Mostrar mensagens com a etiqueta COM. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta COM. Mostrar todas as mensagens

sábado, 2 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18704: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXIII: Como se faz um alferes miliciano do Serviço de Administração Militar (I)


Foto nº 9 > – Nas instalações da EPAM [, Escola Prática de Administração Militar], no Lumiar, em Lisboa: o meu último dia de Cadete... No dia seguinte seria promovido a aspirantes miliciano com divisas na diagonal, e direito a continência. Estava vestido com a farda nº 1 daquela época. Fins de Junho de 67.


Foto nº 10 > A minha foto tirada para o Bilhete de Identidade Militar, já como alferes miliciano, uns dias antes de embarcar para a Guiné. Porto, Setembro de 1967.

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem 56 referências no nosso blogue.

GUINÉ 1967 /69 1967/69  > ÁLBUM DE TEMAS >  T001 – SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO  > CURSO DE OFICIAIS MILICIANOS  (COM)  > EPI | MAFRA; EPAM | LUMIAR, LISBOA  - Parte I


Virgílio Teixeira, hoje
(i) Como cheguei a Alferes Miliciano SAM (Serviço de Administração Militar)

Este devia ser o primeiro tema da minha participação no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, isto é, a incorporação militar, a instrução básica, o juramento de bandeira, a especialidade, a promoção a aspirante miliciano, os Estágios, a mobilização e a integração no Batalhão de Caçadores 1933 em Santa Margarida.

Mas,  como não foi, vai agora e ainda com tempo, pois tenho inesgotáveis temas para participar, não falando da vida ‘pós serviço militar’ que não é para aqui chamada.

Assim:

Com os meus 18 anos, isto é,  em 1961,  vou dar os chamados ‘sinais’ na minha Junta de Freguesia de Paranhos,  no Porto. Neste ano,  e na altura dos sinais, já tinha rebentado a guerra em Angola – a 4 de Fevereiro (em Luanda) e  a 15 de Março de 1961 (no noroeste),  com a ‘matança’ dos inocentes. 

O meu irmão mais velho – um ano e meio de diferença  - estava já na Índia há mais de um ano, pois a rebelião tinha também começado, em Dadra e Nagar Aveli, com os "satiagrás" a fazer o mesmo papel que futuramente coube aos nossos terroristas na nossa guerra de África. 

O meu pai já lá tinha estado na Índia, entre 1955 e 1958, no início da rebelião, por isso estou muito familiarizado com estas guerras todas. Nesse ano, em 18 de Dezembro de 1961, a União Indiana invadiu os territórios do Estado Português da Índia – Goa, Damão e Diu -, e fez prisioneiros os militares que lá estavam a cumprir o serviço, entre eles o meu irmão, sargento Rádio Montador. 

Esteve cinco meses em cativeiro no campo de concentração de Pondá, e curiosamente li aqui um artigo sobre este tema, e ele esteve a dois passos da relatada tentativa de fuzilamento de uma quantidade enorme de militares, por causa de uma fuga abortada de alguns, e depois um padre capelão veio salvar tudo [, Joaquim Ferreira da Silva, jesuita,d e Santo Tirso], temos na memória de estarem todos perfilados, e os "shiks" com as metralhadoras apontadas à espera da ordem de disparar. 

Tudo acabou em bem, tendo o meu irmão e restantes prisioneiros sido libertados em Maio de 1962, quando a guerra em Angola já estava em força com os primeiros contingentes militares a embarcar para lá. 

O espectro de vir a fazer o serviço militar como soldado tomou conta de mim. Tinha de dar a volta a isto.  Quando fui dar os 'sinais', isto é, em Junho de 1961, tive de dar as habilitações literárias. Apesar de estar a frequentar um curso comercial à noite, já no 4º ano, ainda não o tinha completado, pelo que o diploma que tinha para apresentar era apenas o da 4ª classe, nada mais.

Em 1962 começam a aparecer os primeiros mortos, militares, e dá-se um volte-face na minha vida. Como já conhecia o que era ser militar, pois passava alguns tempos nos quartéis onde o meu pai prestava serviço, e em especial a vida de um soldado, passou-me um clique pela cabeça, ‘eu tinha de ir fazer a tropa como oficial miliciano’... Era outra coisa, e ganhava mais. Eu já trabalhava de dia e estudava à noite. Não tinha muito tempo, mas imaginei, fiz as contas e atirei-me de cabeça.

Em poucos meses tinha de fazer um exame de admissão ao Instituto Comercial do Porto, pois tinha sido lançada uma experiência no ensino, com um curso de 2 anos, que daria equivalência ao 7º ano do Liceu, habilitação  mínima para ser admitido no COM.

Mas,  para esse exame, tinha de ter o 2º ano dos liceus, que nunca frequentei, pois quando acabei a primária, fui logo trabalhar, e aos 14 anos inscrevi-me no curso comercial, mas à noite, as matérias eram diferentes, e muito pouco sabia, pois a escola comercial tinha um curriculum escolar muito diferente dos liceus. 

Então preparo-me sozinho para esse exame do 2º ano liceal na época normal, e ao mesmo tempo começo em força a estudar tudo o que era do 5º ano, para fazer a admissão ao Instituto,  na 2ª época de Setembro de 1962.

Não sabia uma única palavra de Inglês, não sabia Física, nem Química, nem Ciências, nem Desenho, tinha umas noções de Português, Francês, Geografia, História e pouco mais. Uma senhora minha vizinha, ex-professora de Letras, oferece-se para me dar explicações de Inglês e aproveitei também para receber umas de Português, e não pagava nada, nem podia pagar.

Faltava-me a Matemática, o que eu sabia da escola comercial era cálculo comercial e aritmética, mas nada de Álgebra, Geometria e coisas dessas do liceu. Um amigo, que já frequentava a faculdade de economia, prontificou-se a dar-me umas explicações de Matemática num café ali para os lados do Campo Lindo, onde ele morava. Em pouco tempo consegui ‘perceber’ a matemática, e já não tinha problemas com isso, já sabia tudo até ao 5º ano.

As lições de Inglês e Português continuavam a bom ritmo e também absorvi rápido, porque era individual e intensivo, ao fim da tarde e fins de semana.  Veio a época de fazer o exame do 2º ano em Junho de 1962, e lá fui, tive algumas dificuldades em Desenho, pois nunca tinha feito ou estudado nada sobre desenho.

Mas safei-me e passei no exame do 2º ano liceal. Com esse diploma já me vou inscrever no exame de admissão ao Instituto Comercial. Ainda tinha uns dois meses e meio até lá, ia fazer na época de Setembro.

Mas o meu trabalho continuava, os horários mantinham-se por isso a alternativa era fazer verdadeiras maratonas e muitas directas com alguns, mas poucos que me acompanharam mas acabaram de desistir, não aguentaram este ‘ritmo’ alucinante. Estudava só nos cafés, com predominância do Café Cenáculo, inaugurado em 11 de Novembro de 1961. Era a minha sala de aulas e explicações, ficava sempre até fechar, já depois das 2 horas da manhã.

Na época de Setembro de 1962, faço o exame de admissão, e fico espantado comigo mesmo, pois tirei média acima de 14 valores, o que me dava acesso imediato á matrícula, sem fazer exames orais, que para mim era uma praga, não gostava nada.

Assim já tenho o 5º ano do Liceu, já podia ir para o Curso de Sargentos Milicianos (CSM)  Mas havia um preço a pagar, tive um esgotamento cerebral, não dormia, tinha de tomar comprimidos para não dormir e estudar até esgotar, todos os sítios e minutos eram para estudar, não comia muito bem, e perdi muito peso, fiquei esgotado, e comecei a tomar comprimidos de ‘ferro’ pela primeira vez.

Com 19 anos, em Outubro de 1962 inscrevo-me no Instituto, no 1º ano do ‘curso de acesso ao ensino superior’, era assim que se chamava. Só frequentava as aulas fora dos horários de trabalho, isto é das 8 às 10, e depois das 18 horas da tarde.

Era o curso da noite, sem rodeios nem vergonhas, era assim e ponto final. Tinha de competir com aqueles que tiveram um ciclo normal, com idades 2 a 3 anos mais novos, e todo o tempo do mundo para estudar. Comigo também entraram mais uns tantos, todos também com idades de adulto, para os cursos da noite, mas os exames eram feitos ao mesmo tempo dos de dia, não havia distinções nenhumas, nem benesses.

E aos 20 anos, em meados de 1963, vou à primeira inspecção militar, ali para os lados das Taipas,  na Cordoaria,  no Porto, onde existia um quartel velho. Ainda estava a frequentar o 1º ano do Instituto, ou seja o equivalente ao 6º ano do liceu.

Como pesava apenas uns 43 kg, os médicos acharam por bem mandar-me para casa e engordar um pouco mais. Fiquei adiado um ano. Foi-me dado logo o primeiro número de identificação militar – NIM – 00439364. Os dois últimos dígitos significam e ano previsto da minha incorporação – 1964 – o que não veio a acontecer.

Não sei porque fui adiado, mas hoje imagino que a tropa nessa altura não tinha muita gente letrada, para sargentos e oficiais milicianos, e eu tinha uma grande vantagem competitiva, frequentava um curso da área comercial, cujo objectivo era o curso de Economia, e tinha já nessa altura, em 1963, quase 9 anos de trabalho regular dentro da mesma área do curso que frequentava, uma área administrativa. E pessoal para servir como operacionais não faltava, era preciso quadros e técnicos, e havia aqui uma possibilidade comigo, penso eu agora, sem saber nada do que se passou.

Voltei no ano de 1964, novamente em meados desse ano e,  como estava mais ou menos na mesma, já não havia direito a mais um adiamento, por isso sou considerado ‘apto’ para toda o serviço militar e mantive o mesmo NIM, que viria a ser alterado.

Nesta época já estava praticamente feito o 7º ano, por isso já pertencia à próxima incorporação de Janeiro de 1965, para o Curso de Oficiais Milicianos (COM).

Acabei o Instituto também com média superior a 14 valores e assim entro directamente para a Universidade, sem precisar de exame de admissão, a que todos estavam sujeitos se não tivessem essa média do 7º ano.

Em Setembro de 1964 inscrevi-me no 1º ano do curso de Economia da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Um feito que sempre o considerei épico, para pessoas vindas da minha classe social, uma vez que nunca nasci num berço de ouro.

E o trabalho tem de continuar, pois é preciso pagar os estudos, e isso é tudo por minha conta, também é verdade que ganhava bem, acima da média, pois já exercia funções importantes nas empresas, apesar da pouca idade e habilitações básicas.

Novamente dou início a um novo curso, agora um curso superior, nas velhas instalações da Faculdade de Economia, na Praça dos Leões,  no Porto, em duas salas emprestadas pela Faculdade de Ciências, a Economia era um curso novo no Porto.

Mas não ia, ou ia muito raramente às aulas teóricas, porque eram em horário laboral, e eu estava matriculado como aluno ‘extraordinário’, que significava,  em termos mais práticos, alunos da noite, ou alunos de... segunda categoria.

Tinha aulas práticas obrigatórias das 8 às 10 da manhã, e depois da 6 horas da tarde. Os exames e provas correntes eram todas em conjunto, não havia distinções. Foi muito difícil, como também já havia sido no anterior Instituto Comercial, a cabeça estava cansada, tomava muitos comprimidos para as dores de cabeça – ainda me lembro do Optalidon, entretanto retirado do mercado. Passei a usar óculos devido ao cansaço da vista, mas lá fui por diante.

Conheci muita gente que mais tarde viria a ocupar os cargos mais importantes na administração e no Estado. Não vou mencionar ninguém porque não é importante agora. Não ganhei amizades nem confiança com esta gente, pois mal nos encontrávamos, só por mero acaso, nas aulas práticas para todos.

Entretanto já estava apurado, e pensei noutra possibilidade, já que aqui estou, com 21 anos em 1964, estou no 1º ano, mais 5 anos faço o curso, e em 1970, com 26 anos, estou a tempo de ir para a tropa, e se assim pensei assim executei. Pedi adiamento na incorporação do próximo ano de 1965, o ano normal da minha incorporação.

Faço o primeiro e segundo ano do curso, e já estamos em Setembro de 1966.  Mas surgem imprevistos, já conhecia a minha namorada, a estava perdido por ela, e com vontade de casar, e neste andar só com 30 anos lá chegaria e era tarde demais para mim, para ela não tanto, que tinha menos 5 anos, ainda ia a tempo com 25 anos.

E, afinal,  para quê?

Nunca tinha pensado chegar tão longe, havia outros, muitos outros problemas, isto que contei não foi assim tão fácil, na vida nada foi fácil para mim, eu tive de subir a pulso, nunca recebi nada de ninguém, nunca herdei um tostão até o dia de hoje. Mas,  como estas coisas, estas ‘histórias’ andam a percorrer as redes sociais, eu não queria adiantar muito mais, toda a gente tem acesso a estes conteúdos, e não quero, e muito menos a minha mulher que não gosta mesmo nada de redes sociais, mas tudo está já escrito no meu livro ‘não editado’ “A Minha Vida” (, está fechado a 7 chaves).

Assim,  num laivo de mais uma loucura das minhas, vou a Lisboa ao Ministério da Defesa Nacional, informando que queria desistir dos adiamentos, isto por volta de Novembro a Dezembro de 1966, e queria ser incorporada na próxima molhada.

E ainda avisei que, se não fosse feita a minha vontade, poderia até desertar. Não levaram a sério, senão metiam-me na gaiola. Assim ainda antes do Natal de 1966 já estou a receber a Guia de Marcha para Mafra, no dia 3 de Janeiro de 1967, teria de me apresentar pela 8 horas da manhã.

Ia fazer nesse mês os meus 24 anos, e nessa altura era uma idade ainda muito jovem, não se sabia de nada daquilo que os meus netos hoje sabem. Os tempos mudaram.

Um amigo meu com quem fiz algumas incursões pelo país, à boleia, de capa e batina, ele frequentava Direito em Coimbra, só viria a ir para a tropa muito mais tarde, e estava na Guiné no QG – no serviço de Justiça -, já era juiz de Direito, e com 31 anos estava lá no tal dia do golpe de estado do 25A4, e eu já estava casado e com 3 filhos menores. Este meu amigo é hoje ainda Juiz Conselheiro na Relação de Lisboa.

Em termos de comparação, os tempos em que os meus filhos estudaram, as mordomias que tiveram, os cursos superiores que frequentaram, os carros que tiveram para irem para as suas universidades, isto era tudo pago do meu bolso, não havia ajudas do Estado, também diga-se que nessa altura não me custava assim muito, pois trabalhava muito e ganhava bem.

Mas a vida dos meus netos, comparada com a minha e da minha mulher, é a noite do dia, não há termo de comparação, não é só com os meus, foi tudo com a maioria dos filhos da revolução. O país e o mundo mudaram muito nestes últimos 50 anos.

Quis exprimir isto para se ver até que ponto a força de vontade leva tudo à frente, não tive ajudas familiares, bem pelo contrário, acho que nunca acreditaram no que eu seria capaz de fazer, nem mais tarde reconheceram até onde cheguei. São coisas pessoais que estão encravadas na garganta como espinhas, por isso passemos à frente.

Fui para a tropa tirar o curso de oficiais milicianos porque fixei este objectivo que tinha de alcançar, não desisti nunca, não havia espaço temporal para nada, a não ser estudar e fazer exames. Devorava livros e Sebentas, decorei tudo, e agora a minha memória vai-me atraiçoando.

Gostava que em devido tempo, a minha família, pais, irmãos, conjugues, tivessem reconhecido esta façanha, mas não. Acho que ficou a inveja, e sei do que falo.

É desta forma que começa assim a minha saga, a vida militar, que viria a alterar por completo a minha forma de ser, de pensar, de agir, a irritabilidade e agressividade fáceis, importar-me apenas comigo e da minha nova família, a superproteção que imponho a mim próprio, a minha incapacidade de poder ver as consequências dos meus actos, devido ao excesso de fármacos que vou tomando diariamente até hoje, seguindo a minha própria automedicação.

Não vou continuar, ficamos por aqui e vou fazer os meus comentários às poucas fotos que tenho da minha vida militar até chegar à Guiné, e como nunca tive uma máquina fotográfica, estas fotos devem ter sido fornecidas pelos fotógrafos que acompanhavam a tropa e ganhavam a sua vida com este trabalho.

(Continua) 
_________________

Nota do editor:

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16565: Inquérito 'on line' (72): Todos iguais mas uns mais iguais do que outros?... Resultado final (n=94 respostas): os ricos, os poderosos e... os famosos andaram comigo na escola (38%), na tropa (26%) e na guerra (17%)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > "Tugas" e "nharros", filhos de um deus menor... A CCAÇ 2590/CCAÇ 12 era constituida por cerca de 60 graduados e especialistas metropolitanos e 100 praças do recrutamento local.... Foi uma das companhia da "nova força africana" criada por Spínola. Nenhum de nós era filho de gente rica, poderosa ou famosa...

A foto fixou a progressão de forças da CCAÇ 12,  em   bolanha abandonada ou lala, no decurso de uma operação, na época das chuvas, no subsector do Xime, de Mansambo ou do Xitole (já não posso precisar)... O sector L1 equivalia em grande parte ao setor 2 do PAIGC, comandado na época por Mamadu Indjai (gravemente ferido em 18/8/1969 e depois substituído por Bobo Keita). Não demos tréguas uns aos outros nesta época... Todo o chão fula estava militarizado...

Foto: em primeiro plano, à esquerda, vê-se o fur mil at nf Arlindo T. Roda, o alf mil at inf op esp Francisco Magalhães Moreira (comandante do 1º Gr Comb e segundo comandante da companhia) e a seu lado, provavelmente sold 82105369 Mamadu Silá (Ap LGFog 3,7), fula, da 2ª secção (habitualmente comandada pelo fur mil at inf Joaquim João dos Santos Pina, natural de Silves)...Em quinto lugar, parece-me ser o comandante do 3º Gr Comb ( alf mil Abel Maria Rodrigues, transmontano, de Miranda do Douro) ou se o saudoso ex- 1º cabo José Marques Alves, de alcunha "Alfredo" (1947-2013), e que pertencia ao 2º Gr Comb. (Natural de Campanhã, Porto, vivia em Fânzeres, Gondomar,  à data da sua morte.)
Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]


1. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"OS FILHOS DOS RICOS E PODEROSOS DE ENTÃO ANDARAM COMIGO"...

Resultados definitivos, com base em  94 respostas (resposta múltipla):


1. Não, não andaram comigo na escola >  36 (38%)

2. Não, não andaram comigo na tropa >  44 (46%)

3. Não, não andaram comigo na guerra >  50 (53%)

4. Sim, andaram comigo na escola >  36 (38%)

5. Sim, andaram comigo na tropa >  25 (26%)

6. Sim, andaram comigo na guerra >  16 (17%)

7. Não sei / não me lembro > 9 (9%)

2. O inquérito 'on line' decorreu entre 28 de setembro e 5 de outubro e não chegou às 100 respostas.  Aqui vão alguns dos primeiros comentários que esta questão suscitou, entre os nossos leitores, camaradas, tanto no blogue como na nossa página do Facebook:


Domingos Robalo: 

(...) O sobrinho do ministro Sá Viana Rebelo e o filho do deputado à Assembleia Nacional falecido no acidente de helicóptero em Mansoa foram meus camaradas na Artilharia (BAC1 / GAC7). O primeiro comandava um pelotão de artilharia, creio que em Canquelifá e o segundo estava em Catió.  Outros "ricaços" e filhos de industriais por lá andavam em pelotões no TO. Obviamente que a maioria eram de origem mais modesta mas nem por isso menos considerados ou desrespeitados. Era assim na Artilharia. 


Rui Castanha: 

(...) Não faço a minima ideia de quem eram, no inicio, os meus camaradas de guerra ou melhor de tropa. Fomos todos iguais e cada um ocupou o seu lugar com as suas responsabilidades. A questão que se deveria ter colocado é se cumpriram ou não o seu papel. (..:)


Mário Vasconcelos:

(...) Durante o serviço militar nunca me preocupou saber a origem daqueles que correspondiam ao esforço praticado. Os laços que nos irmanavam eram de tal modo fortes, que esse aspecto, para mim, era irrelevante. Suponho ser mais admissível dizer que, durante o ensino superior, alguns fossem dessa proveniência. E, portanto, muitos deles devem ter representado a nação em esforço de guerra. Verdadeiramente, não sei quantificar. (...)


António Rosinha:

(...) Nas grandes aldeias portuguesas, de onde saiam a maioria dos tropas para a guerra, os mais ricos eram o merceeiro, o alfaiate, o cabo da GNR, o mestre escola, e o presidente da junta, porque tinha mais alqueires de terra do que os pobres. Se por acaso algum dos filhos destes ricos quisesse fugir à tropa, estudava, estudava até se formar, e se chumbasse, ia para a Suiça continuar os estudos, e até podia levar uma viola e vir a ser cantautor. No caso dos pobres, quem quisesse fugir à tropa, ia de pedreiro para a França, sem viola... Mas não se diz que o país era de "meia dúzia deles"?  (...) Os filhos de donos de pontas da Guiné, e roças em Angola e machambas de Moçambique, alguns também (não muitos, penso eu) foram estudar ou para a Suíça, ou Inglaterra ou França. No fim apareceram com uma cara "afivelada" de anti-colonialistas, anti-portugueses, mas disfarçavam mal. (...)


Carlos Vinhal:

(...) Na minha Companhia, apareceu em determinada altura um alferes miliciano para substituir o Alferes Couto, vítima mortal de uma mina. Mal chegado, afirmou para quem o quis ouvir, que o seu tempo em Mansabá seria muito curto pois estava à espera que alguém, muito próximo, chegasse a Bissau para manobrar os cordelinhos e o tirar dali. Assim se cumpriu, e assim chegou a Mansabá o Francisco Baptista em sua substituição. (...)


Francisco Baptista:

(...) Pois meu amigo Carlos Vinhal o Francisco Baptista foi das maiores vítimas do compadrio na Guiné. Quando fui substituir esse tal mariola, de boas famílias, sei que tinha um apelido Meneres eu já tinha 17 meses de mato, em Buba. Não protestei pelo destino que me reservaram porque achei que o meu estado psíquico não me iria permitir uma boa adaptação à guerra dos papeis e dos soldadinhos de chumbo dos nossos coroneis e dos seus protegidos. (...)


José Martins:

(...) Sim, andaram por perto, mas em determinada altura afastaram-se. No Jardim Escola, andaram bastantes, que depois foram-se dividindo pelas duas escolas da cidade e das localidades vizinhas.
Na altura do secundário houve nova cisão: os ditos ricos, abastados e agricultoras para o liceu; os remediados para a escola técnica. Na tropa estiveram dois comigo, quer na recruta quer na especialidade de teleimpressor. Eu segui para o CSM. Deles em foi para o QG do Porto, enquanto o outro ficou no regimento, impedido às pocilgas. Quanto pagou ao sargento da pecuária? Não sei, mas deve ter sido bastante. (...)


Hélder Sousa:

(...) Tenho ideia de se falar nisso lá na terra, em que alguns integrantes dos terratenentes se chegaram à frente para defender a integridade da Pátria mas alguns outros houve que foram escapando à mobilização e muito sinceramente já não sei 'fulanizar' esses casos (...)


C. Martins:

Filho de ministro na recruta... não era nada pretensioso... bom camarada e com grande espírito de humor... Num sábado foi o único da sua companhia que não foi de fim de semana, julgo que devido a castigo. Ao apresentar a companhia que era só constituída por ele...meu capitão (oficial dia) companhia pronta...o capitão olha-o de soslaio e diz.. .mande dispersar essa merda... este obedece prontamente...faz meia volta volver.. e dirigindo-se para a parada vazia...berra a plenos pulmões...AAATEEENÇÃO MEERRRDA DISPERSAR...o capitão fez um sorriso amarelo por baixo do seu bigode.

Meu capitão,  tenho uma lagarta na sopa.. resposta do capitão...coma que isso é tudo proteína...pode ser mas.. é "uma merda de proteína"..e afastou delicadamente o prato de zinco. (...)


Luís Graça:

(..) Um grande admirador de Salazar e influente deputado, Cazal Ribeiro, considerado um ultranacionalista, teve um filho, que foi piloto de heli AL III, e que morreu em Angola... Não sei se em combate, se por acidente,,, O caso na época foi muito falado... e provocou comoção nas fileiras do regime, O nosso Dom Duarte Nuno também a fez a tropa e fez uma comissão em Angola... São dois casos, públicos, que me ocorrem à memória. (..)


Valdemar Queiroz:

(...) E, então, os que pagavam para não ir pra guerra ? Sim, houve situações que eu conheci, de Cabos Milicianos com boa classificação na especialidade, ou em pequena rotação, o exemplo das variantes de Artilharia, não mobilizados, que se ofereciam em substituição por troca de dinheiro a outros com classificações mais baixas e mobilizáveis? Os chamados 'mata serviços'. Havia-os cá a 'matar serviços' nos fins de semana, que depois se estendeu à guerra na Guiné, que dava bom dinheiro. Lembro-me do caso no RAP3, Figueira da Foz, de dois de especialidade Munições de Artilharia,  meus conhecidos, um que foi um jogador conhecido de futebol, outro meu ex-colega na Veiga Beirão. O meu ex-colega na Veiga, grande crânio, com excelente classificação, trocou por dinheiro com o futebolista, dum clube conhecido, com baixa nota, para ir pra Guiné. (...)
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 5 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16564: Inquérito 'on line' (71): Os Filhos dos Ricos e Poderosos, incluindo os jogadores de futebol... (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Vd- também postes anteriores:

29 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16538: Inquérito 'on line' (68): Quando os filhos dos ricos e dos poderosos de então andavam connosco na escola, na tropa e na guerra... Resposta até ao dia 5/10/2016, às 19h44...

30 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16543: Inquérito 'on line' (69): Perguntar não ofende, mas às vezes pode incomodar... Os filhos dos ricos e dos poderosos de então andaram comigo na escola (25%), mas não na tropa (52%) e menos ainda na guerra (56%)... Resultados preliminares (n=44)... Prazo de resposta até 5 de outubro, 4ª feira, às 19h44

4 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16559: Inquérito 'on line' (70): Ricos e pobres, a tropa e a guerra... O caso de um camarada meu do 4º turno de 1971, no CISMI, Tavira , que era alegadamente filho de um grande acionista da Tabaqueira (Henrique Cerqueira , ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã,

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13357: (Ex)citações (235): A 'Máfrica' (EPI, Mafra) dos nossos verdes anos (Vasco Pires, camarada da diáspora lusitana no Brasil; ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

1. Comentário do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) (*)


Sim, a metáfora é minha, aliás, a citação.

Vamos lá, então, explicar para os mais apressados.

Muitos de nós - inclusive eu - vínhamos da Academia Coimbrã, em um momento de "clivagem", na segunda metade da década de 60 do século passado.

Mafra: Convento... Fonte desconhecida
Só para relembrar: Barricadas de Paris, De Gaulle  voa para Baden-Baden para se encontrar com Massu, Guerra do Vietname, Universidade de Kent 70...

Então, "Máfrica" exprimia a reação,  de jovens inocentes e provincianos que se julgavam na vanguarda da modernidade e pensavam que iam mudar o mundo, à disciplina militar, reforçada, por ser num curso acelerado [, o COM].(**)



No meu caso, o impacto foi "amortecido", pois dormia e comia fora do quartel [, EPI].

Quanto a juízos de valor, nada tenho contra quem os faz, todavia, eu  procuro não fazê-los. (***)

forte abraço a todos
Vasco Pires
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13355: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): IV (e última) Parte: A Máfricacomo "instituição totalitária", no sentido sociológico forte do termo...

(**) Vd. também:

1 de fevereiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12662: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (15): Mafra, Tavira, Caldas, Santarém, Vendas Novas..., nos tornaram vítimas e agentes (Vasco Pires)


...(...) O processo começava aí: "Máfrica", Vendas Novas, Tavira, Caldas da Rainha... E lá íamos nós, mais ou menos convencidos e eficientes agentes, enquadrar outros mais, pelos quartéis de Portugal e de África. Mafra e Tavira, eram o início de um processo de inserção no sistema de muitos milhares, que a propaganda chegou a fazer pensar, que estavam "dilatando a Fé e o Império". 

Mafra, Tavira, Caldas, Santarém, Vendas Novas..., nos tornaram vítimas e agentes. (...)



16 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10535: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (2): Como fui parar a Gadamael, por acção do meu pai e reacção do 'Paizinho' 

(...) Meu avô materno era filho de comerciante, e como seus irmãos emigrou para o Brasil, e ao contrário deles voltou a Portugal, no fim da primeira década do século XX, casou com uma professora, que era duma família profundamente ultramontana, originaria da Madeira.

A minha infância e adolescência foi passada em escolas da região, seguida de uma passagem de cinco anos pela efervescente cena Coimbrã da segunda metade da década de 60.

Em 69, saí desse "borbulhar" de novas ideias e atitudes, para a disciplina EPI na "Máfrica" de tantos de nós. Logo começou a minha boa sorte, de ter camaradas, subordinados e superiores que me ajudaram nesta caminhada de três anos pelos quartéis de Portugal e África.

Nesta caminhada de soldado-cadete, apareceu o Raul, que era da Mealhada, professor, com família constituida, e lá rumávamos todo Domingo para Mafra. O Raul era um gordo bem humorado, que fazia todos os exercícios como qualquer atleta, mas comer do rancho já era pedir muito, logo tratou de desarranchar e alugar apartamento, e lá fui eu "no vácuo". E assim foi-se amortecendo o choque da irreverência da Academia Coimbrã, com a disciplina do quartel.

Onde quer que estejas, Raul, o meu muito obrigado! (...) 


Guiné 63/74 - P13355: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): IV (e última) Parte: A Máfrica como "total institution", no sentido sociológico forte do termo...


Capa da brochura, s/d, usada no COM - Curso de Oficiais Milicianos, ministrado na EPI - Escola Prática de Infantaria, Mafra (ou a Máfrica, como lhe chama o Vasco Pires, nosso camarada da diáspora lusitana no Brasil), 


Planta do EPI, Mafra





EPI - Salas de aula
































Reprodução da quarta (e última) parte do guia do instruendo do COM (Curso de Oficiais Milicianos), usado na EPI - Escola Prática de Infantaria, em Mafra (*):  Informações úteis para o instruendo (Correio, telefone, sslas recreativas, cantinas, barbearias, farmácias, parques de estacionamento, retificação de documentos, datas de casamentos, talhes de barba e cabelo...).

Imagens: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. O documento original, sem data, chegou-nos, devidamente digitalizado, por mão do nosso camarada Mário Vasconcelos [ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72. Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à esquerda].

Recorde-se que já publicámos o guia do instruendo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos, documento que nos chegou por mão da parelha Fernando Hipólito / César Dias, e que é claramente mais "ideológico" do que o guia que estamos agora a publicar. Comparando os dois guias, há claramente um tratamento mais "classista", de maior deferência, em relação ao instruendo do COM, futuro "oficial e cavalheiro".

Não encontro este documento na Biblioteca do Exército.

Estas "indicações" ( e não "instruções") dadas aos instruendos dos COM remetem, por sua vez, para o Regulamento Geral de Instrução do Exército (RGIE).

2. De qualquer, a grande escola de cadetes e fábrica de oficiais  que depois seguiam para os teatros de operações do ultramar, a grande 'MÁFRICA' (, a expressão é do nosso grã-tabanqueiro Vasco Pires), que terá formado dezenas e dezenas de milhares de oficiais subalternos e comandantes operacionais, era, como em qualquer parte do mundo, uma verdadeira "instituição totalitária" ("total institution") no sentido forte, sociológico, do termo.

Se não,  vejamos alguns traços comuns às instituições e organizações a que poderíamos aplicar a tipologia desenvolvida, e,m 1961, pelo sociólogo americano Erving Goffman (Asyluns: essays on the social situation of mental patients and otther inmates. New York: Anchor, 1961).

(i) Este tipo de institituições  são organizações "muralhadas",  fechadas, com "barreiras" delimitando claramente as trocas ou transações com o exterior, tanto ao nível das entradas no sistema  (inputs) como das saídas (outputs);

 (ii)  como em qualquer estabelecimento militar (mas também prisional, conventual, hospitalar psiquiátrico...), essas barreiras tanto são físicas (sob a forma de muros altos, arame farpado, áreas minadas, portões, janelas gradeadas, portarias, guichés ou balcões de atendimento, pessoal e sistemas mais ou menos sofisticados de vigilância e protecção, áreas de acesso interditas ao público, etc.; como a própria arquitectura dos edifícios, marcada por uma grande volumetria ou monumentalidade, mais evidente ainda em Mafra, já que o  EPI está instalado num antigo convento);   como são  barreiras imateriais, culturais ou simbólicas (logótipos, regulamentos, valores, práticas, ritos, vestuário, normas de acesso, códigos linguísticos, sistemas de sinalização, etc.).;

(iii) tais barreiras servem fundamentalmente para demarcar as fronteiras do sistema de acção interno e definir a identidade organizacional (por ex., o soldado fardado e armado junto a uma barreira de arame farpado, as formaturas, as divisas e galões, os toques de clarim);

(iv) os instruendos (neste caso...)  estão colocados sob uma única e mesma autoridade (o comandante da EPI);

 (v) comem, dormem e trabalham sob o mesmo teto;

(vi) cada fase da atividade quotidiana desenrola-se, para cada instruendo, , numa relação de grande promiscuidade com um elevado número de outros instruendos, submetidos às mesmas regras, procedimentos, deveres e obrigações;

(vii)  todos os períodos de atividade são regulados segundo um programa estrito, isto é, todas as tarefas estão "encadeadas", obedecem a um plano imposto "de cima" por um sistema explícito de normas e regulamentos cuja aplicação é assegurada pelo pessoal militar (de instrução e de apoio), fortemente hierarquizado (oficiais, sargentos e praças); e, por último,

(viii)  as diferentes atividades assim impostas são por fim reagrupadas segundo um plano único e racional,concebido expressamente para responder ao fim ou missão oficial da instituição (, formação militar, humana, técnica e operacional de oficias subalternos em tempo de guerra).

O traço essencial destas instituições, como a MÁFRICA, é a aplicação ao indivíduo dum tratamento coletivo (e, nalguns casos, coercivo) de acordo com um sistema burocrático que cuida de todas as suas necessidades. Daí decorrem alguns consequências importantes, segundo a sociologia da "total institution":

(ix) A tarefa principal dos profissionais (pessoal dirigente e de enquadramento) não é tanto a de dirigir, controlar, ou supervisionar o trabalho, como numa empresa, como sobretudo a de vigiar e punir toda a infracção às regras, todo o comportamento desviante (, isto é mais evidente nas instituições ligadas á justiça, à reinserção social, e  até `á saúde mental - caso dos manicómios, no séc. XX e primeira metade do séc. XX);

(x) Há um fosso intransponível entre o número restrito de dirigentes e de pessoal de enquadramento (instrtutores, neste caso) e a massa de indivíduos dirigidos lou em formação (instruendos);

(xi) Os instruendos são forçados a viver no interior do estabelecimento, por períodos variáveis  (entre 3 a 6 meses),  mantendo com o mundo exterior contactos limitados, enquanto os profissionais continuam , entretanto, oficialmente integrados nesse mundo exterior (têm as suas famílias e as suas casas,  as suas relações sociais, os seus hobbies, etc., no exterior, na comunidade, "lá fora");

(xii) Cada grupo tende a ter  uma imagem estereotipada (e muitas vezes negativa e até hostil) um do outro: para o instrutor, o instruendo  é, incialmente,  visto como um simples mancebo, um ser virado sobre si mesmo, egocêntrico, infantil, reivindicativo, efeminado, mole, cobarde, muitas vezes agressivo, mentiroso, desleal e ingrato; para o instruendo, o instrutor  começa por ser visto  um ser poderoso e muitas vezes prepopente e até tirânico; em todo o caso, quase sempre distante, frio, mesquinho e desumano;

(xiii) Os contactos entre os dois grupos são restritos: a própria instituição impõe a distância espacial e temporal entre eles; mesmo quando certas relações são inevitáveis (a interação na instrução); há barreiras selectivas (as regras da hierarquia militar,  baseadas da unidade comando controlo); há segregaçºão socioespacial (messe de oficiais, messe de sargentos, refeitório de praças);

(xiv) Os instruendos são mantidos sistematicamente na ignorância das decisões que lhe dizem respeito, quer os motivos alegados sejam de ordem militar, legal, administrativa, disciplinar, penal; por outro lado,. nem têm qualquer poder reivindicativo, dada a sua situação de total subordinação e a sua sujeição ao regulamento de disciplina militar;

(xv) A instituição no sentido lato do termo (edifícios, instalações, equipamentos, recursos técnicos, humanos e financeiros, razão social, história, políticas, nome, logotipo, etc.), é vista, tanto por uns como por outros, como ‘propriedade’ dos dirigentes (comandante, instrutores, pessoal de apoio), sendo o pobre do instruendo visto, condescendentemente, quando muito um ‘hóspede’; não há visitas e as saídas (tal como as entradas) são estritamente regulamentadas e controladas em função da lógica do processo de instrução militar, não das necessidades, expectativas ou preferências do instruendo (ou da sua família); como "hóspede" que é, a ele aplica-se o provérbioi popular: "O peixe e o hóspede ao fim de três dias fedem", isto é, cheira mal:

(xvi) A relação de trabalho (nas "total institutions") tende a estar  mais próxima da relação senhor/servo do que da relação de trabalho livre (embora subordinado), que é uma das estruturas-base das sociedades modernas: o conteúdo, a organização e as demais condições de trabalho, os horários, os planos de actividades, as regras de funcionamento, o regimento, etc., são impostos e sancionados pela instituição,


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1964 > Curso de Sargentos Milicianos (CSM) > "Mafra, 26 de Janeiro de 1964 > O 1.º pelotão, da 1.ª Companhia,  ao 2.º dia de tropa"... Foto (e legenda) do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67).


Foto: © Veríssimo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



(xvii) A "nstituição totalitária", enquanto comunidade residencial e organização fortemente centralizada, regulamentada e fechada, é, de resto, incompatível com uma outra estrutura básica no processo de socialização: a família; a sua eficácia depende, aliás, em grande parte do grau de rutura que ela provoca com o universo familiar dos seus membros e com os papéis sociais que desempenhavam antes (pai, esposo, educador, etc.). 

Em suma, e segundo o sociólogo norte-americano Erving Goffman, as ‘instituições totalitárias’ (prisões, hospícios, asilos, lazaretos, hospitais psiquiátricos ou manicómios dos séculos passados, mas também estabelecimentos militares e militarizados,  unidades da marinha de guerra e mercante, frota da pesca do bacalhau, colégios internos, reformatórios, centros de reclusão/reinserção social, mosteiros, conventos, seminários, etc.); seriam, nas sociedades humanas, lugares de coerção destinados a modificar a personalidade, as atitudes ou o comportamento do indivíduo, e a que o indivíduo responde através de dois tipos de "adaptações":

(a) primária ou manifesta (por ex., aceitação das regras, interiorização das normas e valores, submissão à disciplina, compliance ou adesão ao tratamento prescrito, ressocialização);  e

(b) secundária ou latente (como meio de escapar ao papel e ao personagem ou ao label que a instituição lhe impõe — instruendo, educando, interno, noviço, aprendiz, louco, doente, recluso, recruta,  etc.. — e que o leva a assumir uma vida clandestina no seio da instituição. (LG)

PS - Claro que este "modelo sociológico" também se aplicava, com as necessárias adaptações e cautelas, tanto à 'MÀFRICA' como  ao CISMI, Tavira, por onde muitos de nós passámos (e fomos "passados")... antes de ir parar, alegremente,  às bolanhas da Guiné.
__________________

Nota do editor:

(*) Postes anteriores:

18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13003: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte I: Finalidade, Funcionamento, Provas de aptidão, classificação e Faltas

25 de abril de 2014 > Guiné 63774 - P13041: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte II: Averbamentos; Serviço interno; (...); Salas de estudo; Comportamento; Saídas do quartel; Passaporte de dispensas ou licenças; Cartas de recomendação, pedidos feitos por interpostas pessoas, etc.. etc., [vulgo, "cunhas"].

28 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13055: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte III :vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13055: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte III :vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos



Capa da brochura, s/d, usada no EPI, Mafra, no COM - Curso de Oficiais Milicianos












Reprodução da terceira parte do guia do instruendo do COM (Curso de Oficiais Milicianos), usado na EPI - Escola Prática de Infantaria, em Mafra (*): vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos (Estes pontos não foram, por lapso, incluídos na parte II

Imagens: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. O documento original, sem data, chegou-nos, devidamente digitalizado, por mão do nosso camarada Mário Vasconcelos [ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72. Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à esquerda.

Recorde-se que já publicámos o guia do instruendo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos, documento que nos chegou por mão da parelha Fernando Hipólito / César Dias, e que é claramente mais "ideológico" do que o guia que estamos agora a publicar. Comparando os dois guias, há claramente um tratamento mais "classista", de maior deferência, em relação ao instruendo do COM, futuro "oficial e cavalheiro"...

Não encontramos este documento na Biblioteca do Exército nem sabemos de que data será.

Estas "indicações" ( e não "instruções") dadas aos instruendos dos COM remetem, por sua vez, para o Regulamento Geral de Instrução do Exército (RGIE). As páginas que faltavam (4) foram agora disponibilizadas pelo Mário Vasconcelos a quem agradecemos a generosidade.



Mafra, EPI > Refeitório > 6 de janeiro de 2010 > 40 anos depois, o Paulo Santiago voltou lá, não para "matar saudades", mas para desatar os nós da memória...


(...) "Há o 6 de Janeiro de 1970, fiz vinte e dois anos, e entrei na EPI [, Escola Prática de Infantaria, em Mafra]... E hoje [, 6 de Janeiro de 2010, voltei a Mafra, voltei a entrar no Calhau, passados que foram 40 anos. Não sei como me apareceu a ideia, mas a verdade é que me sentei ao computador, há dias atrás e lá estava a enviar um mail ao Comandante, pedindo autorização para uma visita para este 6 de Janeiro de 2010. Visita autorizada por mail enviado pelo Major Álvaro Campeão com a concordância do Coronel Ormonde Mendes, Comandante da Escola.

(...) "Passei em Pombal, levei o Vítor Junqueira, e a seguir ao almoço estávamos a entrar pela Porta de Armas. Fomos amávelmente recebidos, fomos a alguns locais (ex. Gabinete do Comandante) onde quando Cadetes, nem sabia onde ficavam, e acompanhados pelo Srgt. Ajudante Janelas percorremos aqueles imensos corredores, onde já começava a ficar desorientado, o Refeitório, o Salão de Honra, as paradas, terminando no Bar de Oficiais. Como curiosidade fomos à Sala das Bicas, fica na extremidade dos refeitórios, nem eu nem o Vítor a conhecíamos, e recebe água vinda da Tapada (potável). Visitámos também uma sala com uma arquitetura notável : a Casa do Capítulo, também conhecida por Sala Elíptica." (...)

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2010). Todos os direitos reservados
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de 2014 > Guiné 63774 - P13041: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte II: Averbamentos; Serviço interno; (...); Salas de estudo; Comportamento; Saídas do quartel; Passaporte de dispensas ou licenças; Cartas de recomendação, pedidos feitos por interpostas pessoas, etc.. etc., [vulgo, "cunhas"].

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Guiné 63774 - P13041: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte II: Averbamentos; Serviço interno; (...); Salas de estudo; Comportamento; Saídas do quartel; Passaporte de dispensas ou licenças; Cartas de recomendação, pedidos feitos por interpostas pessoas, etc.. etc., [vulgo, "cunhas"].




Planta do EPI, Mafra


(Faltam páginas, correspondentes à continuação do ponto VI, e aos pontos VII, VIII e  IX (no todo) e ainda parte do ponto X)












Reprodução da segunda parte do guia do instruendo do COM (Curso de Oficiais Milicianos), usado na EPI - Escola Prática de Infantaria, em Mafra (*):  V- Averbamentos; VI - Serviço interno; (...) XI - Salas de estudo; XII - Comportamento; XIII - Saídas do quartel; XIV - Passaporte de dispensas ou licenças; XV - Cartas de recomendação, pedidos feitos por interpostas pessoas, etc.. etc., [vulgo, "cunhas"].

Imagens: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. O documento original, sem data, chegou-nos, devidamente digitalizado, por mão do nosso camarada Mário Vasconcelos [ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72. Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à direita].

Recorde-se que já publicámos o guia do instruendo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos, documento que nos chegou por mão da parelha Fernando Hipólito / César Dias, e que é claramente mais "ideológico" do que o guia que  estamos agora a publicar.  Comparando os dois guias, há claramente um tratamento mais "classista", de maior deferência, em relação ao instruendo do COM, futuro "oficial e cavalheiro"...

Não encontro este documento na Biblioteca do Exército nem sei de que data será.

Estas "indicações" ( e não "instruções") dadas aos instruendos dos COM remetem, por sua vez, para o Regulamento Geral de Instrução do Exército (RGIE). É pena que nos faltem algumas páginas, lapso que o Mário Vasconcelos poderá eventualmente corrigir.


Mafra  (ou "Máfrica") > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > COM > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos cadetes,  onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra.

O Paulo Enes Lage Raposo foi al mil inf,  com a especialidade de Minas e Armadilhas, na CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 (Guiné, Zona Leste, Setor L1, Bambadinca, 1968/70).

Durante a sua comissão, passou esteve em Mansoa e sobretudo na zona leste (Galomaro e Dulombi), a sul de Bafatá. A sua companhia perdeu 17 militares na travessia do Rio Corubal, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).

Foto: © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados
__________