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quinta-feira, 19 de março de 2015

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13879: Carta aberta a... (11): Jornalista Sousa Tavares, a propósito do seu artigo no jornal Expresso do dia 8 de Novembro passado (Manuel Luís Lomba)

1. Em mensagem do dia 10 de Novembro de 2014, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos esta "carta aberta" ao jornalista Miguel Sousa Tavares, a propósito de um artigo de sua autoria publicado no jornal Expresso de sábado passado:


Recado para Miguel Sousa Tavares (MST), referido ao seu tema “Os Nossos Heróis (…), in Expresso de 8 do corrente

Não obstante enaltecido como autor desalinhado com o politicamente correcto, na introdução desse texto MST diz: “… há mais de cem anos (talvez desde Mouzinho, em Chaimite), que (Portugal) não regista um feito militar digno desse nome: ou seja, não temos heróis militares.”
Negação deplorável.

MST não será imune aos complexos do politicamente correcto e da renúncia aos valores pátrios, de que as centenas de milhares de soldados portugueses combatentes no Ultramar, da dezena de milhar que deu a vida e da centena de milhar que foi ferida em combate, ou foram instrumentos da opressão colonialista ou uns coitadinhos envergando uma farda, desprovidos de testosterona e de coragem, que se deixaram derrotar pelos audazes, valentes e gloriosos guerrilheiros da libertação?

Se MST tivesse dado a alma e o corpo ao manifesto nessa (mal concebida e mal terminada) epopeia nacional da guerra do Ultramar, teria coexistido com heróis de carne e osso e teria podido escrever “nas nossas últimas guerras, terminadas há 40 anos, registaram-se heróis militares e, por uma originalidade à portuguesa, não houve registo de traidores!”

Venho evocar a MST um dos nossos heróis militares, recentemente falecido: o Comandante Alpoim Calvão, que há 44 anos supervisionou o planeamento e comandou toda a manobra da “Operação Mar Verde”, - ele e a sua gesta, dignos dos portugueses de outras eras.

Em 1970, a frota de guerra de guerra da União Soviética viera instalar-se no Atlântico sul, em Conakry, para potenciar esse centro nevrálgico da guerra na Guiné Portuguesa, onde os arsenais de armamento proliferavam e onde fervilhavam os especialistas militares russos, checos, cubanos, argelinos, etc, em preparação para se lançarem com o PAIGC contra os soldados portugueses, em desempenho da missão de soberania do seu país. De entre essa panóplia de meios de guerra, ressaltavam as vedetas rápidas P6, fornecidas pela URSS, dotadas de mísseis marítimos, elas com velocidade e estes com capacidade para afundar em alto mar os nossos navios mercantis e de transporte de tropas e os aviões MIG, que superavam de longe as capacidades operativas dos nossos FIAT G91.

Foi então que, por patriotismo, o fuzileiro naval Alpoim Calvão, se lançou na iniciativa de esconjurar o mal pela raiz, perseverou em conseguir o tíbio apoio hierárquico e tomou a peito a realização dessa missão.

Nessa madrugada de 21 de Novembro, poucos mais de 300 combatentes portugueses sob o seu vigoroso comando, transportados e apenas apoiados pelos pequenos navios que eram as Lanchas de Fiscalização, foram destemidamente desembarcar nas praias de Conakry, decididos a atingir os 30 objectivos da tão ousada missão, ao coração do território inimigo. Alcançaram 26 deles, de entre os quais: afundamento de todas essas perigosíssimas vedetas, desmantelamento dos campos militares, da milícia do despótico regime guineano e do campo de concentração de Boiro, a libertar cerca de 500 dos seus presos políticos, e libertaram 26 militares portugueses em cativeiro. Dos 4 objectivos falhados, dois eram fulcrais: a destruição dos MIG, na véspera transferidos 200 km para o interior e a captura de Amílcar Cabral, por ausência na Roménia.

Se a escalada da internacionalização da guerra na Guiné foi acelerada com a “Operação Mar Verde”, o seu relativo falhanço dever-se-á não aos corajosos que a ousaram e executaram, mas às indigentes informações, colhidas pela DGS/ PIDE e ao facto do Alto Comando português não estar à altura dos seus soldados, ao negligenciar o seu apoio aéreo. Desde 1969 que o Estado-Maior da FA alertava da iminência do outro lado da fronteira alcançar a supremacia aérea, que apenas será encarada em princípios de 1974, no contexto da crise dos 3G´s, decidindo-se pela compra dos Mirage.

A sabedoria popular ensina que o futuro a Deus pertence. E o futuro pós-Operação Mar Verde poderá dizer-nos que se Amílcar Cabral tivesse sido trazido para Bissau, não só teria escapado ao seu assassinato físico e político, como poderia vir a pilotar uma descolonização portuguesa, extensiva a todo o Ultramar, em vez do seu trágico abandono militar - a descolonização pilotada pela União Soviética e seus associados, com a qual o MFA (Movimento das Forças Armada) condescenderá pelo eufemismo de “Descolonização exemplar”.

O Nelson Mandela que saiu da prisão de Rod Island era - e foi - genialmente muito diferente do Nelson Mandela que se iniciara na luta anti-apartheid, com derramamento de sangue.

E Amílcar Cabral, pelo sangue e formação portuguesa, demonstrara estofo idêntico, e sem desonra os nossos antepassados comuns!

Nesse comentário sobre as misérias da nossa grandeza, MST chama à colação o facto de, depois do PR Mário Soares haver condecorado 2 509 pessoas, Jorge Sampaio, PR sucessor, “ainda conseguiu descobrir mais 2 378 personalidades de excelência”, para condecorar. E nós acrescentamos que, entre essas condecorações, figura a de Palma Inácio, que se havia distinguido como pirata do ar e pelo assalto do Banco de Portugal na Figueira da Foz, onde palmou 29 000 contos - uma fortuna, ontem e hoje…

Toda a gente sabe que o dinheiro dos cofres do Banco de Portugal não pertence nem a capitalistas nem a fascistas. É nacional – é de todos! Menos o cidadão Jorge Sampaio, enquanto Supremo Magistrado da Nação…
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13109: Carta aberta a... (10): Minha neta Raquel que fez 15 anos... (Dedico também esta carta aos ex-combatentes, avós babosos e babados) (O avô Mário)

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13109: Carta aberta a... (10): Minha neta Raquel que fez 15 anos... (Dedico também esta carta aos ex-combatentes, avós babosos e babados) (O avô Mário)

1. Mensagem, com data de 22 de março último, do Mário Gaspar [ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/68; autor do livro "O corredor da morte", a ser lançado no Forte do Bom Sucesso, Belém, Lisboa, no próximo dia 22 de maio]:


Camaradas e Amigos Luís e Carlos


Pedia-lhes um grande favor. A minha neta Raquel, faz 15 anos no dia 28 de Março. A maior prenda de um avô, igual a qualquer outro avô, para o aniversário de um neto, mais que uma prenda, é uma carta escrita com carinho e amor.
Como digo na carta, sei que todos os avós do mundo desejam para os seus netos, no meu caso uma neta, razão muito forte porque não tive uma filha, e a Raquel é o fruto que mais desejava. É verdade que também tenho um neto.

Escrevo esta carta em nome de todos os Ex Combatentes que têm netos e netas, e que são babosos ou babados, e é normal pretenderem para os seus tudo aquilo que nunca tiveram.
Depois das poesias, pensei no assunto, e julguei importante enviar este modesto texto, já escrito há algum tempo.
Como também é uma mulherzinha, e a mulher foi tão esquecida na Guerra: a Mãe; a Noiva; a Namorada; a Madrinha de Guerra, e até a enfermeira que aguardávamos pacientemente nas evacuações. Sempre a mulher.

Um grande abraço do Ex Furriel Miliciano N.º 03163264 Mário Vitorino Gaspar, também Homem Grande da Tabanca Grande, aos Camaradas e Amigos Luís, Carlos e para todos os outros Camaradas e Amigos da Tabanca Grande. 



2. Comentário de LG.:

É um gesto lindo, da tua parte, camarada. 

Lamentavelmente, não consegui satisfazer, no dia 28 de março, o teu pedido, por razões que se prenderam com a minha pessoal e a gestão do meu tempo. Passou a data, mas não o pretexto. E todos os dias são bons para se homenagear os netos e os filhos... Como costumamos dizer, os filhos e os netos dos nossos camaradas nossos filhos e netos são. E hoje, em que o muito que nos preocupa, em relação a eles, é a esperança e o futuro, temos que saber dar-lhes ao menos esperança no futuro.

Um beijinho de felicidade para a tua Raquel, a pensar também em todos os netos e netas dos camaradas da Tabanca Grande que são, como tu dizes, avós babosos e babados. 

Um alfabravo do Luís Graça que ainda não chegou a esse patamar de felicidade.  Espero poder abraçar-te, a ti e aos demais avós babosos e babados, no IX Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real, em 14 de junho de 2014.


3. Carta à minha neta Raquel 


“(…) onde era possível inventar outra infância que não lhe ferisse o coração”.

Al Berto, in “Medo”



A minha neta Raquel nasceu a 28 de Março de 1999, no Hospital da Cruz Vermelha, na freguesia de São Domingos em Benfica – Lisboa.

Quando veio a este mundo, era muito desejada, não tendo viajado, como nos tempos antigos, carregada no bico de uma cegonha.

Tenho dois filhos – nascidos após a Guerra Colonial – seu pai, o meu filho mais velho. Aguardava, como todos nós, ex Combatentes, o primeiro neto. Ansioso e aguardando a oportunidade para vê-la. E, curiosamente – tal como tinha sucedido com o nascimento do pai – reconheci logo a minha novíssima descendente, antes inclusive de ler no berço o seu nome. 

Foi uma manhã maravilhosa, tocaram os trompetes e os sinos de todas as igrejas. Como estávamos junto do Jardim Zoológico, muitos pássaros lindos e de colorido pintado, esvoaçavam e cantavam aos céus o acontecimento.

Havia guardado religiosamente, em 1968, uma garrafa de cognac francês Rémy Martin, comprada depois de terminar o serviço militar na Guiné para abrir no dia que fosse avô. Esperava fazer uma festinha, um cálice por pessoa, para bebermos nós e os amigos. À tarde, do dia seguinte pedimos uns copos no bar e festejámos no terraço do Hospital.

Senti necessidade de lhe escrever uma carta no seu 15.º aniversário, dando-lhe de novo as boas vindas a este mundo.

“Amar a Deus sobre todas as coisas; Não tomar o seu Santo Nome em vão; Guardar domingos e festas de guarda; Honrar pai e mãe; Não matar; Não pecar contra a castidade; Não roubar; Não levantar falso testemunho; Não desejar a mulher do próximo e Não cobiçar as coisas alheias.” São os Mandamentos da Lei de Deus, mas bem se podiam resumir a um: “O Amor”. Palavra que tudo engloba.

Eis a carta:

“Querida netinha.

O mundo que encontras à tua frente é uma selva. E, por vezes torna-se num labirinto sem saídas. Mas tu és capaz de encontrar os melhores locais para caminhar em segurança. És boa moça e igualmente uma excelente aluna. Vai em frente mesmo quando as vias que percorres, se tornem enigmáveis e perigosas. Após resolveres as situações que vais encontrando, outras de altíssimos riscos, mais que evidentes, resolves porque és capaz. Não pares! Só quando necessitares de meditar. Continua.

Encontrarás também as faustosas e maravilhosas florestas; arbustos; cataratas e cascatas lançando repuxos de águas correntes, fortes e suaves que morrem no rio; nascentes de águas puríssimas; lagos e lagoas (casos até artificiais); ervas rastejantes e outras subindo pelos penhascos; lindos jardins floridos, de grande variedade de cores; rios correntes e outras ofertas da natureza.

Verás lindos pássaros, de lindas, infinitas e nunca vistas cores; borboletas navegando nos ares em bailes por entre jardins e matas, e pintado a natureza de multicores e até dóceis macacos, saltitando.

E os lindos peixes, de enorme variedade, também salpicados com o mais belo colorido? Algumas cores que nem o arco íris conhece.

E os sorridentes, inteligentes e brincalhões golfinhos, com quem o avô brincou no rio Tejo? Sabias que neste rio existiram noutros tempos golfinhos? Falavam comigo, e eu respondia-lhes. Sabes que me beijavam o corpo? Na primeira vez tive medo, mas depois fiquei muito amigo deles.

Sabes que o avô esteve na guerra. Cuidado com as ervas daninhas e parasitas (que se alimentam à custa dos outros); com os trilhos armadilhados; lamaçais escorregadios; pântanos e outras perigosidades que vão surgindo pelo caminho.

Acautela-te, com os animais bravios, que nos habituámos a ver nos zoos; colmeias de abelhas perigosas; formigas de asas que concebem aquelas grandes habitações, mais parecendo construídas com cimento armado com formatos apalacetados; animais rastejantes e não rastejantes, mas perigosos que vivem nas selvas, nos rios, e outras variedades.

Continua caminhando e vais-te cruzar com a beleza que Deus concebeu. Ultrapassarás a maldade. Vencerás!

Raquel, és uma mulherzinha, não te esqueças. O mundo espera por ti, e neste ano vais ter de optar, para a escolha do teu futuro profissional. Tenho a certeza que o vais fazer bem. Constou-me que pretendes seguir Medicina, com a Especialidade de Cardiologia.

E não te desviarás do trilho traçado no terreno – mesmo com todos os perigos que se aproximam – percorrerás o teu caminho, e ultrapassarás os percursos irregulares, desta selva. Um mundo sem guerras e repleto de AMOR.

O avô Mário


Nota: O meu outro neto, o Pedro Guilherme, nasceu a 3 de abril de 2005, também no Hospital da Cruz Vermelha, fez agora nove anos.

Dedico esta minha simples carta aos ex Combatentes avôs e babosos e babados. Esta seria também a Carta enviada à sua neta ou ao seu neto no dia do seu aniversário.

sábado, 30 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12367: Carta aberta a... (9): Senhor Coronel de Artilharia António Carlos Morais da Silva (Vasco Pires)

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971
Foto: © Morais da Silva (2012). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 26 de Novembro de 2013:

Caríssimos Luís Graça e Carlos Vinhal,
Cordiais saudações.
Peço, publiquem esta CARTA ABERTA.

Vasco Pires


CARTA ABERTA AO SENHOR CORONEL DE ARTILHARIA ANTÓNIO CARLOS MORAIS SILVA

Exmo. Senhor Coronel de Artilharia Antonio Carlos Morais Silva,

Sou mais um desses milhões da multisecular Diáspora Lusitana; saí de Portugal no mesmo ano (1972) em que voltei da Guiné-Bissau, e por aí vou andando até esta data.
As andanças pelo mundo me afastaram das memórias Africanas, armazenadas lá onde quer que chamemos, subconsciente, inconsciente, ou qualquer outro rótulo, onde o cérebro humano guarda as experiências extremas para que a vida continue fluindo; algum tempo atrás, recuperando de um acidente, "mergulhei" nesse passado, que tantos de nós intensamente vivenciamos.

Confesso, que há tempos estou procurando coragem para vencer um certo acanhamento em escrever estas linhas. Já, algumas vezes, emiti publicamente, a minha modesta opnião sobre o Comando de V. Exa. no Aquatelamento de Gadamael. Não reputo que isso tenha qualquer importância, pois, por seus atos, o Senhor já tem lugar na história deste nosso País, por outro lado, insignes portugueses já o fizeram, entre eles destaco o Senhor General Monteiro Valente.
Contudo, não ficaria de bem com a minha consciência se não o fizesse de forma direta e pública.
Escrevo esta carta na condição de Ex-Oficial do Exército Português, no comando de uma sub-unidade sob o seu Comando.

Lembro o já longínquo ano de 71, quando V. Exa. assumiu o Comado do Aquartelamento de Gadamael, depois de trágicos acontecimentos, quando o moral da tropa já se aproximava do ponto de ruptura. Lembrar as condições operacionais daquele momento seria repetitivo, pois, já foi feito exaustivamente. 

Como "Commanding Officer" de Gadamael - uso o termo anglo-saxonico, não para exibir conhecimentos que não possuo, mas por pensar que expressa melhor a função como Oficial Superior, pois havia sob Comando de V. Exa. uma Companhia de Infantaria, um Pelotão Fox, um Pelotão de Milícias, um Pelotão de Artilharia, e em alguma data uma Companhia de Comandos Africanos -, V. Exa. restituiu o moral da tropa, realizou notável atividade operacional, afastou o que mais tarde acabou por acontecer em Guileje; sempre mantendo as condições de habitabilidade possíveis, tanto para a Tropa como para a população civil.
Permita-me também lembrar, mesmo sendo V. Exa. um insigne Oficial de Artilharia, e não sou eu que o digo, e sim o Exército Portugês, ao nomeá-lo Profesor da Academia Militar, nunca interferiu no meu comando, respeitando sempre a minha condição de comandante da sub-unidade.

Perdoe-me se invadi o seu recato.
Estas palavras são de JUSTIÇA E GRATIDÃO.

Vasco Pires
Ex-Comandante do 23º Pel Art
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10468: Carta aberta a... (4): Meu amigo português de Cufar, António Graça de Abreu (Cherno Baldé)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10468: Carta aberta a... (8): Meu amigo português de Cufar, António Graça de Abreu (Cherno Baldé)

1. Mensagem de 1 de outubro, do Cherno Baldé, em resposta á cara aberta do AGA, no poste P10448 (*)

 
Caro amigo Luís Graça,

O título desta carta, ficava melhor assim: Carta aberta ao meu amigo Guineense (Cherno) Cufar... (Baldé), porque não creio que ela seja endereçada a mim, pois o mais provével é ter o AGA [, António Graça de Abreu], o grande vencedor, ter feito esta carta para se exorcizar ou melhor reconciliar-se com os seus fantasmas de Cufar que, pelos vistos,  continuam a incomodá-lo.

Primeiro, porque eu não sou propriamente um militante anti-colonialista visto que, feliz ou infelizmente, tanto eu como os meus familiares próximos e longínquos, não aderimos a luta anticolonial, bem ao contrário. 

Em segundo lugar,  não sou dos que vêm a história e o mundo a preto e branco pois, ainda criança, desafiei tudo e todos ao quebrar, por iniciativa própria, todas as barreiras sociais e culturais levantadas pela nossa gente para de seguida atravessar os arames farpados levantados à volta dos soldados portugueses e partilhar com eles momentos de alegria, tristeza, medo e angústias ,próprios de uma guerra sem rosto que não poupava a ninguém. 

Parece-me que entre o lúcido e comedido AGA que escreveu o Diário da Guiné e o ultranacionalista e super-herói "vencedor" AGA que agora se nos apresenta neste Blogue, há uma grande diferença. 

De resto, não estou interessado em alimentar controvérsias a volta de manifestações de um patriotismo tardio, ainda que tenha, também, por ele todo o respeito deste mundo.

No post da tua autoria (*), o sentido das minhas palavras ficou incompleto sem a inclusão da última parte do meu comentário, pois embora tenha reconhecido que nem sempre concordei com a linguagem utilizada pelo historiador [, René Pélissier,] , no fim acrescento que factos são factos e que não adiantava tentar tapar o sol com as mãos, o que significa que posso concordar com o conteúdo e não estar, necessariamente, com a forma. 

Mas, é como dizem: uma vez jornalista, é-se jornalista para sempre. 


Um grande abraço,
Cherno Baldé
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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10448: Carta aberta a... (7): Meu amigo guineense Cherno Baldé: O(s) nosso(s) esclavagismo(s) e a arrogância do sr. René Pélissier (António Graça de Abreu)

1. Carta aberta ao Cherno Baldé

[, foto à esquerda, 1972, no CAOP1, em Teixeira Pinto, TO da Guiné]

Tenho por ti todo o respeito do mundo e as diferenças de opinião fazem parte do que somos e enriquecem naturalmente a nossa vida.

Há uns postes atrás, num comentário a comentários, um deles meu, dizes que concordas com a afirmação do Réne Pélissier que volto a citar:

"Para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos".

O francês Pélissier fez esta afirmação, em entrevista a Lena Figueiredo, publicada no jornal Diário de Notícias, Artes, de 02.04.2007 [, Clicar aqui para ler a entrevista na íntegra. LG]. (*)

Isto é uma opinião, ou arrumar de vez com a história colonial portuguesa "quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos?" Isto é uma afirmação de quase ódio a Portugal e aos portugueses. Claro que não fomos santos, mas esta não é a nossa História, tanta vez mal contada.

E aqui não estamos no reino das opiniões.

Por isso, meu caro Cherno [, foto à direita, 1989, em Kiev, Ucrânia], saúdo a tua verticalidade e honestidade intelectual ao acrescentares ainda no mesmo rol de comentários, em referência outra vez ao René Pélissier:

“Nem sempre concordei com a sua linguagem arrogante e de desprezo para com os portugueses e seus aliados.”

A questão, meu caro Cherno, é termos no blogue tantos camaradas que gostam não só enaltecer o trabalho de Pélissier (que nunca foi à Guiné e é uma espécie de rato de biblioteca, rato reaccionário de esquerda, mas rato) mas também de concordar com o que tu chamas “a sua linguagem arrogante e de desprezo para com os portugueses”. E é pena, e às vezes, dói.

Sabemos como funcionava no século XIX muito do recrutamento (chamemos-lhe assim!)
de escravos africanos que embarcavam pela força nos navios negreiros, de bandeira norte-americana, inglesa e francesa (havia navios negreiros portugueses?) rumo ao Brasil, às Caraíbas, à América do Norte?

É ou não verdade que muitos desses infelizes negros, que morriam às centenas em cada viagem transatlântica, eram entregues, vendidos aos capitães negreiros brancos pelos chefes tribais negros dos territórios que se estendem do Senegal até Angola e eram resultado de infindáveis lutas fratricidas entre diferentes etnias? Quem vencia capturava os seus escravos e depois vendia-os aos negreiros ingleses, franceses e norte-americanos.
Estarei a inventar?

Não questiono o colonialismo português. Existiu, com certeza, cometeram-se muitos crimes contra os povos das colónias. E os povos africanos não cometiam constantemente crimes entre si?

Será que é correcto pôr nos pratos da balança, de um lado os brancos, os maus, do outro, os negros, os bons? É assim tão simples, tudo a preto ou branco? Ou o mundo felizmente é a cores, a todas as cores do universo.

Bons e maus existem, coexistem sempre em gente de múltiplas cores.

Estamos em 2012.  
Os tempos são outros, os povos africanos conseguiram a sua tortuosa independência.
Pós independência quase todos os novos dirigentes africanos cometeram outros tantos incontáveis atentados e crimes contra os seus povos. Vê só as lutas tribais no Congo, no Ruanda, no Sudão com milhões de mortos.

Também sei que o neocolonialismo existiu e existe e também tem fomentado muitos conflitos. Mas será o responsável, por exemplo, por quase trinta anos de guerra civil em Angola?

Hoje, cinquenta anos após as mais variadas independência, continuar a acusar os colonialistas portugueses de serem "a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos", é mentira e não fica bem a quem o faz, ainda por cima um francês que passa uma esponja encharcada mas “limpinha” sobre o colonialismo da França.

Os africanos, tal como alguns brasileiros -- ou até os cubanos, com Fidel de Castro em Havana diante de João Paulo II, há uns anos atrás, a acusar o colonialismo espanhol das desgraças de Cuba, cem anos após a independência da ilha - , os africanos, alguns brasileiros e cubanos, dizia eu, têm tudo a ganhar em se libertaram do complexo anticolonialista. Povos que não conseguem libertar-se dos traumas verdadeiros ou fictícios de um passado que já nem sequer conheceram, com que procuram sempre justificar as suas incapacidades e incompetências, não crescem e permanecerão não vítimas do colonialismo mas reféns de si próprios.


É muito fácil acusar os colonialistas que deus (ou o diabo!) tenha. Muito mais difícil é construir um país e lutar por uma vida melhor para os seus povos.

Abraço,

António Graça de Abreu


[Subtítulo da responsabilidade do editor]
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7294: Carta aberta a... (2): Professores António de Oliveria Salazar e Marcello Caetano (António Graça de Abreu)

(*) Entrevista dada ao DN, a propósito do livro:

Título: 
Campanhas Coloniais de Portugal 1844-1941, As
Autor: René Pélissier
Coleção: Histórias de PortugalCategoria: Ciências sociais e humanas
Editora, local e ano: Editorial Estampa, Lisboa, 2006
Nº pp. 448
Brochado, 14x20,5 cm,  €21,95

Pela primeira vez, este livro revela a história global da conquista do enorme império colonial que Portugal chegou a construir em África, na Índia e na Insulíndia, a partir de 1844. 

Marcada por guerras quase permanentes no início do século XX, esta conquista durou até 1941. No seu apogeu, a extensão do império português foi proporcionalmente igual à do império francês. Como é que, sem dinheiro nem emigrantes numerosos, mas por meio de armas, este pequeno e pobre reino, que as grandes potências queriam desapossar, foi capaz de conseguir uma tal empresa? 

É o que nos conta esta obra minuciosamente documentada. Abundante em informações, este livro magistral esclarece toda uma vertente de História quase desconhecida, cujas consequências não cessam de se repercutir no nosso mundo contemporâneo.

domingo, 3 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8040: Carta Aberta a... (6) Sr. Presidente da República: o 10 de Junho, Dia dos Combatentes (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves:


Data: 31 de Março de 2011 15:42
Assunto: Carta Aberta ao Presidente da República



Meus caros camarigos editores:

Hoje mesmo enviei via site da Presidência da República, a carta que anexo, ao Senhor Presidente da República. Esta carta surgiu das ideias ontem apresentadas pelo António Martins Matos no Encontro da Tabanca do CentroA ele enviei o primeiro esboço desta carta, tendo-me dado conselhos preciosos para chegar ao texto final, que como acima afirmo, já foi enviado pelo site da Presidência.

Já recebi aliás a informação de que tinha sido recebida. O texto da carta envolve-me obviamente a mim, mas julgo que expresso, mais coisa menos coisa, o sentir da grande maioria dos Combatentes.

Fica à vossa disposição para publicação na Tabanca Grande e quem sabe, poder posteriormente receber a assinatura de todos aqueles que nela se revejam. Poder-se-á perguntar porque não a submeti à anterior apreciação de todos? Eu respondo, pela experiência que tenho e todos vós também, que tão cedo não teríamos um texto final que pudéssemos enviar. Assim, como acima refiro, a carta envolve-me a mim, mas pode ser expressão de todos aqueles que a ela queiram a aderir.

O modo de fazer essa adesão deixo-o ao cuidado de quem sabe mais do que eu dessas coisas.

Um abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves

2. Carta aberta ao Presidente da República

Exmo. Senhor Presidente da República
Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva

Escrevo esta carta aberta a V. Exa., pois na sua qualidade de Presidente da República é também o Comandante Supremo das Forças Armadas de Portugal.

Aproxima-se o dia 10 de Junho, e como sempre acontecerão as respectivas celebrações e actividades, que se vão tornando no tempo e na história, cada vez mais afastadas daquilo que deveriam efectivamente ser.

Com efeito, hoje já não faz sentido o chamado “Dia de Camões e das Comunidades”, por razões tão óbvias que nem precisam ser enumeradas

O dia 10 de Junho, que deveríamos entender como o Dia de Portugal, esteve sempre ligado, na sua mais original génese, aos Combatentes de Portugal, que ao longo da História da Nação foram dando o melhor de si para a servir.

E é perfeitamente legitimo que assim seja, porque uma Nação que se honra da sua História, sempre deve homenagear os seus filhos que por essa História se entregaram com risco, e muitas vezes entrega da própria vida.

A maior parte das nações que de um modo geral Portugal considera aliadas ou amigas, têm em cada ano, um dia especialmente dedicado aos seus Combatentes, independentemente das razões ou legitimidade das guerras travadas.

Assim, em nações como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos da América, (para citar apenas estas duas), esse dia é comemorado com “pompa e circunstância” e os Combatentes são a figura principal das celebrações desse dia, sem distinção, conotações políticas, ou quaisquer outras, mas apenas respeitando e homenageando aqueles que serviram a Pátria com as suas próprias vidas.

Se o 10 de Junho não é entendido nesta dimensão, (e é óbvio pelo passado recente que o não é), duas coisas há a fazer:

- Ou fazer do 10 de Junho esse dia de homenagem e respeito aos Combatentes.

- Ou criar um novo dia específico para essa homenagem, na certeza porém, de que o 10 de Junho nos moldes em que é celebrado agora, perderá rapidamente a anuência e empenho dos Portugueses que agora, apesar de tudo, ainda minimamente tem.

Não se perguntarão as autoridades de Portugal, o porquê de, ainda havendo tantos Combatentes das guerras recentemente travadas por Portugal, ser tão diminuta a afluência às celebrações do 10 de Junho?

A resposta é sem dúvida muito fácil. É que os Combatentes não se revêem na forma como esse dia é celebrado e muito menos ainda na forma como são tratados nesse dia e em todos os dias.

Escrevo a V. Exa. por mim, mas também por muitos que ouço e pensam como eu.

Não se trata agora de subsídios, ou outras “compensações” financeiras, seja por que motivos forem, mas sim, única e exclusivamente, de respeito e consideração por aqueles que, tendo deixado tudo, (voluntária ou involuntariamente), não deixaram de servir Portugal, a maior parte das vezes em condições de terrível sobrevivência.

Foram gerações sacrificadas, mas generosas, como V. Exa. muito bem disse no seu recente discurso na “Cerimónia de Homenagem aos Combatentes no 50º Aniversário do início da Guerra em África”, e que, mesmo não tendo na sua maior parte “ido à guerra” de modo voluntário, não deixaram de cumprir até á exaustão com tudo o que lhes foi exigido, e em condições de inigualáveis dificuldades, prestigiaram Portugal e todos aqueles que pela Nação combateram desde a sua própria Fundação.

Pode parecer uma escrita épica, ou desajustada das “realidades” de hoje, mas é verdadeira para todos aqueles que se orgulham de ser Portugueses e se orgulham da sua História.

E isto, repito, nada tem a ver com política, ou formas de interpretar as guerras, mas sim como o respeito que sempre deve existir por aqueles que se deram pelos outros.

Nós, Combatentes, não queremos ser anónimos, nem envergonhados, (que o não somos), mas queremos sim, (tal como nos países acima referidos), desfilar, de pé, de cadeira de rodas, ou conduzidos por outros, seja qual for a nossa condição, acompanhados pelos estandartes e símbolos, sob os quais servimos Portugal.

Não nos movem quaisquer razões político/partidárias, nem conotações com qualquer regime, mas sim, a razão de querermos desfilar em Belém, pois queremos desfilar em homenagem e honrando aqueles que estão inscritos naquele Monumento aos Combatentes, e que deram tudo o que tinham a Portugal, ou seja, a sua própria vida.

Não queremos discursos de circunstância que ninguém ouve, nem queremos discursos de instituições mais ou menos estatizadas, queremos sim ouvir algum ou alguns de nós, que nos encham a alma, o coração, bem como o Comandante Supremo das Forças Armadas, para nos sentirmos vivos, para nos sentirmos respeitados, para sentirmos que a «Pátria nos contempla», não para nosso orgulho, mas para nosso respeito, e para que as gerações vindouras saibam que Portugal honra os seus filhos.

Senhor Presidente da República, está nas suas mãos ouvir os Combatentes!

Não, como acima refiro, as instituições mais ou menos “estatizadas” de Combatentes, mas ouvindo os Combatentes, que até pela força do seu passado, com muita facilidade se organizarão para responder a um seu convite.

Estamos, como V. Exa bem sabe, pois também fez uma comissão em Moçambique, a ficar cada vez mais velhos, já para além dos 60 anos, pelo que é tempo de se corrigir o desprezo a que foram e são votados os Combatentes de África.

E não só os de África, mas os de todos os tempos que serviram Portugal.

Desfilaremos, transportando com tanto orgulho o estandarte das nossas unidades militares da guerra em África, como com o estandarte dos nossos irmãos mais velhos da guerra na Europa, ou em qualquer parte do mundo.

Portugal precisa, mais do que nunca, de se olhar, de olhar as suas gentes, de redescobrir a generosidade com que os Portugueses sempre se deram pela sua Nação, para não corremos o risco de cada vez mais nos fecharmos em nós próprios apenas para “lambermos as nossas feridas”.

Homenageando, respeitando e enaltecendo os Combatentes, homenageamos, respeitamos e enaltecemos a vontade inabalável dos Portugueses.

Homenageando, respeitando e enaltecendo aquelas gerações, fazemos também com que as gerações de agora e as vindouras, sintam orgulho e vontade de pertencerem à Nação que «deu novos mundos ao mundo».

Está nas suas mãos, Senhor Presidente da República, marcar uma viragem importante e imprescindível nas celebrações do 10 de Junho, e assim, dar aos Portugueses e ao mundo, uma nova imagem de Portugal que honra os seus filhos, porque só por eles existe e é Nação.

Com os meus respeitosos cumprimentos

Joaquim Manuel de Magalhães Mexia Alves
Alferes Miliciano de Operações Especiais na disponibilidade.
Guiné 1971/1973

3. Nota dos editores:

Amigos/as, camaradas, camarigos/as:

Se quiserem manifestar o vosso apoio  a esta "carta aberta", podem fazê-lo directamente no sítio da Presidência da República Portuguesa... Cliquem em Escreva ao Presidente.  Têm à vossa frente um formulário que oferece uma interface gráfica para o envio da vossa mensagem, que não pode excer dos 10 mil caracteres (tomem como termo de comparaação a carta do JMA que tem cerca de 6600 caracteres com espaços).

Não se trata de nenhum abaixo assinado nem de nenhum petição pública. Trata-se apenas de informar os serviços da PRP que, a título pessoal, apoiam o conteúdo da carta do nosso camarada (sugerindo que seja repensado o tradicional formato das comemorações do 10 de Junho, em que os ex-combatentes não se revêem). Pode ser uma mensagem do seguinte teor: "Subscrevo a Carta Aberta ao Presidente da República Portuguesa, enviada em 31 de Março de 2011, por esta via, pelo cidadão e ex-combatente Joaquim Manuel de Magalhães Mexia Alves"...

Preencham os campos de resposta obrigatória, assinalados com asterisco (nome, e-mail, morada, etc.). Em relação ao motivo do envio da mensagem, podem responder o seguinte: Motivo=Informação. Temática= 10 de Junho, dia dos Combatentes.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7294: Carta aberta a... (5): Professores António de Oliveria Salazar e Marcello Caetano (António Graça de Abreu)


República Popular da China > 2009 > O nosso camarada mais "sínico (mas não "cínico"...) da Tabanca Grande, cruzando o famoso Rio Yangtsé, na província de Sichuan, o maior rio da Ásia com os seus cerca de 6400 km de comprimento...


Guiné > Região do Oio > Mansoa > CAOP 1 > Março de 1973 > O Alf Mil António Graça de Abreu junto ao obus 14.... Antes estivera em Teixeira Pinto. Terminará a sua comissão em Cufar, no sul, nas vésperas do 25 de Abril de 1974.

A 8 de Abrild e 1974, em Cufar, escreve no seu diário: "De Lisboa a minha mulher continua a dizer-me coisas de espantar. Ao fim deste tempo todo, por exemplo: 'Não contas senão o superficial, a tua vivência aí chega a mim só pela rama'. Como é possível?!... Em vinte e um meses e meio fui três vezes a Portugal,  da Guiné escrevi-lhe trezentas e quarenta e sete (347, tenho tudo numerado!) cartas e aerogramas, desdobrei-me na narrativa, na descrição minuciosa do meu quotidiano e desta guerra, desde os muitos pormenores aparentemente insignificantes aos contextos maiores em que vivo. 'Não contas senão o superficial'. Como é possível ?!..." (in Diário da Guiné..., 2007, p. 211).



Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.


1. Texto que o António Graça Abreu me mandou, com pedido de publicação, em 21 de Maio de 2009... Entretanto, ele seguiu para uma longa visita à China (e à família da sua mulher, que é médica), regressou,  passou-se o verão e, contrariamente ao que eu tinha prometido, a famosa carta aberta aos Senhores Professores António de Oliveira Salazar e Marcello Caetano não foi metida no correio nem chegou aos seus destinários...

Nunca saberia como pedir desculpa ao António, pessoa e escritor, além de camarada, que eu muito prezo, por este lapso (monumental)... Mas, por outro lado, ele tem todo o direito de estar zangado comigo. Por muito que já tenha incorporado, nestes anos todos,  alguns dos valores, atitudes e comportamentos típicos da milenar cultura chinesa (por ex., dizer de maneira impassível e elegantérrima o quão está zangado comigo), ele também tem uma boa costela nortenha... Na melhor altura sai bordoada. E antes que isso aconteça, eu faço o meu jogo de cintura... E venho aqui, humildemente, em público,  pedir aos deuses para aplacarem  a sua ira...

Uma coisa eu sei: o António (não) é homem de (res)sentimentos...

Por fim mas não menos importante, quem verdadeiramente deve estar zangado comigo é o nosso caro leitor a quem foi negada a possibilidade, neste ano e meio, de ler e fruir este documento de belo recorte literário e de mordaz ironia, sob a forma de carta aberta aos dois políticos que formataram este país e este povo, durante mais de meio século... Não é um documento panfletário, é uma reflexão relativamente serena sobre oportunidades perdidas por e para todos nós...

Mas é também uma carta de confiança no futuro (que bem precisamos dela, nos tempos que correm), de confiança em Portugal, e nos portugueses, de confiança e de ORGULHO na geração, a nossa,  que soube fazer a guerra e a paz: "Penso que não combatemos pela Pátria salazarista e marcelista mas por um Portugal e uma Pátria que nos circulava no sangue e no entendimento. Essa Pátria não nos pode ser negada. Era, é a nossa terra, eram, são as nossas gentes".

Finalmente,  a carta vai chegar ao seu destino (*)... LG


2. Carta aberta aos Profs. António de Oliveira Salazar e Marcello Caetano


Introdução


António Graça de Abreu, ex-alferes miliciano na Guiné-Portuguesa, humilde cidadão que teve a ventura de nascer no ano de 1947, durante a longa jornada autocrática de V. Exª., Sr. Presidente do Conselho Dr. António de Oliveira Salazar, e depois de viver extremadamente os últimos anos da ditadura mole e pouco iluminada de V. Exª., Sr. Prof. Marcello Alves Caetano, também Presidente do Conselho, confessa, do fundo das circunvoluções do seu desgastado coração, que anda há um ror de anos com vontade de vos escrever.

A primeira dificuldade, para além da minha inabilidade e ausência de qualidades para me dirigir a tão excelsas e ilustres figuras da nossa História Contemporânea, tem a ver com o embaraço de enviar esta carta para o espaço adequado. Qual o lugar onde hoje se encontram, Excelentíssimos Dr. Salazar e Dr. Marcello Caetano? No fofo azul do Céu, nas agruras amarelas de uma passagem prolongada pelo Purgatório, nos calores vermelhos do Inferno?

Como não sei qual foi o destino que para vós Deus escolheu (dependente por certo de tudo quanto executaram ou mandaram fazer na vossa breve/longa vida terrena), envio esta carta para o blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, na certeza de que terá um molho bem cheio de leitores, gente de excelente qualidade, e que V. Exªs., onde quer que estejam, a irão ler.

Este blogue do Luís Graça na Internet  -- coisa que não existia no tempo de vossas vidas-- é um imenso sucesso de comunicação. São testemunhos de ex-combatentes da guerra na antiga Guiné Portuguesa, trocas de opiniões, entendimentos, desentendimentos, desabafos, uma espécie de terapia colectiva, muitos anos após o regresso dessas paragens quentes e amargas que nos marcaram a todos.

A segunda dificuldade, ao escrever esta carta, prende-se com o modo de vos tratar. “Excelências, Senhores Presidentes do Conselho, Prof. Dr. Salazar, Prof. Dr. Marcello Caetano”? Todas estas denominações vos pertencem, associadas à importância e dignidade dos cargos que, em ditadura, ocuparam ao longo de tantos anos.

Ora, há uns três meses atrás, o António Lobo Antunes, ex-oficial miliciano médico em Angola, 1971/1973, na crónica que assina na revista Visão, escreveu um texto algo zangado com Deus que, no início de 2009, lhe levou dois dos seus melhores amigos. E António Lobo Antunes resolveu tratar Deus por tu. Ele é um pouco, ou muito despassarado, mas enfim…

Eu também tenho as minhas guinadas e manias, mas pairo baixo, a razoável distância do autor de Os Cus de Judas. E os Profs. Salazar e Marcello também não são deuses.

Não me levem a mal por, em bicos de pés no alto do meu banquinho de escritor pequeno e medíocre, (mas com quinze livros publicados), desejar tratar-vos igualmente por tu, com todo o respeito. Mas acho que não sou capaz.


A História

O nosso Portugal é uma das nações mais antigas da Europa. Fechados neste rectângulo, de costas voltadas para Espanha, tínhamos o oceano diante de nós. E, a partir do século XV, antes de quase todos os outros povos, embarcámos na ousadia e na loucura de navegar o mar. Áfricas, Américas, Índia, China, Japão, Austrália, nada do que eram então os grandes mares e as imensas terras desconhecidas parece ter escapado às quilhas das naus, ao calcorrear português, ao entendimento, nem sempre esclarecido, das gentes da pequena pátria lusitana. Demos “novos mundos ao mundo”, é verdade. E fixámo-nos em muitos desses lugares. Fomos ficando. Em meados do século XX ainda estávamos em Macau e Timor, na Índia, em Moçambique e Angola, nas ilhas de S. Tomé e Cabo Verde, na Guiné.

Depois de descobrirmos mais de meio mundo, face à pequenez do Portugal europeu, alimentámos naus e naus carregadas de mitos e sonhos. O bom do padre António Vieira (1608-1697) acreditava ainda num impossível Quinto Império lusitano espalhado pelo mundo e falava de nós como os que “têm a terra portuguesa para nascer e toda a terra para morrer”.

No século XIX construímos a ideia irrealista de um mapa “cor-de-rosa” a unir, sob domínio português, as terras de Angola e Moçambique. Na I Guerra Mundial (1914-1918) enviámos forças expedicionárias para França, para a Flandres, entre outras razões, para mostrar que tínhamos força (não tínhamos!..) e que outras potências europeias seriam mal sucedidas se algo fizessem para se assenhorearem das nossas colónias. Tivemos quinze mil mortos, (corrijam-me se estou enganado!),  bons filhos da terra portuguesa, nessa guerra estúpida e inútil. Como quase todas.

Em 1953, escrevia o general Norton de Matos, em choque aberto com V. Exª., Dr. Salazar, e que mais tarde haveria de se candidatar a Presidente da República pela chamada Oposição: “Que a vossa principal tarefa seja o engrandecimento da Pátria, dignificando-a (…). Não deixais que ninguém toque no território nacional. Conservar intactos os territórios de Aquém e Além-Mar é o vosso principal dever.” (in Norton de Matos, A Nação Una, Lisboa, Ed. Paulino Ferreira e Filhos, 1953).

Tudo isto V. Exª. conhecia, Dr. Salazar e, na linha do pensamento tradicional português e até do de alguns dos vossos opositores, Portugal afirmava-se “uno e indivisível”, estender-se-ia do Minho a Timor, eram “muitas raças, uma só nação”. Uma utopia, um sonho lindo e perigoso, inevitavelmente condenado pelos ventos e avanços da História.

A partir dos anos sessenta do século XX, quase todas as colónias das nações europeias em África transformaram-se em países independentes. Sabemos hoje que muitas dessas independências foram prematuras e constatamos como muitos dos pobres povos dessas terras, libertos do nada meigo jugo colonial, têm sido tratados pelos seus governantes africanos e chefes associados ao tribalismo, à incompetência, à corrupção, ao esmagamento dos mais elementares direitos humanos.

No que a Portugal diz respeito, naquele fatídico ano de 1961, perdíamos a Índia e logo de seguida iniciava-se a luta armada em Angola, com o massacre pela UPA (União dos Povos de Angola) de milhares de portugueses inocentes. O ódio racial era real e antigo, ao contrário do que a propaganda do regime de V. Exª., Dr. Salazar, queria esconder. A tese das “muitas raças, uma só nação” continuava a ser enganosa e iria provocar imensos sofrimentos ao povo português e aos povos de Angola, Guiné e Moçambique.

A Guerra

“Orgulhosamente sós” embarcámos aos milhares, de armas na mão para lutar contra o “terrorismo” em Angola. Em 1963, com o eclodir dos conflitos armados na Guiné e em Moçambique, novos espaços de guerra se abriram para os portugueses. Os chamados Movimentos de Libertação organizavam-se, contavam com poderosos auxílios externos (União Soviética, China, etc.) e Portugal fez um esforço tremendo para combater, com algum êxito, esses guerrilheiros que acreditavam lutar por um futuro melhor para a Pátria deles e queriam pôr fim a quatro séculos de mau colonialismo. O sangue, a dor, a morte passaram a fazer parte do quotidiano de Angola, Guiné e Moçambique.

Sempre na senda de um “passado glorioso”, da exaltação da nossa História, e também por razões económicas -- Angola era, é, talvez o país mais rico de África – V. Exª, Dr. Salazar, insistia na “defesa da Pátria”, e V. Exa., Dr. Marcello Caetano, excelente professor na Faculdade de Direito de Lisboa, não discordava uma linha da política ultramarina seguida por Salazar.

Em 1968, eu não era nada de especial, tinha vinte gloriosos anos, vivera já durante um ano em Hamburgo, na Alemanha e, na Faculdade de Letras de Lisboa, fazia parte da Direcção da Pró-Associação de Estudantes e do Grupo de Poesia e Canção da Faculdade. Muitas vezes eram da nossa responsabilidade as primeiras partes dos espectáculos semi-clandestinos do Zeca Afonso, do Adriano, do Fanhais, do Zé Jorge Letria. Eu dizia poemas do Pessoa, da Sophia, do António Gedeão. Deste último, ainda sei de cor a Lágrima de Preta. Ignoro se V. Exas, Salazar e Marcello, são muito dados a estas coisas da poesia, mas aí vai:

Encontrei uma preta que estava a chorar
Pedi-lhe uma lágrima para analisar,
Recolhi a lágrima com todo o cuidado
Num tubo de ensaio bem esterilizado.
Mandei vir as bases, os ácidos, os sais,
As drogas usadas em casos que tais.
Nem sinais de negro, nem vestígios de ódio,
Água, quase tudo, e cloreto de sódio.


Podem pois adivinhar de que lado político eu me situava. A PIDE já me tinha debaixo de olho e o meu processo na PIDE (podem consultar, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, PIDE/DGS, procº. 9175 C7 NT 7555) é muito interessante e equivale às medalhas que, por bem, não ganhei na Guiné Portuguesa.

Os tempos tinham mudado, em finais dos anos sessenta do século passado cada vez mais pessoas e muita juventude, sobretudo a que frequentava as universidades, começava a contestar a vossa autoridade e a justiça das guerras em África.

E o vosso erro foi não terem entendido, para bem de Portugal e dos povos africanos, que a era gloriosa da Pátria portuguesa espalhada pelos quatros cantos do mundo pertencia a uma História de que nos podemos e devemos orgulhar, mas era apenas isso, o passado.

V. Exª., António de Oliveira Salazar e depois, a partir de 1969, V. Exª., Marcello Caetano, descartavam as hipóteses de negociações com os movimentos de libertação. E os conflitos não tinham solução. Não conseguíamos vencer os guerrilheiros em luta, nem éramos vencidos por eles.

O povo português, os povos africanos sofriam barbaridades. Em nome de quê, porquê, para quê? Vocês estavam a adiar o inadiável, o inevitável.

Em 1968, V. Exº., Dr. Salazar nomeia o então brigadeiro António de Spínola para governador e comandante-em-chefe das tropas na Guiné. Spínola, que fora tenente-coronel em Angola, apercebe-se da impossibilidade de se ganhar militarmente a guerra. A questão era política, sempre foi política e ao lançar a estratégia política de Uma Guiné Melhor António de Spínola pretende transformar o “inimigo em nosso amigo”. Consegue alguns resultados e o PAIGC treme. Spínola começa progressivamente a alicerçar a ideia de uma muito maior autonomia para os territórios ultramarinos, uma espécie de federação lusófona, e inicia estranhas negociações com o “inimigo” que, em 1970, se viriam a saldar pelo cruel e cobarde assassínio de três majores portugueses por guerrilheiros do PAIGC.

V. Exª., Dr. Salazar, tinha caído da cadeira de lona no forte de Santo António do Estoril, batido com a cabeça no chão e incapacitado, ainda sem acreditar, terminava o seu longo consulado ditatorial ao leme dos destinos tortos de Portugal.

V. Exª., Dr. Marcello Caetano, era um homem mais aberto e moderno. Mas não acabou com a ditadura, nem com a polícia política, nem com a asfixia da sociedade portuguesa. No que às guerras de África dizia respeito, foi muito mais “continuidade” do que “evolução”. Portugal permanecia num doloroso beco sem saída.

Até que em 1973, de início por razões reivindicativas e corporativistas que tinham a ver com promoções na carreira, um grupo de capitães, oficiais do quadro permanente, todos marcados pela inutilidade, irracionalidade e impossível solução das guerras de África, decide avançar para um golpe militar e depor o regime que governara Portugal a partir de 1926.

V. Exª., Dr. Salazar, desde 1970, dormia o definitivo sono dos injustos na sua campa térrea de Santa Comba Dão. E V. Exª., Dr. Marcello, foi exilado para o Brasil. As guerras de África iam acabar porque o problema tinha solução, era, sempre foi político.

O que veio a seguir já não é da vossa responsabilidade, sois apenas culpados por ter protelado, adiado até ao impossível, uma necessária solução política para os conflitos em África.

A descolonização, como sabem, foi um inenarrável desastre, as tragédias da guerra civil em Angola, os conflitos em Moçambique, os massacres em Timor, o fuzilamento de centenas de militares e civis africanos na Guiné, homens que tinham combatido ao nosso lado ou apoiado as tropas portuguesas, enfim todo um rosário de mágoas, dor e morte que não terminou com a independência desses territórios. Como foi possível, pós independência, que quase todos os mais destacados e heróicos comandantes da guerrilha do PAIGC também tenham sido mortos em lutas intestinas entre eles? Como é possível que hoje, ano de 2009, quase metade das mulheres da Guiné-Bissau estejam ainda sujeitas à excisão do clitóris, uma prática bárbara, atentatória dos mais elementares direitos da mulher, direitos humanos? Como é possível que hoje, 2009, em Bissau não exista uma única livraria?

Mas não foi para me debruçar sobre estes temas que vos escrevi. Vamos falar de nós.

Combatentes

A minha mulher é chinesa [, foto à esquerda], criada na Xangai comunista, República Popular da China, onde nasceu em 1961. Há dois anos atrás, quando resolvi ir buscar o meu diário de guerra na Guiné, mais uns aerogramas da época [, foto à direita], e comecei a passá-los ao computador prevendo uma possível publicação em livro, a minha mulher zangou-se comigo. Via-me sofrer ao reescrever os textos, constatava como aquele diário ainda bulia comigo, houve dias em que, na escrita, algumas lágrimas me rolavam pela face, e ela não gostava. Fala bem português, está em Portugal há 24 anos e disse-me mais ou menos o seguinte:

“Então que prazer estúpido tens em mexer nesses papéis, tu afinal pertenceste a um exército colonial que andou a matar os pobres dos pretos. Não é melhor tentar esquecer tudo isso e dedicar o teu labor a trabalhos mais saudáveis”?!...

Em Julho de 2008 tentei e consegui convencê-la a ir comigo a Fátima, ao segundo encontro dos camaradas da CCaç 4740, com quem estive em Cufar, sul da Guiné, durante dez meses. Fomos à missa (o que raramente acontece!) com muitos dos homens da companhia 4740 e ao almoço com eles e famílias. E a minha mulher entendeu por fim o que une estes antigos militares da Guiné. Compreendeu, em palavras simples, como somos amigos, entendeu a alegria que temos em nos reencontrar, em recordar, em nos sentirmos irmãos.

[ À esquerda, capa do livro do nosso camarada António Graça de Abreu, Diário da Guiné: Lama, Dangue e Água Pura.  Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007.... Em cima, à direita, um original aerograma, escrito em linhas concêntricas, reproduzido no livro].


É isto, senhores Dr. Salazar e Dr. Marcello Caetano, que vos quero dizer, dar-vos a conhecer a evolução das nossas vidas. A guerra marcou-nos a todos, mas somos hoje companheiros fraternos, camaradas de armas recordando um duro passado comum, em terras que não eram as nossas, mas que continuam a exercer sobre nós todos os fascínios. Fomos obrigados a fazer uma guerra, é verdade, mas a grande maioria de nós também sabia fazer a paz, quase todos tiveram a humanidade e a dignidade de sair de cabeça levantada dessa guerra.

Centenas de milhares de homens passaram pelas guerras de África. Quase nove mil combatentes, no melhor dos seus vinte anos, lá perderam a vida. “Malhas que o império tece”, ou melhor, malhas cerzidas por uma política cega, de que vocês os dois foram os principais fautores.

Os meus heróis são os soldados portugueses que tombaram para sempre numa guerra injusta tendo por horizonte as bolanhas, o tarrafo e o verde e vermelho da bandeira portuguesa, os meus heróis são esses guerrilheiros anónimos do PAIGC que caíram no seu campo de luta.

A Guiné

O velho Confúcio, nascido na China antiga no ano de 551 a.C., disse mais ou menos o seguinte: “Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer”.

Como, apesar dos meus 62 anos, conheço ainda tão pouco, devo confessar-vos, Drs. Salazar e Marcello, que neste blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné tenho aprendido muito sobre o que aconteceu nos onze anos de guerra na Guiné e sobre esta essência tão obtusa de sermos portugueses.

Os testemunhos dos homens que viveram o conflito é sempre e naturalmente plural. Os nossos dois anos de Guiné tiveram cenários e tempos diferentes, as terras fulas de Bafatá e Nova Lamego (Gabú), o chão manjaco, com o Cacheu e Teixeira Pinto (Canchungo), Mansoa e o Morés, no sul, as terras do Tombali e do Cantanhez. Diversos espaços de luta, de excelente, extraordinária camaradagem e também de sofrimento. Ora, a Guiné dos anos 1964, 1967, 1970, 1972 ou 1974 não corresponde exactamente a um mesmo enquadramento logístico e estratégico. A guerra prolongou-se por onze anos. Depois, hoje escrevemos de memória, trinta e tal, quarenta e tal anos transcorridos. E a memória esquece, distorce, obscurece, exalta o entendimento.

Mesmo assim, muitos dos testemunhos dos ex-combatentes neste blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné assumem-se como marcos fundamentais das nossas vidas, imprescindíveis para entender quem fomos e somos.

Recomendo-vos vivamente a leitura do blogue, Profs. Salazar e Marcello.

Transparece, no entanto, em alguns dos textos publicados no blogue, reflexo também de falsas ideias feitas em estratos da sociedade portuguesa, uma constante ideológica de assumir culpas, de lançar culpas para o parceiro do lado, de subestimar as forças militares portuguesas e, lógico, de sobrevalorizar o poder dos guerrilheiros do PAIGC. Política, má política.

Fomos obrigados a combater contra povos pobres que acreditavam lutar por um futuro mais risonho para as suas pátrias. Não fomos militarmente derrotados. Porque, quase sempre fomos bravos, “forte gente” com “fracos reis”, como diria o nosso Camões.

Mas, V. Exª., Dr. Marcello Caetano, com algum fundamento, estava assustado com o que acontecia na Guiné, a partir de Abril de 1973, com os mísseis Strela e com a debandada de Guileje. Em Lisboa, com censura nos jornais, sem liberdade de imprensa, corriam extravagantes boatos. Dizia-se de boca bem aberta, mas à boca calada, que os aquartelamentos portugueses no sul da terra guineense caíam uns após outros. Contava-se que um quartel, a 30 quilómetros de Bissau, havia sido tomado pelo PAIGC, com centenas de mortos. Em Junho de 1973, à noite, às escondidas, em muros da cidade de Coimbra, alguém escrevia : “se tem o seu filho na Guiné, considere-o morto.”

Em V. Exª., Dr. Marcello Caetano, a preocupação crescia. Em Junho de 1973, mandava chamar o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Costa Gomes, recentemente regressado da Guiné e perguntava-lhe:

--A Guiné é defensável e deve ser defendida?
(…) A resposta do General Costa Gomes foi categórica:

-- No estado actual, a Guiné é defensável e deve ser defendida.”

(in Marcello Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, Ed. Record, 1974, pag.180.)


A menos de um ano do 25 de Abril, Costa Gomes considerava a Guiné “defensável”, o que era verdade em termos militares. Sim, mas à custa de tantos sacrifícios!… Quanto ao “deve ser defendida” era a perpetuação da tese política da defesa cega das terras africanas do império.

A Guiné-Bissau tornou-se um país independente a 23 de Setembro de 1974 e logo depois Costa Gomes chegou a Presidente da República portuguesa. As malhas rotas que o império tece.

Conclusão

António de Oliveira Salazar e Marcello Caetano, Excelências

Espero que tenham lido com atenção esta minha despretensiosa carta. É apenas um desabafo do coração, mas espero que, graças ao fantástico e extra-terreno blogue do Luís Graça, tenha chegado ao vosso mundo.

Nós hoje, somos ainda uns duzentos mil ex-combatentes da Guiné. Sexagenários e septuagenários, jamais esquecemos esses cada vez mais distantes dois anos das nossas vidas. Penso que não combatemos pela Pátria salazarista e marcelista mas por um Portugal e uma Pátria que nos circulava no sangue e no entendimento. Essa Pátria não nos pode ser negada. Era, é a nossa terra, eram, são as nossas gentes.

Com vinte e poucos anos, quase todos nós demos o melhor de nós próprios (às vezes a própria vida) numa guerra que não desejámos. Mas temos orgulho na nossa bandeira e nesse estranhíssimo sortilégio de se nascer português.

Homens, ex-militares da Guiné, somos hoje duzentos mil irmãos.

Saúda-vos, com pouca amizade, o

António Graça de Abreu
____________

Nota de L.G.:

(*) Poste anterior desta nova série > 25 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7034: Carta aberta a... (1): Camarada (de armas) António Lobo Antunes (António Graça de Abreu)

sábado, 25 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7034: Carta aberta a... (4): Camarada (de armas) António Lobo Antunes (António Graça de Abreu)



República Popular da China > Agosto de 2010 > O nosso camarada António Graça Abreu em locais facilmente reconhecíveis pelo leitor ocidental  (com  excepção talvez do segundo a contar de cima): (i) a Grande Muralha da China, (ii) o oásis de Dunhuang, no deserto de Gobi, província de Gansu, (iii) a Praça de Tiananmen, em Pequim.

Fotos: António Graça Abreu (2010). Direitos reservados



1.Carta aberta ao Camarada António Lobo Antunes

Areias, Estoril, 5 de Setembro de 2010

Herdei alguma coisa dele (o pai): A solidão feroz, a capacidade de ser horrivelmente desgradável para os outros, (…) a agressividade injusta.

António Lobo Antunes, revista Visão, 2 de Setembro de 2010

António Lobo Antunes: Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata, e assim não havia ataques.

Jornalista: Parava a guerra?

António Lobo Antunes: Parava a guerra. Até o MPLA era do Benfica…

(Entrevista à revista Visão, Maio de 2005)



Camarada António Lobo Antunes

Comecemos pois pela bola.

Nós lá em Cufar, no sul da Guiné, 73/74, era mais para o verde, a Companhia de Caçadores 4740 até se denominava “Os Leões de Cufar.”

Quando o Sporting jogava, fazíamos quase o mesmo que vocês no leste de Angola, voltámos os nossos rádios (éramos pobrezinhos, não dispúnhamos de altifalantes!...) para a floresta e era certo, sabido e garantido que os guerrilheiros do PAIGC, todos sportinguistas, não nos atacavam. Vinham até ao arame farpado e por ali se quedavam, do outro lado, entusiasmados, embevecidos, felizes ouvindo os relatos do Nuno Brás e do Artur Agostinho, e os golos do Yazalde.

Mas escrevo-te não por causa do futebol. Questões mais momentosas e importantes têm trazido o teu nome para a ribalta sofrida dos ex-combatentes das guerras de África.

Tu não sabes, -- também como honestamente confessas, não vês televisão, não ouves rádio, não lês jornais, não tens net, enfim vives numa torre de ébano voltada para o lado opaco do quotidiano das gentes --, tu não sabes, dizia eu, mas no último fim de semana de Agosto reuniram-se em Monte Real, Leiria, um tantos ex-combatentes do Ultramar, com o objectivo de tentar entender e explicar as estranhas, as nebulosas afirmações do António Lobo Antunes sobre a sua guerra no leste de Angola, 1971/73.

Como deves recordar, o ano passado, em entrevista ao Céu e Silva, referiste as 150 baixas do teu batalhão e os pontos ganhos pelos teus soldados, conforme iam abatendo inimigos para, infatigáveis matadores, conseguirem ser mudados para regiões de Angola menos flageladas pela guerra.

Não foi fácil para os ex-combatentes chegarem a um consenso definitivo no que às tuas palavras diz respeito. Reunidos na clareira de uma mata junto ao o pinhal de Leiria, gentilmente cedida pelos herdeiros do Lúcio Tomé Féteira, os representantes dos ex-militares portugueses agrupados na ACNMNVAPC (Associação dos Combatentes Nem Mortos, nem Vivos, antes pelo Contrário) acabaram por concluir:

Primeiro:

150 baixas por batalhão não é uma boa média. Os nossos valentes e garbosos soldados gostavam de ter tido mais baixas. O problema é que quase não as havia. O leste de Angola como tu bem sabes, caro António, era o cu de Judas, terras do fim do mundo pouco povoadas, onde até os elefantes se esqueciam que possuíam uma prodigiosa memória de elefante.

As mulheres do leste de Angola não eram baixas, mas sim espigadotas, altas, secas de carne, peitos pequenos e encolhidos. Uma baixa constituía uma raridade. Estas baixas, sim, eram uma tentação para qualquer soldado, português, angolano, cidadão do mundo. De nádegas redondas e brilhantes, de peitos alteados e firmes, romãs suculentas cobertas de chocolate, estas baixas eram a perdição dos nossos excelentes mocetões. Fiéis aos ensinamentos do vetusto Salazar, tipo “muitas raças, uma só nação”, aquelas baixas portuguesas de Angola, pestanudas, roliças transformavam-se com facilidade, aos olhos da nossa tropa, na tão desejada namorada, a companheira, a vizinha, a menina branca que ficara lá longe, nostálgica, desamparada na aldeia lusitana de Vila Meã, Bensafrim, Antuã ou Cernache do Bonjardim.

O batalhão do alf. mil. médico António Lobo Antunes, lá por Angola, em Gago Coutinho, no Chiúme teve, segundo dados fornecidos por ti próprio, 150 baixas. Foi o que pôde ser, o que se pôde arranjar, e o que os deuses e os sobas do leste de Angola concederam aos nossos excelsos mancebos. Que hoje morrem de saudades – estamos todos mortos, falecidos, moribundos, semi-defuntos, etc., não é António? – por aquelas deliciosas baixas angolanas, de olhos de mel e frenéticos rabinhos empinados.

Segundo:

Quanto à procelosa questão do sistema de acumulação dos pontos obtidos com a mortandade feita sobre o IN, a fim de se obterem transferências para zonas de paz, os ex-militares das guerras de África na reunidos na tal ACNMNVAPC (Associação dos Combatentes Nem Mortos, nem Vivos, antes pelo Contrário, repito) tiveram grande dificuldade em entender tão radicais pressupostos apresentados por ti, camarada António Lobo Antunes.

Depois de muita deliberação, chegaram-se a conclusões.

Assim:

Os soldados, nos ócios da guerra, jogavam à sueca. Por jogo ganho, marcava-se uma bolinha preta na cruz de cada equipa. As cruzes iam-se enchendo de pontos negros que, por brincadeira de mau gosto, os nossos homens, associavam a cabeças de guerrilheiros. Como bem recordaste na entrevista ao jornal Expresso, a 28 de Agosto, “ninguém desce vivo da cruz”, nem sequer numa suecada à antiga. Podes pois imaginar a razia nas hostes inimigas que, jogando à sueca, provocávamos.

Mas há mais.

Os soldados jogavam à sueca, os sargentos e oficiais jogavam mais à batalha naval. Nesta última variante lúdica, como sabes, o objectivo era afundar contra-torpedeiros, submarinos, até porta-aviões. Também por brincadeira de mau gosto, os homens do teu batalhão diziam que os navios iam carregados de velhos, mulheres e crianças oriundas do Leste de Angola. Embarcavam em Luanda e depois, mar alto com eles… Cada barco ao fundo, era um morticínio atroz.

A tropa portuguesa jogava a dinheiro. Marcavam-se pontos e fizeram-se boas maquias, houve muito patacão arrecadado que os nossos militares, de férias, iam patrioticamente gastar em zonas onde a guerra estava ausente, no Luso e até em Luanda.

Está tudo explicado.

Saudações de camarada de armas,
António Graça de Abreu, alf mil infantaria, Comando de Agrupamento Operacional nº. 1, Guiné, 1972/1974.

[Fixação / revisão de texto / título: L.G.]


2. Comentário de L.G.:

O António acaba de regressar de mais  uma das suas viagens "sínicas" (leia-se: à China)... Julgo que desta vez foi também em trabalho. No regresso mostra estar em boa forma, a avaliar por esta carta aberta ao António Lobo Antunes que, antes de ser escritor famoso, foi nosso camarada de armas... em Angola.

A carta é uma peça, notável, de fino humor, deliciosa, inteligente, civilizada, irónica. Não sei se o destinatário é o ALA. Tenho dúvidas... De qualquer modo, sabemos, à partida, que o ALA não a vai ler, pela simples razão de que ele é um público e notório info-excluído (segundo a imprensa escrita, o ALA não tem computador, nem e-mail, nem página na Net, nem conta no Facebook, nem nenhum dessas tretas das chamadas TIC - Tecnologias de Informação e Conhecimento, que são obrigatórias para se ser membro deste blogue, por exemplo).

O António Graça de Abreu, além do mais, vem cheio de energia: no próximo dia  2 de Outubro a 18 de Dezembro, vai dar início, no Museu do Oriente / Fundação do Oriente, de um curso, de 12 sessões, sempre aos sábados, das 10h00 às 12h30, com o título Introdução à História da China. O preço de inscrição é de 100 euros. Esta iniciativa já foi divulgada internamente na nossa Tabanca Grande.

Desejamos-lhe que tudo corra bem e que, entre os inscritos, haja malta nossa, interessada em aprofundar os seus conhecimentos sobre a civilização e cultura chineses...

É explicitamente objectivo do curso ao longo de 12 sessões  "pontuar os períodos de crescimento, apogeu, estabilidade e decadência do velho Império do Meio. E caminhar, com todo o rigor possível, pela História, as mentalidades, a cultura, a construção dos quotidianos na China Clássica e Contemporânea. Macau e os Portugueses na China estarão naturalmente presentes, tal como o nosso Museu do Oriente".