Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Fabião. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Fabião. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 3 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23224: A nossa guerra em números (16): A "força africana" em 1972: mais de 20 mil homens em armas, segundo o enviado especial do "Diário de Lisboa" ao CTIG



Guiné > s/l [Bambadinca ?] > s/d [c. 1971/73] > A Força Africana... O major inf Carlos Fabião, na altura (1971/73),  comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen António Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias.(*)

In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola,  Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autores das fotos: desconhecidos. (Reproduzidas com a devida vénia)


1. Estes dados  foram  retirados do trabalho do jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues,  enviado em julho de 1972, à Guiné, por convite (e com garantias) de Spínola . 

Merecem o devido destaque, salvaguardadas as necessárias reservas por não se tratar de uma fonte independente... Nomeadamente, os que respeitam aos efetivos do PAIGC  e à população sob o seu controlo. Não é por acaso que o jornalista deu ao conjunto desses quatro artigos de reportagem o título de "Guiné, uma crónica imperfeita" (**)


TERRITÓRIO:

(i)  "A superfície cresce e diminui todos os dias, consoante as marés, situando-se numa média de 32 mil quilómetros quadrados, com 193 quilómetros na extensão Norte-Sul e 330 de Leste a Oeste".

(ii) "A estas condições geográficas tão difíceis para um exército tradicional, vem juntar-se uma fronteira de 750 quilómetros, completamente aberta tanto no aspecto físico como no povoamento".


POPULAÇÃO:

(iii) "Bissau afirma controlar 487 448 habitantes (foram os que se deixaram recensear em 1970), mantendo-se outros 27 174 em 'zonas de duplo controle' ".

(iv) "No Senegal vivem 60 000 refugiados, e na Guiné 20 000, segundo informa o Comando-Chefe, apoiando-se em  dados da Comissão de Refugiados da ONU".

(v) "A ser assim, 89,5 por cento dos guinéus viveriam no interior do TO (teatro de operações) e 82 por cento do total estariam sob controle português."

(vi) "Numa população que em 1970 era de 594 622 habitantes, os balantas seriam em 1963 perto de 200 mil, isto é, cerca de metade dos guinéus [ erro de cálculo do jornalista, é um  terço e não metade] . Uma maioria trabalhadora e explorada que forneceu à guerrilha os seus primeiros combatentes. Um povo dividido, combatendo, com o PAIGC os fulas, dominadores e contra o PAIGC, ao lado de outros fulas da Força Africana".


PAIGC:

(vii) "Os dois mil combatentes que (...) actuam dentro das fronteiras, manobram a partir das 'zonas sob duplo controle' (...), situadas ao longo do corredor florestal e particularmente nas proximidades de Bissorã / Mansabá / Canjambari, confluência do Geba/Corubal, e sobretudo na zona ao sul do rio Buba, à volta de Catió".

(viii) "Outra zona 'quente' situa-se perto do Cacheu, junto ao rio do mesmo nome, alastrando pelas florestas  ao norte do Bachile e do Pelundo".

(ix)  "Calculam-.se em 7 000 os combatentes do PAIGC actuando a partir de 25 bases da fronteira senegalesa e de 8 da República da Guiné, incluindo aqueles que se encontram dentro do TO".

(x) "Militarmente,  as forças do PAIGC estão estruturas em 'corpos de exército' integrados por um comandante, um comissário político, dois chefes de destacamento e três unidades: um grupo de bazookas, ou lança granadas foguete; uma bateria de artilharia, ou de armas pesadas de infantaria, como morteiros ou canhões sem recuo; e quatro bi-grupos. Cada bi-grupo é constituído por dois agrupamentos de trinta e cinco homens (agora reduzidos a vinte e cinco)".


FORÇA AFRICANA:

(xi) "Compõem a  Força Africana perto de 5 mil soldados regulares, cerca de 6 mil milícias e mais de 6 mil auto-defesas, além de outros 5 mil homens enquadrados na guarnição normal".

(xii) "Os regulares negros estão enquadrados em companhias de comandos africanos (uma outra está a ser constituída) com oficiais nativos, destacamentos de fuzileiros (e mais um em constituição) com alguns quadros negros, e ainda doze companhias de caçadores instaladas no 'chão' das suas etnias e igualmente comandadas por alguns graduados nativos. São a grande tropa de elite da guerra da Guiné, capazes de aguentar uma operação  de quatro a cinco dias nas zonas mais 'quentes' do mato, e sempre com um arrojo e ferocidade de fazer tremer a selva",

(xiii) "O corpo de milícias (nove semanas de instrução) é constituído por elementos novos com farda e soldo. São uma espécie de militares em part-time, com a missão fundamental de defesa das populações que habitualmente protegem durante a noite e acompanham nos trabalhos do campo. São todos voluntários, mas só em circunstâncias especiais participam em operações".

(xiv) "As auto-defesas são constituídas por civis nativos, sem instrução militar". (***)





Guiné > s/l > PAIGC > Novembro de 1970 > Um bigrupo (em geral, constituído por 30/40 elementos). Na foto contam-se 27 guerrilheiros. Repare-se que na sua generalidade  usam sandálias de plástico (só um usa botas de lona) e há uma grande indisciplina no vestuário. Metade não usa boina ou barrete. Quanto ao armamento, vemos dois apontadores de RPG, e o resto empunha armas automáticas (Kalash, PPSH, Degtyarev...)

Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. E  alegadamente. terá sido tirada   em "região libertada" (sic).

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI)  (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda. 

Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9526: As novas milícias de Spínola & Fabião (1): excerto do depoimento, de 2002, do Cor Inf Carlos Fabião (1930-2006), no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (Arquivo de História Social, ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)

(**) Vd. poste de 2 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23222: 18º aniversário do nosso blogue (10): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte III: 30 de agosto de 1972: uma formidável máquina de guerra africana contra o PAIGC

(***) Último poste da série > 15 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23079: A nossa guerra em números (15): Segundo o investigador Ricardo Ferraz, do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, a guerra colonial (1961/74) custou ao Estado Português, a preços de hoje, e na moeda atual, cerca de 21,8 mil milhões de euros

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21029: Notas de leitura (1287): “Guerra e política, em nome da verdade, os anos decisivos”, por Kaúlza de Arriaga; Edições Referendo, 1987 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Motiva-me, de há muito, ajuntar o maio número possível de peças sobre a guerra colonial e o que depois se passou. Ao General Kaúlza de Arriaga gabe-se a franqueza: foi sempre um homem do regime, considerou-se um vanguardista em matérias de força aérea e energia nuclear. O que mais impressiona neste seu relato que tem a data de 1987 é a sua impossibilidade, à luz de documentação vinda ao lume posteriormente ao fim do Estado Novo, de poder equacionar em termos concretos as grandes determinantes da luta anticolonial e os apoios que colheu, muito longe de terem ficado confinados ao comunismo, como se fazia acreditar. E pasma-se como é possível escrever-se serenamente de que não tinha havido nenhum massacre em Wiriamu.

Um abraço do
Mário


Kaúlza de Arriaga, as suas queixas contra a descolonização

Beja Santos

“Guerra e política, em nome da verdade, os anos decisivos”, por Kaúlza de Arriaga, Edições Referendo, 1987, é uma compilação de textos em que uma das mais destacadas figuras militares ultranacionalistas apresenta a sua posição sobre a guerra no Ultramar, elenca aqueles que ele considera os casos fulcrais, expõe as doutrinas de guerra e a luta em Moçambique que na sua opinião caminhava para a vitória da posição portuguesa.

Segundo o antigo Comandante-Chefe das Forças Armadas de Moçambique as causas profundas da guerra foi a infiltração comunista no chamado terceiro mundo, a avidez de destroçar a posição de vanguarda em que se encontrava o Ultramar português, que nada tinha a ver com colonialismo opressores e exploradores, era naqueles territórios que se caminhava para a autodeterminações autênticas, que seriam atingidas provavelmente nos últimos anos da década de 1980 ou nos anos 1990. O nosso Ultramar, continua Kaúlza de Arriaga, estava dependente da confrontação Leste/Oeste, Moscovo queria passar para a sua órbita Angola e Moçambique, para poderem ser utilizadas como bases privilegiadas contra a Namíbia e a África do Sul. O 25 de Abril significou a apostasia e a traição, a posição portuguesa era legítima, no Ultramar agia-se mediante uma guerra construtiva e defensiva e diz explicitamente: “Outro aspeto importante da guerra contra-subversiva no Ultramar português foi a grande humanidade com que as operações, mesmo as especificamente militares, eram conduzidas e executadas (…) dificilmente se encontrará onde e quando se tenha ido mais longe em matéria de acolhimento de prisioneiros”. As forças armadas foram bem-sucedidas na contra-subversão, promoveram as populações, travaram o terrorismo, e culmina com a seguinte afirmação: “Pelo menos em Angola e Moçambique, a contra-subversão conduzida pelas forças armadas e pelas autoridades civis estava inequivocamente muito próxima da vitória final”.

Destas considerações, o general salta para o período pré-25 de Abril e para um célebre almoço que teve lugar em Lisboa, em 14 de Setembro de 1973, onde estiveram presentes os Generais Venâncio Deslandes, Fernando Resende, António de Spínola e Kaúlza. Escreve-se que ali se fez uma análise aprofundada do que ocorria na metrópole, muito com consequências perigosas para o Ultramar, tendo-se concluído da séria conjuntura que se vivia e da possível incapacidade do governo para a enfrentar. Segundo Kaúlza, Marcello Caetano tinha sido ultrapassado pelas organizações e por acontecimentos. E di-lo com a maior das clarezas: “Impunha-se que os generais, chefes das forças armadas em guerra e em operações activas, na sua qualidade de exemplo primeiro, assumissem as suas responsabilidades, fazendo sentir ao poder vigente, firme e decisivamente, as mudanças que se tornavam indispensáveis”. Spínola terá dito que não desejava trabalhar com os outros generais, ele faria sozinho, com a sua gente e quando o entendesse o seu 28 de Maio. O Major Carlos Fabião encarregou-se de estragar a festa, em 17 de Dezembro, no Instituto de Altos Estudos Militares terá alertado para um golpe de generais ultra em preparação. Kaúlza queixou-se de Fabião, ninguém lhe ligou. Apareceu o livro de Spínola, Kaúlza esteve três vezes no primeiro trimestre de 1974 com Américo Thomaz, este também não teve coragem de tomar as medidas consentâneas. Segundo Kaúlza chegara-se à movimentação dos capitães a partir de três casos e situações determinantes: a remodelação ministerial de 7 de Novembro de 1973, a publicação do livro de Spínola e a passividade ou cumplicidade do governo perante o MFA. Chegara o descalabro, também explicado pela marxização europeia, e assim se deu a colocação plena na órbita do imperialismo comunista das nossas parcelas africanas.

Kaúlza de Arriaga em cerimónias do 10 de Junho

Kaúlza foi detido por associação dos acontecimentos do 28 de Setembro de 1974. Acusa gente vingativa como Costa Gomes e Galvão de Melo. Juntou-se a um grupo de 18 cidadãos portugueses que apresentaram uma queixa, em finais de Dezembro de 1979 na secretaria da Polícia Judiciária contra Mário Soares, Almeida Santos, Melo Antunes, Costa Gomes, Rosa Coutinho, Vítor Crespo, Otelo Saraiva de Carvalho, Pires Veloso, Vicente de Almeida d’Eça e outros, como os membros do Conselho de Estado que deram pareceres favoráveis aos acordos que conduziram à descolonização. Fala do seu empenhamento na definição de doutrinas de Estratégia e descreve minuciosamente o programa da cadeira de Estratégia que ministrou no Instituto de Altos Estudos Militares, dá-nos conta da correspondência que travou com Salazar, das suas conferências alusivas à ação estratégica em África, teve, à semelhança de Spínola, boas relações iniciais com Marcello Caetano, acabou tudo em discórdia. As memórias amontoam-se, fala-se do 13 de Abril de 1961 em Angola, do desastre da Índia portuguesa, do conflito entre Adriano Moreira e Venâncio Deslandes, enfim, da degradação e desmoralização das forças armadas. De várias procedências, fizeram-lhe convites para se candidatar à presidência da República, inclusivamente para se confrontar com Américo Thomaz. Não perdoa a Costa Gomes, em 1973, não lhe ter dado mais meios efetivos, para combater o terrorismo em Moçambique.

Momentos há, enquanto se lê esta narrativa, em que questiona se Kaúlza só estava preocupado com Angola e Moçambique, tratava a Guiné como uma subalternidade, uma esquirola em confronto com duas províncias opulentas, e é nesse contexto que se pode ler o que ele pensa:  
“A questão começava em saber-se se a Guiné podia defender-se, sem prejuízo inaceitável para as lutas em Angola e Moçambique, em face da absorção desproporcionada de atenções e de meios contra-subversivos a que se dava lugar. Isto porque a importância da Guiné era, no Conjunto Português, mínima em contraste com a das grandes e prósperas províncias de Angola e Moçambique que, com a metrópole, constituíam a parte fundamental de tal conjunto. Punham-se duas hipóteses. A primeira, a da Guiné ser defensável sem prejuízo das lutas em Angola e Moçambique, havendo nesta hipótese, evidentemente que defendê-la. A segunda, a da defesa da Guiné se projectar, nas mesmas lutas de Angola e Moçambique, com significativo retardamento ou grande prejuízo do êxito português, havendo, nesta outra hipótese, que encontrar-lhe uma solução própria. Parece que, na opinião de Spínola, a guerra na Guiné não poderia vencer-se em termos militares, devendo, em consequência, procurar-se uma solução política. Creio que esta opinião não tinha muito sentido, porque, sendo a subversão/contra-subversão uma luta total, em que o factor militar não é o mais importante, a vitória contra-subversiva só podia, em regra, ser conseguida pelo conjunto de forças de um país lideradas pela Alta Política, e raramente apenas pelas suas Forças Armadas”.

Kaúlza de Arriaga anda num vaivém entre o seu presente e o seu passado, é muito repetitivo, como se disse, dava a luta em Moçambique como vitoriosa, estava mesmo tão vitoriosa que exigia muitíssimos mais efetivos para ficar em Moçambique, diz que houve pseudomassacres em Moçambique, nada aconteceu em Wiriamu. Suficientemente modesto e discreto, deixa na contracapa uma citação de Luc Beyer de Ryke, um jornalista belga que sobre ele escreveu em 25 de Setembro de 1973: “Kaúlza de Arriaga é um carácter e uma lenda. Para os seus adversários é tido como o Massu (célebre oficial paraquedista francês) português. Na verdade, este homem que cultiva com muita arte o sentido das relações públicas, pareceu-nos mais subtil, mais inteligente que Massu. General vitorioso no Norte, não tendo ainda forçado e selado a decisão em Tete, a Kaúlza de Arriaga poder-se-ia aplicar a frase de Barrès: tem sempre o cérebro no punho de um sabre”.

Junta-se o texto de uma notícia que vinha dentro deste livro que adquiri na Feira da Ladra, ao princípio da manhã de sábado, 11 de Março de 2017.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21023: Notas de leitura (1286): "A batalha do Quitafine: a contraguerrilha antiaérea na Guiné e a fantasia das áreas libertadas", edição que acaba de sair do antigo ten pilav José Nico, BA 12, Bissalanca, 1968/70

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19887: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (8): O soldado Machado, de etnia cigana: 'Ó Barrelas, pagas-me uma bejeca ?!'... Uma "estória" bem humorada do Mário Pinto (1945.2019)


Mário Pinto (1945-2019):  além de animador nas redes sociais,  foi também um dos grandes organizadores dos convívios do pessoal da CART 2519, "Os Morcegos de Mampatá", igualmente conhecidos por "Os Coirões de Mampatá", comandados pelo cap art Jacinto Manuel Barrelas... Estiveram em Buba, Aldeia Formosa e Mampatá (1969/71), ao tempo em que era comandante do COP 4 o major Carlos Fabião.

Sobre este oficial superior escreveu o seguinte, em 10/2/2015 na página do Facebook Tabanca de Mampatá - Grupo Público:

 (...) " A primeira vez que o vi, foi no meu desembarque em Buba em meados de Maio de 1969, ainda periquito e desconhecendo aquilo que teria de infrentar apartir daí. Na formatura formal de apresentação em Buba, fiquei a conhecer o então Major Carlos Fabião, comandante do COP4.
Quem, como nós, CART. 2519,  habituados á disciplina militar imposta pelo seu comandante, estranhou, e  de que maneira, a atitude descontraída e informal de Carlos Fabião quando nos recebeu, de calções e camisa com o seu bastão, a dirigir algumas indirectas ao nosso Capitão Barrelas, avisando que no seu sector era tudo mato e não uma parada de qualquer quartel onde os militares teriam de andar sempre aprumados. No seu sector permitia que os mesmos andassem á vontade quanto a bigodes, barba e vestimenta, o que era necessário era que os homens se sentissem á vontade e com espírito guerreiro para enfrentarem as vicitudes que iriam encontrar daí para a frente. Desejou boa sorte a todos e que o nosso destino seria Mampatá e a nossa missão os trabalhos da nova estrada Buba-Aldeia Formosa.
Para mim, que estava habituado à disciplina ferrea do meu comandante de Companhia foi uma lufada de ar fresco este seu discurso... O certo é que o Capitão Barrelas nunca mais foi o mesmo daí em diante, ele próprio com algum espanto meu aderiu à moda do calção, tronco nu e chinela no pé.
Isto a meu ver, só foi possível depois do discurso de boas vindas do comandante do COP4, Major Carlos Fabião" (...) 


"Hoje é dia de coluna, algures na estrada Buba-Aldeia Formosa 1969/71" (Mário Gualter Pinto, 12 de fevereiro de 2012, página do Facebook Tabanca de Mampatá - Greupo Público) (com a devida vénia...). Não temos a certeza se a foto era da autoria do Mário Pinto, administrador da página. De qualquer modo, passa a ser de todos nós...


1. Esta foi a primeira das "estórias do Mário Pinto" (que publicou cerca de 4 dezenas) (*)... Fomos repescá-la para alimentar esta série dos "15 anos a blogar, desde 23/4/2004" (**).  É um dupla homenagem, ao nosso Mário Pinto (1945-2019), que nos acaba de deixar, e também aos nossos camaradas de etnia cigana, que passaram pelo TO da Guiné. Não sabemos quantos foram, nem muito muito os que cumpriram o serviço militar na época. Mas temos o descritor "ciganos" no nosso blogue. A "estória" vale também pelo bom humor de caserna.

No seu blogue, "CART 2519, Os Morcegos de Mampatá", em poste de 23 de agosto de 2009 , o Mário Pinto já tinha deixado esta nota de homenagem ao seu camarada Machado, o "cigano" (que, convém dizê-lo, não é uma "raça", mas quando muito um "grupo étnico": em Portugal e no resto do mundo, não há "raças humanas"; o termo "raça" era ainda usado no nosso tempo, mas sem "conotação racista", tal como o Mário Pinto o usa aqui).

(...) "Quem não se lembra do cigano, José António Pereira Machado, soldadi atirador do 1.º Grupo de Combate ?!

Foi um dos inconformados e controversos soldados que os Morcegos tiveram nas suas fileiras. No mato era um bom combatente, sempre activo e combativo, demonstrava não ter medo do perigo, mas no aquartelamento era problemático e conflituoso.

A sua raça e origem não permitia a convivência com os seus camaradas. Por diversas vezes, tememos a seu abandono, ou seja que o mesmo desertasse, mas o mesmo tornou-se sempre digno dos Coirões.

Por ser uma figura carismática da nossa Companhia, deixo aqui uma pequena citação ao Cigano." (...)


O soldado Machado, de etnia cigana: ' Ó Barrelas, pagas-me uma bejeca ?'

por Mário Pinto


O “Cigano”, como era conhecido o soldado Machado (creio que era mesmo da etnia cigana), foi protagonista de um episódio hilariante, mas muito real, que um dia “atropelou” o que não podia ser “abandalhada” - a rígida Disciplina Militar -, que na tropa se exige (creio que ainda hoje esta se mantém), em relação aos superiores hierárquicos.

Certo dia, o nosso capitão integrou-se num grupo de combate que ia patrulhar a nossa ZA - Zona de Acção, onde ia o nosso camarada Machado. Depois de percorrida já uma vasta área do patrulhamento habitual, e perto dum local por todos considerado de elevado risco, o Machado sai-se com esta:

- Ó meu capitão, à nossa frente estão pegadas do IN.

Isto em pleno mato... O capitão ripostou:

- Ó meu coirão, não sabes o meu nome, eu sou o Barrelas!

O patrulhamento terminou ao findar do dia e procedeu-se ao respectivo regresso ao aquartelamento de Mampatá.

Na cantina, que era comum a todos, praças, sargentos e oficiais, depois do banho, o camarada Machado tem este desplante perante a admiração de todos os presentes:

- Ó Barrelas, não me pagas uma bejeca?!

O capitão, com o seu ar autoritário - de Comandante -, virou-se para o Machado e disse:

- Ó meu coirão, já não me conheces, eu sou o teu capitão Barrelas, por isso deves tratar-me como tal. Quando te dirigires a mim, tratas-me por meu capitão!

O mesmo, atónito com a situação, retorquiu:

- Mas o senhor lá atrás disse-me para o tratar por Barrelas!...

Aqui o capitão riu-se da situação e acabou mesmo por pagar a “bejeca” ao Machado.

 ______________


Último poste da série > 9 de junho de  2019 > Guiné 61/74 - P19874: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (7): o inferno de Bissá: a morte do balanta Abna Na Onça, capitão de 2ª linha (Abel Rei, ex-1.º cabo at, CART 1661, Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18965: (De)Caras (115): O Carlos Fabião que eu conheci (António Novais Ribeiro, ex-fur mil trms, Cmd Agr 2951, Cmd Agr 2952 e Combis, 1968/70)


O último Governador Geral e Comandante-Chefe, Carlos Fabião (1974)... Aqui na foto ainda capitão e depois major, comandante do Comando Geral de Milícias (1971-973), ao tempo de Spínola... Foto de autor desconhecido, reproduzida aqui com a devida vénia. In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335


I. O António Novais Ribeiro, engenheiro, reformado, morador na Senhora da Hora, Matosinhos, contou-me, ontem, na Tabanca de Candoz, várias histórias do então major de operações Carlos Fabião. com quem trabalhou no âmbito do Comando de Agrupamento 2951 (e depois, 2952), em Mansoa, em 1968/60... 

Eu gostaria de as não esquecer. Carlos Fabião (1930-2006) não é um militar qualquer... O tempo dirá qual o seu lugar na história de Portugal. Aqui ficam. para já,  essas "pequenas histórias", que são  reveladoras do seu carater, sentido de humor, ar brincalhão, afabilidade, mas também da sua postura como militar... Dele se pode dizer que ninguém é feito de "uma só peça"... (Julgo que em Mansoa, em 1968/69, o Carlos Fabião ainda devia ser capitão e não major..).

Sobre o Carlos Fabião temos meia centena de referências.... Disse-me o António que o Carlos Fabião esteve 5 vezes na Guiné, a primeira como alferes ainda nos anos 50... Eu, pessoalmente, tinha a ideia que fizera 3 comissões de serviço na Guiné... Ainda não pude confirmar esta informação. De qualquer modo, era talvez o oficial do exercito português que melhor conhecia a Guiné e os guineenses. Recorde-se que, graduado em brigadeiro, ele foi  o último Alto-Comissário e Comandante-Chefe do CTIG, entre 6 de maio e 11 de outubro de 1974.

1. Um dia chegiu ao pé do alf mil Novais (era assim que o António era tratado) e entregou-lhe um "aviãozinho de papel", pintado a cores e tudo:

- Novais, guarde-me aí na sua gaveta este aviãozinho.
- Para quê, meu major ?
- Quando vocêr tiver 53, eu vou de férias!

... E todos os dias lhe confiava um aviãozinho de papel, pintado às cores, até à véspera da sua idade de féris à metrópole...

2. Também era brincalhão, e gostava de pregar partidas aos seus subordinados, em especial aos 3 alferes (Novais, Torgal e Oliveira, este último já morreu, foi tripulante da TAP).

Recorde-se que o António Novais Ribeiro foi furriel miliciano de transmissões, entre 1968 e 1970, no Comando de Agrupamento 2951 (Mansoa), e no Cmd Agrup 2952 (extinto em 7 de janeiro de 1969, sendo o seu pessoal integrado no Combis - Comando de Defesa de Bissau). Trabalhou, nomeadamente com o, na altura, major inf Carlos Fabião. Teve também como camarada o  historiador Luís Reis Torgal [Luís Manuel Soares dos Reis Torgal], mais velho 3 anos, alferes miliciano. Em 1966, já  estava licenciado. No Cmd Agrup estava ligado às operações ou à secretaria, já não posso precisar. Os gabinetes estavam pehados. O do Torgal tinha um postigo, furado, e uma rede mosquiteira... Um dia o Fabião. chegou ao postigo e chamou pelo Torgal:
- Ó Torgal, abra lá o postigo!
- O quê, meu major ?

... Do outro lado da janelinha, o Carlos Fabião tinha um seringa com água... Borrifou a cara do Torgal...

3. O Carlos Gavião costumava mandar aprontar uma viatura e ir para as tabancas de Mansoa conviver com a população, em acções de "psico-social"...

E convidava malta  do comamdo de agrupamento para ir com ele... O Novais nunca foi, mas era lendária a sua coragem física e a sua empatia... Costumava distrinuir aguardente de cana aos balantas cujas simpatias, soubemo-lo, íam mais facilmente para o Amílcar Cabral do que para o Spínola...

4. Também desenhava muito bem... Um dia fez um "boneco" com a chegada do Nuno Tristão à costa da Guiné, em 1446... 

O navegador português morreria pouco depois com uma flecha, possivelmente envenenada. Antes de morrer, o Nino Tristão ainda tem tempo, no "cartoon" do Carlos Fabião, de exclamar qualquer coisa como;
- Chego demasidafo cedo à Guiné e morro sem poder vir a ser o primeiro administrador da Casa Gouveia...

5.  Outra do Fabião:

O Cmd Agrup 2951 recebe uma mensagem Zulu ("Relâmpago"), secreta... O 1º cabo cripto decifrou-a, imediatamente, e logo a entrega da mensagem descofificada, em envelope fechada, ao alferes de transmissões paar ser entregue ao major de operações...

O Novais procura, a correr, o Fabião. Em vão, vasculhou tudo o que era sítio no quartel de Mansoa...Esbaforido, já desesperado, acaba finalmente por o localizar, à entrada da porta de armas, vindo de uma tabanca ou coisa do género...

Exclamou o Novais, à beira de um ataque de nervos:
- Porra, meu major, onde é que o senhor se meteu ? Tenho aqui uma mensagem relâmpago para si, ando há duas horas à sua procura.
- Ó Novais, você sabe que a mensagem relâmpago tem o grau máximo de procedência, mas isso é para o cripto, e lá na tropa... Agora, na Guiné,  você tem 24 horas paar ma entregar... Como só lá vão duas, ainda tem 22 horas de avanço...

Recorde-se aqui a classificação mensagens:

Z - ZULU ? = Relâmpago (No centro cripto, passava à frente de todas as outras; grau máximo de urgência)

O - OSCAR = Imediato (As primeiras a serem decifradas, caso não houvesse Zulus...)

P - PAPA = Urgente (Para se fazer...)

R - ROMEO = Rotina...(Como o seu nome indica, para ser ir fazendo...)

Quanto ao secretismo, as mensagens eram classificadas por esta ordem:

Reservada / Confidencial / Secreta / Nuito secreta

Explicação dada pelo  nosso camarada António J. Pereira da Costa: as mensagens têm ainda hoje 4 graus de precedência: Relâmpago, Imediato, Urgente e Rotina. A mensagem Relâmpago (Z) deveria chegar ao destinatário em 10 minutos.  As Imediato (O) demorariam cerca de 2 horas. As Urgente (P) já iam para as 4-6 horas.  Claro que as Rotina (R) eram como o combóio do espanhol. 

No que diz respeito à classificação de segurança ainda hoje temos as Muito Secreto, Secreto, Confidencial e Reservado.

6, Outra ainda que me contou ontem o António Novais Ribeiro, na Tabanca de Candoz... 

Por qualquer razão, o major Fabião queria dar uma "piçada" ao pessoal de transmissões do Cmd Agr... Ordena ao alferes de transmissões do Cmd Agrup 2951 (depois 2952):
- Novais, forme aí o seu pessoal.
- Sim, meu major.
- À minha direita... mas você coloca-se a meu lado, à esquerda.
- Sim, meu major, mas.. à sua direita, porquê ?
- É que vai tudo ser corrido à chapada...

[Texto: recolha, revisão e fixação: LG]
______________

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18080: Em busca de... (284): Veteranos da CCAÇ 797, "Os Camelos" (Tite e Nhacra, 1965/67), comandada pelo cap inf Carlos Fabião, e em especial os 8 elementos da secção do fur mil Júlio Lemos Pereira Martins, do 1º Gr Comb, comandado pelo alf mil inf Américo de Melo Pinto Lopes (Mário Leitão, autor do livro em elaboração "Heróis limianos da guerra do ultramar")


Guiné > Região de Quínara  > Tite > 1965 > CCAÇ 797 (Tite e Nhacra, 1965/67) > Grupo de furriéis e sargentos >


Guiné > Região de Quínara  > Tite > 1965 > CCAÇ 797 (Tite e Nhacra, 1965/67) > Grupo de furriéis e sargentos  (i) >O fur mil Júlio Lemos Martins é o nº 2, fila da frente, dos aninhados...



Guiné > Região de Quínara  > Tite > 1965 > CCAÇ 797 (Tite e Nhacra, 1965/67) > Grupo de furriéis e sargentos (II) > O nº 10 e nº 12 parecem ser sargentos. O nº 10 pode ser um civil, administrador ou chefe de posto...




Guiné > Região de Quínara  > Tite > 1965 > CCAÇ 797 (Tite e Nhacra, 1965/67) > Grupo de furriéis e sargentos (II)) 


Júlio de Lemos Martins Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 797 (Tite e Nhacra, 1965/67),  morto no TO Guiné em 12/8/1965, por afogamento, no rio Louvado.

Nasceu em Ponte de Lima, no Largo Rodriguies Alves.  Era um dos cinco filhoos de Francisco Pereira Martins (mais conhecido por "Chico Laptum"). Fez a recruta no RI 13 (Vila Real). Mobilizado pelo RI 1, foi partiu para a Guiné,  2m 23/4/1965, integrado na CCAÇ 797 / BCAÇ 599, do cap inf Carlos Fabião.  Morreu afogado em 12/8/1965.no rio Louvado ( vd. carta de Tite).  

Fotos (e legendas: © Mário Leitão (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Mário Leitão [ex- Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), 1971 a 1973; membro da nossa Tabanca Grande; autor do livro "História do Dia do Combatente Limiano"]

Data: 23 de novembro de 2017 às 23:13
Assunto: Apelo àTabanca-Grande

Camarada Luís! Um grande abraço!

Peço-te o favor de divulgares o seguinte APELO:

Necessito de contactar veteranos da CCaç 797, "OS CAMELOS", que operou na Guiné entre 65/67, comandados pelo Cap Carlos Fabião.  (*)

Muito especialmente, desejo contactar alguns dos 8 elementos da secção do Furriel Júlio de Lemos Pereira Martins, pertencente ao 1º Grupo de Combate do Alferes Miliciano de Infantaria  Américo de Melo Pinto Lopes. (**)

O objectivo é esclarecer detalhes sobre a operação em que o Furriel Júlio Martins morreu afogado com o 1º Cabo Aux Enf Inácio de Freitas Ferreira, no dia 12 de Agosto de 1965, no Rio Louvado, região de Tite.

Também necessito de identificar o maior número possível dos militares que aparecem na foto anexa, em que o Furriel Júlio Martins é o primeiro da esquerda, aninhado.

Os dados destinam-se ao livro "Heróis Limianos da Guerra do Ultramar" em que se descrevem as vidas dos 52 rapazes de Ponte de Lima que perderam a vida pela Pátria, nessa guerra. Ficarei muito grato por toda a colaboração que possa surgir.


A 2ª Secção de Caçadores ("C" na História da Unidade da CCAÇ 797, "Os Camelos", Tite e Nhacra, 1965/67) era constituída por:


C – SECÇÃO DE CAÇADORES


Júlio de Lemos Pereira Martins – Furriel Mil – Atirador

António P. M. Morgado – Soldado 2930/64 – Atirador

Aníbal Alves Pires – Soldado 2939/64 – Atirador

Jorge Pina Filipe – 1.º Cabo 2944/64 – Atirador

Victorino A. Coelho – Soldado 2985/64 – Atirador

Joaquim da C. Machado – Soldado 300/64 – Atirador

José Herculano P. Ribeiro – 1.º Cabo 2927/64 – Atirador

António J. P.  Rodrigues – Soldado 3035/64 – Atirador

Manuel A. Amaral Nobre – Soldado 3026/64 – Atirador



Grande abraço para ti e toda a equipa!

Mário Leitão (Grã-Tabanqueiro 741)


2. Comentário do editor:

Infelizmente, não temos um único camarada, na Tabanca Grande, em 762 membros, que represente esta subunidade...

A CCAÇ 797, mobilizada pelo RI 1, partiu para o CTIG em 23/4/1965 e regressou a 19/1/1967, tendo passado por Tite, São João e Nhacra. Comandante: cap inf Carlos [Alberto Idães Soares] Fabião, um dos oficiais portugueses que melhor conheceu a Guiné. Recorde-se, morreu em 2006.

Temos um poste antigo donde constam 4 contactos de ex-camaradas da CCAÇ 797 (nomes e telefones/telemóveis), encontrados na Net pelo nosso coeditor Carlos Vinhal:
  • Emílio Abrantes, telef 238 691 390;
  • José Bayó, tm 917 291 778;
  • Jorge Duarte, tm 962 397 036;
  • Santos Costa, tm 917 415 288.
Mário, experimenta ligar-lhes.

3. Depoimento (notável) de Virgínio Briote sobre o Carlos Fabião (1930-2006) (***)

(...) O Cor Carlos Fabião estava doente há uns tempos e sabia-se que era uma daquelas coisas que raramente perdoam. Conheci-o na Guiné (o que não é para admirar uma vez que ele cumpriu lá, salvo erro, 3 comissões), era ele capitão. Numa das saídas do meu grupo para os lados de Tite, ainda nos finais de 65, ele comandou os dois grupos de combate que nos foram apoiar e recolher.

Recordo-me de ver um sujeito sob o forte, com uma varinha na mão, ar calmo. Via-se que lidava muito bem com o pessoal dele. Sentia-se que o rodeava uma aura mística, tinha carisma. E tu sabes o valor que isso tem nos soldados, o poder de os fazer acreditar que estavam protegidos. E tive oportunidade de constatar pesoalmente que os soldados tinham motivos, ele merecia que acreditassem nele.

Durante a minha comissão ainda tive o gosto de o rever mais duas vezes. E depois com o 25 de Abril, o Carlos Fabião tornou-se conhecido de quase toda a gente que viveu aqueles tempos, odiado por uns, amado por outros. Do que conheci dele, penso que a história não o tratou muito bem. Aqueles ventos chamuscavam os que andavam longe dos acontecimentos, quanto mais os que estavam no centro da fogueira. (...)
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18058: Em busca de... (283): 2º grumete fuzileiro Fernando Eduardo Pereira, natural de Lamego, e morto no CTIG c. 1963/64, deixando uma filha de meses que nunca chegará a conhecer o pai (Mário da Conceição Fernandes)

(**) Vd. postes de:




segunda-feira, 6 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17109: Notas de leitura (934): “O Adeus Ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Veja, 2015 (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Procede-se a um balanço em torno dos 40 anos de descolonização portuguesa. Antes de se falar na Guiné-Bissau, Guiné e outras parcelas que foram do Império, diferentes investigadores pronunciam-se sobre questões colaterais: o antigo colonialismo tardio do antifascismo português; os partidos nacionalistas africanos no tempo da revolução; o balanço militar em 1974 nos três teatros de operações; visões das forças políticas portuguesas sobre o fim do Império.
Analisados os termos da descolonização, outros dois investigadores debruçam-se sobre retornos e começos: experiências construídas entre Moçambique e Portugal, bem assim como memórias em conflito ou o mal-estar da descolonização.
Para os organizadores é tempo de fazer não apenas um balanço crítico mas, sobretudo, de contribuir, para aumentar a compreensão do fenómeno complexo que foi a descolonização portuguesa.

Um abraço do
Mário


Quando a Guiné se separou do Império

Beja Santos

“O Adeus Ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Veja, 2015, é uma leitura irrecusável pelos diferentes registos que acolhe, pela exploração de temas que têm andado ao sabor de polémicas e paixões, o fim do colonialismo que motivou um penoso e duradouro luto imperial. Para os organizadores, os constrangimentos que haviam obstado à criação de uma comunidade pós-colonial para o espaço lusófono – os traumas coloniais, foram caindo graças a três acontecimentos simbólicos, entre 1998 e 2002: a realização da Expo 98, um evento concebido para celebrar uma identidade pós-colonial que não enjeitava a memória dos Descobrimentos; a transferência pacífica e ordenada da administração portuguesa em Macau para a República Popular da China; e o advento da independência Timor-Leste, no termo de um longo processo que mobilizou segmentos significativos da sociedade portuguesa.

Dentre o conjunto de ensaios em que se aborda a descolonização, destaco o trabalho de António Duarte Silva intitulado: “Guiné-Bissau: libertação total e reconhecimento portugueses”. O investigador começa por referir que o MFA local controlava quase todo o aparelho militar e que confirmado o triunfo do 25 de Abril, o núcleo duro demitiu e enviou para Lisboa o Governador e Comandante-Chefe e tornou irreversível o golpe do dia anterior. São factos que muitas vezes descuramos pelo seu significado, e que permitem ver claramente como a Guiné estava madura para a viragem da descolonização. Enquanto o PAIGC se pronunciava a sugerir a abertura imediata de negociações, diferentes comandos de unidades no interior da Guiné apelavam ao pronto cessar-fogo, pediam mesmo autorização para abandonar as posições. A 7 de Maio, Carlos Fabião foi nomeado pela Junta de Salvação Nacional para os cargos de Encarregado de Governo e Comandante-Chefe da Guiné. Mas não se deu esta substituição de governadores, Fabião passará a ser o “delegado da JSN, a quem Spínola lhe deu claras indicações sobre a forma de diretivas: negociar com o PAIGC, mas continuar o esforço defensivo de guerra até a assinatura do acordo de cessar-fogo; dar continuidade ao processo político de autodeterminação e preparar a sua visita à Província. Mal chegado a Bissau, Fabião constatou que tudo mudara: o MFA era poder, constituíra-se como gabinete de Governo. Em Lisboa, preparavam-se as conversações com o PAIGC que começaram ainda à carga, compareceram a delegação portuguesa com Mário Soares à frente e o PAIGC representado por Aristides Pereira e Joaquim Pedro da Silva. Do encontro não resultou qualquer compromisso formal. Seguiram-se conversações em Londres, a argumentação do PAIGC subia de tom: “de potência colonial, Portugal passou a estar na situação de agressor contra o nosso Estado soberano, reconhecido por mais de 80 países no mundo”.

Entre 25 e 31 de Maio, realizaram-se 10 sessões, a meio, Soares e Almeida Bruno deslocaram-se a Lisboa para apresentar um primeiro “protocolo” ou tentativa de acordo. Spínola recusou a proposta de Soares que contemplava o imediato reconhecimento da Guiné-Bissau como república. É durante estas conversações que se verifica que o PAIGC parecia não ter pressa na partida dos portugueses, admitindo um “período de transição” até 6 anos, desde que satisfeitas algumas exigências, a começar pelo reconhecimento da independência. Em Junho reiniciaram-se as conversações com o PAIGC, em Argel, a primeira reunião saldou-se por um fracasso. A atmosfera internacional também era desfavorável às obstinações de Spínola. Em Bissau, o MFA local não desarmava, e numa assembleia, perante cerca de 800 militares, foi aprovada uma moção onde se propunha: o repúdio de qualquer solução local e unilateral; o reconhecimento inequívoco da República da Guiné-Bissau; e o imediato recomeço das negociações com o PAIGC. Ninguém queria já falar em guerra e, o MFA local apresentava o seu plano de descolonização. Reúnem-se o governo de Bissau e o PAIGC na mata do Cantanhês, entre 15 e 18 de Julho. O tema central foi a retração do dispositivo das tropas portuguesas, mas debateram-se outros temas prementes como o problema dos Comandos Africanos e a troca dos prisioneiros de guerra. Nesse mesmo mês de Julho, é aprovada a lei n.º 7/74, a chamada Lei da Descolonização, através da qual Portugal reconhecia o direito dos povos à autodeterminação. E no início de Agosto recomeçaram as conversações entre o governo português e o PAIGC, assim se chegou a um protocolo de acordo bem como foi aprovado um anexo destinado a regular a continuação da retração do dispositivo militar português, a saída progressiva das Forças Armadas e algumas obrigações portuguesas. Os acordos de Argel foram assinados em 26 de Agosto de 1974 e traduziam-se no reconhecimento da nova República, no cessar-fogo, na saída das Forças Armadas até 31 de Outubro. E definiam-se matérias concretas quanto ao anexo: as Forças Armadas portuguesas obrigavam-se a desarmar as forças africanas sob o seu controlo; o governo português pagaria as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tinham direito quaisquer cidadãos por serviços prestados às Forças Armadas portuguesas; e o governo português participaria também num plano de reintegração na vida civil de tais cidadãos militares.

Em 19 de Outubro, os titulares dos órgãos dirigentes da República da Guiné-Bissau e do PAIGC entraram festivamente em Bissau. Oiçamos os cometários do investigador:
“À data, o PAIGC era uma organização sólida, embora com escassos ‘quadros’, dotada de um aparelho ‘para-estadual’ e de umas forças armadas poderosas. Encontrava-se perante uma conjuntura particularmente favorável, pois beneficiava de amplo apoio e entusiasmo popular e dispunha de ajuda e cooperação multilateral, quer dos partidos comunistas quer dos países ocidentais. Mas a Guiné-Bissau era um dos países mais pobres do mundo e com poucas condições para construir um Estado-Nação. Rapidamente surgiram várias manifestações de fragilidade e de perversão do poder, sobretudo múltiplas medidas repressivas e evidentes sinais de corrupção, a par de provas de incompetência técnica do PAIGC para governar o país. A mobilização dos camponeses e o desenvolvimento rural esvaziaram-se e os recursos concentraram-se em Bissau – que tudo devorou. Em 1980, um golpe semimilitar pôs termo ao projeto histórico da unidade Guiné-Cabo Verde”.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17094: Notas de leitura (933): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (4) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16001: Nota de leitura (832): “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Atenda-se ao que Carlos de Matos Gomes escreve no prefácio desta narrativa que possui os requisitos para fazer parte da investigação histórica indispensável:
"Os relatos das reuniões de militares na Guiné desmontam pela base as calúnias que por vezes surgem sob a forma de interpretações históricas, atribuindo à contestação dos militares que roubaram a ditadura a uma mera e mesquinha motivação corporativa. O livro de Jorge Golias expõe a desonestidade desses adeptos do antigo regime e do colonialismo".
Em boa hora Jorge Sales Golias passou a escrito e deu sequência a factos históricos que a generalidade do povo português, e mormente as novas gerações precisam de conhecer para clara certidão da verdade de um teatro de operações que se encaminhava para uma tragédia do tipo de Índia.

Um abraço do
Mário


A descolonização na Guiné-Bissau e o movimento dos capitães (1)

Beja Santos

Oportunidade única de conhecer pela boca de um dos seus protagonistas o que foi o processo de descolonização da Guiné encetado formalmente a 26 de Abril de 1974, com a tomada do poder pelo núcleo do MFA da Guiné. A narrativa é de um capitão de Operações de Transmissões que acompanhou a génese do MFA da Guiné e terá um papel preponderante nos acontecimentos que antecedem o reconhecimento da independência da República da Guiné-Bissau: “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016.

Jorge Sales Golias chega a Bissau em Junho de 1972, viaja na companhia do Capitão Miliciano José Manuel Barroso, jornalista do “República”, que irá desempenhar relações de funções públicas no Gabinete do General Spínola e do Capitão (Comando) Carlos de Matos Gomes que ia para a sua terceira comissão. Ficará colocado no Agrupamento de Transmissões, explica-nos as suas missões, a sua relação com o Comandante do Agrupamento Tenente-Coronel Mateus da Silva, outra figura preponderante no 26 de Abril de 1974 em Bissau e período seguinte. Em pinceladas grossas, descreve a situação militar na Guiné, ao tempo da sua comissão: a reocupação do Cantanhez, a perda da supremacia aérea, os acontecimentos de Guidage, Guileje e Gadamael e o estado de desmoralização das tropas, cada vez mais acantonadas aos seus destacamentos. Com detalhe, menciona a reunião dos Altos Comandos de 15 de Maio de 1973 e a perceção de tragédia que lhe está subjacente.

A narrativa inflete para a origem do Movimento dos Capitães, reuniões que passam a ter lugar a partir do final do ano de 1972 e que têm o seu pico alto em 12 de Agosto de 1973 quando se discute, no Clube de Oficiais de Bissau, o decreto-lei n.º 353/73, reunião que dá lugar a outra e pela primeira vez ouve-se a palavra revolução, a 28 de Agosto surge uma carta que irá recolher 52 assinaturas, aquela que, segundo o autor é a carta fundadora do Movimento dos Capitães. Os contactos extravasam para Lisboa, e depois para o país. Alguns dos subscritores da carta dos 52 passam a participar nas reuniões na metrópole. Começa a evoluir-se para um golpe de Estado que apeie Marcello Caetano e derrube o seu regime. O MFA da Guiné, por sua conta e risco, preparou o Plano B do MFA, no caso de falhar o golpe em Lisboa, seria a vez dos militares em Bissau.

Em 25 de Abril, os serviços de escuta das Transmissões trouxeram as primeiras notícias pelas 5 de manhã, começam então em Bissau reuniões no Batalhão de Caçadores Paraquedistas, estão presentes o seu Comandante e oficiais de outras Unidades, como Raúl Folques, Matos Gomes, Zacarias Saiegh, Sosua Pinto, Pessoa Brandão. À tarde delineiam-se os planos de operações para controlar todos os pontos sensíveis e chegar à fala com o Governador Bettencourt Rodrigues e outras figuras preponderantes das Forças Armadas. Sabe-se que Bettencourt Rodrigues não só não reconheceu a Junta de Salvação Nacional como deu instruções à PIDE para seguir os movimentos dos oficiais do MFA.

Na manhã de 26, estes militares do MFA Guiné dirigem-se à Amura e entram no gabinete do Governador e Comandante-Chefe. Ocorre uma altercação que envolveu o Brigadeiro Leitão Marques, mas tudo acaba corretamente, fazem-se detenções formais e o Tenente-Coronel Eduardo Mateus da Silva é convidado pelo MFA da Guiné para encarregado do Governo, o Comodoro Almeida Brandão só aceitou desempenhar as funções de Comandante-Chefe. Jorge Sales Golias é nomeado Chefe de Gabinete de Mateus da Silva. Entra-se em conversações com os representantes da sociedade civil, procede-se à libertação de presos políticos, tiveram lugar alguns desacatos tanto em Bissau como no interior, caso de assaltos a casas comerciais. Procede-se à primeira organização de estruturas de apoio ao Governo até que em 7 de Maio o Tenente-Coronel Carlos Fabião foi designado por Spínola para novo encarregado do governo. Traz instruções precisas de Spínola: negociar o cessar-fogo; tratar o PAIGC como um partido igual aos outros; promover um referendo com vista a uma solução federativa. Mas Carlos Fabião apercebe-se rapidamente que tudo mudara, no contexto internacional, na evolução da guerra, no próprio estado de espírito das Forças Armadas Portuguesas. A especificidade do MFA na Guiné garante a sua presença na estrutura executiva do Governo, Mateus da Silva vai a Lisboa com uma agenda que inclui em todos os pontos entrar em negociações com o PAIGC. Spínola revela-se dramático, vai criando a sua própria agenda, pensa mesmo ir a Bissau a um Congresso do Povo, seria aclamado e subverteria os propósitos de independência do PAIGC. Enquanto tudo isto ocorre, a diplomacia move-se em Dakar, Londres e Argel, as nossas tropas começam a conviver com as forças do PAIGC, logo em 19 de Maio o Capitão Silva Ramalho, da Companhia de Sare Bacar, convive com as forças de Quemo Mané, é patente uma grande desorientação entre os comissários políticos e os comandantes militares do PAIGC.

É um período de intensos boatos, de reagrupamento de forças políticas, conflitos de trabalho, de greves. É neste contexto que se institucionaliza o MFA na Guiné e Jorge Sales Golias pormenoriza a orgânica da Estruturação Democrática do MFA.

Encetam-se conversações com as forças do PAIGC, disciplinam-se os relacionamentos hierárquicos, travam-se exageros e radicalismos. As tensões políticas metropolitanas refletem-se na Guiné-Bissau entre moderação e extrema-esquerda. No centro político estava o Alferes Miliciano João Ferreira do Amaral, na extrema-esquerda o Alferes Miliciano Celso Cruzeiro, dinamizador do Movimento para a Paz que reivindica à cabeça o cessar-fogo imediato, sem condições. Sales Golias comenta: “Oportunistas que na altura eram mais revolucionários do que os capitães do MFA. Consequência de o MFA na metrópole não ter ainda definido as linhas principais de atuação e estar dependente da vontade de Spínola e do governo”.

E em 1 de Julho de 1974 realizou-se a primeira Assembleia-Geral do MFA na Guiné. O ponto alto da Assembleia foi a aprovação por aclamação de uma moção em que se apelava para o Governo português reconhecer a República da Guiné-Bissau, para que se reatassem as negociações com o PAIGC, após o impasse de Argel, e apelava-se para que os militares portugueses encarassem a sua presença atual e futura na Guiné como forma de prestar a sua cooperação desinteressada ao povo da Guiné.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15987: Nota de leitura (831): “As guerras coloniais portuguesas e a invenção da História”, por Luís Quintais, Imprensa de Ciências Sociais, 2000 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15935: (Ex)citações (307): A descolonização da Guiné-Bissau tinha tudo para correr mal (Jorge Sales Golias)


Capa do livro  de  Jorge Sales Golias, "A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães" (Lisboa, Edições Colibri, 2016)] (*). Reproduzida, com a devida vénia ...





Jorge Sales Golias [ nascido em Mirandela, em 1941, ex-cap eng trms, licenciado em engenhria electrónica pelo IST, membro do MFA, Bissau, adjunto do CEME, gen Carlos Fabião em 1974/75, cor trms ref, administrador de empresas; vai lançar, no próximo dia 14, o seu livro "A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães" (Lisboa, Edições Colibri, 2016)] (**)

______________

Notas do editor:

(*) Vd, poste de 3 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15932: Agenda cultural (472): sessão de lançamento do livro de Jorge Sales Golias, "A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães" (Lisboa, Edições Colibri, 2016, 385 pp.), dia 14 de abril de 2016, 5ª feira, às 18h, na Comissão Portuguesa de História Militar, Palácio da Independência, largo de São Domingos, 11, Lisboa. Prefácio: cor Carlos Matos Gomes; apresentação: cor Aniceto Afonso

(**) Último poste da série > 29 de março de 2016 >  Guiné 63/74 - P15911: (Ex)citações (306): A propósito da última troca de prisioneiros, em Aldeia Formosa, no dia 14 de setembro de 1974....Prisioneiros, não, "retidos pelo IN"...

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15274: Inquérito "on line" (12): A Guerra da Guiné e os seus comandantes que, de derrota em derrota, propiciaram a vitória final ao PAIGC… (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de hoje, 20 de Outubro de 2015:

Viva, Carlos!
Correspondo ao "inquérito" com um texto algo extenso, sem ser exaustivo, referido aos nossos patrões da Guerra da Guiné.

Abraço,
Manuel Luís Lomba


A Guerra da Guiné e os seus comandantes que, de derrota em derrota, propiciaram a vitória final ao PAIGC… 


Comandante Melo e Alvim, Governador entre 1954-56:

A PIDE só se instalou na Guiné a partir de 1958 e Amílcar Cabral, director dos Serviços Agrícolas e Florestais do seu governo, escudou-se no carácter aberto e tolerante desse oficial da Armada para semear os ventos da subversão, aliciando elites, pequena burguesia dos centros urbanos e chefes de tabanca Balantas e Nalús, com a sua boa nova da libertação da suserania de Portugal, enquanto percorria os chãos daquelas tribos, por conta do Estado, na roulotte dos seus Serviços, ao abrigo do Recenseamento Agrícola desse território, elevado a Província Ultramarina Portuguesa, desde 1951.

************

Comandante Peixoto Correia, Governador entre 1959-62: 

Entretanto, Amílcar Cabral aderira ao PAI, Partido Comunista da Guiné, fundado por Rafael Barbosa, alcandorara-se ao cargo de secretário-geral e reciclou-o no PAIGC. Em 1960, frequentou a União Soviética com passaporte português, em demanda de apoio e da lavagem ao cérebro, a seguir viajou para a China com Nino Vieira e mais 29 aderentes por si seleccionados, para tirocinar na Academia Militar de Pequim, na qual o próprio também se terá sujeitado a formação acelerada nas tácticas da guerra de guerrilhas (a complementar a formação militar clássica, recebida na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde terá atingido a patente de alferes miliciano) e começou a remeter as reivindicações políticas do PAIGC a Salazar.
Naquele ano, a guarnição militar da Guiné tinha o efectivo de 1850 elementos, metropolitanos e locais, na proporcionalidade de 80% e de 20%, respectivamente, que se manterá até ao seu abandono, em 1974.
Emigrou para Conacri, em 1961, contratado pelo governo de Sekou Touré como conselheiro técnico do ministério da Economia Rural e, com recurso à conta bancária da mulher Maria Helena, metropolitana e de família abastada, mandou incendiar a Guiné Portuguesa, em extensão e profundidade, com o corte dos fios da rede telefónica, sabotagem de viadutos, abatizes nas estradas, no norte e no sul, visando a paralisia económica e o isolamento de vilas e tabancas, e duas embarcações de cabotagem foram capturadas, uma à Casa Gouveia e outra à Sociedade Comercial Ultramarina.

************

Comandante Vasco Rodrigues, Governador entre 1962-64, e 
Brigadeiro Louro de Sousa, Comandante Militar: 

Em Junho/Julho de 1962, o PAIGC de Conacri, em coligação operacional com o MLG de Ziguinchor, lançaram ataques terroristas a Susana e a Varela, mobilizando centenas de manjacos maioritariamente senegaleses, comandados por Pierre Mendy, de Casamança, ex-sargento do exército francês na guerra da Argélia, enquadrados por 10 instrutores ex-FNLA daquele país. O efectivo da guarnição militar havia crescido para 5070 elementos.
O PAIGC deu início oficial à sua guerra na Guiné em Janeiro de 1963, com o ataque ao aquartelamento de Tite, seguido de outros, no sul, cento e norte, conforme dispositivo táctico e de manobra belicoso, concebido e implementado pelo próprio Amílcar Cabral, em oposição ao dispositivo militar da autoria do ministro da Defesa General Santos Costa e implementado pelo Secretário de Estado do Exército, o então Ten-Coronel Francisco da Costa Gomes. O grupo atacante a Tite procedera de Koundara, na República da Guiné, a sua primeira base recuada, a 150 km de distância do objectivo, para salvar as aparências, enquanto Nino Vieira e Manuel Saturnino Costa regressados do seu tirocínio de Pequim, arvorados em comandantes, à testa de 300 guerrilheiros bem armados e melhor adestrados, apoiados pelo exército regular da República da Guiné, proclamavam as três ilhas como a República Independente do Como, para a primeira sede de governo revolucionário e da primeira assembleia popular - símbolos da Guiné libertada da suserania de Portugal, para financiadores e ONU verem.
Paulo Costa Santos, Comandante da Defesa Marítima, em Bissau, superou a hesitação do Governador e o cepticismo do Comandante Militar, referido à perícia militar portuguesa para enfrentar essa guerra, como o impulsionador da famigerada “Operação Tridente”, levada a cabo nos princípios de 1964, na qual foram investidos 1150 homens dos três ramos das FA, incluindo um grupo de Comandos vindo de Angola, contra as ilhas do Como, Caiar e Catunco. Não obstante a renhida resistência terrestre e antiaérea oposta pelo PAIGC, ao fim de 70 dias, as três ilhas regressaram à plena soberania de Portugal e uma Companhia de Caçadores ficou a nomadizar na ilha do Como. O PAIGC viu-se inibido de instalar o seu primeiro governo na tabanca do Cachile e de organizar a sua assembleia popular constituinte na tabanca de Cassacá, ali ao lado, enquanto os seus insofridos defensores sobrevivos se retiravam para a República da Guiné ou iam continuar a sua guerra para as matas continentais do Cantanhez e de Cufar.
A vigência de mais de um ano dessa República Independente do Como, pela mão militar dos nacionalistas, teve consequências, entre outras, a de Salazar demitir o Governador e o Comandante Militar, criar o posto de Comandante-Chefe, fundido com o de Governador e dilatar-lhe o mandato para 4 anos.
Em 1963, o efectivo do PAIGC seria de 800 elementos, a maioria transitada do bando do MLG que fizera terrorismo nas aludidas povoações balneares do noroeste, enquanto o efectivo da Guiné era de 9650 elementos e atingirá 15194, em 1964. A componente propagandística do PAIGC aproveitou o evento e a sua prolongada resistência para cantar a vitória da batalha do Como, sem que alguma vez os seus chefes militares que a protagonizaram, nomeadamente Nino Vieira, a houvesse reclamado.
Não obstante tantas provas de facto, documentais e ainda vivas, nomeadamente a malta da Operação Tridente agregada à nossa Tabanca Grande, não raro surgem escribas nacionais perseverantes na aculturação do nosso atávico complexo de inferioridade, dando-nos como os derrotados da Operação Tridente, às mãos dessa efémera e mitológica República Independente do Como.

************

Brigadeiro Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe, entre 1964-68 e
Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante Militar da Guiné:

Na Abrilada de 1961, Arnaldo Schulz, então Ministro do Interior, fora simultaneamente fiel a Salazar e leal aos conspiradores seus pares que, em 1964, o transferiu de Comandante do Norte de Angola para o mais elevado posto na Guiné. Chegámos e ficámos um ano de reserva às suas ordens, e rebentou connosco, em plena época das chuvas, em operações de “cerco, assalto, destruição e limpeza” em objectivos no Oio, Morés, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cantanhez, Catió, Cufar, etc. Até Amílcar Cabral se queixava da guerra ofensiva e sem quartel por ele desancada. Iniciou o dispositivo do fecho das fronteiras, designadamente ao longo dos 350 km da fronteira da República da Guiné, instalando forças em Buruntuma, Beli, Madina do Boé, Gandembel, Balana, Guileje, Gadamael, Ganturé, Sangonhá, Cacoca e Cameconde. Com mais de 2 anos de atraso – demasiado tarde. O PAIGC já havia incendiado perto de dois terços da Guiné.
Revelava-se oficial da velha guarda, discreto, que nunca vi de camuflado. Lembro-me de se sentar a meu lado, informalmente, no banco de lona corrido do Dakota, naquele voo madrugador para Nova Lamego, em meados de Maio de 1965, quando fomos dar luta à abertura da frente Leste pelo PAIGC, retirados apressadamente da “Operação Razia”, à mata de Cufar Nalu. Dirigiu-se a pé para o aquartelamento e eu e a minha Secção fomos logo despachados para Cheche, com a missão de montar segurança à fatídica jangada da cambança do rio Corubal.
Proibia terminantemente a perseguição além-fronteiras, direito de que nem sempre abdicamos, inibição que, associada à sua falta de guarnições, favorecia o crescimento exponencial e a perícia guerreira do PAIGC. Era o tempo do devaneio romântico do chefe da nossa diplomacia Franco Nogueira, pela negociação de tratados de não-agressão com os vizinhos. A lógica dos nossos supremos chefes políticos e militares não objectivaria a aniquilação do PAIGC, mas um “policiamento” musculado, susceptível do seu desgaste conduzir à sua desistência. Desperdício dos esforços e sacrifícios dos seus soldados.
Os triunfos dos tácticos após as batalhas são grandes e fáceis as suas análises posteriores. Mas a eloquência dos números do crescimento da guarnição militar da Guiné constitui elemento de prova da escalada da guerra imposta pelo PAIGC e dos nossos ingloriosos sacrifícios, como soldados.

Efectivos:
Ano de 1964 - 15.194
Ano de 1965 - 17.252
Ano de 1966 - 20.801
Ano de 1967 - 21.650
Ano de 1968 - 22.835

************

Gen. António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe, entre 1969-73: 

Revelou-se o actor militar mais carismático e exuberante da Guerra do Ultramar. Começou pelo trabalho de casa, com a repatriação dos oficiais profissionais, incompetentes ou acomodados, cultivou a omnipresença no terreno, junto dos combatentes, ganhou jus à adulação de “Homem Grande”, de amigo e protector das populações e criou poderosos anticorpos na corporação castrense. Na linguagem de caserna, a Guiné passou a designar-se como a “Spinolândia”.
Desmantelou a protecção fronteiriça iniciada pelo antecessor, na tentativa de a compensar, potenciando o tal “policiamento” musculado no interior, politicamente correcto, empenhando tropas especiais, recorrente na cobrança do esforço e sacrifício dos soldados e aproximou o PAIGC às cordas da desistência, recorreu não sistematicamente à perseguição além-fronteiras, sendo a mais notável a Operação Mar Verde, sobre Conacri, em finais de 1970, cujo fracasso parcial poderá ser imputa à tibieza da decisão de não ter investido a aviação nessa empresa.
O seu desempenho, a partir do ano de 1972 inclusive, merecerá a acuidade de investigadores e analistas, em ordem à verdade histórica.
Após a sua preterição por Marcelo Caetano, como candidato a Presidente da República nas eleições desse ano, que um núcleo dos seus “rapazes”, fiéis e dedicados oficiais da nova geração - os “spinolistas” -, incentivavam, terá baixado a espada, conluiado com a criação do MFA, subestimado o seu potencial de desagregação das Forças Armadas, e se retirado na expectativa íntima de se poder transformar no De Gaulle da nossa circunstância. Sairá da cena, sem honra nem glória.
A minha admiração, pela sua dimensão de chefe militar, esmoreceu a partir do momento em que este blogue me deu a conhecer a sua comparência em Gadamael em crise, na manhã de 1 de Junho de 1973, e a sua rápida retirada no seu helicóptero, ao rebentar uma violenta flagelação desencadeada pela artilharia pesada do PAIGC. Um Comandante-Chefe e a sua circunstância, a braços com o abandono de Guileje e com a guarnição de Gadamael em debandada em pânico no exterior do aquartelamento, deixaria outro retrato na História, se tivesse aguentado firme, ao comando e a animar a malta, ao lado do Cabo Raposo, do Furriel Carvalho, do Capitão Comando Ferreira da Silva e do punhado de militares de Gadamael, que nunca claudicaram.

Eloquência dos números do crescimento da guarnição militar, como prova de facto da escalada da guerra da iniciativa do PAIGC, em contraste com o sucesso do aludido “policiamento”: 

Efectivos:
Em 1969 - 26.851
Em 1970 - 26.775
Em 1971 - 29.210
Em 1972 - 29.957
Em 1973 - 32.035

************

Gen. Bettencourt Rodrigues, Governador e Comandante-Chefe, entre 1973-74: 

Oficial distinto, foi para a Guiné com aura de haver resolvido a guerra de Angola, juntamente com Passos Ramos, Soares Carneiro e mais alguns oficiais. Deslocou-se e calcorreou a “capital” de Madina do Boé, decidido a reformular o dispositivo militar, colocando as posições fronteiriças fora do alcance dos morteiros de 120 do PAIGC – contra o potencial de fogo do IN, abrigar, abrigar!
Em 27 de Abril de 1974, à revelia da autoridade e da cadeia de comando reposta em Lisboa pelo MFA da Metrópole/Junta de Salvação Nacional, o MFA de Bissau desencadeou o seu próprio golpe, prendendo o Comandante-Chefe e desnatando a guarnição das suas principais chefias. Foi o “golpe de Bissau”, no contexto do PREC, de tão má memória.

************

Ten-Coronel Mateus da Silva, Comandante-Chefe, entre 27 de Abril a 7 de Maio de 1974:

Oficial de Transmissões, alcandorado pelo MFA da Guiné. Sem História.

************

Brigadeiro Carlos Fabião, Alto-Comissário e Comandante-Chefe, entre 6 de Maio e 11 de Outubro de 1974:

Desembarcou em Bissalanca, imbuído da missão de conduzir a Guiné a uma descolonização civilizada, encontrou a situação totalmente minada pelo esquerdismo do seu MFA, mas não teve outro remédio senão alinhar pelo seu diapasão, capitular perante o PAIGC e desempenhar-se como um presidente de comissão liquidatária.
O abandono da Guiné, a forma como as tropas locais foram desarmadas e abandonadas à sua sorte constituem medonha indignidade, uma nódoa na História, a crédito do MFA.
Em 1974, o efectivo de tropas locais era de 6425 elementos, bem preparados, superiorizando o efectivo do PAIGC. Se colocadas num tabuleiro de negociação, tender-se-ia ao compromisso, na expectativa de contribuírem para prevenir que o PAIGC pudesse transformar a Guiné-Bissau num Estado falhado.
Efectivos e a eloquência dos seus números, referidos a 1974: 32.035 referem-se a 1973; os desse serão difíceis de quantificar, dado que, por impulso da componente marxista e comodista do MFA de Bissau, os militares portugueses e os combatentes guineenses passaram a misturar-se…
O camarigo José Martins apresentou números referidos aos operacionais. Os números agora apresentados respeitam os efectivos brutos, colhidos do livro A Guerra em África, da autoria do Major-General Sérgio Bacelar, pags. 137 e 138.

À guisa de conclusão: Se é verdade que a vitória final do PAIGC foi alcançada de derrota em derrota, iniciadas em Tite e consolidadas no Como, temos de reconhecer e render homenagem à capacidade de sacrifício e à valentia da malta do PAIGC, seus comandantes e soldados.

Manuel Luís Lomba
____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15272: Inquérito "on line" (11): Sobre o tema Com-Chefes da Guiné, encontrei algumas lembranças e fotos do General Spínola (Ernestino Caniço)