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domingo, 11 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5095: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (9): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas III

1. Esta é a 9ª fracção das memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. A série é iniciada nos postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995, P5027, P5047 e P5056.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

ROTINAS PERIGOSAS III

Em início de Setembro a Companhia mudou para Camamudo/Cantacunda, eu fiquei em Camamudo, para passar mais dois meses de descanso bem merecidos.

Em Camamudo, o tempo era passado a jogar à bola, ir à caça, visitar as belas bajudas nas Tabancas e patrulhando o sector, com a finalidade de verificar, junto das populações, se haviam avistado alguém desconhecido por ali e se necessitavam de alguma coisa.

À vinda trazíamos umas galinhas para o pessoal comer, se estas dessem para preparar uma refeição para o pessoal todo, caso contrário destinavam-se a petisco. Como petisco sempre nos proporcionavam o acompanhamento com umas cervejas.

Em Novembro, voltamos novamente para o sacrifício de Banjara, onde, psicologicamente, era penosa a estadia, não pelos ataques do IN (pois felizmente nunca se lembraram de “aparecer” enquanto fizemos as nossas estadias nestas paragens), mas sim pelo isolamento do resto do mundo e pela fome que passávamos.

Os géneros alimentares só chegavam de mês a mês. Quando chegava uma coluna antes da passagem de um mês, já sabíamos que tínhamos em perspectiva mais uma operação, que regra geral se destinavam à procura, na nossa ZO (com prioridade para a região de Sinchã Jobel), de novas Tabancas construídas sobre o domínio do IN e, pela habitual rotina de verificação do estado de coisas (se tudo estava como dantes).

Nos finais de Novembro, fomos reforçados por um pelotão da CCAÇ 1588 e mais uns “periquitos” recém-chegados da Metrópole, que foram logo mandados para Banajra (capital do Oio).

Todos nos entrosamos e convivemos bem, sabendo à partida que estávamos metidos no mesmo barco e só com o sacrifício e a calma de todos, acabaríamos por sair bem daquele complicado conflito.

A prova de que tudo rolava bem, é que todo este pessoal novo rapidamente se adaptou ao modo de vida, ali no meio do mato, isolados de tudo.

Chegou mais um Natal novamente em Banjara, estávamos perto do final do mês e como sempre nestas ocasiões, praticamente já não haviam géneros alimentares, restando-nos apenas o pão e a sopa rançosa (devido à banha de porco com que a cozinhavam) e, à qual, era preciso acrescentar sumo de limão para se enganar o paladar e, assim, se poder tragar.

Um dia antes do Natal, tivemos uma surpresa agradável, pois vimos a avioneta de reabastecimento a sobrevoar Banjara e, esta, sempre era o prenúncio que íamos ter carne para o tacho.

O problema é que o pessoal da avioneta não se aventurava a descer muito perto do solo, visto ser muito perigoso ao tornar-se um alvo fácil para o IN, e, sendo assim, deixavam cair o correio e a carne, que se desfazia toda no impacto com o chão.

Naturalmente, era melhor do que nada e passamos então mais um Natal melhorado, em relação dias restantes.

Chegou a passagem de ano, numa noite linda onde o luar brilhava. Muita cerveja e whisky deslizou pelas gargantas abaixo. Nem precisávamos de copos pois todos bebiam pelas garrafas. Cantávamos o fado e tudo o que vinha à mente. A certo momento, já era o whisky que cantava e não nós.

Por volta da meia-noite o alferes do outro pelotão veio cá fora mandar calar o pessoal. Eu como era o “periquito” mais antigo, já muito tarimbado na Guiné e farto desta irritante e inesperada situação (que ainda hoje não esqueci), exclamei virado para ele: - «“Periquito” vai dormir e fazer companhia ao Alferes Soeiro.» - que era o meu comandante de pelotão.
Então ele avançou para nós, continuando a mandar-nos calar.

O pessoal dele foi-se embora, mas eu estava ali, em pleno convívio com o meu pessoal, e continuei a beber mais algumas cervejas até cair para o lado. Ainda hoje não sei como fui para à cama, se fui levado por alguém, se fui a pé ou a rastejar.

Esta foi a segunda vez que fiquei etilizado, mas desta vez fiquei pior do que da primeira, não sei se foi pelo festejo do dia em questão, se o fiz para esquecer a tristeza de estar mais um ano longe da mulher e do filho (que nem sequer ainda conhecia), ou por tudo junto.

Sempre pensei que um dia as saudades chegariam e teria que as evitar.

No dia a seguir era a rendição, quando acordei fui tomar um banho para refrescar a os pensamentos e tomar um café.

Perguntei aos furriéis se estavam com medo do alferes e ninguém me respondeu.

Até que entram na sala os alferes, dando-nos os bons dias, ao que nós retorquimos do mesmo modo. Todos se sentam à mesa sem qualquer comentário ao que se havia passado.

Levantei-me e chamei à parte o meu alferes, contando-lhe os acontecimentos da véspera.

O meu alferes disse-me simplesmente: “Não passe cartão!

Fui então preparar a mochila e enrolar o colchão, porque, de dois em dois meses, éramos como os ciganos, mobília as costas e arrancar para outras bandas.

Banjara (Dezembro de 1966) O alferes e o furriel da CCAÇ 1588 (reforço à minha Companhia), em cima do meu abrigo subterrâneo

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Foto: © Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5056: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (8): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas II

1. Esta é mais uma pequena porção das memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Esta é a 8º fracção desta sua série, dando assim continuidade aos postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995, P5027 e P5047.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

ROTINAS PERIGOSAS II

Nos finais de Julho, mais uma operação foi posta em acção no terreno, em Banjara.

O caminho era sempre o mesmo seguindo pelas proximidades de Sinchã Jobel. Saímos de madrugada, passamos por Tumania, Bantajã e Belel, sem nada de anormal ter acontecido.

Como sempre tinha acontecido, até àquele momento, só no regresso é que eram elas.

Atravessamos a bolanha, que nesta altura tinha muita água, num cruzamento através de uma grande clareira e seguimos em frente por uma pequena subida. Naquela ZO não haviam grandes subidas, entramos no mato denso e logo à esquerda dentro do mato viam-se, mais ou menos bem camufladas, umas palhotas.

Entrei por elas adentro, de rompante, acompanhado pelo pessoal da milícia, efectuando alguns disparos, para um e o outro lado, sem quaisquer consequências práticas, pois não se via vivalma por ali.

Os soldados da milícia começaram a queimar as palhotas e a destruir grandes quantidades de arroz, que por ali encontraram. Olhei em volta e não vi o resto do pessoal da minha companhia, à excepção de um soldado, que ficou comigo, bem como a Milícia que era comandada pelo Alferes Braima, de 2ª linha.

Ordenei então o regresso, mas o Braima disse-me: “Não, vamos em frente!”

O rádio não captava nada e pensei para mim: “Que vou fazer, em frente? Sou maluco mas não tanto!”.

De repente ouvi umas rajadas distantes.

Voltei-me para o Braima e disse: “Aqui quem manda sou eu!”

Era puro suicídio seguir em frente, apenas armados com duas G3 e uma Mauser.

- Vamos para trás! – disse eu.

O Braima lá obedeceu, mais ou menos contrariado, e chegamos à picada donde tínhamos saído.

Chegados à picada, consegui entrar em contacto com o capitão, que me mandou emboscar junto a bolanha. Desloquei-me para lá com o pessoal disponível e pouco tempo depois o capitão voltou a contactar-me, dizendo-me que regressasse ao local onde tínhamos acabado de queimar as palhotas. Recomendou-me que tivesse muito cuidado, quando lá chegássemos, em virtude de eu estar rodeado de nativos e podermos ser confundidos com os “turras”, o que, logicamente, não seria muito saudável para nenhum de nós.

Disse-lhe que todo o pessoal estava dentro do mato e apenas eu ficava junto da picada, por isso logo que os avistasse os avisaria da nossa posição.

Assim foi, e quando o capitão chegou junto de mim, contei-lhe o sucedido, ao que ele respondeu, que só eu e os milícias, é que atingimos o objectivo, pois ele tinha sido informado, por uma avioneta que nos sobrevoava, que o objectivo tinha sido destruído.

Regressamos a Geba percorrendo o mesmo percurso, atravessamos a bolanha e quando todo pessoal saiu para fora da água, seguimos por uma clareira subindo um pequeno declive e entramos na mata. Caímos aí numa emboscada, iniciada com o rebentamento de granadas de mão, seguida de várias rajadas de metralhadora. Deixei-me cair de costas na picada e rebolei para junto de dois soldados, que estavam atrapalhados, tentando reparar as suas armas que estavam encravadas.

Dei uma rajada única com a minha G3 em direcção de onde provinham os disparos do IN, larguei a minha arma e peguei nas 2 que estavam encravadas. Utilizando a “técnica” de bater com as coronhas contra uma árvore, acreditem que consegui, com este simples “truque”, que elas ficaram operacionais.

Uns dez ou quinze minutos depois tudo se calou por minha ordem. O capitão ligou-me, via rádio, perguntando-me se havia problemas, ao que eu respondi que estava tudo bem pois não haviam feridos. Mandou-me prosseguir a marcha até Banjara. Nada mais de irregular se passou no regresso a Geba.

Mais uns dias de descanso, em serenos passeios como habitualmente pela Tabanca, bebendo umas cervejas fresquinhas com uns petiscos e jogando à bola.

Como o descanso não podia durar sempre, seguiram-se mais umas patrulhas, agora fora das áreas do nosso controlo, para verificação se as localidades abandonadas se mantinham nesse mesmo estado.

Numa dessas patrulhas, fomos surpreendidos por uma grande jibóia, da qual só me lembro de ver um soldado da milícia, suspendê-la pela cauda e a “desgraçada” serpenteando para se tentar libertar, o que acabou por conseguir, determinando assim o seu fim, pois o soldado deu-lhe com a Mauser na cabeça, até ela morrer.

Após mais uns dias de folga, um dia de manhã, o Alferes chamou-nos comunicando-nos que a seguir ao almoço íamos sair, sem nos dizer o destino. Eu ficava fulo com estas decisões. Fomos levantar “ponchos” e rações de combate, e ficamos prontos para sair.

O nosso Capitão ficou no aquartelamento, e foi o Alferes Pimenta (mais antigo que o meu Alferes) a comandar a coluna. As viaturas deslizaram parada fora, sem sabermos com que destino, seguindo em direcção a Sare Banda (deduzi que íamos para Sare Dembel) e em Banjara paramos. Mandaram-nos apear, já com a Milícia pronta, contornamos o arame farpado em direcção da bolanha, por onde já tínhamos ido uma vez. Atravessamos a bolanha, dirigidos para Sare Dembel e, aí chegados, voltamos à direita, parando a uns cem metros.

Como o sol já se estava a pôr, comemos uma ração de combate e montamos uma emboscada. Estávamos todos molhados, pois chovia torrencialmente e aí ficamos toda a noite. Quando parava de chover, surgiam os malditos e indesejados mosquitos que não nos deixavam em paz. O dia nunca mais chegava. Finalmente rompeu o dia e o IN sem aparecer.

O Alferes Pimenta, que tinha o curso de minas e armadilhas, colocou diversas armadilhas em todas as picadas, a algumas centenas de metros da bolanha e à entrada da mesma. Colocou algumas no meio da bolanha e nos troncos das palmeiras.

Após estas tarefas regressamos novamente a Geba.

Como já andava a sentir umas dores intestinais à uns dias atrás, fui ao médico a Bafatá. Ele suspeitou que fosse apendicite e aconselhou-me a ir a uma consulta ao Hospital Militar de BISSAU.

Pedi uma guia de marcha, e uns dias depois, já autorizado, segui para BISSAU de avião.

No dito hospital fizeram-me exames radiológicos e análises, mas nada se registou de anormal.

Fiquei mais descansado, e passei a recuperar o tempo “perdido” no hospital, a circular pelos bares de BISSAU, saboreando umas apetitosas ostras acompanhadas por umas deliciosas cervejinhas, até acabar o dinheiro.

De tal modo gastei o “cacau” que tinha, que nem para pagar as refeições na messe em Santa Luzia ficou algum. Tive que pedir emprestado a um Furriel de Chaves (que estudava na referida cidade), e, logo que cheguei a Geba, enviei-lhe a importância em questão.

No hospital deram-me “alta” e passada uma semana tive de regressar a Geba. Como não havia lugar no avião, tive que me desenrascar na Bor até Bambadinca, rio Geba acima, que me compensou com um grande e belo espectáculo da natureza, que foi ver os ninhos de várias espécies de aves, nas árvores, ao longo das margens do rio.

Chegado a Bambadinca, foi difícil arranjar boleia para Bafatá, até que soube de uma viatura que se deslocaria para lá. Pedi para me levarem Geba, pois era mais fácil para mim, dado que a nossa oficina mecânica estava aí instalada. Com um pouco de boa vontade deixaram-me finalmente em Geba.

Em finais de Agosto, mais uma operação foi preparada para a zona operacional mais perigosa da companhia, situada a sul de Banjara.

Previamente, foram tomadas todas as medidas de segurança e, manhã cedo, arrancamos a caminho do objectivo. Aparentemente tudo se encontrava normal, tal como dantes sem população, e o que nós havíamos destruído assim continuava… destruído.

Regressamos, mais uma vez “provocatoriamente”, pelo mesmo itinerário, e, pela primeira vez, chegamos a Banjara sem que o inimigo nos tivesse criado qualquer tipo de problemas.

Foi bom, visto que bem precisávamos de descansar psiquicamente, da tensão e do cansaço das diversas patrulhas e operações.

Chegados a Geba, ainda de dia, ficamos também, por este motivo muito satisfeitos, pois de noite o trajecto era muito mais perigoso.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Imagem 1: © Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
Imagem 2: © Jornal do Exército - Anos 60 (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

sábado, 3 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5047: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (7): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas


1. Continuamos a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 7º poste desta sua série, continuando os postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995 e P5027.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

Rotinas perigosas

Passados oito dias, sobre a terrível morte do nosso Camarada Fur Mil Tomé, fomos rendidos pelo 3º. Pelotão e seguimos para Geba. Aí todos nos perguntavam como tinha acontecido a morte do Furriel Tomé, ao que nós respondíamos que não tínhamos visto, e que apenas sabíamos que tinha caído numa armadilha.

O nosso 1º Sargento tinha abordado os Oficiais e Sargentos dos outros destacamentos próximos, para saber se eles colaboravam no pagamento das despesas do envio do seu corpo, para a Metrópole, e todos concordaram em ajudar.

O meu pelotão, como não podia deixar de ser, também concordou unanimemente em participar. Não me lembro quanto me tocou a mim.

Foi pena esta amostra de solidariedade e camaradagem não ter acontecido também com o soldado condutor, que faleceu, por afogamento, num despiste de uma viatura à entrada da ponte sobre o rio Geba. A viatura caiu ao rio tendo o infeliz condutor ficado preso e submerso, resultando ainda deste infeliz acidente vários feridos, com maior ou menor gravidade. Os restos mortais deste nosso Camarada, ficaram enterrados no cemitério de Bafatá.

O tempo em Geba era passado em passeios às voltas pela Tabanca, jogos de futebol e deslocações, de vez em quando, até Bafatá (quando é claro não haviam operações).

Em meados de Julho o IN atacou Sare Banda, por volta das dez horas da noite, já alguns soldados estavam deitados. Tivemos que nos levantar rapidamente, agarrar no equipamento necessário e saltar para cima das viaturas.

A coluna arrancou a grande velocidade e, quando nos aproximamos de Sare Banda, apeamo-nos das viaturas e desligamos os faróis. Com os olhos de “gato” atilados (como vulgarmente lhe chamávamos), avançamos à frente das viaturas com todas as precauções, porque ainda se ouviam alguns disparos.

O nosso capitão mandou então lançar algumas morteiradas nas direcções de onde o IN atacava a população, mas como não se levou o prato de assentamento do morteiro, o 1º Cabo tinha medo de segurar no dito tubo durante os disparos, pelo que, tive de ser eu a pegar-lhe e explicar-lhe como se devia fazer.

Conforme o tubo se ia enterrando com os sucessivos disparos, eu mudava-o de lugar e continuamos a enviar morteiradas, enquanto penetrávamos em Sare Banda. Montamos a segurança necessária em volta do arame farpado, enquanto o nosso capitão se inteirava da situação. Viam-se moranças incendiadas e alguns feridos. Tudo se calou à ordem do capitão.

Ao romper do dia fez-se o reconhecimento em volta do arame farpado, vendo-se apenas uns rastos de sangue nas redondezas e vários cortes no arame farpado.

Além disso, só constatamos alguns feridos ligeiros entre a população.

Findo o reconhecimento regressamos a Geba.

Três ou quatro dias depois de Sara Banda ter sido atacada, o meu Pelotão e uma Secção do 3º Pelotão, sob as ordens do Furriel Vaqueiro, saímos de Geba em diversas viaturas, e seguimos em direcção a Sara Banda, onde nos apeamos e fomos reforçados com uma Secção de Milícia de Sara Banda.

No dia seguinte, ainda cedo, arrancamos na direcção de onde tinham sido detectados rastos do IN. Seguimos até à bolanha e, depois de a atravessarmos em Sare Dembel, viramos para a esquerda. O mato era cada vez mais denso e de alto porte. Uns quilómetros à frente os guias e a milícia pararam.

Como eu ia logo atrás perguntei o que é que se passava, ao que eles me responderam que haviam visto uma armadilha. Depois de se tomarem todas as precauções e medidas de segurança, o capitão incumbiu-me da missão de ser eu a levantar a armadilha, em virtude de o furriel de Minas e Armadilhas do meu Pelotão, ter morrido em Junho.

Mandei distanciar todo o pessoal e fiquei sozinho, a armadilha era constituída por uma granada defensiva, que estava camuflada dentro da vegetação e com acesso difícil. Assim, tive que rastejar de costas, por debaixo dos ramos, até lhe chegar, muito lentamente. Virei-me com cautela, agarrei a granada e, ao mesmo tempo, a respectiva cavilha de segurança saltou. Como eu tinha a alavanca presa com a mão, não houve problema algum. Ainda tive algum receio ao introduzir a cavilha no seu lugar, mas, logo que o consegui, foi só enrolar o fio em volta da granada e metê-la no bolso.

Continuamos a marcha e um quilómetro ou dois adiante, outra armadilha foi avistada numa zona de fraca vegetação, no meio de uma grande clareira e mais uma vez o capitão ordenou que eu a desmontasse. Desta vez tudo foi mais facilitado, em virtude de o local se encontrar desprovido de vegetação e a granada estar instalada numa cova, no meio do capim, que ali era muito rasteiro. O fio encontrava-se elevado por meio de duas ganchetas, dum lado e do outro da picada, tive que agarrar na granada, enrolar o fio em sua volta e metê-la no outro bolso.

Comecei a pensar que estava sempre pronto para todo o serviço.

Continuamos a marcha sem encontrar sinais do IN, até que surgiram pegadas frescas e bocados de fruta deixados na picada. Entramos novamente no mato denso, pelo meio de árvores de grande envergadura. Quando todo o pessoal estava dentro da mata paramos, foi instalada a segurança, e fizemos uma pequena reunião com o capitão, o alferes e os furriéis, sobre as cautelas a tomar em virtude dos rastos avistados, porque sabíamos que o IN deveria estar por perto.

Estávamos nós ali reunidos em pé, no meio da picada, eu de frente para os restantes e eis que surge um elemento do IN, a uns trinta metros numa curva, em direcção a nós. Farda amarela, chapéu redondo da mesma cor, uma arma a tiracolo e com a cabeça baixa fixando o solo.

Quando eu tentei tomar posição de tiro, para lhe apontar a minha arma, o capitão e os outros como estavam à minha frente, ficaram surpresos e sem reacção, porque não sabiam o porquê da minha atitude. De repente o elemento IN desapareceu no meio do mato, penso que eles nem o viram.

Disse eu então: “Um terrorista”.

O capitão mandou-me disparar uma bazucada.

Continuamos o nosso avanço em direcção de onde ele havia surgido, que era a nossa direcção para Sinchá Jobel, da qual estávamos já muito perto. Quando desfizemos a curva, seguia-se uma grande recta, mas nem sinais do IN. No final da recta o capitão mandou a secção do Furriel Vaqueiro ficar para trás, emboscada no mato, para nos proteger se o IN viesse atrás de nós.

A uns cem metros aproximadamente, haviam umas grandes palmeiras e água corrente, pelo que aproveitamos para matar a sede, encher os cantis e descansar um pouco à sombra das mencionadas árvores.

Em frente havia uma grande clareira e em volta desta muitas bananeiras. O capitão estava a falar com os guias sobre qual a melhor direcção a tomar. Eu desloquei-me mais para a frente.

O IN, sem o sabermos, estava um pouco à frente das nossas posições, num pequeno declive espiando-nos, e ao aperceberem-se de quem era o nosso comandante (porque um guia inadvertidamente pronunciou o seu posto), lançou duas granadas de mão, uma na direcção do capitão e outra na minha, iniciando o ataque com rajadas de metralhadoras.

O nosso pessoal respondeu de imediato com disparos de G3 e morteiradas, durante uns dez minutos aproximadamente e o IN retirou sem deixar rasto.

Do nosso lado registaram-se dois feridos ligeiros, atingidos por estilhaços das granadas, um soldado da Milícia que estava junto ao Capitão, que ficou ferido num braço, e um soldado dos nossos que estava junto a mim. Felizmente, a mim, valeu-me estar a passar junto a uma árvore de grande porte, que me protegeu do rebentamento e dos estilhaços.

Comunicou-se com o Furriel Vaqueiro, para avançar ao nosso encontro e continuamos na direcção de onde vieram os disparos, uma grande clareira onde se viam muitos rastos no capim. Passamos a clareira e entramos numa bolanha profunda, como a água nos dava pelo peito, os mais baixos seguiam agarrados a uma corda, que tínhamos levado connosco. Mais uns quilómetros e avistamos as viaturas à nossa espera.

Regressarmos então a Geba, sem mais nada acontecer.

Mais uns dias de descanso, passeios pela Tabanca, jogos de bola, comer uns petiscos com umas cervejas a acompanhar e ir até Bafatá, visitar os meus conterrâneos - os irmãos Teixeira -, sendo que o mais velho, tinha uma drogaria em frente ao quartel e o mais novo, que tinha sido proprietário do restaurante “A Transmontana”, estava casado com a professora - D. Armanda Chaves -, da minha freguesia.

1 - Tampa Superior
2 - Tampa de Papelão
3 - Tampa da espoleta
4 - Eixo do percursor
5 - Mola
6 - Percussor
7 - Leather circlet
8 - Ranhuras de encaixe
9 - Corpo de conexão
10 - Pavio
11 - Segunda espoleta
12 - Detonador
13 - Primeira espoleta
14 - Parafuso
15 - Pino
16 - Alavanca
17 - Vista interna

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Imagens: © Wikipédia (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4995: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (5): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O meu Bura… ko em Banjara!

1. Continuamos a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 5º poste desta sua série, continuando os postes P4877, P4890, P4924 e P4948:

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

(Continuação)

Começando as escavações para o abrigo subterrâneo da minha Secção.
Da esquerda para a direita: Valter, Paixão, 1º. Cabo Manuel (mais conhecido pelo Cabo lateiro), o Autor, Leonel, Sold Condutor Santos, Guerreiro e 1º Cabo Vitorino.

Mais uma saída com passagem por Tumania. Tudo como dantes nem população vimos. Enveredamos pela picada à direita, em direcção a Sambulacunda. Uma vez ali chegados cercamos a tabanca, mas, mais uma vez, não vimos qualquer nativo.

Teriam com certeza sentinelas bem atentos, pelo que, apenas encontramos um deficiente locomotor que ali havia ficado.

Como a fome apertava comemos mandioca crua, após o que seguimos em direcção a Bantajá, onde entramos e, mais uma vez, nem populares vimos.

O pessoal foi distribuído por sectores nos arredores da tabanca e alguns dentro da mata, para observarem se havia algum movimento suspeito.

Repentinamente ouvem-se alguns tiros na retaguarda, que foram disparados pelo IN, que tinham trepado para cima de algumas árvores, quando se aperceberam da nossa presença.

Felizmente sem consequências para a nossa tropa. O Zé, soldado nativo, foi o único que os viu, mas com a velha Mauser não pôde fazer nada, só o ouvia a dizer: “Se eu tivesse uma G3 matava-os!”.

Mais tarde regressamos normalmente a Banjara.

Continuamos as escavações. Chega o dia de Natal e ofertaram-nos vários aerogramas amarelos e um isqueiro a cada um. Na noite de consoada comemos costeletas com batatas, bebemos uns copos e cada um regressou ao seu sector.

Depois das escavações, fomos cortar diversas palmeiras, ao lado do pontão e transportamo-las às costas até à estrada, onde estava uma viatura. A ideia era levá-las para o destacamento e colocá-las em cima do abrigo (à laia de tecto), abrimos uns tantos bidões vazios, endireitamos as chapas e colocamo-los em cima dos troncos, após o que cobrimos tudo com uma grande camada de terra compactada, para o tornar mais sólido, protegido e seguro, contra eventuais ataques do IN.

Concluído o abrigo que servia de dormitório e tinha capacidade para catorze ou quinze pessoas, que assim deixaram de dormir nas tendas de campanha, seguiu-se a inauguração efectuada pelo Alferes Soeiro - Comandante do meu Pelotão.

Este abrigo, mal ou bem, serviria até a casa ser reconstruída.

Continuamos as nossas acções, montando emboscadas na estrada Mansoa - Bafatá para segurança das colunas que por ali passavam.

Em Janeiro de 66, apanhei uma infecção nas virilhas que mal podia andar. O enfermeiro comunicou o sucedido ao capitão, e disse-lhe que eu tinha de ir ao médico a Bafatá. Tal só possível no dia 21, porque só nesse dia é que houve uma coluna. Lembro-me exactamente deste dia, porque foi precisamente o dia em que nasceu o meu filho.

O telegrama chegou a Banjara e eu parti sem que ninguém me o tivesse entregue com a outra correspondência. Esta é uma das consequências da guerra.

Fui ao médico, que me receitou uns medicamentos, tratamentos e repouso em Camamudo. Sobre o nascimento do filho nada. Todos os dias pedia ao radiotelegrafista que ligasse para Geba e perguntasse se tinha algum telegrama. Nada!

No dia 27JAN65, voltei ao médico a Bafatá. O condutor disse-me que se a consulta fosse antes da chegada do avião, íamos ao aeroporto buscar o correio para o destacamento.

A consulta foi mesmo antes e lá fomos nós. Separamos o correio por destacamentos e quando estávamos a ordenar o nosso, diz-me o cabo: “Meu furriel tem aqui uma carta para si.”

Era a certidão de nascimento. Então não é que esta me chegou primeiro, do que o telegrama em que me era comunicado que eu era pai! Vim depois a saber que o telegrama tinha ficado em Banjara e nunca me chegou às minhas mãos.

Foi um dia de festa, para mim e para a rapaziada, que beberam e festejaram até caírem de cabeça “grande”… como diziam os nativos.

Os dias foram passando e fui-me curando da infecção nas virilhas. Uma bela noite acompanhado pelo Furriel Vargas, fomos dar uma volta pelas tabancas e lembramo-nos de ir para casa do Chefe de Posto, cada um levando uma garrafa de whisky. Conversa daqui, conversa dali, bebemos as duas garrafas e, como fosse pouco, ainda acabamos com meia garrafa que o Chefe tinha em casa.

Com a conversa em dia e bebido o wiskezinho, saímos da casa dele, por volta das duas ou três da manhã. Quando íamos a entrar no destacamento estava o 1º Cabo 147 Alfredo a sair de serviço.

Juntamo-nos os três e fomos fazer uma ronda pela Tabanca do Régulo, porque havíamos visto lá uma luz. Estavam dois miúdos a estudar àquela hora e fizemo-los deitar.

Dissemos então ao 1º Cabo para destapar uns cestos que estavam dentro da tabanca. Sabem o que estava dentro dos cestos, galinhas. Tivemos que torcer o pescoço a três, após o que regressamos, para nos deitarmos a dormir. A “alvorada” foi por volta das dez horas da manhã, porque o 1º Cabo me foi chamar, dizendo que o Chefe de Tabanca ia a caminho do Chefe de Posto, com as 3 cabeças das galinhas nas mãos.

Momentos depois regressou o Chefe de Tabanca. Fui ter com o Chefe de Posto para me responsabilizar pelo pagamento das galinhas e pedir desculpa aos lesados. A resposta deste foi: “Nem pensar o culpado fui eu e está tudo resolvido.”

Não foi preciso eu fazer mais nada. À tarde fez-se uma petiscada onde apareceu também o Chefe de Posto. Ao fim de mais umas cervejas… nova cabeça “grande”.

Era assim a vida em Camamudo, passear pelas Tabancas, psico aos nativos, levar medicamentos para os doentes mais necessitados e receber uns ovos e galinhas em troca.

Quando não tínhamos nada para oferecer… pagávamos a mercadoria com escudos, ou pesos.

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: © Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

1 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4890: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (2): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Escolta a barco para Farim

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4924: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (3): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação em Mansoa

14 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4948: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (4): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Sector de Bafatá/Op. AURORA