contacto com o Cherno, cujo endereço é chernocande63@gmail.com

Para todo e qualquer camarada que possa ajudar o nosso pedido é válido.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9397: Em busca de... (179): Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798, procura fotos aéreas de Gadamael Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798, procura fotos aéreas de Gadamael

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9269: Camaradas da diáspora (8): José Freitas, ex-Fur Mil, CART/CCAÇ 11, "Os Lacraus de Paunca", Nov 70/Set 72: vive hoje em Sydney, Austrália





Guiné > Zona Leste > paunca > CCAÇ 11 > O Fur Mil Adriano Neto  > "Finais de Junho meados de Julho de 1972, (não tenho a data registada), deixo a CART 3521 e rumo para os chãos de Paunca, passando a integrar a Companhia de Africanos CCAÇ 11, onde permaneci até ao fim da comissão.  Na CCAÇ 11, bem como em todas as Companhias Africanas, todo o pessoal à excepção dos graduados e especialistas, eram de origem Guineense. Com este pessoal contruí uma camaradagem sã, tenho saudades de alguns momentos, pese embora também tenha tido alguns conflitos que pontualmente foram resolvidos. Após a Independência não sei o que lhes aconteceu, mas lamento que possam ter sido abandonados".

Foto: © Adriano Neto (2011). Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Paunca > Abril/Maio de 1974 > CCAÇ 11, "Os Lacraus de Paunca" > Os Furriéis Milicianos J. Casimiro Carvalho, à esquerda, e Cláudio Moreira, à direita... O primeiro, mais novo, veio substituir o segundo, um velhinho dos Lacraus.

Foto: © Cláudio Moreira (2008). Todos os direitos reservados.




1. Mensagem de José Freitas, mais um camarada da diáspora, a viver na Austrália:


 De: José Freitas [mailto:josefreitas@optusnet.com.auu ]
Data: 20 de Dezembro de 2011 20:32
Assunto: Complemento à História da CART 11 Paunca - Guine


Meus Cumprimentos,  Luís Graça

Gostaria de me apresentar: Sou José Freitas,  nasci em Lisboa, vivia na Costa de Caparica na altura da minha incorporação militar.

Sou ex-Furriel Miliciano de Artilharia,  curso tirado na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas. Fiz a minha comissão de serviço militar na Guiné,  entre Novembro de 1970 e Setembro de 1972.

Fui incorporado na Companhia,  CART 11 -  "Os Lacraus de Paunca"  - na Zona Leste da Guiné. Neste período a Companhia era formada por Oficiais, Furriéis and alguns Cabos Especialistas vindos do Continente e soldados recrutados localmente de maioria étnica  fula -  todos sem exceção bons profissionais, meus amigos,  e que os recordo com saudade.

Esta semana descobri (e entrei em) o seu site e gostei muito de ler os depoimentos de Renato Monteiro, Abílio Duarte e J.M. Pereira da Costa, relativos a histórias da CART 11,  "Os Lacraus", no período antecedente à minha chegada à Guiné. Foi bom recordar.

O Abílio Duarte refere que o seu Comandante de Companhia foi o Cap Mil Analido Aniceto Pinto que eu conheci porque quando cheguei a Paunca, em  Novembro de 1970,  ele ainda era o Comandante da Companhia,   esperando ser rendido, o que aconteceu, em Dezembro de 1970 (?),  pelo meu  Capitão Mil Francisco Neves de Almeida,  natural dos Açores.

O  Abílio Duarte, como diz,  acabou a Comissão em Dezembro de 1970,  provavelmente  foi rendido por um Fur Mil  que comigo embarcou para a Guiné e como eu foi colocado em Paunca. Se a memória não me atraiçoa (ai como ela anda ultimamente,  os anos não perdoam e já contam cá 62 lindas Primaveras!) o nome do Fur Mil que fui substituir  na CART 11, em Paunca,  chamava-se Cunha.

Ainda gostaria de informar que,  quando em Setembro de  1972 acabei a Comissão de Srevico Militar e regressei a Portugal,   a Companhia ainda se chamava CART 11, "Os Lacraus de Paunca".

Foi com prufunda tristeza que,  ao ler o artigo de Abílio Duarte,  soube que o/os Governo(s) Portugues(es) após o 25 de Abril 1974,    abandonou(aram) os soldados naturais da Guiné que lutaram a meu/nosso  lado com dignidade e fidelidade.

Enfim por estas, por outras e mais algumas,  estou com a  minha família a viver em Sydney, Austrália,  há 27 anos,  mas nunca esquecendo onde nasci  e o que fui.

Se souberem de algum convívio anual da CART 11/CCAC  11,  informem-me pois apesar de estar longe gosto de ter notícias e quem sabe se for informado antecipadamente estar presente aproveitando umas férias em Portugal.


Muito grato em participar e reviver tempos passados mas nunca esquecidos e sempre à vossa disposição.

José Freitas


PS - Desculpem a falta de acentuação nas palavras mas o meu Computer/Keyboard aqui na Austrália não tem essa facilidade [, teclado português].


2. Comentário de L.G.:


Caro camarada Freitas: 


Sobre CART 11 / CCAÇ 11 temos pelo menos uns vinte postes ou referências, no nosso blogue. Além dos camaradas já citados - Renato Monteiro, Abílio Duarte, J. M. Pereira da Costa, temos entre nós, como membros desta Tabanca Grande que é o nosso blogue,  mais outros camaradas que também foram "lacraus de Paunca" ou passaram por Paunca, como tu: o Adriano Neto, o J. Casimiro Carvalho, o Cláudio Moreira... 


Ficas de imediato convidado a juntar-te a ele e a nós. Basta para tanto mandar-nos duas fotografias tuas, digitalizadas, uma atual e outra do teu tempo de Paunca. Acrescentas,  a isso, uma pequena história de que te lembres.


Em Contuboel, em Junho/Julho de 1969, convivi com a futura CART 11 (mais tarcde, CCAÇ 11)... Já tenho falado aquii do Fur Mil  Renato Monteiro, originalmente da CART 2479 / CART 11, que seguiu para Piche, a nordeste de Nova Lamego (ou Gabu), com os seus africanos, na mesma atura em que nós (CCAÇ 2590/CCAÇ 12) seguíamos para Bambadinca. Estes africanos fizeram a recruta e a instrução de especialidade juntamente com os nossos. Na altura Contuboel funcionava como um centro de instrução militar, tal como Bolama. Nunca mais o tornaria a ver, ao Renato Monteiro. Graças a este blogue,  ele localizou-me em 2005 e acabámos por nos (re)encontrar. 


Como vês, camarada José Freitas, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande! Agora apareces tu, mais um camarada da diáspora, que teve de procurar, infelizmente,  outras paragens para viver e trabalhar fora da Pátria. Imagino quanto seja duro. Mas sei que nunca esquecerás a tua Pátria, por muito madrasta que seja. A ligação ao nosso blogue vai-te ajudar a mitigar a saudade. Ficamos à espera de mais notícias tuas. Um ano de paz e esperança para ti e os teus. 


Luís Graça, fundador do blogue, administrador e editor.


PS - Tens aqui o mapa ou carta de Paunca, escala 1/25000, para refrescares a tua memória, relativamente aos sítios por onde andaste... 
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Nota do editor


Último poste da série > Guiné 63/74 - P9043: Camaradas da diáspora (7): José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, Fur Mil Op Esp, da 16ª CCmds e da CART 1746 (Xime, 1968/69): vive hoje em Austin, Texas, EUA

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9198: Tabanca Grande (311): Adriano Lopes dos Santos Neto, ex-Fur Mil da CART 3521 (Piche) e CCAÇ 11 (Paunca), 1971/74

1. No dia 30 de Novembro de 2011 chegou ao nosso Blogue este primeiro contacto do nosso novo tertuliano Adriano Neto:

Caro Luis,
Desde 2009 que sou um visitante assíduo do blogue criado e editado pela tua pessoa.
Também como combatente, de 29/12/1971 a 22/01/1974, vivi nessas terras da Guiné, minutos, horas e dias que pareciam não mais ter fim.

Chegou o dia de também querer fazer parte dessa Tabanca Grande, para tal gostava de saber; como e o que devo fazer para me registar no blogue.

Aguardo com expectativa a tua resposta.
Um abraço
Adriano Neto
Ex-Furriel Miliciano


2. No dia 4 de Dezembro foi enviada resposta ao nosso novo camarada:

Caro camarada Neto
Muito obrigado pelo teu contacto e por seres nosso atento visitador.
Chegou a hora de te juntares a nós e de contares à tertúlia as tuas memórias e mostrares as tuas fotos.
Que precisamos?
Manda uma foto tua do teu tempo de Guiné e outra actual, de preferência tipo passe, para encimarem os teus postes.
Diz-nos o teu antigo posto, especialidade, Companhia e Batalhão se for o caso, datas de ida e volta, os chãos que palmilhaste e outros pormenores que julgues que possamos saber de ti.
Escreve para já uma pequena história de apresentação sobre ti ou sobre a tua unidade, junta alguma foto se tiveres. Não esqueças que as fotos devem trazer sempre a respectiva legenda para sabermos quem está nela, local, situação, etc.

A tua correspondência dever ser sempre enviada para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e para um dos editores, a saber:
Carlos Vinhal - carlos.vinhal@gmail.com
Eduardo Magalhães - magalhaesribeiro04@gmail.com

Vamos então ficar à espera do teu novo contacto.
Recebe desde já um abraço em nome dos editores.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal


3. No dia 12 de Dezembro recebemos este mail do nosso camarada Adriano Lopes dos Santos Neto, ex-Fur Mil da CART 3521 (Piche) e CCAÇ 11 (Paunca), 1971/74:

Camarada Luis,
Obrigado pela rápida resposta.
Passo à apresentação:

Adriano Lopes dos Santos Neto
Posto - Ex-Furriel Miliciano
Especialidade - Atirador de Artilharia
Companhia - CART 3521 e CCAÇ 11

Depois de ter terminado a 26 de Junho de 1971 o 2.º ciclo de Sargentos Milicianos de Artilharia (Atirador de Artilharia) na EPA Vendas Novas, fui colocado no GACA 2 Torres Novas. Foi nesta Unidade que me chegou a informação do destino africano que me foi atribuído.

Em Agosto/Setembro foi-me passada a guia de marcha para o RAP 2, Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia, cujo objectivo seria a formação da CART 3521 e a preparação para o melhor desempenho nas bolanhas da Guiné. Tudo isto se passou até 21/12/1971.

No dia 22/12/1971, depois de cumpridas todas as formalidade que eram obrigatórias, eu bem como todo o pessoal da CART 3521 e do BART 3873, fomos metidos no navio NIASSA rumo à Guiné, onde chegámos no dia 29/12/1971.

A CART 3521 não fazia parte do BART 3873, pois foi formada e mobilizada como uma Companhia Independente, contudo, se a memória não me falha, logo que chegámos a Bissau o destino foi o mesmo, apanhar uma LDG direitinhos a Bolama onde durante um mês fizémos o IAO.

Findo o IAO e de novo de LDG, à data o melhor meio de transporte, rumámos até ao Xime. Daqui o BART
3873 seguiu para Bambadinca e a CART 3521 para Piche, onde passa a fazer o seu Quartel General.

Como já disse, a CART 3521 foi mobilizada como uma Companhia Independente (intervenção), deste modo estava à disposição do Batalhão de Piche e Nova Lamego, sendo o Leste toda a nossa zona de acção, melhor dizendo, estaríamos onde fosse preciso.

Foi assim que de Piche efectuámos colunas, operações, patrulhas nas zonas de Buruntuma, Canquelifá, Nova Lamego, Bafatá, etc, etc., não esquecendo a segurança diária à Tecnil (empresa que construía a estrada para ligar Piche a Buruntuma). Foi esta a actividade da Companhia até ao dia em que recebi a informação que iria ser destacado para a CCAÇ 11, Paunca.

Nestes meses árduos e brutalmente desgastantes já a Companhia tinha duas baixas. A primeira por acidente com arma de fogo, a segunda vítima de ataque de abelhas na Operação Topázio Maior, (já identificados pelo camarada Henrique Castro também da Companhia).

Finais de Junho meados de Julho de 1972, (não tenho a data registada), deixo a CART 3521 e rumo para os chãos de Paunca, passando a integrar a Companhia de Africanos CCAÇ 11, onde permaneci até ao fim da comissão. Na CCAÇ 11, bem como em todas as Compahias Africanas, todo o pessoal à excepção dos graduados e especialistas, eram de origem Guineense. Com este pessoal contruí uma camaradagem sã, tenho saudades de alguns momentos, pese embora também tenha tido alguns conflitos que pontualmente foram resolvidos. Após a Independência não sei o que lhes aconteceu, mas lamento que possam ter sido abandonados.

Nos meses em que estive na CCAÇ 11 a Companhia sofreu três mortos, 01/02/1973 Mamadu Embaló, acidente com viatura NT, que ia socorrer o grupo de combate que tinha sido flagelado, 15/06/1973 Boido Baldé e Saliu Baldé rebentamento de minas anti-carro quando faziam a picagem do trilho.

Em Dezembro de 1973 deixei as terras de Paunca e regressei a Bissau, sem mais voltar à CART 3521, Companhia a que pertencia. Para trás ficavam os chãos onde vivi noites e dias de boas memórias, mas também episódios que jamais esquecerei. Apenas vou referir um; não tenho o dia registado, mas de manhã cedo saímos em coluna militar e civíl de Paunca para Bafatá, via Nova Lamego, na ida tudo bem, no regresso e já bem perto de Paunca 2 a 3Km, uma viatura Berliet, penultíma da coluna, bem carregada de sacos de areia, que era comum, e de arroz que tinhamos recolhido em Bafatá, rebenta uma mina anti-carro de uma potência brutal. Eu e os camaradas que seguíamos na viatura saímos ilesos de quaisquer ferimentos, milagre, pois a viatura ficou com o rodado esquerdo literalmente destruído.

Em Bissau aguardei ansiosamente pelo regresso, prometido para o dia 19/01/1974, em vôo da FAP.
No dia 19/01/1974 de manhã cêdo eu e outros camaradas fomos direitinhos a Bissalanca, cêdo porque se podia fazer tarde, para apanhar um Noratlas que iria chegar de Lisboa. Iria chegar mas não chegou! Depois de 2 horas de espera fomos informados que por motivos técnicos não levantou de Lisboa e não se sabia o dia em voltaria a fazer a viagem.

Desespero total, mais tempo na Guiné não, apanhei um táxi popular que só parou em frente aos escritórios da TAP, onde fiz a reserva para o 1.º voo que saísse de Bissau.

Foi assim, pagando a minha viagem, que no dia 22/01/1974 deixei as terras da Guiné com destino a Lisboa, com um desvio e aterragem em Faro por não haver condições na Portela.

Termino com um abraço do tamanho da Guiné, para todos os ex-combatentes da Guiné e um do tamanho do Mundo para a Tabanca Grande.
Ex-Furriel Neto

CART 3521 > Desfile em Bolama no fim do IAO

Tabanca nos arredores de Piche > Trabalho de Psico

Em Piche, sensação de proteção. Estas Chaimites eram temidas pelo IN

Aquartelamento de Canquelifá. Eu do lado direito, Furriel Ribeiro e pretinho que ficou orfão de pais num ataque ao quartel

Burumtuma eu e o Furriel Ribeiro. São visíveis os estragos provocados pelo ataque do IN uns dias antes da nossa chegada. Daí a necessidade do nosso apoio na zona

Capelinha em Buruntuma. Eu depois de um agradecimento à Virgem Maria

Já estou em terras de Paunca, mas não sei o que estou a fazer. Será que vimos da caça!

Em Paunca Natal de 1972. A refeição não é de bacalhau, mas sim leitão preparado pelo pessoal

Paunca > Alguns furriéis da CCAÇ 11. O único que é da Guiné (cabo-verdiano) é o Reis Pires primeiro lado direito


4. Comentário de CV:

Caro Neto, só duas palavras para te dar as boas vindas ao Blogue, a esta Tabanca, ou Caserna virtual, onde o que nos une é muito, porque todos pisámos aquela terra vermelha, atravessámos bolanhas, suamos debaixo do mesmo sol escaldante, sofremos privações semelhantes e deixámos por lá o nosso suor e alguns até o sangue.

Aqui não conta a idade, o sexo, as habilitações literárias ou posição social/profissional. Tratamo-nos todos por tu, porque a amizade e camaradagem assim o impõem. Não impede isto, o respeito e a aceitação da diferença de opinião. Discutir sempre que se julgue oportuno e necessário, evitando o confronto directo e de tom agressivo e provocatório.

Esperamos a tua regular colaboração de acordo com a tua disponibilidade.

Em nome da tertúlia e dos editores, deixo-te um abraço de boas vindas.
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9194: Tabanca Grande (310): Luís Gonçalves Vaz, professor, filho do Cor CEM Henrique Vaz (1922-2001)