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domingo, 29 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18878: (D)o outro lado do combate (35): a doutrina do PAIGC no recrutamento de jovens combatentes para as suas fileiras (Jorge Araújo)



Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante a instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43870 (2018-7-20), com a devida vénia.


Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43874 (2018-7-20), com a devida vénia.


Citação: (1963-1973), "Jovens da Milícia Popular do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43128 (2018-7-20), com a devida vénia.




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A DOUTRINA DO PAIGC NO RECRUTAMENTO DE [JOVENS] COMBATENTES PARA AS SUAS FILEIRAS



1. INTRODUÇÃO


A propósito da existência de crianças/meninos-soldados, tema apresentado nos últimos dois postes - P18855 e P18858 - (*), não acredito que haja alguém neste nosso planeta, mesmo que se considere pouco informado, que possa afirmar desconhecer este fenómeno, tantos são os exemplos [imagens] que frequentemente nos chegam dos países, ou das regiões, onde se desenvolvem conflitos armados.

Com outras palavras, mas com igual sentido do parágrafo anterior, partilho convosco a reflexão do Doutor Fernando Nobre, autor do prefácio do livro «Meninos Soldados», do jornalista e professor americano Jimmie Briggs, editado pela Caleidoscópio em 2008, pp. 224 [obra que se encontra esgotada]. Diz ele: 


"Este livro tenta aprofundar a nossa compreensão para este terrível fenómeno que tem aumentado dramaticamente nas últimas décadas. Retrata o uso de crianças como soldados nos conflitos armados, tanto pelos governos como por guerrilhas militares em diversos lugares do mundo: Ruanda, Colômbia, Sri Lanka, Uganda e Afeganistão. As crianças são vítimas das maiores atrocidades e contam, na primeira pessoa, o que são obrigadas a fazer e o sofrimento por que passam às mãos destes grupos. A grande força do livro recai na forma como histórias das crianças são usadas para ilustrar o problema das meninos-soldados: como são recrutadas – incluindo recrutamento voluntário, rapto, coerção, etc. Expõe também as deficiências no sistema das Nações Unidas para evitar situações como estas.


"Falar das crianças-soldados é falar de uma das novas formas de escravatura e de um dos maiores insultos à consciência e ética humanas. É falar também do profundo sentimento de horror e de medo em que vivem estas crianças – os rapazes como carne picada para as metralhadoras e as minas; as meninas como carne para sexo em permanente disposição – quase sempre raptadas às suas pobres e indefesas famílias ou fugidas da sua miséria, da sua falta de esperança, da sua orfandade de pais e de humanidade". (Dr. Fernando Nobre).


De referir, como nota biográfica, que Fernando Nobre nasceu em Luanda em 1951. aí permanecendo até 1964, ano em que foi viver para o Congo Belga. Em 1967 mudou-se para a Bélgica onde se licenciou e doutorou em Medicina como especialista em Cirurgia-Geral e Urologia na Universidade Livre de Bruxelas. Iniciou a sua vida profissional no Serviço de Cirurgia-Geral e Urologia do Hospital Universitário de Bruxelas, tendo lecionado, como assistente, as disciplinas de Anatomia e Embriologia.

Também na Bélgica iniciou a sua colaboração com os Médicos Sem Fronteiras, de que foi membro e administrador. Regressado a Portugal, fundou em 1984 a Assistência Médica Internacional (AMI), organização não-governamental. Através da AMI participou como cirurgião em mais de duzentas e cinquenta missões de estudo, coordenação e assistência humanitária em cerca de setenta países. É professor catedrático convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e noutras universidades privadas [Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Nobre, com a devida vénia].


Fonte: https://www.emaze.com/@ATCZQIR, com a devida vénia


2. A DOUTRINA DO PAIGC NO RECRUTAMENTO DOS SEUS [JOVENS] COMBATENTES


Recordo, neste ponto, que utilizei uma imagem (com mais de quatro décadas) de um menino-soldado-menino, do álbum do médico holandês Dr. Roel Coutinho, para enquadrar "A logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte: um itinerário até ao hospital de Ziguinchor (Senegal)", título dado à narrativa do P18848. Para melhor conhecer este processo, ou a filosofia que o suporta, segui em frente na busca de novos elementos. (**)

A fonte privilegiada continuou a ser a «Casa Comum – Fundação Mário Soares» e o vasto espólio existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973). A consulta foi, com efeito, bem-sucedida, pois aí encontrámos, escrito em francês, um questionário (ultra secreto) estruturado com 17 (dezassete) perguntas [e um outro com as respostas], em que a primeira é: «modo de recrutamento dos combatentes», com a seguinte classificação:

"Pasta: 07069.111.003. Título: Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes. Assunto: Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes. Data: s.d. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relações com a Guiné-Conacri / Senegal 1960-1970. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos". 

2.1. RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO (ULTRA SECRETO) DESTINADO AOS GOVERNOS DA GUINÉ-CONACRI E SENEGAL

[com tradução do francês da nossa responsabilidade]


1. - Modo de recrutamento dos Combatentes?

R. – Os combatentes são recrutados nas diferentes zonas constantes na organização territorial do nosso Partido. "Tomamos o pulso" [sinalizamos], no seio da maioria do campesinato, militantes do Partido.

2. – Qual é a idade mínima dos Combatentes?

R. – 17 a 35 anos.

3. – Eles são militantes ou simpatizantes do PAIGC?

R. – Militantes.

4. – Qual é o nível de formação política dos Combatentes?

R. – O nível político é variado. Mas a quase totalidade dos combatentes-militantes devem conhecer muito bem os objectivos do nosso Partido, preocupados com o Partido e com África, e estarem conscientes quanto à natureza particularmente difícil da nossa luta de libertação nacional. Um grande Partido de militantes, camponeses e operários, recebem uma preparação política nas bases do Partido.

5. – Qual é o nível de formação física dos Combatentes?

R. – Habituados ao trabalho do campo, os combatentes são no geral muito bem constituídos. Aqueles que frequentam regularmente as bases militares do Partido recebem uma preparação física para a luta.

6. – Qual é o nível intelectual mínimo dos Combatentes?

R. – O nosso país herdou do colonialismo uma percentagem de 99% de analfabetos e a maioria que teve a oportunidade de aprender a ler está concentrada nas cidades. Esta situação está presente no seio dos nossos combatentes.

7. – Que nível é preciso dar aos Combatentes?

R. – O nível de um combatente de base, poderá utilizar armas ligeiras. 

8. – Que especialidades é preciso ensinar?

R. – Armamento pesado, anti-aéreas, reparação de armas, mecânico militar, telecomunicações e de outras consideradas necessárias.

9. – No final do estágio pretendem utilizar os Combatentes numa Unidade existente ou isoladamente?

R. – Os combatentes serão preparados de modo a serem incorporados no nosso Exército Popular que, com os guerrilheiros e as milícias populares, formam as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP). O exército regular utilizará, no entanto, as tácticas da guerrilha, em coordenação com os outros elementos das FARP.

10. – Efectivos a formar em cada estágio?

R. – 500 homens, correspondente a uma secção do nosso exército popular.

11. – Número de estágios por ano?

R. – No mínimo dois estágios, se o efectivo for de 500, ou três estágios se for de 250.

12. – Gostariam de propor um programa de instrução de base e de especialidade?

R. – Nós gostaríamos de discutir oportunamente este assunto com os nossos irmãos guineenses [Guiné Conacri]. Tendo em conta a experiência referente às lutas de libertação nacional, bem conhecidas dos nossos irmãos guineenses, estamos contudo convencidos que os problemas não encontrarão dificuldades.

13. – Gostariam de separar os quadros militares e políticos nos Centros (Professores, Intérpretes)?

R. – Nós preferimos não dividir os quadros da luta pelos centros. Em caso de necessidade, nós o faríamos por um número reduzido de centros. Mas estamos convencidos que os professores guineenses são suficientes para preparar os nossos combatentes, porque eles estão sempre em contacto com a direcção do Partido.

14. – Qual é a base da alimentação dos Combatentes?

R. – Arroz, peixe, carne, óleo de palma e amendoim.

15. – Em zona operacional, o Combatente recebe uma remuneração? Quanto?

R. – Não. 

16. – No centro de instrução deve receber uma remuneração?

R. – Não. Poder-lhe-ia ser, eventualmente, atribuído um subsídio para o tabaco [em folha] ou cigarros. 

17. – Como encaram a participação das mulheres na luta?

R. – A mulher pode assumir as funções que estejam ao nível da sua capacidade em cada caso concreto. As mulheres já participaram várias vezes nos nossos combates. Elas estão, na maioria das vezes, incluídas nas milícias populares, na polícia, nas tarefas de combatentes-enfermeiras, etc.


2.2. DOCUMENTOS ORIGINAIS


.Citação: (s.d.), "Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41566 (2018-7-20), com a devida vénia.



Citação: (s.d.), "Respostas ao questionário sobre o modo de recrutamento dos combatentes do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41571 (2018-7-20), com a devida vénia.

Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

21JUL2018.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18858: (De) Caras (114): "Meninos-soldados" ?...O PAIGC recrutava-os e dava-lhes instrução militar (Jorge Araújo)




Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 05222.000.172 > Título: Jovens durante treino militar para o Exército do PAIGC > Assunto: Jovens durante treino militar para incorporarem o Exército do PAIGC e a luta de libertação nacional > Data: 1963-1973 > Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. (*)

(Reproduzido com a devida vénia... )


1. Mensagem do nosso editor Jorge Araújo, com data de ontem, às 11h12  

Caro Luís,

Bom dia.

Acabo de visitar o nosso blogue (depois do regresso de Portimão) e dei de caras com a "criança-soldado" [com o o ponto de interrogação, para permitir o debate] do álbum do Dr. Roel Coutinho. (**)

Caso entendas aumentar o número de imagens sobre este tema, anexo a primeira e o link para mais algumas.

Citação: (1963-1973), "Jovens durante treino militar para o Exército do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43792 (2018-7-18)

Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante a instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43870 (2018-7-18)

Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43874 (2018-7-18)

Hoje, espero enviar-te mais um pequeno contributo para o espólio da Tabanca.

Até mais logo.

Ab. Jorge Araújo.

____________

Notas do editor:


segunda-feira, 23 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18551: (D)outro lado do combate (28): Balanço dos combates entre a CCAÇ 2533 e a CCAÇ 14 e o PAIGC (Corpo do Exército 199-B-70) no setor de Farim - Parte I (Jorge Araújo)



Citação: (1963-1973), "Coluna de guerrilheiros do PAIGC avançando por um trilho", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43531 (2018-4-20), com a devida vénia





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494  (Xime-Mansambo, 1972/1974).



Mensagem do Jorge Araújo, com data de 21 do corrente:

Assunto - Balanço dos Combates entre as NT e o PAIGC - CE 199- B-70. Parte I 


Caro Luís,

Boa tarde.

Anexo mais um texto com um duplo sentido... 1.º; para o incluir na minha série «(D)o outro lado do combate", e , 2.º; como documento a publicar no âmbito do 14.º Aniversário do Nosso Blogue, caso estejas, naturalmente, de acordo.

Até breve. Bom fim-de-semana.

Ab. Jorge Araújo.


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > BALANÇO DOS COMBATES ENTRE A CCAÇ 2533 E CCAÇ 14 E O "CORPO DE EXÉRCITO" 199-B-70 [PAIGC]  NO SECTOR DE FARIM - A MORTE DO CMDT DO BIGRUPO ANSÚ BODJAN (1944-1971) - (Parte I)



1. INTRODUÇÃO


No momento em que se comemoram catorze anos de existência do Blogue da «TABANCA GRANDE», a 'mãe' de todas as «TABANCAS», período de tempo equivalente a sete comissões no CTIG, constata-se que os fundamentos que levaram o camarada Luís Graça à sua criação continuam actuais. Não é, pois, necessário gastar muito tempo na defesa desta afirmação. Basta consultar os números referentes a: membros, postes, comentários, fotos, visitas/visualizações e reuniões anuais em Encontros Nacionais. O "XIII" é já no próximo dia 5 de Maio, em Monte Real.

Foi (e continuará a ser!) neste espaço virtual de partilha que a partir de 23 de Abril de 2004 algumas centenas de ex-combatentes se encontram diariamente, desde os mais veteranos até aos mais "periquitos", dando o seu contributo na reconstituição do maior puzzle da memória da guerra colonial, na Guiné, transmitindo por escrito, e com imagens, as suas vivências e experiências, independentemente da época, do lugar ou do contexto.

Numa retrospectiva histórica e cronológica, a grande maioria das narrativas foram escritas na primeira pessoa, intercaladas com a divulgação de factos, feitos e resultados grafados nas brochuras elaboradas pelas respectivas Unidades. Agora, com o acesso público ao espólio documental de Amílcar Cabral (1924-1943) existente na Casa Comum – Fundação Mário Soares, passou a ser possível "circular" entre os dois lados do conflito, cruzando as diferentes versões no sentido do seu aprofundamento factual na busca da verdade possível, como é o presente exemplo.

Pelo acima exposto… envio ao aniversariante os meus PARABÉNS!

Para o seu criador vão as minhas felicitações e apreço, pela persistência, pela resistência e pela competência, ou seja «PRC», a sigla biopsicosocial que faz prolongar o sucesso.

Agora, para o colectivo tertuliano, apresento o resultado de mais um trabalho de pesquisa, nascido da adição de informações diversas obtidas de cada um dos lados do combate, título com que baptizei estas narrativas específicas, cujos episódios estão a uma distância de quase meio século. Trata-se de reconstituir a história com mais (outros) dados.

2. CONTEXTOS E UNIDADES ENVOLVIDAS


Os episódios que me propus partilhar, hoje, no fórum, e que constam nesta narrativa como objecto central da pesquisa, inscrevem-se no quadro das actividades operacionais desenvolvidas pela Companhia de Caçadores 2533 [CCAÇ 2533], de origem metropolitana, e pela Companhia de Caçadores 14 [CCAÇ 14], de Recrutamento Local.

Esses factos, que serão identificados por ordem cronológica ao longo do texto, ocorreram no Sector de Farim, situado na margem Norte do Rio Cacheu, na Região do Oio [ver mapa abaixo], dizem respeito aos combates travados pelas duas Unidades das NT, na sequência de duas emboscadas montadas pelo "Corpo de Exército" 199-B-70 [PAIGC], a primeira a 14 de Dezembro de 1970 (2.ª feira) e a segunda a 30 do mesmo mês (4.ª feira), tendo-se verificado baixas de ambos os lados.




No mapa acima [Frente Norte] a seta a vermelho indica o território onde ocorreram os combates, localizados no itinerário entre Farim e Jumbembem, o primeiro envolvendo a CCAÇ 2533 (14Dez1970) e o segundo a CCAÇ 14 (30Dez1970), tendo do outro lado da "barricada" o bigrupo do "Corpo de Exército" 199-B-70, liderado pelo Cmdt Ansú Bodjan.

As setas a azul correspondem aos locais de penetração das forças do PAIGC vindas das bases existentes em território da República do Senegal, em particular os corredores de "Lamel" e "Sitató".


2.1. A EMBOSCADA DA CCAÇ 2533 – A 14DEZ1970

Da consulta realizada às "Histórias" desta Unidade, encontrámos uma referência a este episódio no P13390, escrito pelo ex-alf Armando Mota, do 1.º Gr Comb, ao qual deu o título de «ENCONTRO EM LAMEL».

Pelo valor historiográfico no contexto da guerra e, como suporte documental deste trabalho, decidi transcrevê-lo na íntegra.

A esse propósito, Armando Mora disse:

"Naquele dia 14 de Dezembro de 1970, o 1.º Pelotão fora escalado para transportar e fazer a segurança de um grupo de africanos que iria fazer a capinagem junto à estrada em Lamel, dado que se verificava que aquele corredor estava a ser muito utilizado para a infiltração do IN no território, e o capim ajudava a esconder a seu presença.

"O 3.º Pelotão partira antes, para fazer a picagem da estrada até ao local dos trabalhos. Eram 8h10, após fazermos a chamada do pessoal da capinagem, distribuímos os trabalhadores pelas viaturas e partimos.

Passados alguns 15 minutos chegámos ao Bolumbato, onde avistámos a equipa de picagem. Decidi que a coluna esperaria ali, pois era mais seguro do que seguir em andamento lento atrás do pelotão da picagem.

Toda a gente desmontou das viaturas, montámos a segurança como habitualmente e ficámos por ali, descontraidamente, lembro-me de tirar uma foto ao soldado Guilherme [João Bento Guilherme] do Batalhão de Farim [BCAÇ 2879], condutor da minha viatura, a Berliet que seguia à frente.

Só próximo do fim da recta que antecede a rampa para Lamel, avistei o último dos elementos do 3.º Pelotão que nos fazia sinais para encostar. Pedi para parar e entrar no mato à direita pois o IN estava a atacar do lado esquerdo (Norte).

Ouvi perfeitamente 3 ou 4 tiros na nossa direcção, que não nos atingiram, saltei para o chão, atravessei a estrada e instalei-me enquanto o resto do 1.º Pelotão estacionava e tomava também posições. Ouvi uma rajada bastante próxima e perguntei quem tinha feito fogo… o fogo não era nosso. Íamos começar a avançar quando o Fonseca me disse que o soldado Guilherme [condutor] estava caído e ferido. Arrastámo-lo para estrada, inconsciente e logo me apercebi que era sério.

Como estava de pistola, pedi a G3 emprestada ao Fonseca e fui buscar o nosso enfermeiro que me confirmou que era muito grave. Decidi evacuá-lo imediatamente para Farim. Desloquei-me à 2.ª viatura para conseguir ajuda no transporte do ferido, mas ao aperceber-me do drama e para facilitar, o soldado Solipa ofereceu-se pois não tínhamos condutor, para conduzir a viatura dali para Farim, e corremos os dois para junto do grupo que protegia o ferido. Ainda debaixo de fogo, o Solipa manobrou a Berliet e carregámos o Guilherme já inconsciente. Partimos, eu o enfermeiro e mais três soldados rapidamente para Farim. Recordo-me de lhe segurar a cabeça para não se magoar no chão da viatura, enquanto com a outra mão me segurava à estrutura do banco corrido. No outro extremo o Evangelista segurava-lhe as pernas, também deitado e agarrado ao banco com uma mão. As minhas pernas já iam fora do estrado da viatura e era difícil manter a posição dada a velocidade da Berliet e as irregularidades da picada.

Acreditávamos que ia valer a pena…

Foi um esforço em vão, inglório. Marcou-nos a todos também… Aqui destacou-se o soldado Solipa ex-condutor e condenado por indisciplina, pelo comando de Bissau, a "fazer a tropa connosco" no mato.

O soldado Solipa foi louvado pela atitude de solidariedade com um camarada, debaixo de fogo. Enviei à família do soldado Guilherme uma nota de sentimento com a foto que lhe tirei vinte minutos antes de falecer, descrevendo a acção onde caiu. Não obtive resposta e nunca mais comunicámos".

[O camarada João Bento Guilherme era natural da Vila de Fazendas de Almeirim, Município de Almeirim].

Ass. Alf. Armando Mota, 1.º Pelotão



2.2. A EMBOSCADA DA CCAÇ 14 – A 30DEZ1970Depois de concluída no CIM. (Centro de Instrução Militar), em Bolama, a sua formação/instrução em finais de Outubro de 1969, a Companhia de Caçadores 14 [companhia das etnias mandinga e manjaca - ex-CCAÇ 2592] rumou nos primeiros dias de Novembro para a zona operacional que lhe tinha sido destinada – CUNTIMA, mesmo junto à fronteira com a República do Senegal.



Cuntima. Tabanca juno à fronteira com o  Senegal. Foto do álbum do camarada Humberto Nunes (ex. alf mil Cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74) – P10340, com a devida vénia.



Para caracterizar a actividade operacional da CCAÇ 14, recorremos aos depoimentos do camarada ex-fur Eduardo Estrela (Cuntima, 1969/71). No P11365, ele refere: "Em Cuntima, a actividade operacional era intensa pois estavam no mato permanentemente dois ou mais grupos de combate, por períodos de quarenta e oito horas. A guarnição de Cuntima, normalmente composta por duas companhias operacionais, Pelotão de Obuses e Pelotão de Milícias, para além das interdições ao corredor de Sitató, fazia picagens à estrada, escoltas às colunas para Farim, segurança próxima e afastada ao aquartelamento e as operações militares que obrigavam a utilização de maiores meios.


As colunas a Farim eram diárias e o desgaste físico e psíquico muito grande, pois volta não volta o PAIGC aparecia. (…) Em Farim fazíamos interdição ao corredor de Lamel, numa época em que o PAIGC estava muito activo. De tal modo activo que entre o início de dezembro de 1970 e meados de janeiro de 1971, a guarnição do BCAÇ 2879 sofreu algumas baixas, entre mortos e feridos".

Por ausência de testemunho escrito relacionado com esta emboscada sofrida pela CCAÇ 14 no dia 30 de Dezembro de 1970, apenas podemos acrescentar que neste combate aquela unidade das NT registou dois mortos, um do recrutamento local e outro do contingente metropolitano, a saber:




2.3. A ACTIVIDADE OPERACIONAL DO "CORPO DE EXÉRCITO"  199-B-70 (1970/1971)

No âmbito deste trabalho, apurámos que o "Corpo de Exército" 199-B-70 foi criado durante o mês de Novembro de 1970, na Frente Sul, tendo Nino Vieira (1939-2009) tomado a iniciativa de enviar uma carta, de Kandiafara , a Aristides Pereira (1923-2011), datada de 18 desse mês, informando-o desse facto.




Citação: (1966-1974), "Relatório remetido por Nino Vieira a Amílcar Cabral expondo a situação na fronteira com a República da Guiné, designadamente os ataques entre Kebo e Guileje", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40775 (2018-4-20), com a devida vénia.



Como fonte de informação oficial, e por isso importante para melhor se compreender o contexto e as dimensões das actividades subversivas do PAIGC na Frente Norte, particularmente na avaliação e controlo dos diferentes factores com elas relacionadas, localizámos um documento elaborado por Osvaldo Vieira (1938-1974), à época membro do Conselho Superior de Luta e do Comité Executivo da Luta, de 9 de Agosto de 1971.

Partindo da análise do conteúdo, circunscrevemos as partes que melhor se enquadram na presente temática, não deixando de reproduzir o texto na íntegra.

Osvaldo Vieira refere que, após realizar a sua missão de inspecção no Norte [Frente], concluiu que a situação era razoável, embora a falta de homens e de munições eram um problema bastante sério, principalmente na Região do Canchungo [ex-Teixeira Pinto] e outros Sectores como Naga e Morés. Para além disso, as actividades das Forças Armadas eram consecutivas e a maior parte delas com bastante êxito, e que nos últimos tempos têm causado ao inimigo [NT] duras perdas em homens e em materiais de guerra. Quanto ao comportamento dos camaradas em geral era bastante bom e com maior disciplina.



Aquando da sua entrada em território da Guiné, somente se encontrava um "corpo do exército", o n.º 199-C-70, que fazia as suas actividades na Frente Nhacra-Morés. Os restantes "corpos de exército" encontravam-se na linha da fronteira com a República do Senegal, exercendo as suas missões naquela área.


Quanto aos outros dois "corpos de exército", 199-A-70 e 199-B-70 [aquele que nos interessa] encontravam-se na linha de fronteira a fazer missão e logo que ela esteja cumprida, irão para o interior do país [Guiné], segundo a determinação de Amílcar Cabral [SG]. Em relação às forças locais [FAL] encontram-se estacionadas no Cassu, S. Domingos, Camparada, Ingoré, Sano, Cumbamore e Faiarte. Também existe um grupo no Ermancono, na linha de fronteira, que tem como tarefa apoiar a entrada de munições e tudo o que se refere a necessidades do exército. Tem havido certas fugas [deserções] no seio do "corpo de exército" dos camaradas que vieram para o reforçar, especialmente os oriundos do Sul. Quanto à fuga em direcção à fronteira [Norte] tem havido muito raramente, que, segundo ele, é devido à organização que se nota no interior do exército.





Citação: (1971), "Relatório de missão de inspecção à actividade das Forças Armadas no Norte", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40059 (2018-4-20), com a devida vénia.



2.4. BALANÇO DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DO "CORPO DE EXÉRCITO" 199-B-70 (1970/1971)


 Para concluir o primeiro fragmento desta narrativa, importa agora dar conta do que consta no relatório, tipo "caderno de apontamentos", manuscrito pelo responsável militar do "Corpo de Exército" 199-B-70, Cmdt Braima Bangura, também ele membro do Conselho Superior de Luta e do Comité Executivo da Luta. O documento foi elaborado em Ziguinchor [República do Senegal] com data de 24 de Dezembro de 1971.








Citação: (1971), "Relatório da acção do CE [Corpo de Exército] 199-B70, desde a sua formação, em Dezembro de 1970, até ao final do ano de 1971.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40099 (2018-4-20), com a devida vénia.


Continua…

À vossa consideração.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

21ABR2018.

_______________

Nota do editor:

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18533: (D)outro lado do combate (27): A mobilidade das populações por efeito da guerra: o caso de Quitafine, com 41 tabancas que foram riscadas do mapa (ou cuja população foi deslocada), segundo relatório de cabo-verdiano, comissário político, José Araújo (1933-1992), casado com a Amélia Araújo, a nossa "Maria Turra" (Jorge Araújo)


Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira" [dois cérebros da guerra, sendo o primeiro, cabo-verdiano, com formação universitária portuguesa], CasaComum.org, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/ visualizador?pasta=11025.008.026 (2018-4-13) [ Fonte:  Fundação Mário Soares > Casa Comum >Arquivo Amilcar Cabral...com a devida vénia]



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494  
(Xime-Mansambo, 1972/1974).


Mensagem do nosso editor, Jorge Araújo, com data de 13 do corrente:

Caro Luís, boa tarde.

Perdi a cabeça... numa 6.ª feira, treze.

Fiz mais um texto... deixando para trás outros mais antigos... é a vida!

No final do documento coloquei mais três fotos para, caso entendas escolher alguma, ou todas, as poderes utilizar.

Até breve. Bom fim-de-semana.


Ab. Jorge Araújo.

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A FISIONOMIA HUMANA NO SECTOR DE QUITAFINE [FRENTE SUL] APRESENTADA POR JOSÉ ARAÚJO À DIRECÇÃO DO PAIGC EM RELATÓRIO DATADO DE 16OUT1971: A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES POR EFEITO DA GUERRA 


1.  INTRODUÇÃO



Porque tudo na vida é processo e projecto, conceitos que se reformulam na dialética "ordem / desordem" para dar lugar a uma nova "ordem", apresento hoje no fórum mais um tema novo, se a memória e a investigação não me atraiçoam, este relacionado com a "mobilidade das populações da Guiné, do nosso tempo, por efeito da guerra". (*)

É que, de facto, o comportamento psicossocial das populações no início do conflito ficou marcado, ou foi influenciado, inexoravelmente, pela sucessão de acontecimentos, que deram lugar a uma inevitável "desordem" social e étnica, alguns ainda antes do 23 de janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite, localizado na região de Quínara, e que depois se alargaram cumulativamente a todo o território.

A oportunidade desta apresentação, a meu ver, enquadra-se nas imagens que o nosso camarada tertuliano, o ex-alf mil inf Luís Mourato Oliveira,  tem vindo a partilhar neste espaço colectivo que é a «Tabanca Grande», e que estiveram guardadas durante mais de quatro décadas no seu baú de memórias. (**)

Por isso é justo e oportuno agradecer-lhe essa disponibilidade e atenção, ele que ficou também na história da guerra por ter sido, em função dos acontecimentos do "25 de Abril", o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74) antes da proclamação da independência da Guiné, declarada em 23 de Setembro de 1974.

Por outro lado, as últimas imagens postadas nos P18504 e P18517, tendo por pano de fundo a delegação do PAIGC que visitou Missirá em julho de 1974 no âmbito dos acordos de cessar-fogo, e com as quais se fecharia o ciclo temporal deste conflito armado, que uns chama(ra)m «guerra do ultramar», outros "guerra de África", outros "guerra colonial"  e outros  ainda  «guerra de libertação», conforme a sua posição no cosmo, continuam a suscitar novas reflexões, sinal que se mantêm bem vivas, em cada um de nós, algumas das memórias gravadas ao longo das múltiplas vivências desses tempos ultramarinos, independentemente do lugar, época e contexto.

Porque nos postes acima se referem as imagens de alguns dos actos finais ocorridos na mata do interior do território (Missirá, sector L1, região de Bafatá. zona leste, "chão fula"...), proponho voltar ao início do conflito, apresentando um pedaço da "geografia social e étnica" dessa época, em particular da região da Frente Sul [, segundo o dispositivo do PAIGC], especificamente do Sector de Quitafine, por onde tenho "circulado" nos últimos tempos (entenda-se, em termos de investigado), de modo a fazer-se a ponte temporal de mais de uma década.

Em função do exposto, é difícil não concordar que a mobilidade das populações, por efeito da guerra, foi uma realidade, obrigando-as a tomar opções concretas no imediato, cujas decisões só tinham três hipóteses principais: a primeira, ficando sob o controlo da "ordem instalada" (a administração portuguesa); a segunda, transitando para além das fronteiras (exterior); e a última, aceitar fazer parte do universo da guerrilha nacionalista.

Para a elaboração deste trabalho socorri-me, uma vez mais, de um documento existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), disponível na Casa Comum – Fundação Mário Soares, intitulado «Relatório sobre o Sector de Kitáfine», assinado por José Araújo, Comissário Político e Produção para a Frente Sul, datado de 16 de Outubro de 1971, com trinta e nove páginas (sitio: hdl.handle.net/11002/fms_dc_40058).





Folha de rosto e introdução do relatório do José Araújo, "O Sector de Kétafinme" (sic), datilografado, 39 páginas, datado de 16 de outubro de 1971, e feito na base de Kandiafara (Guiné-Conacri). Fomte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...)


Quanto ao perfil de José Araújo, de seu nome completo José Eduardo de Figueiredo Araújo (1933-1992), à data do relatório, ele era também membro do Conselho Superior da Luta e do Comité Executivo da Luta. 

À laia de resenha biográfica, acrescente-se que este dirigente do PAIGC nasceu em 1933 na cidade da Praia, ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi aí que fez os seus estudos primários. Em 1942, com apenas 9 anos, seguiu com a família para Angola, uma vez que o seu pai era funcionário da Fazenda (Finanças). Com uma bolsa de estudos atribuída pelos Correios de Angola, José Araújo desloca-se para Lisboa com o objectivo de realizar os seus estudos universitários na Faculdade de Direito de Lisboa, onde, em 1961, concluiu a sua licenciatura em Direito. 

Porém, no ano anterior tinha-se tornado militante do MPLA na clandestinidade, depois de ter-se envolvido numa intensa actividade associativa universitária. Em 1961 faz parte do grupo de africanos,  universitários, que decidem fugir para França. Seguiu-se depois o Gana. Após ter militado no MPLA, associa-se ao PAIGC, vindo a instalar-se em Conacri, com a sua família, dois anos depois, em 1963.

Com a independência da Guiné-Bissau, as suas novas funções políticas foram desenvolvidas como ministro do Secretariado. Entre 1975 e 1980, foi ministro sem pasta. Após essa data transferiu-se para Cabo Verde, onde desempenhou as mais elevadas responsabilidades políticas no novo contexto, em particular o cargo de ministro da Educação. Viria a falecer na sua terra natal, exactamente dezanove anos depois do assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1992 (Fonte: adapt. de pascal.iseg.utl.pt/~cesa/images/files/ diaspora2016_texto4.pdf).

À data da sua morte era casado com Amélia Araújo, a locutora da "Rádio Libertação", conhecida entre nós como "Maria Turra"  (vidé P15434).


2. A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES NO SECTOR DE QUITAFINE POR EFEITO DA GUERRA – 41 TABANCAS DESAPARECIDAS


A propósito do conteúdo do "relatório" elaborado por José Araújo, este refere que ele tem por base a sua missão ao Sector de Quitafine [, Kétafine, sic, como vem grafado no relatório], realizada entre 14 de setembro e 8 de outubro de 1971. Aí teve a oportunidade de contactar com todos os responsáveis desse sector, incluindo a visita a duas bases do Exército (em Comissorã e em Cabonelo), ao Hospital (em Campo, ou Campum, no relatório) e ao Posto Civil (em Cassacá), local histórico para o PAIGC, pois foi aí que realizou o seu 1.º Congresso, que decorreu entre 13 e 16 de fevereiro de 1964.

Acrescenta que o Sector de Quitafine foi dos primeiros em que se fez a mobilização e se instalou a luta armada. Foi aí, no mato de Campo, que, dizem os pioneiros, nasceu a primeira "barraca" [acampamento] do partido no Sul, ainda antes da guerra.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacine (1960) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Cassacá, a 15 km a sul de Cacine, região também como conhecida como Quitafine (falta-nos  a carta de Cassumba, com a ponta sul de Quitafine, que não está "on line"... Ver também carta de Cacoca.)

Fonte: Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

"A situação criada à aviação inimiga [NT] com a instalação de antiaéreas em Quitafine e as pesadas derrotas que sofreu na sua tentativa de recuperação dessas armas, talvez expliquem a sanha com que se dedicou à destruição de tudo quanto via mexer em Quitafine, nos anos 68 e 69. A partir de 69 (fins), Quitafine começou a "arrefecer". […]

"É preciso ter-se em conta este passado para se compreender muito da actual fisionomia de Quitafine e os seus problemas. Quitafine, que era das áreas mais povoadas do Sul, só tem hoje [1971] 12 tabancas, organizadas em 9 comités. Repare-se que aquilo a que hoje se chama Tabancas e a que se dão nomes antigos, pouco tem a ver com as antigas tabancas. As populações, que conservaram os nomes das suas antigas tabancas, estão dispersas nos tarrafos e num ou noutro mato mais favorável. 

Além disso, grande parte (se não a maioria) da população das tabancas antigas ainda "presentes" dispersou-se pelas tabancas fronteiriças da República da Guiné, quando não foi juntar-se aos tugas. Penso também que alguns erros cometidos no trabalho político inicial devem explicar a actual fisionomia humana de Quitafine" (op. cit., pp 2/3).


No Relatório estão identificados os nomes de quarenta e uma Tabancas que deixaram de existir na região de Quitafine, e que serão referidas abaixo.

A organização da sua apresentação contém alterações em relação à original. Como metodologia seleccionada, optámos pela ordenação alfabética para melhor localização da ordem estabelecida. Quanto ao conteúdo textual, existem algumas (pequenas) correcções, particularmente no que concerne à construção semântica e unificação da descrição, mas que não alteram o sentido apresentado.

Eis, então, os nomes da Tabancas desaparecidas por efeito da guerra no Sector de Quitafine (n=41)

● BANERE –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CAMABANGA e SATENIA, na República da Guiné. O chefe – Mamassalu – encontra-se na segunda destas tabancas.

● BIRCAMA –> Tabanca de Beafadas. Foram todos para os tugas.

● CABOBAR –> Tabanca de Nalús, pequena. Uma morança só. Toda a gente retirou-se para GÃ BIT FONE, CARAQUE e BISSAMAIA, na República da Guiné.

● CABOXANQUE –> Tabanca de Fulas. Foram todos para a República da Guiné, tendo-se instalado em várias tabancas, em especial na de CUN-HA e CAMABANGA. [Não confundir eventualmente com Caboxanque, no Cantanhez, na oputra margem do Rio Cacine]

● CABOXANQUEZINHO –> Tabanca de Fulas e Tandas. Os tandas espalharam-se na República da Guiné, longe da fronteira. Os Fulas foram para os tugas, à excepção de duas pessoas (Beila  Baldé e a irmã), que foram para CALAFIMETE, na República da Guiné.

● CABOMA –> Tabanca de Sossos. Só duas pessoas foram para os tugas. O resto juntou-se à população de CAMISSORÃ.

● CABONEPO –> Tabanca de Sossos e Beafadas. Havia também um cabo-verdiano de nome Leão Gabriel. O caboverdiano foi para Dacar (ao que parece). O resto foi para CARATCHE, GAFARANDE e CABACO, na República da Guiné. Só ficou um Homem Grande, de nome Idrissa Keita, que se instalou no mato, em CASSACÁ.

● CACAFAL –> Tabanca de Nalús. Toda a gente foi para os tugas, à excepção do camarada Ansumane Djassi, do Exército, que está em FULA MORI.

CACOCA –> Tabanca de Sosso, Nalús, Bagas, Fulas e Lândumas. Só se retirou uma família (Canforseco Keita), que está em CAPOQUENE. O resto ficou com os tugas.

● CADUCÓ –> Tabanca essencialmente de Nalús. Foram para a fronteira, tendo-se instalado em CAN-HOR, uma parte, e a outra em CATCHIQUE.

● CAIANQUE –> Tabanca de Nalús. Refugiaram-se em CAMAÇO e CATCHIQUE, na República da Guiné,

● CAIÂNTICO –> Tabanca de Beafadas. Foi gente para os tugas e o resto para HAMDALAYE e CABUM-ANE, na República da Guiné.

● CALAQUE –> Tabanca de Sossos, Fulas, Manjacos e Lândumas. À excepção de duas moranças de Manjacos, toda a gente retirou-se para tabancas fronteiriças da República da Guiné. As duas moranças de Manjacos instalaram-se no mato de CALAQUE.

● CAMBAQUE –> Tabanca de Nalús. A maioria da população foi para os tugas. Alguns elementos foram para CASSAMA e CARAQUE, na República da Guiné. 

● CAMBEQUE –> Tabanca de Nalús. Retirou para BAKILONTON E IAMAN, na República da Guiné. Alguns foram depois daí para os tugas.

● CAMBRAZ –> Tabanca de Mandingas. Toda a população juntou-se aos tugas.

CAMECONDE –> Tabanca de Nalús. Só retiraram duas famílias (Almani Keita e Braima XCamaré), que estão em CASSANSSANE, na República da Guiné. O resto ficou com os tugas.

● CAMISSORÃ –> Tabanca de Sossos, Nalús, Mandingas, Beafadas e Fulas. Os Fulas foram todos para a República da Guiné. Houve também gente de outras tribos que se refugiou. Ficou pouca gente, que se refugiou nos tarrafos de CAMPUM [ou Campo], e que tem o seu comité.

● CAMPEANE –> Tabanca de Nalús e Sossos, essencialmente. Refugiaram-se igualmente em CAIETCHE e CATCHIQUE.

● CAMPEREMO –> Tabanca de Nalús e Beafadas. Uma morança de beafadas está em Hamdalaye. Uma outra (Mamadu Dabo) está para os lados de CANELAS. Duas famílias estão em CARATCHE (Ansumane Dabo e Tomás Dabo). O resto foi para os tugas.

● CAMPO –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CASSEMAQUE, BAGADAYE, e outras, na República da Guiné.

● CANDEMPANE –> Tabanca de Nalús. Só ficou o camarada Ansumane Dabo, que é actualmente instrutor das FAL no sector. O resto foi para os tugas.

● CANFEFE –> Tabanca de Sossos e Nalús. Retiraram-se todos para tabancas da República da Guiné.

● CANTEDE –> Tabanca de Nalús. Toda a população juntou-se aos tugas.

● CANTOMBOM –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CARIMPIM –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● CASSENTEM –> Tabanca de Nalús e Balantas. Os Nalús foram para CALAFIMET e CAMAÇO, na República da Guiné. Os Balantas mantiveram-se no interior, tendo-se instalado nos tarrafos de TAFORE e CASSEBETCHE.

● CASSOME –> Tabanca de Nalús. Instalaram-se em CARAQUE, na República da Guiné.

● CATONAIE –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CATRIFO –> Tabanca de Nalus. Toda a população foi para os tugas, à excepção da família Ali Keita, que retirou-se para MAMADIA, na República da Guiné.

● CATUNAIE –> Tabanca de Nalús. Ficou uma família (Abdu Camará) nos tarrafos de CASSEBETCHE. O resto refugiou-se em CASSEMAQUE, na República da Guiné.

● CATUNGO –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, à excepção de uma mulher, Mama Camará que está em CARATCHE, na República da Guiné.

● CAULACA –> Tabanca de Sossos e Nalús. Dessa tabanca, que se tinha retirado para a fronteira com a República da Guiné, toda a gente voltou para dentro. Estão instalados nos matos de CASSACÁ.

● CUGUMA –> Tabanca de Nalús. Foram todos para CACINE.

● CUNFA –> Tabanca de Nalús. Toda a tabanca foi para os tugas, à excepção de uma família (Amadu Dabo), que retirou-se para IAMANE, na República da Guiné.

● DÉBIA –> Tabanca de Nalús. Alguns elementos refugiaram-se em TANENE e IAMANE, outros foram para os tugas.

● MANSABATÚ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, só tendo ficado uma pessoa – um camarada, o enfermeiro do bigrupo em missão na área, de nome Mamadu Keita, mais conhecido por Tam Atna. [Este bigrupo tinha como Cmdt Cinur N'Tchir, natural de Cafine, onde nasceu em 1943. Actuava na Frente «Buba – Quitafine»[

SANCONHÁ –> Tabanca de Beafadas. Foram poucos para os tugas, os outros estão para os lados de SANSALÉ, na República da Guiné.

● TADI –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● TARCURÉ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● TUBANDI –> Tabanca de Djacancas [um subgrupo da etnia Mandinga]. Retirou para CAPOQUENE e N'DJAILÁ, na República da Guiné.

Será que alguém ouviu falar ou esteve em alguma destas tabancas? [Há referências no nosso blogue a algumas destas tabancas, não fiz unma pesquisa exaustiva.]

Aguardo. Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
13ABR2018.



Citação: (s.d.), "Tabanca no interior da Guiné, ao fundo distinguem-se mulheres cozinhando", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_ dc_43022 (2018-4-13) (com a devida vénia).



Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC numa tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43109 (2018-4-13) (com a devida vénia).

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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 12 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18517: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte II: Dando uma oportunidade à paz, depois de oito anos de guerra: os últimos dias dos bravos do pelotão

quinta-feira, 8 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18391: (D)o outro lado do combate (21): "Plano de operações na Frente Sul" (Out - dez 1969) > Ataque a Bedanda em 25 de outubro de 1969 (ao tempo da CCAÇ 6, 1967-1974) - II (e última) Parte (Jorge Araújo)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > Agosto de 1972 > O obus 14

Foto: © Vasco Santos (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > A famosa e feliz foto do ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, membro da nossa Tabanca Grande desde Fevereiro de 2007: a saída do obus 14, de noite.

"Foi tirada com a máquina rente ao chão. Bedanda tinha três. Uma arma demolidora. Um supositório de 50 quilos lançado a 14 km de distância... Era um pavor quando disparavam os três ao mesmo tempo... Era costume pregar sustos aos periquitos... Eu também tive honras de obus, quando lá cheguei... Guileje não tinha nenhum obus, mas sim três peças de artilharia 11.4. A peça era esteticamente mais elegante do que o obus" - disse-me o Amaral Bernardo, no dia em que o conheci pessoalmente, no Porto, no seu gabinete no Hospital Geral de Santo António, que é a sua segunda casa, e onde é (ou era, em 2007) o director do ensino pré-graduado da licenciatura de medicina do ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/HGSA Ciclo Clínico (ou seja, responsável por mais de meio milhar de alunos, um batalhão; reformou-se, entretanto] [LG]...

Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

Guiné > Região de Tombali > Bedanda> CCAÇ 6 > 1970 > O famoso obus 14... [Julgamos que esta foto terá sido dada ao Hugo Moura Ferreira por uma dos camaradas da CCAÇ 6 que estavam em Bedanda em 1970}.

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 

(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > "PLANO DE OPERAÇÕES NA FRENTE SUL" (OUT-DEZ'69) - ATAQUE A BEDANDA EM 25 DE OUTUBRO DE 1969 (AO TEMPO DA CCAÇ 6, 1967/1974)

(Parte II)
1. INTRODUÇÃO

Com a presente narrativa, a última de duas relacionadas com o ataque a Bedanda em 25 de Outubro de 1969, ocorrido treze dias após o primeiro, encerra-se a análise à segunda missão do "plano de acções militares" do PAIGC (*), de um "pacote" de nove – mais uma do que inicialmente pensado, uma vez que Buba seria contemplada com outra flagelação "extra" devido aos fracassos registados por "Nino" Vieira (1939-2009), e seus guerrilheiros, na primeira – todos eles previstos concretizar durante o último trimestre desse ano, nas regiões de Quinara e de Tombali, contra os diferentes aquartelamentos das NT, cujo calendário se recorda abaixo.

Para a elaboração deste trabalho de pesquisa global, apresentado em fragmentos, continuaremos a utilizar um documento base, que é o relatório "das operações militares na Frente Sul" [http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_40082 (2018-1-20)], localizado no Arquivo Amílcar Cabral, existente na Casa Comum – Fundação Mário Soares, adicionando-lhe, sempre, outras informações de diferentes fontes bibliográficas, como metodologia de caracterização e de aprofundamento histórico.




2. O AQUARTELAMENTO DE BEDANDA E AS SUAS UNIDADES


Como foi referido no primeiro fragmento do ataque a Bedanda [P18387] (*), os antecedentes históricos da CCAÇ 6 têm a sua origem na estrutura orgânica da 4.ª CCAÇ (Companhia de Caçadores Nativos [ou Indígenas], esta criada e instalada, primeiramente, em Bolama em finais de 1959.


Quatro anos e meio depois, em Julho de 1964, mudou-se para Bedanda, por necessidades operacionais, como resposta ao pedido de intervenção dos africanos no esforço da guerra. Em 1 de Abril de 1967, decorridos três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos em Bedanda, esta Unidade foi renomeada, passando a designar-se por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6 - "Onças Negras"].


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1970 > Vista aérea da tabanca e aquartelamento. Foto que nos foi enviada pelo nosso camarada, da primeira hora, Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil inf, que esteve na Guiné, entre novembro de 1966 e novembro de 1968, primeiro na CCAÇ 1621 (Cufar) e depois na CCAÇ 6 (Bedanda).

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Um ano depois, em 10 de Junho de 1968, como reconhecimento da importante acção desenvolvida nas múltiplas missões que lhe foram confiadas, a CCAÇ 6 viria a ser merecedora de uma condecoração atribuída pelo Governo Central ao seu Estandarte [Cruz de Guerra de 1.ª Classe], em cerimónia pública presidida pelo Chefe de Estado, Almirante Américo Thomaz (1894/1987), de homenagem às Forças Armadas Portuguesas, realizada no Terreiro do Paço, em Lisboa.

Recorda-se, acima, o texto que originou a condecoração tornado público na comunicação social [DL, em 11 de Junho de 1968, p11; e DN, em 12 de Junho de 1968].

Para além da CCAÇ 6, o Aquartelamento de Bedanda dispunha também de um Pelotão de Canhões sem Recuo [PCS/R], de um Pelotão de Artilharia de obus 14 [Pel Art] e de um Pelotão de Milícias [Pel Mil n.º 143], da etnia fula.


3.  O ATAQUE A BEDANDA EM 24OUT1969… QUE PASSOU PARA 25OUT1969 DEVIDO A SUCESSIVAS FALHAS NA SUA ORGANIZAÇÃO,

Desenvolvimento da acção: (Conclusão)

No dia 24 de Outubro [de 1969], às 17h15, as forças do Corpo Especial de Exército deviam atacar as instalações militares do campo de Bedanda mas, devido ao número insuficiente de transportadores não puderam concentrar no local toda a quantidade de munições necessária e muito menos distribui-la a tempo para as 3 posições de fogo, razão principal porque tiveram que adiar a missão.

No dia seguinte, com a aprovação do Comandante do Corpo Especial de Exército ("Nino" Vieira), as forças de Artilharia prontificaram-se a realizar a operação e a iniciá-la à mesma hora indicada para o dia anterior [17h15]. Às 17h00 todas as peças estavam prontas para o tiro, quando descobriram uma avaria na comunicação. Devido a esse imprevisto só meia hora mais tarde iniciaram o fogo de enquadramento com uma peça de canhão 75, desde a posição de fogo do GRAD. O inimigo [NT] respondeu imediatamente, cortando a instalação em dois pontos. Só 15 minutos depois foi retomada a direcção de tiro e deram por terminado o enquadramento para as [peças] GRAD [foguetes/foguetões de 122 mm]. Imediatamente as peças de canhão abriram fogo, realizando tiro indirecto desde a distância de 2.000 metros. Do posto de observação, pareceu (a visibilidade, dada a hora já avançada da tarde, era deficiente) ser um tiro efectivo, cobrindo a zona indicada.

Terminado o fogo dos canhões, as peças do GRAD fizeram o seu primeiro disparo que, do posto de observação, pelo clarão produzido, pareceu-nos ter atingido o objectivo. [Este disparo ficou na história da guerra por ter sido o primeiro foguete 122 mm a ser lançado por uma peça GRAD contra as NT]. Mais tarde, segundo os camaradas de infantaria situados a poucas centenas de metros do objectivo, esse disparo caiu dentro do objectivo. Deu-se a ordem de tiro de bataria e, salvo um foguete danificado, foram lançados os restantes [cinco], os quais se dispersaram pela periferia do objectivo.

Finalmente, os morteiros 82 iniciaram fogo, da mesma posição de fogo dos canhões, realizando fogo rápido, mas desordenado e sem muita afectividade, devido à impossibilidade de dirigir tiro naquela altura (tinha anoitecido já completamente) pois haviam roto [danificado] completamente as instalações telefónicas.


Citação: (1963-1973), "Combatentes do PAIGC deslocando uma peça de artilharia anticarro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_ 43753 (2018-2-12) (com a devida vénia)

Conclusão

1. O tiro de artilharia, no seu conjunto, não foi efectivo como esperávamos, especialmente devido à falta de direcção continua e ordenada do tiro e isso motivado pelas interrupções sistemáticas das instalações telefónicas.

2. Dada a distribuição dos quartéis (com pequenas concentrações em 3 pontos), Bedanda não é um objectivo muito favorável à utilização das [peças] GRAD. Prova-o o facto do primeiro obus ter caído dentro do objectivo e os restantes terem-se dispersado sem atingi-lo.

3. Com a experiência herdada de B1, concluímos que a direcção de fogo feita com a utilização de telefone não dá a mínima garantia. A introdução de rádios impõe-se como uma necessidade urgente para que a realização dessas operações tenham o mínimo de garantia e coordenação com os bi-grupos de infantaria.


4. Não é recomendável a realização de tiro de enquadramento de noite. A observação e as respectivas correcções são vagas e imprecisas.

5. O transporte de munições até aos pontos desejados é algo que deve ser encarado com toda a responsabilidade e garantido contra quaisquer atrasos ou imprevistos.



Actuação da Infantaria

A infantaria deveria actuar imediatamente depois do bombardeamento artilheiro.

Contava com os seguintes efectivos assim distribuídos:

- 3 bi-grupos no quartel do meio, com 5 bazookas RPG-7 (4 granadas cada)

- 2 bi-grupos no quartel de cima (onde estão as lojas), com 2 RPG-7 (4 granadas cada)

A acção da infantaria, prevista para as 17h45 (a operação devia ter início às 17h15) só foi possível 3 horas mais tarde, devido à reacção do inimigo [NT], que abandonou os quarteis, refugiando-se no mato, contra o intenso, embora não muito efectivo, fogo da artilharia. Três horas depois, quando o inimigo [NT] regressava aos quartéis, foi completamente surpreendido com fogo de bazookas (21 RPG-7) e outras armas de infantaria. Sofreu grande número de baixas, que, segundo informações posteriores, ultrapassou os 30 [trinta].

A retirada foi sem problemas, pois o canhão inimigo [NT] e sua dotação foram destruídos pelo primeiro foguete do GRAD.


Correcção às informações obtidas posteriormente pelo PAIGC:

De acordo com a base de dados existente na Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (sítio: http://apvg.pt), relativa ao número de militares – continentais e de recrutamento local – falecidos nos TO ultramarinos, verificou-se que durante o período em que a Companhia de Caçadores n.º 6 (CCAÇ 6) prestou serviço em Bedanda [de 01Abr1967 a 27Abr1974 = sete anos] o número total de baixas foi de 12 (doze), sendo 10 (dez) do Recrutamento Local e 2 (dois) do Contingente Metropolitano.

Das 10 (dez) baixas de naturais da Guiné, 5 (cinco) morreram em combate (50%), 3 (três) por acidente (30%), 1 (um) por doença (10%) e 1 (um) por afogamento (10%).

Para que conste, foi elaborado o competente quadro nominal.


Pelo acima exposto, conclui-se que as informações obtidas por parte do PAIGC, quanto ao número de mortos durante esta acção, carecem de fundamento (são absolutamente falsas), na medida em que este seu ataque não provocou qualquer baixa mortal, não obstante todo o aparato bélico.

Por outro lado, desde o início do conflito [1963] e até à alteração do nome para CCAÇ 6 [1967], a 4.ª CCAÇ contabilizou 15 (quinze) baixas, sendo 5 (cinco) do Contigente Metropolitano e 10 (dez) do Recrutamento Local.

Seguindo o mesmo procedimento anterior, apresenta-se o respectivo quadro nominal.


Continuaremos a desenvolver este tema com a apresentação dos principais factos ocorridos em cada um dos restantes ataques.

Com forte abraço de amizade,
Jorge Araújo.
07MAR2018.
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Nota do editor:

(`) Vd. poste de 7 de março de 2018  > Guiné 61/74 - P18387: (D)o outro lado do combate (21): "Plano de operações na Frente Sul" (Out - dez 1969) > Ataque a Bedanda em 25 de outubro de 1969 (ao tempo da CCAÇ 6, 1967-1974) - Parte I (Jorge Araújo)