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sábado, 2 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24906: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIX: alferes graduado na CCAÇ 21, combatendo no Leste (pp. 261-263)


Imagem da parada de Bajocunda, cedida por Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74). Os dois barrotes sinalizam a entrada na zona aquartelada. O primeiro edifício do lado direito é a cantina. A construção seguinte albergava a secretaria, e a janela mais distante era do gabinete do comando. Nota de José Manuel Matos Dinis (1948-2021), (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), (Imagem publicada na pág. 262 do livro do Amadu Djaló.)


Guiné > Região de Gabu > Carta de Canquelifá (1957) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Copá e  Canquelifá.   A distância entre os dois pontos é de cerca d 11km.  Copá distava da fronteira com o Senegal, pouco mais de 2,5 km. E Canquelifá 10 km.

Infografia publicada na pág. 263 do livro do Amadu Djaló.


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não  lhe permitaram ultimar.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné-Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor;

(xxiii) vamos vê-lo a dar instrução a futuros 'comandos' no CIM de Mansabá, na região do Oio, no primeiros meses do ano de 1973, e a fazer algumas "saídas" extras (e bem pagas) com o grupo do Marcelino, ao serviço do COE (Comando de Operações Especiais), que era então comandado pelo major Bruno de Almeida; mas não nos diz uma única sobre essas secretas missões; ao fim de 12 anos de tropa, é 2º sargento e confessa que está cansado;

(xxiv) antes de ir para CCAÇ 21, como sede em Bambadinca, como alferes 'graduado" (e sob o comando do tenente graduado Abdulai Jamanca, ainda irá participar na dramática Op Ametista Real, contra a base do PAIGC, Cumbamori, no Senegal, em 19 de maio de 1973;  esta parte do seu  livro de memórias  (pp. 248-260) já aqui foi transcrita no poste P23625 (**);

(xxv) no leste, começa por atuar no subsetor do Xime, em meados de 1973.


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIX:

Alferes graduado na CCAÇ 21, 
combatendo no Leste (pp. 261-263)


CCAÇ 21, Bambabinca [1]   As saídas eram constantes, quase dia sim, dia não. E os feridos aconteciam quase sempre que havia contacto com a guerrilha. Um 1º cabo que estava à espera de ser, dentro de dias, graduado em furriel, na 2ª ou na 3ª saída perdeu uma das pernas. Foi em Agosto de 1973, numa saída na Ponta do Inglês [2] .

 Eu, comandante do grupo, era o segundo homem, à minha frente ia o soldado com a bazuca. Tínhamos andado durante horas a corta-mato, até encontrarmos um carreiro. O 1º cabo, que era o comandante da 1ª secção e vinha lá para trás, chamou-me e pediu para parar. Veio até ao pé de mim e, muito baixo, disse-me que estávamos perto do carreiro, que era logo ali em baixo, junto ao mangueiro, e que se via do local onde estávamos. Que a partir daqui era muito perigoso, que tinha sido debaixo daquela árvore, que um cabo africano tinha morrido, quando regressavam da Ponta do Inglês. Quando acabou de me fazer estes avisos foi para a frente, a caminho do carreiro. 

 − Meu alferes, é ali o carreiro, está a ver? 

Deslocámo-nos até ao caminho e vimos que estava a ser muito utilizado. Continuámos muito devagar, com ele à frente distanciado uns passos. Fez sinal para aumentarmos mais a distância entre nós e fomos passando a informação para trás. De um momento para o outro, fomos sacudidos por um enorme rebentamento, logo ali à nossa frente. O 1º cabo  [3] tinha acabado de pisar uma mina anti-pessoal. 

Depois, participámos em numerosas acções na zona da fronteira, em Paunca, Pirada, Bajocunda, Piche, Canquelifá. 

Não conseguíamos passar uma semana seguida em nossas casas, nem participávamos nas nossas festas sagradas, junto das nossas famílias. Porque era nessas alturas que o PAIGC aproveitava e tentava surpreender os aquartelamentos. 

Passámos mais tempo em Canquelifá, porque o PAIGC queria mesmo acabar com o quartel e com a tabanca. Os morteiros de 120 eram em número de cinco e, como tínhamos atacado a base de Cumbamori, no Senegal, perto da estrada Koldá-Zinguinchor, o PAIGC transferiu parte do material do norte para o leste  [4]. 

Copá [5]   e Canquelifá  [6]  passaram a ser considerados os primeiros objectivos do PAIGC. Copá veio a ser abandonada [7]   e o pessoal que lá estava foi recolhido em Amedalai, perto de Bajocunda, com o nosso apoio e dos páras. Depois de Copá,  faltava-lhes conquistar Canquelifá.  

(Continua)
_________

Notas do autor e/ou do editor VB:

 [1] Nota do editor: esteve no  sector de Bambadinca, de 23ju173 a 11ago73 e de 21nov73 a 16dez73, para actuação nas regiões de Mina, Ponta Varela, Ponta do Inglês e Malafo,  e do BCaç 3883;  e no sector de Piche, de 03set73 a 12nov73 e de 07 a 10jan74. 

 [2] Ponta, o mesmo que quinta, propriedade. 

[3]  Esse 1º cabo, de nome Galé, vive em Portugal sem nunca lhe ter sido reconhecido o posto a que os seus camaradas vieram a ascender dias depois. 

[4]  Nota do editor: do sul do Casamance para o leste.

[5]  Nota do editor: a cerca de 4km da fronteira.

[6]  Nota do editor: a cerca de 12km de Copá. 

[7]  Nota do editor: o destacamento de Copá (da companhia de Pirada / BCav8323), depois de três dias de intensas flagelações, foi temporariamente abandonado durante a tarde de 13fev74 pela maioria dos militares da guarnição, que, em fuga se dirigiram para Canquelifá deixando no aquartelamento um furriel e dois ou três camaradas. Na manhã de 14fev74, os militares foragidos regressaram ao seu destacamento que, depois de armadilhado e minado, foi oficialmente extinto em 05abr74 .

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

2. Ficha de unidade: CCAÇ 21

Companhia de Caçadores nº 21
Identificação CCaç 21
Cmdt: Ten grad cmd Abdulai Queta Jamanca
Início: 05jun73 | Extinção: 18ago74

Síntese da Actividade Operacional

Foi organizada, de 05 a 09jun73, no CIM, em Bolama e foi constituída por pessoal natural da Guiné, da etnia Fula, na sua grande maioria já integrante de companhias de milícias, tendo realizado a sua instrução de 11jun73 a 07ju173.

Em 11Ju173, foi colocada em Bambadinca, como subunidade de intervenção e reserva do CAOP 2, tendo colmatado a saída da CCaç 12 nessa função.

Nesta situação, tomou parte em diversas acções, patrulhamentos e escoltas, tendo sido atribuída em reforço de diversos sectores por períodos variáveis e nomeadamente do BArt 3873, no sector de Bambadinca, de 23ju173 a 11ago73 e de 21nov73 a 16dez73, para actuação nas regiões de Mina, Ponta Varela, Ponta do Inglês e Malafo,  e do BCaç 3883, no sector de Piche, de 03set73 a 12nov73 e de 07 a 10jan74, para actuação nas regiões de Cassum, Piai, mata Niji Camassuli, entre outras.

Em 18ago74, foi desactivada e extinta.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 642.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23001: Memórias cruzadas da região de Gabu: as origens do desassossego em Copá e as sequelas da metralha entre o Natal de 73 e 7Jan74 (Jorge Araújo)




Capas de alguns dos títulos consultados


Imagem de satélite da região leste onde ocorreram os factos narrados neste texto.




O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Acaba de encerrar, temporariamemte a Tabanca dos Emiratos, até junho próximo. Tem cerca de 311 referências no nosso blogue.
 


MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DE GABÚ:

AS ORIGENS DO DESASSOSSEGO EM COPÁ E AS SEQUELAS DA METRALHA ENTRE O NATAL’73 E 07JAN74



1. – INTRODUÇÃO

A estrutura deste projecto de investigação bibliográfica, a incluir na série “Memórias Cruzadas”, foi organizada a partir de vários depoimentos existentes no vasto espólio do Blogue da Tabanca Grande, alguns editados há mais de uma década, mas todos eles relacionados com a temática apresentada no título do trabalho, tendo como contexto geográfico a Região de Gabú.

Ainda que em poste anterior tenha feito referência aos acontecimentos de Janeiro de 1974, em Canquelifá, e da morte, no dia 7, do nosso camarada (e amigo) Luís Filipe Pinto Soares (fur mil operações especiais) da CCAÇ 3545 – P16127, de 23Mai2016 – a sua releitura, enquanto efeméride com quarenta e oito anos, e outros factos sublinhados em novas consultas bibliográficas e da sua respectiva análise historiográfica, nasceu o interesse pelo seu aprofundamento, uma vez que estávamos na posse de elementos novos, por nós classificados de evidências irrefutáveis.

Com estas “evidências”, procura-se dissipar eventuais equívocos ou imprecisões identificadas na literatura, produzida e influenciada por cada um dos lados do conflito, cujas capas, títulos e autores se reproduzem abaixo por ordem de apresentação, sobre alguns dos factos aí narrados (que os há!).

Por outro lado, com este desígnio pretende-se, também, ajudar a reconstruir o puzzle das “memórias” do conflito armado naquela Região do Leste da Guiné, em particular no triângulo: «Bajocunda / Copá / Canquelifá», com maior detalhe para os dois últimos locais, onde a “problemática” e a estratégia operacional, entre vizinhos, era semelhante.

O principal período de tempo desta análise é de quinze dias, com início no Natal de 1973, onde ficou ferido, por ter accionado uma mina em Bajocunda, o Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz, Cmdt da 1.ª CCAV/BCAV 8323, até ao dia 7 de Janeiro de 1974, dia da “Acção Minotauro”, realizada em Canquelifá, durante a qual foram capturados, já cadáveres, dois elementos da guerrilha, sendo um cubano e um cabo-verdiano.

De acordo com o acima exposto, nos pontos seguintes daremos conta do que entendemos ser o mais relevante retirado das fontes consultadas, adicionando-lhes outras informações complementares, com recurso à sua triangulação, de modo a melhorar a percepção de todos esses factos, mesmo sabendo-se que todos eles estão a uma distância temporal de quase meio século.


2. – CONTEXTO GEOGRÁFICO, HISTÓRICO E CRONOLÓGICO
IDENTIFICADO NA BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Conforme se dá conta na introdução, este segundo ponto segue a linha de investigação projectada, fazendo interagir, sempre que possível, o tempo dos factos (ocorrências) com o contexto espacial (local) e a identificação dos respectivos actores, individuais ou colectivos.





Deste modo, a contextualização da narrativa tem o seu início no mês de Dezembro de 1973, a poucos dias da comemoração da data natalícia, e como espaço geográfico o triângulo «Bajocunda / Copá / Canquelifá» onde estavam instaladas, nas duas primeiras localidades, forças do BCAV 8323, do TCor Cav Jorge Eduardo Rodrigues y Tenório Correia Martins (29Set73-10Set74) e, na terceira, a CCAÇ 3545, do Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo, unidade de quadrícula do BCAÇ 3883, do TCor Inf Manuel António Dantas (19Mar72-19Jun74).

Na distribuição das Unidades Operacionais do BCAV 8323, sediado em Pirada, a quem competia a responsabilidade do Sector L6, do qual faziam parte os subsectores de Bajocunda, Paúnca e Pirada, coube à 1.ª CCAV, do Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz, o primeiro daqueles subsectores. 

Deste modo, o contexto histórico tem início nos “casos” observados e registados na literatura, com destaque, em primeiro lugar, para a narrativa divulgada no livro «O Princípio do Fim» ( Porto: Campo das Letras),  de Benigno Rodrigo, cujo nome está ligado a forte controvérsia relativamente à origem dos conteúdos por si publicados que, segundo se defende em comentários editados neste Blogue (p.e. os do P3871, de 11Fev2009), são da autoria do soldado condutor auto-rodas, António Rodrigues, pertencente à 1.ª CCAV do BCAV 8323/73.

Outras abordagens sobre a mesma problemática podem ser consultadas no P3995, de 07Mar2009, da autoria de Graça de Abreu, e no P4406, de 24Mai2009, de António Rodrigues.

2.1 – “O PRINCÍPIO DO FIM”, de Benigno Fernando

▬ Algumas notas

Convém acrescentar que para a presente análise o que nos interessa são as informações (substância) produzidas, e estas foram extraídas do P1410, editado em 8Jan2007, fez quinze anos recentemente.




► Neste âmbito é importante reter que os primeiros factos ocorreram “próximo do Natal de 1973": 

(...) Num desses dias o PAIGC atacou a povoação de Amedalai (ver mapa acima), que ficava a 5 km de Bajocunda e a 17 de Copá. A povoação era formada por população civil e pela milícia armada e o ataque aconteceu ao fim da tarde. (…) 

De Bajocunda foram em socorro da povoação três pelotões [GrComb] que provocaram algumas baixas ao PAIGC, sendo forçado a retirar” (p.29). 

Sobre esta última referência, o fur mil serv mat da 1.ª CCAV, Amílcar Ventura, que se encontrava em Bajocunda, afirma, em comentário, ser falso o relato, pois não seria possível saírem três pelotões, ao fim do dia, em socorro de Amedalai, quando, na mesma altura, Bajocunda também estava a ser atacada. “O que fizeram foi lá ir logo de manhã” e verificar os estragos (P1410).

Em 25 de Dezembro, dia de Natal de 1973, pelas 11:00 horas em Copá, o Alferes Mil Manuel Brás, solicita ao sold cond António Rodrigues que o leve até Bajocunda, pois havia recebido uma mensagem que dava conta que o Cmdt da 1.ª CCAV, Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz ficara ferido, desconhecendo as causas do sucedido (Vd. foto 1).

Chegado a Bajocunda, soube-se que nesse dia 25 de Dezembro (3.ª feira), o capitão Ângelo Moreira da Cruz saiu de Bajocunda, com os efectivos necessários para desminar Amedalai (ver mapa). Quando deu por concluído o levantamento das minas localizadas, e no momento em que se preparavam para abandonar o local, um dos militares presentes afirmou: “meu capitão tenho a impressão de que ao pé do senhor está mais uma mina”, E de facto era verdade. O capitão virou o pé ao lado e sem saber accionou a mina que lhe amputou uma das pernas. Terminava nesse momento a sua comissão, que durou apenas três meses no CTIG. Algum tempo depois, viria a ser substituído pelo Cap Mil Cav Fernando Júlio Campos Loureiro.

Os últimos dias de 1973 e os três primeiros de 1974, em Copá, passaram-se relativamente calmos.



Foto 1 – Quartel de Bajocunda, 25Dez1973. Evacuação do Cap Cav Ângelo César da Cruz, Cmdt da 1.ª CCAV/BCAV 8323 (1973/1974), na sequência de ter accionado uma mina antipessoal, ficando sem uma perna (foto do álbum do fur mil Amílcar Ventura – P5002, de 24Set2009, com a devida vénia).






► Colando com o texto anterior, recuperamos agora o depoimento editado no poste acima, da autoria de António Rodrigues, onde começa por afirmar que “chegados ao dia 3 de Janeiro de 1974 (5.ª feira), o dia foi mais ou menos calmo, embora durante a tarde, enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá que, soubemos depois, estrava a ser violentamente flagelada com armas pesadas. (…) 

Porém, eram 23:30 horas em ponto desse mesmo dia aconteceu “o nosso baptismo de fogo”. Refere que o Manuel Vicente Antunes, que àquela hora fazia reforço no seu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que se ouviu um rebentamento. (…)

Continua: “as primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns dois kms de distância, entre Copá e Bajocunda. Elas vinham bastante alternadas, atiravam três morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três, e assim sucessivamente”. 

(…) Entretanto as bombas continuavam a cair. É curioso que a dada altura duas em cada três granadas caíam ali próximas, mas não rebentavam. (…) A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava. 

A nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era, naquela noite, o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitámos em nos mudar todos para o abrigo 1, que ficava ali mesmo ao lado. (…)

Com efeito, “o PAIGC continuava a disparar de dez em dez minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte (4Jan), precisamente no momento em que o luar desapareceu. Foi aí que o primeiro ataque a Copá, desde que lá chegámos (em 25Nov73), terminou… Os guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, cinquenta granadas, mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento”. (…)

Acrescenta que “felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento. (…) Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso (como se veio a provar). 

Passaram-se os dias 4, 5 e 6Jan74, com relativa calma. No dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida. Mas nesse dia veio mesmo a realizar-se só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC”.

Conta o António Rodrigues que “eram cerca das 09:30 horas da manhã, estava ele e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, e, a dado momento, ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio. Lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada. Ficámos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tínhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim o fizemos. Eu (como condutor) peguei no carro imediatamente e regressámos para dentro do arame farpado. Formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, ficando em Copá apenas cinco ou seis homens, um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados africanos”. (…)

Entretanto, do local da emboscada (à coluna que regressava a Copá?) chegava via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido. Havia a registar alguns feridos e dois mortos, sendo estes últimos, o soldado Rui Silveira Patrício, natural de Santa Margarida-Conceição, Concelho da Covilhã e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro, natural de Orca, Concelho do Fundão, ambos solteiros, e fazendo parte do 3.º GrComb da 1.ªCCAV/BCAV 8323.

Para além das duas perdas humanas, verificou-se também a destruição de duas viaturas Berliet e, ainda, do dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro’73 destinado a todos os militares europeus e africanos que se encontravam em Copá (Vd. foto 2).

Foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, onde se incluía os postais de Boas Festas e lembranças enviadas pelos familiares e que, em função da ocorrência, as não puderam receber.



Foto 2 – Estrada Bajocunda/Copá, 07Jan1974. Viatura (Berliet) da 1.ª CCAV/BCAV 8323, destruída na emboscada de 7 de Janeiro de 1974 (foto do álbum do fur mil Amílcar Ventura – P5002, de 24Set2009, com a devida vénia).







Porém, as más notícias desse dia ainda não tinham terminado. Pelas cinco da tarde e com apenas os elementos que haviam ficado no aquartelamento, em cada posto, este voltaria a ser atacado pela artilharia do PAIGC até às 22:20 horas, ou seja, durante mais de cinco horas. 

Sobre este episódio, o António Rodrigues relata que os poucos homens que ali se encontravam “meteram-se nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tínhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta, e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiro 120 e 82, que carregavam sobre nós persistentemente”.

Só cerca das 20:00 horas é que entrou o restante pelotão em Copá, debaixo de fogo, quando a maioria da população, aos gritos, se punha em fuga das suas tabancas, que ardiam, em direcção à República do Senegal, cuja fronteira ficava dali a três quilómetros.

“Juntamente com a população fugiram (ou desertaram) praticamente todos os militares africanos que ali se encontravam em reforço da guarnição, ficando apenas em Copá, naquela noite, um Alferes e um Furriel europeus, que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º GrComb da 1.ª CCAV/BCAV 8323, num total de 29 homens”.

Como a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque, e as nossas munições eram muito poucas, talvez umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60, e pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, vimo-nos forçados a pedir auxílio aéreo a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22:20 horas, altura em que a artilharia do PAIGC parou o fogo. Esta paragem fez supor que, por via do bombardeamento aéreo, o inimigo tinha retirado para o Senegal, que ficava ali muito próximo. Mas o que aconteceu foi exactamente o contrário.

Durante o ataque aéreo, as forças do inimigo no terreno deslocaram-se para junto do aquartelamento, como estratégia, pois ficavam mais seguros e em condições de puderem continuar a perseguir os seus intentos que era a “conquista” de Copá.

António Rodrigues conta que “mal o avião se foi embora, eram cerca das 23:00 horas, começámos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dando-nos a ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo”. (…) “Mas eu, ao ouvir todo aquele estranho ruído, tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia, e decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer”.

E aconteceu… algumas viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá, quando, por volta das 23:50 horas, o ruído se deixou de ouvir, mas por pouco tempo. Bastaram mais vinte minutos para se dar início a “mais um momento terrível naquela noite. Era exactamente meia-noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo”.

Segundo a narrativa, “o inimigo estava a dez metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada. Tinha junto ao arame farpado três secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante uma hora e cinco minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava preparada para disparar (ou a entrar em acção), e assim sucessivamente.

"Para além destas secções de infantaria, tinham um auto-blindado (tipo ZIG russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e, na rectaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado anteriormente (de tarde), encontrando-se esta a cerca de um km, também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo”.

A nossa resposta não tardou, com a utilização da “metralha” disponível, como sejam: dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, disparos dirigidos nas direcções onde se encontravam instaladas as “bocas de fogo In”.

António Rodrigues (foto atual à esquerda) dá o exemplo da “secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado que estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame farpado". 

É, nesta situação que “o meu camarada Manuel Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia-dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas sobre o blindado, que tentava entrar, e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas, que não teriam grande efeito sobre tal viatura, mas o certo é que quem a comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento”.

Era uma hora e quinze minutos, do dia 8 de Janeiro de 1974, quando o tiroteio acabou, ainda com muita coisa a arder, mas com a certeza de que todos os “bravos de Copá” (vd. foto 3)  e a sua população local tinham sobrevivido durante aquelas horas “amargas e terríveis vividas nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974”, não permitindo que o PAIGC conseguisse cumprir com os objectivos a que se tinha proposto.



Foto 3 – Copá, Jan1974. Alguns dos 29 “Bravos de Copá”, do 4.º GrComb da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que defenderam estoicamente a instalação militar onde se encontravam aquartelados, durante o forte ataque levado a cabo pelo PAIGC, no dia e noite de 7Jan1974 (foto do álbum do sold cond António Rodrigues – P14214, de 03Fev2015, com a devida vénia).

● Finalmente; o reconhecimento e os resultados da refrega.

O autor do texto, cujo conteúdo acompanhámos com muita atenção e a quem devemos um obrigado e um elogio por este seu valioso contributo historiográfico, que serviu de questão de partida para a elaboração do presente trabalho, conclui a última parte da narrativa (o depois) acrescentando:

“No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificámos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo. Vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado”.

“A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta. Encontrámos ainda um carregador e caixas de munições de Kalashnikov, maços de tabaco e bonés. 

"Havia sinais de que o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos já referidos anteriormente. Mas, como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar pertos dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro. Vendo-se atrapalhados, não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam, continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los”.

António Rodrigues termina com um sentimento de orgulho, salientando que “durante todo esse fogo, nenhum dos nossos homens ficou ferido”.


2.2 – D(O) OUTRO LADO DO COMBATE – CONTROVÉRSIAS:

▬ “DE CAMPO A CAMPO: CONVERSAS COM O CMDT DO PAIGC
BOBO KEITA (1939-2009)”


Neste ponto, e para efeitos de comparação de narrativas, no que pode ser entendido por “convergente versus divergente”, ou erróneo em relação à descrição dos principais factos em análise, não podíamos deixar de consultar as fontes produzidas por elementos de cada um dos lados do conflito.

Na perspectiva “do outro lado do combate” (designação dada a outra série), recorremos à obra de Norberto Tavares de Carvalho, “De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita” (Edição de autor. Porto, 2011), citando algumas das passagens editadas no P16317, de 19Jul2016, conforme se indica abaixo.



◙ Depoimento de Bobo Keita (1939-2009) sobre a morte de Mamadu Cassamá, em Copá, em 7Jan1974

► Partindo dos relatos de António Rodrigues citados no ponto anterior, em particular as dúvidas suscitadas quanto aos motivos (ou factos) que levaram os responsáveis do PAIGC a darem por concluído o ataque ao aquartelamento de Copá, abandonando as suas posições no terreno no início da segunda hora do dia 8 de Janeiro de 1974 (3.ª feira), o depoimento do Cmdt Bobo Keita não é muito esclarecedor nos seus detalhes. Mas confirma que, pelo menos, tiveram uma baixa, a do Cmdt Mamadu Cassamá, o elemento que tentou entrar no interior do quartel.  Diz ele:

(...) “Mamadu Cassamá morreu no ataque a Copá. Tomei parte nesse ataque, juntamente com o camarada Paulo Correia. O Mamadu era dos que ainda acreditavam na “força” dos amuletos… Avançou muito e foi até aos arames que circundavam o quartel. Pegou nos arames e fez força para os arrancar. Foi localizado e um tiro certeiro [de que arma?] silenciou-o de vez. O Mamadu Cassamá era o comandante daquela zona”. (...)


Nas conversas com Norberto Tavares de Carvalho, autor do livro, Bobo Keita volta a referir-se ao episódio do ataque a Copá nos seguintes termos:

 (...) “Para o assalto a Copá, que fica a uns trinta quilómetros da cidade senegalesa de Wassadou [ver mapa acima], peguei em dois dos meus tanques, constitui um comando e fomos à emboscada [a da coluna Copá/Bajocunda/Copá ou estava-se a referir ao ataque a Copá? Não está claro]. 

"A operação em Copá contou com Quemo Mané, comandante de infantaria. Copá também não foi fácil para os tugas. Alinhámos um número razoável de combatentes, menor que Guileje e Guidaje, e o objectivo era o de isolar os colonialistas. A tomada do quartel não nos interessava, queríamos somente convencê-los de que não tinham mais nenhuma escapatória e que deviam partir da nossa terra”. (...) 


2.3 – D(O) OUTRO LADO DO COMBATE – CONTROVÉRSIAS:

▬ “LA HISTORIA CUBANA EN ÁFRICA: 1963-1991: PILARES  DEL SOCIOALISMO EN CUBA”, de Ramón Pérez Cabrera


▬ Alguns excertos

► Em conformidade com os objectivos deste trabalho, a consulta do livro do escritor cubano Ramón Pérez Cabrera não podia deixar de ser efectuada, uma vez que nele constam diversas referências sobre o contexto onde ocorreram alguns dos episódios já identificados nos pontos anteriores.

Por outro lado, os fragmentos que abaixo se reproduzem em bilíngue – espanhol e português – com a tradução da nossa responsabilidade – são considerados, a par dos restantes, como fontes documentais importantes na aproximação aos factos reais.

As actividades da guerrilha na zona leste a partir de Dezembro de 1973

Caracterização do ambiente operacional



● Tradução

(…) “Os comandantes do PAIGC, a partir de finais de Novembro e ao longo de Dezembro de 1973, aproveitando a alteração das condições climatéricas [final da época das chuvas], deslocaram tropas, munições e mantimentos para as zonas próximas das instalações militares fortificadas, onde os soldados portugueses permaneceram aquartelados, mas mantendo estes as acções de patrulhamento nas áreas externas dos mesmos para evitar serem surpreendidos pelos guerrilheiros. Na segunda etapa da operação «Abel Djassi» [nome de guerra de Amílcar Cabral (1924-1973)], realizada nas três frentes de combate no primeiro semestre de 1973 [os três G’s], participaram catorze internacionalistas cubanos” (op.cit., p.179).

► As acções combativas na Frente Leste iniciam-se em Janeiro de 1974

▬ O ataque ao aquartelamento de Copá e suas consequências



● Tradução

“As acções combativas da operação «Abel Djassi» começaram na Frente Leste, em 3 de Janeiro de 1974 (5.ª feira), com o ataque ao aquartelamento de Copá. A movimentação dos destacamentos guerrilheiros começou nas primeiras horas da manhã e naquela tarde já haviam ocupado as posições de fogo de artilharia e os lugares nas emboscadas de contenção. Às 22:00 horas começou o tiro de ajuste e uma hora depois os disparos com os morteiros de 120 mm, mas, devido à ineficiência dos obuses, já que cerca de quarenta por cento não explodiram, no dia 5Jan (sábado) de madrugada, as FARP suspenderam o assédio da artilharia ao quartel” (op.cit., p.179).




● Tradução

“Após a morte de Mamadu Cassamá, o Comandante Paulo Correia, chefe da Frente Leste, decidiu não realizar novos assaltos de infantaria à instalação [Copá] e manter o cerco e atormentar com artilharia o quartel, que se prolongou durante todo o mês de janeiro” (op.cit., p.179).

2.4 – A FOTO QUE PODE AJUDAR A REVOGAR ALGUNS EQUÍVOCOS…

► É intenção da foto que se encontra 
abaixo  (Fotos 4 e 4A) é servir de prova sobre alguns equívocos identificados nas narrativas analisadas, em particular nos “casos” em que é descrito, com aprofundado detalhe, o modo como ocorreram as mortes de elementos da guerrilha, a sua captura e posterior inumação.

Importa sublinhar que, neste “caso”, os dois corpos da foto, desnudos, mereceram o maior respeito e consideração humana, por parte do colectivo da CCAÇ 3545, tendo os mesmos sido lavados antes de serem inumados na região (de acordo com fonte oral).




Fotos 4 e 4A – Quartel de Canquelifá, 7Jan1974. Dois corpos, já cadáveres, de elementos da guerrilha capturados durante a “Acção Minotauro”, levada a cabo por um bigrupo da CCAÇ 21. 

Por ausência de identificação, supõe-se que o primeiro elemento seja o Tenente Ramón Maestre Infante (cubano) e, o outro, Jaime Mota (cabo-verdiano). Foto do álbum do camarada Pereira, fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia. A foto, tipo passe, colocada no canto superior direito (Foto 4), é de Jaime Mota, retirada do P14150, de 23Mai2016, aqui apensada para efeitos de comparação.


2.5 – “NO OCASO DA GUERRA DO ULTRAMAR”, uma derrota
pressentida”, de Fernando de Sousa Henriques (1949-2011)


▬ Algumas notas de leitura, por Beja Santos

► Por imperativo de investigação, onde se colocava a necessidade de alargar as fontes documentais, por razões espaciais (ou de vizinhança) existentes entre Copá e Canquelifá, separadas apenas por doze kms (ver mapa acima), e onde muitas das acções eram levadas à prática em parceria, pois os interesses eram comuns, recorremos às memórias do malogrado camarada Fernando de Sousa Henriques (1949-2011), ex-alf mil operações especiais da CCAÇ 3545, aproveitando algumas notas de leitura do seu livro, editado em 2007, e escritas pelo camarada Beja Santos no P12074, de 23Set2013.



► Contexto em Canquelifá (vd. foto 5):

(…) “A partir de Novembro’73, não houve descanso em Canquelifá, repetiram-se as flagelações, os misseis deram entrada nas flagelações frequentes, era nítido que os guerrilheiros queriam comprometer os reabastecimentos e acantonar as tropas aos seus quartéis. As emboscadas às obras da estrada Piche-Nova Lamego também se acentuaram. Em Dezembro’73 houve um relativo descanso mas os assaltos às tabancas deram frutos, as populações, ainda lentamente, começaram a fugir para os grandes centros.

No início de Janeiro’74, os ataques com foguetões a Canquelifá marcaram presença. O autor explica a natureza das destruições que as imagens, pela sua eloquência, desfazem todas as dúvidas. Mas não só Canquelifá, Piche e Buruntuma também foram contempladas. Nessa altura os efectivos do Batalhão levam quase vinte e quatro meses de Guiné. Foi necessário pedir apoio à CCAÇ 21, uma companhia só de guineenses, comandada pelo tenente Jamanca.

Em 7 de Janeiro’74 a CCAÇ 21 surpreende uma força inimiga e traz dois corpos [foto 4], um cubano e um cabo-verdiano. As flagelações recrudesceram. Ia começar o martírio de Copá, um destacamento que irá ser abandono por impossibilidade de defesa” [em 14 de Fevereiro de 1974].



Foto 5 – Canquelifá, Jan1974. Explosão de uma bomba durante um ataque do PAIGC ao aquartelamento de Canquelifá (foto do álbum do camarada Pereira, fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia).

2.6 – “GUINEENSE, COMANDO, PORTUGÊS”, de Amadú Bailo Djaló

Alguns excertos

► Em complemento do ponto anterior, e tendo por base o livro de memórias de Amadú Djaló, ex-alferes comando graduado (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), citamos alguns “desassossegos” por ele vividos, em conjunto com os restantes elementos da CCAÇ 21, entre Copá e Canquelifá no período em análise.

(…) No final de 1973 e início de 1974 “Canquelifá estava muito diferente. As tabancas que havia à volta, junto às fronteiras com o Senegal e com a Guiné-Conacri estavam todas arrasadas, a população tinha desaparecido. A zona estava nas mãos do PAIGC e Canquelifá agora era um local muito perigoso, sempre à espera de ataques, do lado do Senegal ou da Guiné-Conacri. As estradas estavam semeadas de minas, se Canquelifá precisasse de apoio à noite, não podia ser socorrida por estrada, de noite não se podia picar estradas. Foi nesta situação que encontrámos Canquelifá.

Estavam ali duas companhias, uma de europeus (CCAÇ 3545) e a nossa (CCAÇ 21), oito pelotões ao todo. Fizemos um programa de saídas, todos os dias de manhã saía um bigrupo nosso até a uma distância de cinco a sete kms e regressava por volta das duas da madrugada. Julgávamos que, a partir dessa hora, era mais difícil haver ataques do PAIGC. Num dia saía um bigrupo de africanos, no dia seguinte um de europeus. Desta forma, cada bigrupo descansava três dias.

Em algumas dessas saídas, deixávamos o quartel, de manhã muito cedo, na direcção de Nhunanca. Depois de andarmos um bom bocado, entrávamos numa lala (clareira), quase sem árvores, com o capim muito alto, que as populações geralmente queimavam na primavera.

Depois de atravessarmos para o outro lado da lala, permanecíamos aí algum tempo, até cerca das 15:00 horas, quando decidíamos abandonar o local. Caminhávamos mais dois ou três kms e emboscávamo-nos. Ocupávamos dois caminhos, o que ia para Nhunanca e o que levava a Chauara. Ficávamos durante cerca de uma hora e regressávamos, contornando o quartel e entrando pela entrada contrária à saída para Copá.

Numa dessas saídas, em 7 de Janeiro de 1974 (2.ª feira), na “Acção Minotauro”, um dos nossos bigrupos, comandado pelos alferes Ali Sada Candé e Braima Baldé, quando estava emboscado, a cerca de dois kms do aquartelamento, avistou, por volta das 16:00 horas, um grupo do PAIGC a atravessar a lala. Estavam a deslocar-se na direcção do quartel [de Canquelifá].

O nosso bigrupo foi no encalço deles, a observarem o que iam fazer. Cerca de um quilómetro andado o pessoal do PAIGC parou, debaixo de uma grande árvore. Um deles estava a preparar-se para subir a árvore, quando o nosso bigrupo os atacou, de surpresa. O pessoal do PAIGC fugiu como pôde, deixando no local três guerrilheiros mortos, as armas e um rádio Racal que, viemos a descobrir mais tarde, tinha sido perdido por nós em Morés, em 23 de Dezembro de 1971.

[Nesse dia] era a vez do meu grupo ficar no aquartelamento, mas quando começámos a ouvir o tiroteio saímos imediatamente. Quando os encontrámos o caso já estava arrumado. Ajudámo-los a trazer os corpos dos guerrilheiros que depositámos junto à parada.

Nesse mesmo dia 7 de Janeiro, por volta das 17:30 horas, o PAIGC desencadeou um ataque a Canquelifá. Ou de represália, ou porque também tinha ouvido os tiros. Um dos primeiros mísseis acertou na central eléctrica e uma grande bola de fumo negro começou a subir. De vez em quando paravam os bombardeamentos, depois recomeçavam. Durou quase a noite toda este ataque.

A tabanca ardeu e ficou completamente destruída. Morreram durante o ataque quatro pessoas, um furriel europeu [Luís Filipe Pinto Soares, da CCAÇ 3545 - P16127], um soldado negro (Donsa Boaró, da CCAÇ 21), o soldado Mica Djaló Baldé (do 6ºPelArt/GAC7) e um rapaz de cerca de 13 ou 14 anos que trabalhava para o furriel europeu que tinha morrido” (op.cit., pp.268-270).





Sobre a “Acção Minotauro”, citada anteriormente, é de relevar o facto de termos localizado, no decurso da presente investigação, uma referência a ela no Arquivo da Defesa Nacional, onde existem “8 positivos fotográficos da acção Minotauro, em Canquelifá”, conforme sublinhado abaixo.



Ou, consultando o link;

https://www.portugal.gov.pt/upload/ficheiros/i007076.pdf



2.7 – RAMÓN MAESTRE INFANTE - tenente cubano falecido na Guiné

Breve biografia militar



► Como foi referido nos pontos 2.5 e 2.6, quer por Fernandes de Sousa Henriques, da CCAÇ
3545, quer por Amadú Bailo Djaló, da CCAÇ 21, ambos os depoimentos são unanimes ao afirmarem a morte de dois elementos da guerrilha, em combate ocorrido em 7 de Janeiro de 1974, e o transporte dos seus corpos para o quartel de Canquelifá. Um seria cubano e o outro cabo-verdiano, provavelmente os dois cadáveres que se encontram na foto 4.

A ser verdade que o elemento cubano capturado seja o tenente Ramón Maestre Infante, como é indicado pelo escritor Ramón Pérez Cabrera, no livro de que é autor, e que abaixo se reproduz, independentemente de haver a discrepância em relação ao seu local, ao escrever que foi em Copá (onde não se verificou a captura de qualquer elemento da guerrilha) mas, ao que tudo leva a crer, foi em Canquelifá.

O que é um facto é que este militar cubano morreu… vinte e cinco dias depois da sua partida de Havana.

◙ Eis uma brevíssima biografia, enquanto cidadão militar, retirada da literatura consultada:





● Tradução

“Enquanto as actividades iam acontecendo nas matas guineenses, em Havana um novo contingente de instrutores cubanos preparava-se para prestar a sua ajuda internacionalista aos combatentes do PAIGC na Guiné-Bissau. Um deles, Ramón Maestre Infante, deixou Cuba por via aérea em 13 de dezembro [1973] para a África. Chegou a Conacri e, sem perder tempo, seguiu viagem para Kandiafara e em poucos dias foi incorporado num destacamento de guerrilha no teatro de operações” (op.cit., p.180).



● Tradução

“Em 7 de Janeiro (2.ª feira), Ramón Maestre cumpriu, junto com um jovem guerrilheiro cabo-verdiano, a importante missão de assediar o quartel de Copá com morteiro, mas a acção foi suspensa para o dia seguinte. Na manhã do dia 8Jan (3.ª feira), Ramón Maestre e o jovem guerrilheiro partiram novamente e quando estavam a colocar o morteiro foram surpreendidos por uma patrulha portuguesa. 

No intenso tiroteio, Ramón Maestre foi ferido, morto ou feito prisioneiro [?], enquanto o cabo-verdiano conseguiu escapar sob o intenso tiroteio. A princípio, os portugueses acreditaram que o combatente era guineense, mas após identificá-lo como cubano, decidiram levá-lo ao quartel de Buruntuma [? - talvez Canquelifá, o quartel mais próximo] com a intenção de transportá-lo posteriormente para a capital de Bissau, mas não puderam levá-lo porque o quartel fora cercado pelas FARP e o fogo antiaéreo impediu que os helicópteros pousassem na área. Finalmente, o corpo do oficial cubano foi sepultado fora do quartel depois de lhe cortarem o corpo em duas metades e amputar as orelhas e as mãos como prova da nacionalidade” (op.cit., p.180).

► Encontrámos mais uma referência ao seu nome no ponto 13 (Anexos) do livro “El Grito del Baobab” (O grito do Baobá), de que é autor o escritor cubano Coronel (reformado) Humberto Trujillo Hernández, editado pela Editorial de Ciências Sociais em 2008. Porque não conseguimos ter acesso ao seu conteúdo, aqui se dá conta, somente, desse facto, o que lamentamos. Caso haja algum tertuliano que o tenha, faça o favor de nos informar.

2.8 – JAIME MOTA – cabo-verdiano, natural da Ilha de Santo Antão

Algumas notas

► Das fontes consultadas, a investigação realizada pelo jornalista cabo-verdiano José Vicente Lopes, parece não deixar quaisquer dúvidas, não só em relação à data, como ao local da ocorrência, conforme se retira da leitura aos P14150 e P14151, de 15Jan2015, em particular de algumas passagens retiradas do artigo do mesmo autor, designado por “O martírio de Jaime Mota”.






Eis alguns fragmentos:

(i) – De acordo com as informações dadas pelo, também cabo-verdiano, Amâncio Lopes, Cmdt do 2.º Grupo GRAD a actuar na região de Gabú, refere que no dia 3 de Janeiro de 1974, vai com Jaime Mota, e outros elementos, para a operação de Canquelifá, que corre bem. “No dia 7Jan voltámos ao mesmo quartel e cometemos um erro que foi fatal para Jaime Mora e outras pessoas”.

(ii) – Nesse dia, a determinada altura, “detectada a presença de um grupo do PAIGC, um pelotão de comandos africanos [um bigrupo da CCAÇ 21] acaba por surpreendê-los pela rectaguarda, precisamente no momento em que Amâncio Lopes, Jaime Mota e os restantes guerrilheiros procediam à recolha de dados para mais um bombardeamento ao quartel de Canquelifá”.

(iii) – Essa emboscada fatídica, segundo Amândio Lopes, “aconteceu já ao fim da tarde, quando ele e os seus homens aguardavam que escurecesse um pouco mais para procederem ao bombardeamento do quartel de Canquelifá e, como era hábito, desaparecerem rapidamente do terreno”.

(iv) – “Estávamos a comunicar, o cubano [?] sentou-se num bagabaga, o Jaime Mota sentou-se também um pouco atrás de mim, o radialista guineense também, e havia mais três elementos do meu staff para definir a direcção do fogo (só na artilharia, éramos uns sete ou oito elementos)”.

(v) – Nesse momento, sentimos tiros. “Na fuga, eu (Amâncio Lopes) ensaio ir numa direcção, no que um dos guineenses me grita, aflito, ‘por aí não, camarada Amâncio, porque o tiro está a vir dessa direcção’”.

(vi) – Invertemos a fuga. No recuo, verificámos que nem o Jaime Mora nem o cubano [?] estavam connosco. Mandei toda a gente parar e eu disse: ‘falta-nos o Jaime e o cubano’. O artilheiro guineense me diz: ‘camarada Amâncio, na direcção em que o Jaime e o cubano ficaram, não há chance… se você quiser ficar também… Pense bem. Não podemos voltar, porque se o fizermos será a nossa morte também”.

(vii) – Por outro lado, Honório Chantre (1941.10.25-2020.07.20), que, depois da independência da Guiné-Bissau, foi Ministro da Defesa Nacional de Cabo Verde, entre 1981-1986, recorda o seu conterrâneo como um homem muito ponderado e seguro, afirmando: “o Jaime não foi tropa portuguesa, mas tinha uma formação militar muito sólida. Esteve em Cuba, na União Soviética e tinha experiência de combate adquirida no terreno da Guiné. Juntamente com Amâncio e o Bibino, ele tinha a quarta classe daquele tempo, feita nos anos quarenta ou cinquenta, ao contrário de alguns colegas de Santo Antão que foram alfabetizados por nós em Cuba”.

(viii) – Depois… Depois, a confirmação da morte de Jaime Mota. Esta aconteceu na sequência da “operação de recolha e transladação dos três cabo-verdianos inumados em território da Guiné-Bissau”, em que participaram António Leite, Amâncio Lopes e Eduardo dos Santos. É referido: “fomos ao Leste e conseguimos localizar os restos do Jaime Mota, que pouco restava. Mesmo assim, foi fácil, porque sabíamos que ele tinha um dente de ouro e encontrámos uma caveira com dente de ouro”. (…)


Termino esta narrativa, com a mesma dúvida como comecei… Será que este documento, onde se procurou separar o caminho do “real” do da “ficção”, tem alguma utilidade?

Pelo menos, para mim, ajudou-me a compreender melhor alguns dos episódios mais marcantes e mais sofridos dos “encontros” tidos, de ambos os lados, nas matas de Copá e Canquelifá, situadas na Região do Gabú, Leste da Guiné-Bissau, entre o Natal de 1973 e 7 de Janeiro de 1974.

Obrigado pela atenção.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

08Fev2022

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Notas do editor:


Último poste da série > 15 de outubro de  2021 > Guiné 61/74 - P22631: Memórias cruzadas nas 'matas' da Região do Óio-Morés: o caso da queda do "T-6 FAP 1694", em 14out1963, incluido no documentário "Labanta Negro!", realizado pelo italiano Piero Nelli, 28 meses depois (fev 1966) (Jorge Araújo)

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21056: Tabanca Grande (494): Edgar Tavares Morais Soares, ex-Fur Mil Op Especiais da CCS/BART 3873 (Bambadinca, 1971/74), 808.º Grã-Tabanqueiro da nossa tertúlia

1. Por intermédio do camarada Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, tertuliano n.º 2 do nosso Blogue, chegou até nós esta mensagem de Edgar Tavares Morais Soares, ex-Fur Mil Op Especiais da CCS/BART 3873 (Bambadinca, 1971/74), com data de 28 de Abril de 2020, que, apadrinhado pelo Sousa de Castro, passa a partir de hoje a figurar entre os antigos combatentes da Guiné sentados à sombra do nosso poilão sagrado. 

Edgar Soares passa a ser o 808.º Grã-Tabanqueiro do nosso Blogue e escreveu o texto abaixo em memória do Tenente Graduado Comando Abdulai Queta Jamanca, Comandante da CCAÇ 21.

Carísimo! 

Escrevi este texto no dia 25 de abril em respeito à memória de um bravo homem, Tenente Jamanca da CCAÇ 21, fuzilado como todos os homens da sua Companhia, com quem partilhei várias situações de “desprezo” pela vida em defesa de uma causa que no fundo nos empurrava para aquela situação de sobreviver, “matando para não morrer”, em nome da Pátria…

Edgar Soares
Ex-Fur Mil Op Esp


Edgar Soares em Bambadinca


Edgar Soares na actualidade


Bambadinca: messe de sargentos


Uma festa em Bambadinca na messe de sargentos


Bambadinca: Equipa de futebol

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Hoje, 25 de abril, de 2020, também a mim me apetece contar algumas histórias das minhas vivências da época.

Como todos os Portugueses de boa memória, é obvio e natural que rejubilei com os acontecimentos e princípios que presidiram ao 25 de abril de 1974. Todavia, existe um passado que se torna sempre muito recente no meu ego, que me persegue muito profundamente e, como tal, não posso mais calar.


1.º Cabo Comando Jamanca
Como à data, 1974, denunciei, fui militar na Guiné, durante 27 meses e meio, com términos da comissão a 04 de abril de 1974, data de desembarque em Lisboa. Na Guiné, estive integrado no BART 3873, sediado no setor Leste, na região de Bambadinca. 

Do nosso Batalhão, faziam parte as Companhias CCS, CART 3492, CART 3493 e CART 3494, que ocuparam os aquartelamentos, respetivamente, de Bambadinca, Xitole, Mansambo e Xime. Em Bambadinca, tínhamos um centro de formação de tropas nativas, e, afeta à CCS, uma Companhia de Intervenção nativa, a CCAÇ 12, comandada pelo Capitão Bordalo,  ranger, que viveu os seus últimos anos em Lamego, sendo os mais graduados do continente. 

Posteriormente, a CCAÇ 12, foi rendida por uma outra companhia de nativos, na sua totalidade, a CCAÇ 21, comandada pelo magnifico Tenente Jamanca.

Ainda como tropas nativas, tínhamos múltiplos pelotões de milícias, em autodefesa, nas zonas de Mato Cão, Amedalai, Finete, Fá Mandinga, Missirá, Enxalé, no reordenamento de Nhabijões, etc…

Durante o Comando-Chefe do General Spínola, na Guiné, foi desenvolvida toda uma Acção Psicológica, junta das populações nativas e até das nossas tropas, onde destaco a máxima “Guiné de Hoje Guiné Melhor”, e mal daquele que agredisse, fisicamente ou verbalmente, um nativo… 

Mais se dizia nessa “Psico”, “juntem-se a nós, porque quando a independência chegar, vocês serão os futuros detentores do poder que vier a ser constituído”.

Foi então naquele contexto militar, e já com o General Bettencourt Rodrigues a render o General Spínola, que ali permaneci com os meus camaradas de armas. Após 15 dias do regresso, por términos de comissão, aconteceu o 25 de Abril, estando eu nesse mesmo dia, por coincidência, no Quartel do RAP 2, em Gaia, quando chegou a notícia que estava a haver um levantamento militar em Lisboa…

Muito rapidamente, notou-se o Povo a começar a vir para a rua e então logo se começaram a ouvir alguns gritos, que se foram tornando muitos: - “liberdade, abaixo o fascismo, morte à Pide…” e muitos outros slogans que as circunstâncias impunham…

Lembro-me de estar no meio de um tiroteio, na Av. Rodrigues de Freitas, frente à biblioteca, em S. Lázaro e ter socorrido uma jovem que, ao fugir tropeçou, bateu com a cabeça na berma do passeio e desmaiou. Os tiros vinham da esquadra da PSP e de uma viatura da mesma polícia que, entretanto, estava a ser apedrejada pelos populares…

Sim! Sim! Sim! Viva o 25 de Abril, enquanto movimento de uns tantos militares, “os capitães de abril”, em luta pela liberdade intelectual e moral de um Povo amordaçado no falar, no dizer, de pensamento condicionado pela censura, com toda a sua juventude refém de acontecimentos inopinados, motivados pela obrigatoriedade do cumprimento do serviço militar…

Entretanto, decorridos os primeiros entusiasmos, eis que o poder, depois de ter passado pela rua, “MFA/POVO/POVO/MFA”, é entregue aos supra interesses “manipulados e manipuláveis” dos emergentes políticos, que, com retóricas, quais as mais iluminadas, perante um povo vazio de doutrinas ideológicas, mais preparado para um seguidismo fácil, e foi assim que vimos o processo a evoluir, abruptamente, com vários ziguezagues, até ao ponto aonde eu agora quero chegar... A descolonização.

Com aquele processo de descolonização, das nossas então províncias ultramarinas, surgiu, quanto a mim, uma das maiores vergonhas da nossa história… Após guardarem os CRAVOS, eis que se fez jorrar o SANGUE dos “mártires portugueses agora anónimos” do 25 de Abril…

Sabiam que de um momento para o outro, àqueles portugueses, tropa nativa, que sempre estiveram na linha da frente, ao nosso lado, a lutar tal como nós, por ideias e ideais um tanto desconhecidos de muitos, mas que nos eram impostos, ao serviço da PÁTRIA, lhes foram retiradas todas as armas e mais elementos de defesa, pessoal e coletiva?

Sabiam que aqueles autênticos guerrilheiros foram deixados ficar para trás, pela sua Pátria de então, entregues única e exclusivamente às suas sortes, acabando, na sua grande maioria, foragidos nas matas?

Sabiam que os nossos políticos outorgantes da Independência ao PAIGC, os deixaram sem qualquer obrigatoriedade de indulto impositivo, para não terem de enfrentar os pelotões de fuzilamento, do inimigo de outrora?

Sabiam que todos aqueles que estiveram identificados como nossos tropas ou aliados, foram passados a bala, em fuzilamentos individuais e coletivos, sem qualquer possibilidade de defesa, vindo a ser sepultados uns e enterrados outros, quais campos nazis, em balas comuns, quantos deles, soldados sargentos e oficiais, “Tenente JAMANCA”, com condecorações múltiplas por atos e atitudes de distinção ao serviço da PATRIA? 

Pois tudo isto se passou e muito mais, o que considero a vergonha do “25 de ABRIL” …

Mas, reparem os comentadores e nossos historiadores, que não foram só os nossos soldados, sargentos e oficiais nativos que enterramos ingloriamente!!! Que havemos de pensar e dizer de todos aqueles que um dia também daqui partiram com os mesmos propósitos militares, ao serviço da PÁTRIA, e lá tombaram, ou regressaram, com problemas de natureza múltiplas, outros tantos com as mesmas condecorações, pelos mesmos atos de distinções??? 

Não estará na hora de nos perguntarmos, portugueses, se tudo pelo que passamos, os de cá e os de lá, valeu a pena?...

É bem capaz que os maiores culpados dos acontecimentos supra, sejam os do velho regime, “Fascismo”, até por não terem sabido ou querido resolver os problemas da independência a seu tempo!!! Na realidade, cada um por si, se me afigura que o socialismo e as outras ditas ideologias, democráticas, também não estiveram em nada melhor na gestão daquela “herança”, e bem pior, desonraram-se e desonraram historicamente todo um Povo... “Por negligência agnóstica?” Não acredito. Com certeza, outros valores que a razão ainda quer desconhecer, estiveram por detrás de todos aqueles acontecimentos…

Uma coisa é certa, toda uma geração, que também é a minha, terá que ficar com a amargura dos factos da história não contada, desvirtuada no nosso desempenho de serviço à dita PÁTRIA, ficando-nos sem dúvida, como maior consolação, as muitas amizades que ao tempo fomos acumulando, lá e cá, e que vamos alimentando nos momentos que promovemos dos sãos convívios dos velhos “guerrilheiros”…

Como dizia o Camões, para o bem e para o mal:
- “…DITOSA PÁTRIA QUE TAIS FILHOS TENS” (?)…

“Glória aos vencedores, honra aos vencidos”!...
Descansa em Paz,  JAMANCA e Todos Aqueles que te acompanharam na dita e na desdita!...

Alvarenga 25 de abril de 2020
Edgar Soares

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2. Comentário do editor:

Caro Edgar Soares, bem-vindo à nossa Tabanca Grande e à sombra do nosso poilão.

Como não temos lugares marcados, que estão todos de acordo com as normas de afastamento e segurança nesta época de COVID, podes entrar e sentar-te onde quiseres. Prepara os teus textos e fotos, que partilharás connosco na cadência que te convier, para que possas contribuir com as tuas memórias de guerra. 

Quem sabe, não estaremos a fazer história e a deixar aos nossos vindouros registos na primeira pessoa para que se possa fazer a história da guerra na Guiné.

O BART 3873 tem 189 entradas no Blogue, muitas delas graças ao Sousa de Castro, julgo eu, mas, como sargento da CCS, terás outras perspectivas e outras vivências a contar-nos.
Estamos ao teu dispor em luis.graca.prof@gmail.com e/ou nos endereços dos outros dois editores, Carlos Vinhal e Eduardo Magalhães, que encontrarás na aba esquerda da nossa página.

Em nome da tertúlia e dos editores, deixo-te um abraço de boas-vindas. Carlos Vinhal,
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20900: Tabanca Grande (493): José Carvalho, natural do Bombarral, com amigos na Lourinhã, ex-alf mil inf, CCAÇ 2753, "Os Barões do K3" (Bissau, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim / K3 e Mansába, 1970/72): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar n.º 807