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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7675: Memória dos lugares (125): Aldeia Formosa (hoje, Quebo): em busca de fotos do Cherno Rachide, que morreu em 1973 (Pepito / Vasco da Gama)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) >  "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [Em segundo plano, por detrás do Cherno Rachide, com o rosto enquadrado por rectângulo a verde, vê-se o Cap Mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351, Os Tigres de Cimbijã, a vermelho]

 Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

 1. Há um ano atrás, a 7 de Fevereiro de 2010, o nosso amigo Pepito mandou-nos a seguinte mensagem que depois encaminmhei para o Vasco dsa Gama

Amigo Luís: Há dias sairam no nosso blogue mais duas fotos do Tcherno Rachid de Quebo (Aldeia Formosa) [, foto acima]. Tenho sido muito solicitado pelos filhos dele para obter fotos suas [O Homem Grande morreu em Setembro de 1973, sucedendo-lhe o seu filho Sekuna].

Qual é a possibilidade do autor das ditas cujas me autorizar a fazer amplicópias grandes para ass doar? Para isso preciso delas em formato menos reduzido, i.e., mais pesadas.

 abraço

pepito

2. Eis a resposta do Vasco da Gama, nesse mesmo dia, e que por razões de oportunidade (ou distracção nossa...)  nunca chegou a ser publicada... Mas julgo que o assunto merece ser retomado no nosso blogue. Pode ter haver mais camaradas que tenham (e queiram disponibilizar) fotos do Cherno Rachide. Aqui fica o apelo do Pepito e a generosa resposta do Vasco da Gama, o grande Tigre do Cumbijã, Cap Mil da CCAV 8351 (Cumbijã,. 1972/74). Vou pedir ao Vasco que me mande, de novo, as digitalizações das fotos (de ou com o Cherno Rachide) já publicadas e eventulamente de outras que encontre no seu álbum da Guiné, mas com maior resolução...


 Queridos amigos, não precisam de me perguntar, as fotos não são minhas, são nossas, de todos nós. Tenho muito poucas fotografias da Guiné, pois para além de não ter máquina fotográfica nessa altura, curiosamente comprei ontem a minha primeira máquina, os sítios por onde andei, Cumbijã e Nhacobá, não se prestavam a grandes poses.

Recordo-me, no entanto, de estar sempre atento aos acontecimentos fora do vulgar ligados aos Homens Grandes como era o caso do Tcherno Rachide ou do General Spínola, momentos esses que já enviei para o nosso Blogue. Julgo ter ainda mais duas ou três fotografias, tenho de recorrer à minha mulher, uma ainda no Quebo com o "Califa" que era o homem mais velho de Aldeia ( dizia-se que tinha 83 anos em 1973) e penso que antigo chefe religioso, e garantidamente uma ou duas fotografias já depois de estar em definitivo no Cumbijã, onde recebi a visita do antigo chefe da Tabanca bem como do Sekuna, filho do Tcherno Rachide e que lhe sucedeu, e ainda de um Tcherno do Senegal que era irmão do Tcherno Rachide. Vou procurá-las e se tiverem interesse digam e eu enviá-las-ei de seguida.( Assim a minha mulher as encontre).

É curioso como fechando os olhos recordo toda esta gente e como gostaria de voltar a abraçar os moços que trabalhavam na minha companhia como carregadores o Umarú, o Mário e o Iaia.

Tenho uma foto dos dois primeiros e sei que o Umarú trabalhou após o 25 de Abril no porto de Bissau, pois escreveu-me em 78 ou 79 para a Figueira, andava eu por Coimbra, uma carta que andou perdida uma série de tempo. Vou enviá-las, juntamente com as outras, para que o Pepito me prometa que os encontra para que possamos conversar e,  eu,chorar um pouco.

Há dias, consegui falar por telefone com um antigo guia da minha Companhia que vive no Unal! Posso adiantar que era um Balanta, protegido pelo Tcherno Rachide e hoje convertido ao islamismo. Dava uma história curiosa e vou enriquecendo os meus conhecimentos sobre o Padé, falando com um filho dele que trabalha em Coimbra e também presta apoio à Associação Humanitária Terras e Gentes do camarada José Moreira.

Tinha previsto ir à Guiné este ano! Não dá...lá estarei para o ano...(?)

Pepito, desculpa a intimidade, conta sempre comigo para o que necessites da minha modesta pessoa.
Um abraço para ti e outro para o Comandante Luís.

 Vasco da Gama

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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7669: (In)citações (25): Os falhanços da cooperação e os erros das ONGD estrangeiras na Guiné-Bissau (Pepito)


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desevolvimento > Foto da semana > Data de publicação: 17 de Outubro de 2010 > Data da foto: 18 de Setembro de 2010 > Título da foto:   Cerimónia do UAMPANHE > Palavras-chave: História, cultura.

Legenda: "Na vila de Quebo [, antiga Aldeia Formosa, na Região de Tombali] realizou-se no mês de Setembro de 2010 a Cerimónia tradicional de Uampanhe, cerca de 40 anos depois da última (1973) promovida então por Tcherno Rachid, juntando os agricultores e população dos regulados de Foréa e Corubal, convocados pelo seu filho Aladje Tcherno Aliu Djaló.  Trata-se de uma actividade tradicional dos Fulas, em que todos (homens, mulheres, idosos e jovens) fazem colectivamente a lavoura utilizando um instrumento de trabalho, o Féfé, que é uma espécie de arado de forma mais curta, feito de madeira com uma lâmina metálica e amarrado com rotim.  Os lavradores organizam-se em fila e combinam os movimentos (djaracici) sendo na ocasião sacrificado um boi para a alimentação de todos os participantes".

Foto (e legenda): ©  AD - Acção para o Desenvolvimento (2010) (Reprodução com a devida vénia...)


1. Comentário do Pepito [, à esquerda com a nossa amiga Domingas, enfermeira, em dia de festa, em Cabedú, foto de Zé Teixeira], a pedido dos editores, ao poste P7640 (*)

Olá,  Luís.

Trata-se de um livro antigo [, Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau, do antropólogo Mamadu Jao,  Bissau, INEP (**),   1999, 202 pp.] que retrata um projecto dirigido na realidade pela agência de cooperação sueca. Meteram cerca de 1 milhão e meio de USD por ano no projecto cujo plano era estabelecido em Estocolmo!!!!

Não se deve generalizar aos outros projectos integrados. A cooperação clássica, incluindo a portuguesa,  está ainda hoje cheia de exemplos desses. Somos nós,  cá em baixo,  a apanhar com a paulada da incompetência, mas se leres os relatórios da AD compreendes melhor porque me "amando" a eles.

Seria interessante que essas agências de cooperação fossem avaliadas em vez de passarem a vida a avaliar os outros e a desviar as culpas dos erros cometidos.

abraço

pepito  (**)

_______

Notas de L.G.:

(*) 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7640: Notas de leitura (191): Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau, de Mamadu Jao (Mário Beja Santos)

(...) Moral da história: é melhor ouvir as pessoas, conhecê-las e saber gerir as suas aspirações e não substitui-las. A ajuda ao desenvolvimento tem que mudar sob pena de agravar o descontentamento dos chamados países em vias de desenvolvimento. E a Guiné-Bissau não é excepção, bem pelo contrário. (...)
 
(**) Do sítio do INEP:
 

(...) Fundado em 1984, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) tem como objectivos principais promover os estudos e pesquisas no domínio das ciências sociais e naturais relacionados com os problemas de desenvolvimento do país e contribuir para a valorização dos recursos humanos locais.

A actividade principal do INEP consiste na realização de investigação fundamental e na elaboração de estudos, sendo constituído por um corpo de investigadores nacionais permanentes e uma rede de investigadores associados nacionais e estrangeiros. Leva igualmente a cabo actividades académicas que incluem conferências, colóquios, seminários, jornadas de reflexão, que visam a difusão dos resultados das investigações científicas e o desenvolvimento do próprio Instituto.

Em poucos anos o INEP tornou-se um ponto de referência nacional e internacional de reflexão científica sobre a África Ocidental em geral e a Guiné-Bissau em particular. Dezenas de trabalhos sobre a realidade social guineense, uma centena de artigos e publicações periódicas permanentes confirmam a validade desde Instituto. (...)

(***) Último poste desta série > 22 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7652: (In)citações (28): Bemba di vida [O celeiro da vida], documentário sobre a biodiversidade e as áreas protegidas da Guiné-Bissau, produzido pelo IBAP (2009) (com a colaboração da AD - Acção para o Desenvolvimento)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6519: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (4): Os balantas; as diversas individualidades (J. Armando F. Almeida / Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Reordenamento de Nhabijões > 1970 > Luta tradicional balanta, presenciada por mim (à esquerda) e mais  dois militares do destacamento (entre eles, o Humberto Reis, que segura um instrumento tradicional mandinga, o kora). O destacmento era composto por um mix de militares da CCS e da CCAÇ 12 (Julgo que na época já estavam em Bambadinca instalados o Comando e a CCS do BART 2917).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mero  > s/d (1969 ?) >  Visita a uma das pontas, em Mero... Na foto, dois velhos balantas, um deles cego, que é conduzido por outro completamente nu (apenas com um rudimentar tapa-sexo).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010. Direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Santa Helena > 1970 >  Passeio, à civil, de diversos niliatres da CCS/BART 2917 (1970/72) e da CCAÇ 12 (1969/71) à tabanca balanta de Santa Helena e visita, obrigatória, à nascente onde as bajudas iam buscar água e/ou tomar banho... Na foto, vêem-se três furriéis milicianos da CCAÇ 12: O José Luís Vieira (Funchal), o Arlindo T. Roda (Setúbal) e o António Branquinho (Évora) (Entre parênteses, indica-se a terra onde vivem neste momento).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010. Direitos reservados


Guíné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (1970/72) > Brasão  (à esquerda)

Fonte: História do Batalhão de Artilharia nº 2917 - De 15 de Novembro de 1969 a 15 de Março de 1972. (Versão em texto processado por Benjamim Durães)


[Continuação da publicação de excertos do Cap II da História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, pp. 17-21 (Documento classificado como "reservado"), segundo versão policopiada gentilmente cedida ao nosso blogue pelo ex-Fur Mil Trms Inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande; comparada  igualmentecom a versão,  em suporte digital,  corrigida e melhorada pelo Benjamim Durães] (*)

Advertência de L.G. :

Todas as Histórias de Unidade, umas mais do que outras, reflectem a visão "etnocêntrica" que os portugueses, civis e militares, tinham dos povos da Guiné. O termo "etnocentrismo" não é fácil de definir: (i)  atitude, existente  dentro de um dado grupo social,  face aos outros que estão fora, e que  se pode  caracterizar em termos de preconceito, condescendência e/ou de desconfiança; (ii) a maneira própria de ver a 'minha' cultura por oposição à cultura do 'outro'...

Tanto nós (os comandos militares) como o próprio PAIGC pecámos por etnocentrismo... Afinal de contas, tanto Amílcar Cabral (**) como a nossa 'inteligentsia' político-militar leu o António Carreira, o Manuel Belchior,  o Fernando Rogado Quintino e outros etnógrafos/etnólogos da Guiné... A única sensibilidade sócio-antropológica que nos incutiram, à chegada áàGuiné, foram meia dúzia de 'clichés' sobre os fulas, os mandingas, os balantas, os felupes, e por aí fora...

É interessante, em todo o caso, ir vendo como evoluiu a atitude das chefias militares em relação àqueles grupos étnicos e sociais que, no início da "guerra subversiva", escolheram o "campo do inimigo"... A aliança dos fulas com as NT sempre foi incensada, até ao consulado de Spínola e à 'psico': a necessidade de concorrer com o PAIGC, não só com as armas de fogo, mas também e sobretudo com as da sedução, levou os comandos militares a passar a 'namorar' os balantas, os beafadas e os mandingas, e a criticar certas facetas do modo de vida e de pensar dos fulas...

É o caso, por exemplo, do Comando do BART 2917 que tem, em Nhabijões, um dos maiores reordenamentos da Guiné: cerca de 350 casas...  Em contrapartida, esta abordagem 'etnográfica' está práticamenet  ausente da História da Unidade anterior, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), podendo ler-se na pag. 1 do Cap II este delicioso naco de prosa:

"No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada.

"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado  de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse  homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus  feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero.

"Com o início do reordenamento da população  em auto-defessa, num futuro próximo o IN se verá com sérias dificuldades, pois deixará de ter apopio e de ter a possibilçidade de roubar para deste modo poder sobreviver" (...)

A transcrição de documentos político-militares, tanto de um lado como do outro, não implica qualquer concordância, aval ou aceitação do seu conteúdo... São documentos de trabalho, para leitura e análise 'desapaixonadas'... Partimos do princípio que o nosso leitor é soberano... E os nossos leitores são, fundamentalmente, os antigos combatentes desta  guerra (colonial, para uns; do ultramar, para outros; de libertação, para outros tantos...).


3. População > e. Aspecto político (...)

3 – O “BALANTA”

-  Nesta apreciação incluímos todos os Balantas,  incluindo os Mansoancas,  por não se conhecerem, no Sector [L1], problemas específicos para cada ramo Balanta.

- Aguerridos, alegres e folgazões, desconfiados mas demasiados ingénuos, depois de quebrada a sua confiança atávica, são o povo mais trabalhador da Guiné e só a ele se deve a transformação da lalas em produtivas bolanhas.

- O Chefe Político é o Chefe de Família e por isso o Chefe de Povoação tem funções limitadíssimas,  não podendo decidir sobre qualquer assunto sem que haja um total consentimento por parte dos Chefes de Família. A figura de Régulo ou Chefe de Tabanca, é de criação Portuguesa e, como é óbvio, não se integra na estrutura deste povo e, por conseguinte,  nada representa para eles.

- A sua economia assenta na exploração do arroz alagado, aparecendo as culturas de milho, mandioca e arroz de sequeiro como complemento mas em muita pequena escala.

- Vive sempre junto da bolanha pois desta necessita,  para as suas necessidades imediatas, o barro para os seus potes, a palha para as suas casas. Povo agrícola, pouco gado cria e este mesmo reserva-o quase só para rituais. Praticando o roubo de gado como modo de aumentar a sua importância social, visto tal roubo ser uma verdadeira instituição social sem o significado desonrado que tem para as outras sociedades, evita-o,  dividindo o seu gado pela guarda dos seus vizinhos e amigos e guardando em contra partida o desses vizinhos.

- A subversão apanhou os Balantas na altura em que o seu dinamismo demográfico se fazia sentir no Sector ao longo das lalas dos Rios Corubal  e Geba,  tendo penetrado neste praticamente até à área de Bissaque-Canchicamo e naquela até Jargavida.

- Ao mesmo tempo que se expandia,  introduzia novos métodos de cultura junto das populações. Entretanto a ingenuidade e imprevidência do Balanta e o seu gosto pelo álcool são aproveitados não só pelos comerciantes pouco escrupulosos, que de um momento para o outro os colocaram na sua dependência mercê de juros elevados, mas também pelos Mandingas e Fulas,  especialmente estes,  que os sujeitaram a uma dependência económica tal que chegaram ao ponto de colherem os próprios frutos do trabalho dos Balantas, dando-lhe somente o terreno para cultivo.

- Encontrando-se enquadrados em sistemas políticos mas vastos, em que os Chefes eram quase todos de etnia Fula ou Mandinga,  eles com o seu conceito de grupo social apenas estendido à família não podiam fazer nada para evitar a sua desorganização social e defenderem-se das prepotências sofridas.

- É neste contexto que se deve compreender a fácil adesão do Balanta à subversão, as promessas de libertação dos povos que os subjugavam económica, política e socialmente,  induziram-nos a ver no PAIGC um meio de serem realizadas as suas aspirações.

- A inclusão sistemática de Balantas nos grupos de guerrilheiros, a obrigação de darem grande parte da sua produção agrícola para alimentação desse mesmos grupos, a necessidade de, em virtude da acção das NT,  se afastar cada vez mais das suas bolanhas, obrigá-los a abandonar a cultura do arroz alagado, a constatação de que os que ficaram nas zonas dominadas pelas NT têm uma vida fácil e progressiva, sendo cada vez menor, embora ainda existindo, a exploração que sobre eles exercem os outros grupos étnicos,  exerceram a sua nostalgia da bolanha e criaram as condições quase ideais para uma viragem da sua atitude perante a subversão.

-  Contudo os que estão junto do IN sabem que aqueles que se apresentaram em Bambadinca e que não possuem bolanhas na área,  são explorados apenas como mão-de-obra pelos donos da terra – alguns mesmo seus irmãos de raça – e continuam a ter a nostalgia das suas próprias bolanhas.

- Tal não sucede ainda aos que se têm apresentado no Enxalé porque aí a bolanha é vasta e encontra-se ainda desocupada, especialmente em locais bastante longe da povoação, mas, se não nos preocuparmos em pôr cultivável toda aquela imensa bolanha, a curto prazo veremos acontecer também ali a exploração do Balanta pelo Balanta e estancar-se-ão as apresentações quase semanais que ali se vêm realizando.

- Julgamos que o único modo de conseguir retirar ao controlo IN um substancial número de Balantas,  será criar condições de segurança das ricas bolanhas que se encontram abandonadas. De entre todas essas está a de Samba Silate em virtude de ser uma bolanha rica e muito grande, encontrar-se completamente deserta, ser a sua população recenseada antes do início do terrorismo superior a 1200 pessoas, saber-se que os seus antigos ocupantes se encontram sobre controlo IN, na área de Incala, e desejarem para ali voltar.

- Dos Balantas existentes no Sector os seguintes núcleos:

ENXALÉ

- Francamente colaborante com as NT.

NHABIJÕES

- Colaboram com as NT mas possuindo muita família no mato têm assíduos contactos com pessoal, especialmente da região de Incala que ali vai vender arroz e,  através de Bambadinca, abastecer-se de artigos de primeira necessidade. Sempre negam tais contactos embora sejam de todos conhecidos. (***)

SANTA HELENA

- Colaboram com as NT mas possuindo muita família no mato, especialmente pessoal do Regulado do Cuor, mantêm frequentes contactos com esses familiares que ali se deslocam, mas negam esses contactos e raramente os denunciam.

MERO

- Colaboram com as NT. Mantêm intensos contactos com pessoal desarmado sob controlo IN que na maioria são seus familiares. Negam sempre tais contactos.


4 – “OUTROS GRUPOS SOCIAIS”


- Conseguindo que seja o apoio dos três grupos étnicos referidos, FULA, MANDINGA e BALANTA e por arrastamento dos que lhe são fiéis, todos os outros grupos sociais existentes no Sector não terão qualquer influência no estabelecimento de uma paz, que todos mais anunciada ou dissimuladamente desejam,  especialmente se se continuar a respirar “a procura de uma justiça social” acabando com os privilégios injustos, mas mantendo, tradicionalmente por todas aceites [.. frase incompleta ou ilegível],  e que hoje no Sector se revela.

5 – INDIVIDUALIDADES


- Tivemos ocasião de nos referirmos a alguns dos indivíduos mentores da opinião no Sector, mas porque outros foram esquecidos aqui se mencionam aqueles de que temos conhecimento:

- Tenente de 2ª Linha MAMADÚ BONCO SANHÁ [ fuzilado depois da independência]

Régulo do Badora;
Vogal do concelho logístico da Província;
Comandante da Companhia de Milícias do CUOR;
Intitulando-se Fula,  é considerado pelos Mandingas e Beafadas como Beafada,  em virtude da ascendência materna;
Pelos seus actos de valentia é condecorado com a Cruz de Guerra;
Régulo justo e especialmente preocupado com a segurança das suas populações;
O seu prestígio transvasa em muito para além dos limites do seu Regulado;
É um excelente colaborador das NT, parece representar o movimento dos “FULAS NATIVOS”.

- Alferes de 2ª Linha ABIBO BALDÉ, FULA PRETO

Régulo do XIME;
Comandante da Companhia de Milícias do XIME;
Embora ainda novo,  é considerado pelos “HOMENS GRANDES” do seu Regulado;
Goza de prestígio junto das suas populações,
preocupando-se francamente com a segurança das mesmas;
Tem-se mostrado digno de toda a confiança
e é um bom colaborador das NT.

- Alferes de 2ª Linha MALAN SONCO

Mandinga;
Régulo do Cuor;
Tem prestígio junto das populações do seu Regulado ;
Tem mostrado sempre uma atitude de repúdio face ao terrorismo;
É bom colaborador das NT embora sua avançada idade não lhe permita já dar a colaboração activa que desejaria.



- ANTÓNIO BONCO BALDÉ

Fula-Forro,
Encarregado há 14 anos do Regulado do Corubal,
Tem prestígio junto das populações,
embora alguns o acusem de interesseiro;
Tem colaborado com as NT.

- Alferes de 2ª Linha QUEMÓ NANQUI

Dirigente absoluto e incontestado de povoação do Enxalé,
Dizendo-se a si próprio Mandinga,
 parece ser um Beafada Mandinguizado;
Quando da preparação do 2º Congresso do povo da Guiné,
a povoação passou a ter também um Chefe Balanta (tal facto tirou-lhe prestígio);
Tem sido um magnífico colaborador das NT,
preocupado com a defesa do sei Enxalé;
Comanda agora o GEMIL 309, recentemente criado.

- BIAIA NADUM

Balanta do Enxalé;
Chefe incontestado dos Balantas da povoação;
Tem sido um excelente colaborador das NT;
Comanda agora o GEMIL 310, recentemente criado.

- FAMÍLIA SURÉ de JABICUNDA


Dirigentes do Centro de Irradiação do Islamismo sita naquela localidade (Confraria Cadiria);
Os seus ensinamentos irradiam para quase todo o Sector L1,  especialmente para os Regulados Cuor, Xime  e Badora.

- Parece aconselhar os seus adeptos a abandonarem o PAIGC e a tomar,  senão uma atitude pró-portuguesa,  pelo menos uma atitude de “neutralismo” perante o conflito.


- CHERNO RACHID de ALDEIA FORMOSA

Chefe religioso da Confraria TIidjania;
A sua influência no Sector parece ser grande no Regulado do Corubal,
bastante limitada no Regulado de Badora,
quase nula no Regulado do Xime,
e nula no Cuor.

________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série: 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6499: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (3): Quando Mandinga já não quer dizer turra, mas quando ainda não se esquecem os desmandos feitos pelas NT no início da guerra (J Armando F. Almeida / Luís Graça)

(**) Vd. poste de 30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3000: Amílcar Cabral: nada mais prático do que uma boa teoria (Luís Graça)

 (...) A estratificação da sociedade fula também pode ser vista a partir da família, extensa, que é a sua célula: a família de um homem grande é constituída pela morança; um conjunto de moranças formam uma tabanca; um conjunto de tabancas um regulado; e por fim, os regulados fulas estão associados ao chão fula (Leste da Guiné, compreendendo hoje as regiões de Bafatá e de Gabu), uma entidade territorial e simbólica, ligada à conquista.



Aqui a mulher não goza de quaisquer direitos sociais: participa na produção sem quaisquer contrapartidas; por outro lado, a prática da poligamia significa que ela é, em grande parte, propriedade do marido.


Estranha-se, não haver aqui uma referência ao fanado feminino e sobretudo ao profundo significado sócio-antropológico que tinha (e tem) a Mutilação Genital Feminina entre os Fulas (mas também entre os Mandingas e os Biafadas). Será que Cabral tinha consciência das terríveis implicações, para a mulher, desta prática ancestral, e também aceitava tacitamente em nome do relativismo cultural, tal como os antropólogos colonialistas ? Não conheço nenhum texto em que o ideólogo do PAIGC tenha tomada posição sobre este delicado problema. (...) .

(...) Tenho ideia que Cabral se movimentava (e pensava) melhor no campo do que na cidade, já que ele trabalhou como engenheiro agrónomo, na Guiné e depois em Angola, ao longo da década de 1950. Entre 1953 e 1956 fez o recenseamento agrícola da Guiné (…), e julgo que lhe veio daí a sua admiração pelos povos animistas, e em especial os balantas, os magníficos camponeses da Guiné, os grandes cultivadores de arroz. (...)

(...) Falando das gentes do mato, Cabral dá uma lição sobre os balantas, grupo que ele não só conhece, como agricultores, como admira, enquanto povo, que foi historicamente um povo resistente. Chama-lhes uma “sociedade horizontal”, isto, é, “que não classes por cima umas das outras”. Entre eles não há hierarquias. Os chefes foram uma invenção dos tugas, que lhe impuseram régulos fulas ou mandingas, nalguns casos antigos cipaios, leais aos portugueses:
“Cada família, cada morança tem a sua autonomia e, se há algum problema, é o conselhos dos velhos que o resolve, mas não há um Estado, não há nenhuma autoridade que manda em toda gente”. A sociedade balanta seria uma sociedade tendencialmente igualitária, que Cabral descreve nestes termos singelos : “A sociedade balanta é assim: Quanto mais terra tu lavras, mais rico tu és, mas a riqueza não é para guardar, é para gastar, porque um indivíduo não pode ser muito mais que o outro”… Explicitando melhor: “Quem levantar muito a cabeça já não presta, já quer virar branco, etc. Por exemplo, se lavrou muito arroz, é preciso fazer uma grande festa, para gastar" (...).

(***) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)

(...) Excertos do Diário de um Tuga (L.G.):

Nhabijões, 20 de Dezembro de 1969


Nhabijões: um conjunto de tabancas, ao longo do Rio Geba, habitadas por balantas (uma delas por mandingas), sob duplo controlo (a expressão é das NT) e agora em fase de reordenamento (outro eufemismo: para mim, trata-se de puro etnocídio sociocultural, o que se está aqui a fazer, obrigando os pobres dos balantas e mandingas de Nhabijões a transferir-se da beira rio para uma zona de planalto, sobranceira ao Geba, e a viver em casas desenhadas e construídas por europeus)...

(...) Os balantas foram, segundo o testemunho insuspeito dos meus soldados (fulas), as maiores vítimas da repressão colonial nesta década. Seis anos depois (é difícil confiar na memória dos africanos que não usam calendário, mas isto ter-se-á passado em 1963, depois do início oficial da guerra), Samba Silate  (cuja população terá sido parcialmente massacrada pela tropa ou pela polícia administrativa de Bambadinca, não posso precisar) e Poindon (regada a napalm pela força aérea) ainda despertam aqui trágicas recordações: evocam o tempo em que todo o balanta era suspeito aos olhos das autoridades militares e administrativas, presumivelmente coadjuvadas pela PIDE (...).


(...) Donde esta hostilidade passiva que julgo poder ler nos olhos e nas atitudes da população de Nhabijões que alimenta a guerrilha, em homens e mantimentos, provavelmente mais por razões de parentesco do que por simpatia para com o PAIGC: ao avistarem-me, fardado, na sua tabanca – a mim, tuga, representante da tropa ocupante - os mais velhos baixam a cabeça ou viram-me as costas como se sentissem acabrunhados com a minha presença… Quem se sente mal, sou eu, que venho invadir-lhes a sua privacidade e perturbar os seus irãs…(...)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5716: Morte e sucessão do Cherno Rachide, ao tempo do BCAÇ 4513, em Set / Out 1973 (Fernando Costa)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 2. "Depois da degola do carneiro. O Cherno é o que tem a faca na mão. À sua esquerda está um dos filhos".




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 3. "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [Em segundo plano, por detrás do Cherno Rachide, vê-se o Cap Mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351, Os Tigres de Cimbijã]

Fotos (e legendas): © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados


1. Mensagem, de 3 do corrente, enviada pelo Francisco Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*)

Luis,

Junto envio transcrição integral dos textos oficiais sobre o período em que faleceu o Cherno Rachide e a sua substituição. Desta forma poderás escrever à tua maneira o que é relatado.

Como podes verificar, estou a escrever a história integral do Batalhão 4513 desde a chegada à Guiné até à partida. Já tenho actualizada a lista de pessoal que compôs o batalhão e que é superior à inicialmente transcrita.

É de notar que não consigo encontrar nenhum médico inscrito nos quadros do batalhão, o que é de estranhar pois tenho a certeza que existia.

Em relação à farda do PAIGC (**), a legenda é simples No dia em que foi feita a substituição das NT pelas do PAIGC no quartel de Aldeia Formosa, pedi a um soldado que fizesse a troca de uma farda dele por um camuflado meu.

Assim, guardei até hoje para servir de "Ronco" ou seja recordação, dos tempos em que as tropas portuguesas lutaram contra aqueles que nos substituíram no terreno.

Há muita gente que diz que foi "entregar o ouro ao bandido", eu não partilho dessa opinião, mas acho que muita coisa poderia ter sido feita com mais dignidade para com aqueles que lá deixaram parte de si, para não falar dos que não chegaram a regressar.

(Não guardo rancores, guardo sim boas ou más recordações).

Fernando Costa
Ex-Furriel BCAÇ 4513



Excertos da história do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (Transcrição, para suporte digital: F.C.)

CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


4º Fascículo (período de 1Set a 30Set73)

SITUAÇÃO GERAL

Ainda de acordo com o planeamento aprovado do treino operacional do BCAÇ 4516, o início do período foi caracterizado pela movimentação das 3 companhias do BCAÇ 4516 e 2 do BCAÇ 4513 para BUBA para efectuar a Op "LANCE PERTINENTE" cuja finalidade visava, à semelhança da Op "OUSADIA SATÂNICA" atingir o UNAL no sentida N/S – o objectivo não foi atingido pela completa intransitabilidade do terreno nesta época de chuvas constantes e intensíssimas, a falta de trilhos, a ausência de guias e a enorme distância a percorrer, mas considerava-se que foi bastante proveitoso para a finalidade do treino operacional do novo Batalhão, pela série de ensinamentos que uma acção desta envergadura traz para o pessoal e especialmente para os quadros.

Findo o treino operacional, o BCAÇ 4516 tomou a responsabilidade da sua zona de intervenção passando a depender a CCAV 8351 e o 2º PEL ART, estacionados no CUMBIJÃ, do novo Batalhão.

Entretanto as acções do BCAÇ 4513, agora liberto do treino operacional, começaram a tomar maior volume e assiduidade, para os patrulhamentos e emboscadas na direcção da fronteira da República da Guiné, e mais incremento na contra-penetração nos tradicionais corredores de passagem do IN.

Durante o mês, apenas se verificou uma acção IN e esta junto do RIO CORUBAL, no limite da ZA/2ª CCAÇ, que consistiu num contacto entre uma força daquela companhia, durante a acção "OGIVAL" com um grupo IN que,  após detectar as NT,  fez alguns disparos e retirou em direcção ao INSASSENE, deixando 1 Granada   de RPG-2 e vestígios de sangue.

Verificou-se no período o falecimento do CHERNO RACHID, chefe religioso de extraordinário prestígio no meio muçulmano, cuja perda abalou muita a população, receando-se não ser fácil encontrar quem o substitua com o mesmo prestígio e a mesma devoção à Causa Nacional (***).

No dia 29SET regista-se a chegada à Província do novo Governador e Comandante-chefe, General BETTENCOURT RODRIGUES, que substituiu nos cargos o General ANTÓNIO SPINOLA.

Referem-se como actividades mais importantes:

SET73

01 - Integrada no TO do BCAÇ 4516, inicia-se a operação "LANCE PERTINENTE". Para isso são deslocadas para BUBA, além das três CCAÇ do BCAÇ 4516, mais 1 GR COMB da 2ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da 3ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da CART 6250; 1 GR COMB da CCAV 8351. Acompanha estas forças o 2º CMDT do BCAÇ 4513 a fim de dirigir a operação.

02 - Inicia-se a Op "LANCE PERTINENTE" em direcção ao UNAL, com o deslocamento das forças de BUBA para BOLOLA, ao longo do RIO BAPO – UNAL. Continua-se as acções na região de ALDEIA  FORMOSA em direcção à fronteira e na região de CUMBIJÃ.

03 - Continua-se a Op "LANCE PERTINENTE". Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 continuam a efectuar o patrulhamento da fronteira até ao RIO BALANA, em virtude de nesta época do ano, e devido às chuvas este mesmo rio não dar passagem. Forças da CCAV 8351 patrulham a região de CUMBIJÃ.

04 – Termina a Op "LANCE PERTINENTE" o objectivo não foi atingido pela muito difícil transpor o terreno nesta época, chuvas constantes e intensivas, falta de trilhos e ausência de guias e a enorme distância a percorrer. Forças da CCAÇ 18 patrulham a antiga picada da CHAMARRA-GANDEMBEL até à região de CHAMGUE LAIA.

05 - Regressam aos respectivos estacionamentos as forças do BCAÇ 4513 e BCAÇ 4516 intervenientes na Op "LANCE PERTINENTE". Forças da CCAÇ 18 patrulham o RIO BALANA sem contacto.

06 - Terminado que foi o treino operacional do BCAÇ 4516, as forças do BCAÇ 4513 retomaram a actividade intensiva de patrulhamento e contra penetrações nas regiões de BUBA, NHALA, MAMPATÁ, ALDEIA FORMOSA e nos corredores possivelmente utilizados pelo IN nos seus deslocamentos de S/N e vice-versa.

O BCAÇ 4516 assumiu a responsabilidade da sua área de intervenção, passando também desde esta data a CCAV 8351 e o 2º PEL ART (CUMBIJÃ) a dependerem operacionalmente daquele Batalhão.

07 - Forças da 2ª CCAÇ/4513 durante a acção "OGIVAL" entram em contacto com um GR IN EST em 20/25 elementos. O IN reagiu com RPG e AAut retirando-se em seguida. No reconhecimento efectuado capturou-se uma granada de RPG-2 e verificou-se a existência de extensas manchas de sangue. As NT sofreram 1 ferido ligeiro. Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 patrulharam a região do RIO BALANA.

08 - Forças da 1ª CCAÇ/4513 detectaram em região (XITOLE 2 F 0-30) passagem de um GR IN estimado em 40/50 elementos no sentido N/S na madrugada deste dia.

10 - Forças das sub unidades do Batalhão e de reforço continuam os eus patrulhamentos e contra-penetrações respectivamente nas regiões de BUBA, NHALA, MISSIRÃ e Fronteira.

11 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamentos e emboscadas realiza-se mais uma coluna de reabastecimento a BUBA.

12 - Por necessidades prementes de reabastecimento, realiza-se mais uma coluna a BUBA.

13 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração [C/PEN] na região de PONTE DO RIO CORUBAL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto. Forças da CART 6250 executam contra-penetração na região de MISSIRÃ sem contacto.

14 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBSERVADOR VI" patrulham a estrada CHAMARRA-GANDEMBEL até à confluência do RIO BALANA-RIO DADINA. Sem contacto.

15 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

16 - Continua a actividade operacional de patrulhamento e contra-penetração  de todas as sub unidades dentro das respectivas ZA.

19 - Pelas 2100 horas são avistados de ALDEIA  FORMOSA e na direcção de CHAPADA [Chamarra ?]vários very-lights e balas tracejantes.

20 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

21 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OLARIA" patrulham e executam contra-penetração  no RIO BALANA sem contacto.

22 - O Comandante do Batalhão acompanhou uma patrulha à região de CHICAMBILO. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORTIGA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região da confluência RIO CORUBAL-RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção OASIS" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de BOLOLA sem contacto.

23 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBJECTIVA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto.

24 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

25 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OUSADIA" executam patrulhamento e contra-penetração no RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção "ORIENTE" executam patrulhamento e contra-penetração  em MISSIRÃ sem contacto.

28 - Apresentou-se de licença, assumindo as funções de OF OP INF CAPITÃO JORGE F. CERVEIRA.
Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

29 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OXIGÉNIO" executam patrulhamento com contra-penetração na região de GAMÃ sem contacto.

30 - O Comandante do Batalhão acompanhou patrulhamento a JAI JULI.


CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


5º Fascículo (período de 1Out a 31Out73)

SITUAÇÃO GERAL

A pluviosidade diminuiu consideravelmente, no entanto as bolanhas ainda se apresentam com muita água e os rios com grande caudal. Têm surgido problemas com o itinerário ALDEIA FORMOSA-BUBA, exigindo, alguns troços, medidas de manutenção, a fim de se manter a transitabilidade.

Por determinação superior, o BCAÇ 4516 passou a ser força de Intervenção do COMANDO-CHEFE, pelo que foi transferido para BISSAU, ficando no entanto, uma das suas CCAÇ, em reforço do Batalhão e sedeada em COLIBUIA.

A actividade do IN continuou a ser fraca, sendo de salientar a flagelação a CUMBIJÃ, não só pelo número de granadas utilizadas, como a precisão do seu fogo.

Da actividade das NT, dirigida essencialmente para a fronteira e corredores de passagem IN resultou a intercepção de uma coluna IN no corredor de BUJOL, detecção e levantamento de duas Minas A/P, uma delas na picada de MAMPATÁ-NHALA e o accionamento de uma Mina A/P  na região de NHACOBÁ.

Chegaram a BUBA, os Destacamentos de Engenharia nº 1 e 2 e a Brigada de Estudo e Construção de Estradas, para darem início à construção da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, em duas frentes, sendo uma em BUBA e outra em ALDEIA FORMOSA.

Para os trabalhos da frente de ALDEIA FORMOSA, foi deslocado o Dest Eng nº 1. Como consequência deste deslocamento passou a ser exigido às forças do Sector um esforço extraordinário na realização de colunas de reabastecimento, a fim de colocar em ALDEIA FORMOSA os materiais necessários à obra a iniciar. Com a passagem das máquinas pesadas e de lagartas deste Destacamento, a estrada ficou bastante danificada, sendo necessário proceder-se a urgentes reparações em alguns pontos para garantir a transitabilidade da mesma.

Durante o período continuaram a deslocar-se a ALDEIA FORMOSA, em virtude do falecimento do CHERNO RACHID, várias autoridades tradicionais, algumas estrangeiras, entra as quais se destaca o CHERNO ALIU CHAM, do SENEGAL.

SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, foi eleito, em assembleia dos "Homens Grandes", sucessor de CHERNO RACHID. (***)

Por motivo do acto eleitoral no dia 28, a festa do RAMADÃ nos dias 28 e 29, efectuaram-se diversas colunas a BUBA, NHALA, RIO CORUBAL para transporte da população.

Em 17 e 30 iniciaram-se os trabalhos de Engenharia de abertura da estrada de ALDEIA FORMOSA-BUBA, respectivamente nas frentes de ALDEIA FORMOSA E BUBA.

Referem-se como actividades mais importantes:

OUT73


01 - Deslocou-se a Bissau para entrar de licença disciplinar Major Dias Marques, 2º CMDT. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA para transporte de frescos e pessoal.

02 - Forças da CCAÇ 18, durante a acção "OUTEIRO",  patrulham a Ponte do RIO BALANA sem contacto. Realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O avião fretado do TAGP escala ALDEIA FORMOSA fim levar frescos para BUBA.

03 - Tem início a acção "OMOPLATA" executada por forças da 1ª CCAÇ / 4513, com a colaboração de meios navais. Esta acção visa atingir PONTA NOVA. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORALIO" patrulham o Trilho de GAMÃ sem contacto.

04 - Termina a acção "OMOPLATA" em que as forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN em região de (EMPADA 7 D 7-50).

O CMDT recebe a visita de todos os "Homens Grandes" da região que vêm comunicar que,  reunidos em assembleia, elegeram SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, como seu sucessor. Exprimem todo o seu apoio e lealdade à Causa Nacional. Este mesmo facto é comunicado à REP ACAP, para ser transmitido a Sua Excelência Comandante-Chefe. (***)

05 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA, para transporte de frescos e pessoal.

06 - As Companhias do Batalhão e de reforço continuam as acções de patrulhamento e contra penetração nas regiões da fronteira, corredor do MISSIRÃ e BUJOL. Pelas 1630 horas, apresentou-se em ALDEIA FORMOSA um elemento da população, que tinha sido raptado pelo PAIGC no SENAGAL, e que fugira quando chegou a KANDIFARA. Depois de interrogado seguiu para BISSAU. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OPRESSÃO" executaram patrulhamento com contra penetração na região da Ponte do RIO CORUBAL sem contacto.

08 - Teve lugar em ALDEIA FORMOSA, uma reunião com o Comando do Batalhão em que estiveram presentes o Delegado da CH Serv Transp., o Delegado do QG/CTIG/4ª REP, o Comandante Interino e um Oficial do BENG 447, a fim de se coordenar os trabalhos de abertura da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA.

09 - Pelas 17H30  GR IN não estimado flagelou o Destacamento de CUMBIJÃ durante 45 minutos, com 100 granadas de CAN S/R 82 e 5 granadas de MORT 82, sem consequências.~As NT reagiram com fogos de ART e MORT.

Esteve presente no Comando do Batalhão, a apresentar os seus cumprimentos de despedida, o CHERNO ALIU CHAM,  da REP SENEGAL, e que agradeceu todo o apoio prestado quando do falecimento do CHERNO RACHID e todo o apoio sanitário que continua a ser dado em todos os postos fronteiriços da REP SENEGAL. (****)

Chegaram a BUBA os Dest Eng 1 e 2 e a Brigada de Estudos e Construção de Estradas.

10 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA a fim de transportar para ALDEIA FORMOSA, os elementos do Dest Eng 1, assim como algumas máquinas e material do mesmo.

11 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OSIRIS" executam patrulhamento com contra penetração na região do RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4516, accionaram na região de NHACOBA uma Mina A/P  IN, sofrendo dois feridos graves.

12 - Apresentou-se de licença disciplinar Cap Amaral, Comandante da CCAÇ 18.

13 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA, para transporte do material de Engenharia para ALDEIA FORMOSA.

15 - Notícia não avaliada da DGS local, refere que o IN tem deslocado forças de KANDIFARA para KASEMBEL. As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetração na região da fronteira e corredores de passagem IN, sem contacto.

16 - O Cmdt do Batalhão deslocou-se a NHALA e BUBA. Por determinação superior o BCAÇ 4516 passa a ser força de Intervenção do Comando-Chefe.

17 - Pelas 15h30  forças da 1ª CCAÇ / 4513 interceptaram em (XITOLE 2 E 7-17) grupo IN de 120 elementos armados, deslocando-se no sentido de S/N. NT sem consequências, o IN com prováveis feridos e mortos. Capturada 1 Granada  de RPG-7.

19 - Realizou-se coluna para transporte da 2ª CCAÇ / 4516 a fim de seguir para BISSAU.

20 - As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetrações na região da fronteira e corredores de passagem IN.

22 - Forças da CART 6250 procedem ao levantamento de minas instaladas pelas NT nas regiões de (XITOLE 4 E 4-41) e (GUILEJE 6 F 8-91).

23 - Durante a picagem do itinerário MAMPATÁ-UANE foi detectada e levantada uma Mina A/P  IN por forças da CART 6240. Seguiu para BUBA com destina a BISSAU a 1ª CCAÇ / 4516. O OF OP INF deslocou-se a BUBA e NHALA. Estiveram presentes em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do GA-7 e o Comandante da BAT ART/AAA 7040.

24 - Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transportar a CCS / 4516, com destino a BISSAU. Chegou a ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1. Juntamente com o Comandante do Batalhão deslocaram-se a MAMPATÁ. Forças da 1ª CCAÇ / 4513 transportadas em meios navais iniciaram a acção "OLIMPO" sobre a região de ANTUANE.

25 - Terminada a acção "OLIMPO" em que forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN na região (EMPADA 7 D 6-44). Iniciaram-se os trabalhos de abertura e asfaltagem da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA. Permanece em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1.

26 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513,  durante a acção "ORACULO", executam o patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de GAMÃ e ponte do RIO BALANA. Durante este patrulhamento procede-se à instalação de um campo de minas na região da ponte do RIO BALANA, sobre a estrada para GADEMBEL. Regressa a BISSAU o Exmº Comandante da CAOP-1.

27 - Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia na estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, frente de ALDEIA FORMOSA. Efectuou-se uma coluna a BUBA e outra ao RIO CORUBAL para trazer população com vista ao acto eleitoral do dia 28 e festas do RAMADÃ.

28 - Processou-se o acto eleitoral e iniciaram-se as festas do RAMADÃ, que trouxeram a ALDEIA FORMOSA muita população de BUBA, NHALA e SALTINHO.

29 - Pelas 1800 horas apresentaram-se em ALDEIA FORMOSA 3 elementos de população, naturais da REP GUINÉ, um homem,  uma rapariga e um rapaz. Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transporte de regresso das populações que se deslocaram a ALDEIA FORMOSA.

30 - Esteve em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1, regressou a BISSAU no mesmo dia. Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia da Estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA,  frente a Buba.

31 - O Comandante do Batalhão deslocou-se a COLIBUIA e CUMBIJÃ, acompanhado de um delegado do BENG 447.

[Revisão / fixação de texto / bold: L.G.]
____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

(**) Vd. poste 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5583: Memória dos lugares (62): Trocando roncos com o PAIGC em Aldeia Formosa, em Agosto de 1974... (Fernando Costa)

(***) Sobre este influente, poderoso e controverso dignitário muçulmano, vd. postes de:

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

(...) Não comento o livro e menos ainda transcrevo qualquer lenda. Abordo muito ligeiramente o posfácio. Nele fala-se de um Homem Grande, nosso contemporâneo, a viver em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e visitado pelo autor do livro. Esse Homem Grande era Cherno Rachide.



Ficou o autor encantado com o seu saber e simplicidade. Depois de conversarem e antes de se despedirem, Cherno Rachide, a pedido do autor, ofereceu-lhe escrito em árabe a sua canção – A Canção de Cherno Rachide, cantada diariamente pelos seus alunos.

O autor tentou, segundo diz, na transcrição para português, manter o ritmo e a musicalidade.


É essa canção que a seguir transcrevemos. «Cherno Rachide mostra-se grato, pelo Governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho de sua vida: a peregrinação a Meca». Transcrito do livro. (...)

27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

(...) "Os elementos de confiança do Partido são: em Cacoca, Daudá Camará, Abdulai Conté, Mbadi Bonhequi ; em Cacine, Laminé Camará, o relojoeiro, e Cassamá, motorista; em Missidé (Quebo), Aliu Embaló, e o grande marabu Cherno Rachid". (...)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)

 16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3638: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (3): Jan 73: Com o Cherno Rachide, em Aldeia Formosa

(****) Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. o texto, em linha, de Francisco Proença de Garcia > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974).


(...) Tom Gallagher esclarece-nos sobre a posição das comunidades muçulmanas, face ao Poder Português, no período em análise (1963-74), na seguinte passagem:
 
“(...) Ironicamente, o Portugal católico encontrou aliados mais leais entre as tribos muçulmanas, tais como os Fulas, na Guiné-Bissau e os Macuas, em Moçambique, do que entre os grupos africanos educados nas missões, mais inclinados a juntar-se aos nacionalistas. O conservadorismo da sua estrutura social fazia das tribos muçulmanas os aliados preferenciais dos portugueses, que chegaram a enviar peregrinos a Meca e construíram mesquitas na Guiné-Bissau em paga do apoio dos chefes locais (...)”(...).


Neste quadro, convém lembrar que, de acordo com o Supintrep nº. 10 (“Populações da Guiné”) e com a opinião de diversos autores guineenses (...), o Poder Português utilizou os grupos étnicos islamizados por possuírem uma organização social com uma estrutura mais complexa do que a das etnias de religião tradicional, podendo mesmo falar-se de uma estrutura “vertical”, com um “Estado organizado”, com classes e poderes separados, de acordo com as suas condições económicas. Esta organização proporciona-lhes uma elevada coesão pela obediência fiel dos elementos das tribos aos chefes religiosos e políticos, que disfrutavam de uma notável importância e aceitação perante os seus, pelo que o apelo a estes auxiliares era “(...) uma condição sine qua non de uma vitória portuguesa face aos animistas (...)”

De acordo com o “Relatório de Serviço” (...), na antiga Província Portuguesa, de 16 de Junho de 1972, elaborado por Amaro Monteiro na sequência de missão determinada pelo Ministro do Ultramar, as linhas de articulação dos dignitários islâmicos, no âmbito interno e no contexto africano, eram:


1) Quanto à confraria Qadiriya:

Em Jabicunda, o dignitário mais destacado da confraria era Al-Hajj Mamadu Mutaré Suaré (Jacanca), que exercia influência de tipo polarizante em todo o território, na área de Bafatá, e externa, na Gâmbia e no Senegal, articulando-se, neste último, com o seu irmão Caranca Djura Suaré (Casamansa), em consulta numa plataforma de paridade, não excluindo certo acatamento ao mesmo. Fazia a dádiva recomendável devida ao destaque, na linhagem xerifina, ao “Xerife” Yussuf Haydara (de Casamansa), portador da “Baraka”, aparentado com os Haydara de Tombuctu (Mali) e articulado a Marrocos.

Por via de seu irmão, inseria-se na dependência própria dos quadros confraternais, articulando-se, assim, ao “Cheik” Sidaty Ould Talibouya, expoente máximo da Qadiriya no Senegal, cujo poder de accionamento se estendia à Gâmbia, Mali, Guiné-Conacry e Guiné Portuguesa. Este “Xerife” senegalês visitava todo o território, colectando. Apresentava-se, pela linhagem e atributos pessoais, como ultrapassando na sua missão o quadro estrito das confrarias, e fundia-se com o Rei Imã numa origem multissecular: “a Casa do Profeta”.

Em Bijine, o mais destacado elemento era Al-Hajj Almami Sidi Acassamo (Mandinga) que manifestava acatamento xerifino e se articulava com o dignitário de Jabicunda, já citado. Contudo, em caso de recurso do respectivo parecer ou decisão, articulava-se ao “Cheikh” Sidi Abu Ibrahimo, na Mauritânia (Boutilimit) e não com Caranca Djura Suaré; também fazia a dádiva recomendável ao Cheik Sidaty Ould Talibouya.

2) No tocante à confraria Tidjanya, dizia a mesma fonte:

Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).

Cherno Rachid apresentava, como figura tutelar, seu irmão Al-Hajj Califa Mamadu Cabiro Djaló com posição prioritária honorífica e consultiva, embora o autêntico poder de accionamento fosse detido pelo Cherno Rachid. Articulava-se em consulta ao Califa Abdul Azis Sy (em Tivouane, a NE de Dakar) e, suplementarmente, a Al-Hajj Seydou Nourou Tal do mesmo país (em Dakar), conselheiro governamental e “director de consciência” dos tidjanistas tocolores e guineenses.

Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território, nomeadamente na áreas de Fulacunda e Gabú (postos não especificados) e, externa, como consultor, no Senegal (Casamansa), na República da Guiné (pontos não especificados) e no Mali (Bamako). Manifestava acatamento xerifino do tipo idêntico ao dos pólos de Jabicunda e Bijine tendo, também, feito a dádiva recomendável ao Xerife Yussuf Haydara.

Em Ingoré, o Xerife Secuna Haydara pertencia a uma família originária de Marrocos (Fês) e efectuou os seus estudos em Tuba, na Guiné-Conacry. Apresentava-se com uma ambivalência confraternal, pois era dirigente tanto da confraria Qadiriya como da Tidjanya (note-se, caso único no território), para o que concorre a sua natureza xerifina.

Secuna Haydara também exercia influência interna de tipo polarizante (em toda a linha de S. Domingos a Farim) e externa, a título consultivo (Casamansa), sendo a sua articulação em posição de acatamento com Al-Hajj Cheikh Ibraimo Djabi e, a nível paritário, com o Cherno Rachid. Este dignitário era parente do Xerife Yussuf Haydara, a quem não fazia a dádiva recomendável.

Por fim, o dignitário de Cambor, Cherno Mamagari Djaló, foi iniciado na confraria Tidjanya, no Senegal, pelo Xerife Hakilo Haydara, a cujo irmão Yussuf fazia a dádiva recomendável e a quem consultava, recorrendo, só em última instância, ao Califa Abdul Aziz Sy. A sua influência religiosa, a nível interno, é de tipo polarizante, em Cambor e nas zonas limítrofes. No entanto, manifestou alguma rivalidade em relação a Cherno Rachid pela sua influência no Gabú. Ao nível externo, efectua consulta no Senegal (Casamansa), Gâmbia (área de Djadjaburé) e em Conacry (não especificado).

Procurámos na medida do possível actualizar, presencialmente, todos estes pólos articuladores e difusores do Islamismo no território. Assim, no que respeita à confraria Qadiriya, os principais centros continuam a ser Jabicunda e Bijine, aos quais acrescentamos entretanto Farim.

Em Jabicunda, o Almami Ansu Cissé exerce influência interna, de tipo polarizante, em toda a área de Bafatá e, externa, na Gâmbia e Senegal. Paga a dádiva recomendável a um “Xerife” senegalês, cujo nome não conseguimos apurar. Os dignitários de Bijine Ualió Quntchumba Faty e Al-Hajj Koba Gassama (...), e Farim, Arafan Bacari Touré, respectivamente, todos com acatamento xerifino, articulam-se com o dignitário de Jabicunda, já referido.

No que se refere à confraria Tidjanya, Cambor é, presentemente, o maior pólo de difusão, sendo ainda dignitário Al-Hajj Ualió Mamagari (...) (portador de “Baraka”), considerado “Homem Grande” em todo o território; exerce influência de tipo polarizante no mesmo território, a nível interno, e externamente na Guiné-Conacry, Senegal, Gâmbia, Mali e Mauritânia (...).

Em Quebo, o dignitário islâmico mais proeminente é Al-Hajj Amadú Dila Djaló, filho de Cherno Rachid. Manifesta acatamento ao Xerife de Fês, Tidjani Hajj Zambir, filho de Sidi Al-Hajj Bensalem a quem faz a dádiva recomendável. Exerce influência religiosa interna, de tipo polarizante, na região de Quebo e, externa, como consultor, na Guiné-Conacry e no Senegal. Quanto a consulta, articula-se, tal como seu pai, ao Califa Abdul Azis Sy (nascido em 1904).

Este dignitário foi iniciado na confraria Tidjanya em Tivaouane, no Senegal. Completou os seus estudos no Egipto e efectuou diversas vezes peregrinações a Meca. Salientamos que este dignitário é deputado pelo PAIGC, na Assembleia Nacional Popular.

Ingoré, última fronteira guineense antes de Casamansa (...), continua a ser um grande pólo de difusão do Islamismo (permanece a bi-valência qadirista-tidjanista).

Aos centros tradicionais do território, acrescentamos o pólo de Sinchã Santa Mansata (Canhamina), onde Al-Hajj Umarú, com formação no Egipto e amigo próximo de Hassan II (segundo faz crer), construiu aquela que é considerada a maior mesquita da Guiné-Bissau.

Na perspectiva de Amaro Monteiro, se “(...) accionadas de Sul para Norte N ondas de subversão metódicas apontando às credibilidades e às sedes geografico-culturais dos dignitários xerifinos, o mecanismo de comunicação visado, rarefeitas as respectivas bases de sustentação (...)”(...), reagiria em sentido inverso, ou seja, se se projectarem, numa carta, todas as articulações confraternais e as linhagens xerifinas, verifica-se que estas teriam muito provável coincidência com os itinerários/focos de violência ou de desestabilização, que, em última análise, visariam o Rei Imã. Caso aquele entrasse, hipoteticamente, em colapso, provocaria o “(...) «curto circuito» dos mecanismos de comunicação sócio-religiosos (...)”(...), no referido sentido geográfico e, claro está, forte trauma nos pólos articuladores das confrarias Qadiriya e Tidjanya.

O Poder, ontem (o português) como hoje (o guineense), apercebendo-se de que não se pode alhear da importância muçulmana no território (...), que não pode ignorar o seu dinamismo por vezes encarado como concorrente da política externa do Estado, procura, por exemplo, custeando as despesas com a peregrinação a Meca (...) de personalidades destacadas da comunidade islâmica e com a construção de mesquitas, ganhar alguma autoridade, ou melhor, tenta obter, ou continuar a obter, os favores dos muçulmanos, sobretudo, importantes numa altura em que o mundo islâmico - pela mão do integrismo - assume uma importância política inusitada e que convém esconjurar.

Porém, o Estado laico dificilmente penetra no campo religioso. Aquilo que dá força ao Islão, nomeadamente ao Islão popular, é o facto de este representar, pelo menos em princípio, uma contra-sociedade, ou seja, uma sociedade paralela, que escapa por natureza ao poder do Estado (...). Assim, o Estado procura o aproveitamento pragmático dos muçulmanos, pois as respectivas características culturais são susceptíveis de, se bem exploradas, em termos de Apsic, reforçar ou constituir uma consciência nacional.

Em 1985, criou-se em termos oficiais a Associação Islâmica (presentemente presidida por Al-Hajj Sori Sow), sediada na capital agrupando todas as confrarias e comunidades espalhadas pelo país. Esta fórmula coordenadora faculta ao Islão o benefício do reconhecimento oficial, ao mesmo tempo que permite às autoridades governamentais “(...) transformar as estruturas muçulmanas em verdadeiras instituições paralelas do regime (...)”(...).

Aquela associação dispõe de um importante papel nas relações externas das comunidades muçulmanas nacionais, visto que é ela a encarregada de regularizar os contactos culturais e religiosos com o mundo árabe e de atrair capitais.

Após as primeiras eleições multipartidárias, em 3 de Julho de 1994, também as associações islâmicas proliferaram, contando-se presentemente no país mais cinco associações: a União Nacional para a Cultura Islâmica (1991), a Al Ansar (1992), com maioria de associados Mandingas; o Instituto Islâmico para o Desenvolvimento, que agrupa Fulas e Mandingas (1993); o Comité de Redacção e Tradução, que agrupa, essencialmente, Fulas (1994); e a Organização Islâmica, Cultura e Desenvolvimento, cuja maioria de associados é de Mandingas (1995).

Para eficiente accionamento da população, quer uma subversão quer uma contra-subversão necessitam de adequado conhecimento dos mecanismos informais de comunicação; nestes, o vector sócio-religioso desempenha, na África Negra, elevada importância, potencializada em terrenos humanos como o da Guiné pela impressiva presença de massa muçulmana. Uma guerra de semelhantes características globais ultrapassava obviamente a área de acção habitual das Forças Armadas. Assim, a resposta portuguesa para obstar “(...) à guerra global que a ela condicionava os actos da política (...)”(...) requerer-se-ia também geral, ou seja, em todas as “frentes”, por acções oportunas e estreitamente coordenadas nos campos social, político, militar e psicológico, como veremos no próximo capítulo e aliás desde já se vem inferindo. (...)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > s/d [1973?] > BCAC 4513 > A última visita do Com-Chefe e Governador Geral Bettencourt Rodrigues (de costas, de camuflado, à direita, recebendo honras militares)

Foto: © Fernando Costa (2009). Direitos reservados


1. Mensagem do Fernando Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Março de 1973/Setembro de 1974) (*):

Caros amigos,

Volto ao vosso contacto para enviar uma foto onde aparece o Cmdt das Forças Armadas da Guiné, General Bettencourt Rodrigues (**), naquela que foi a última visita a Aldeia Formosa. Os militares que estão a fazer a guarda de honra, são do BCaç 4513. Esta foto, se assim o entenderem, pode ser incluída com as que se encontram no poste P5160 (***).

Um forte abraço, Ex-Furriel Mil Fernando Costa

2. Comentário de L.G.:

Ligou-me esta noite o Fernando, e tivemos uma longa conversa ao telefone. É um homem das Arábias, o novo membro, alfacinha, da nossa Tabanca Grande. Imaginem que ele, para além das chefe das transmissões em Aldeia Formosa (na ausência do Alferes da CCS que ficou no bem-bom de Bissau, a tomar conta das antenas das telecomunicações...), foi um homem dos sete ofícios... E sobretudo foi músico, chegou a acompanhar a Cilinha, que tinha a mania que sabia cantar o fado, nas visiats aos quartéis do sul... Pedia ter ficado em Bissau, ligado à Ra´+dio, ams não ficou pior cuasa do Alferes.

O Fernando Carvalhinho, um homem do fado, foi soldado, também de transmissões, na CCS do BCAÇ 4513... São muito amigos e o Fernando tem um excelente álbum fotográfico da Guiné. Eles ainda são do tempo de Spínola, que visitou duas vezes Aldeia Formosa. Numa delas, o Caco Baldé veio expressamente para dar uma porrada num 1º cabo de uma das companhias do Batalhão... Com o pessoal formado e alinhado na parada, rapou de um papel e chamou o cabo. Quando este compareceu perante o velho general, arrancou-lhe as divisas e deu-lhe dois pares de estalos...

O Bettencourt terá ido, uma vez, no fim de 1973 ou princípio de 1974... Tiha lá um sobrinho, madeirense. O Fernando já não se lembra do Cherno Rachide Djaló, que deve ter morrido antes da CSS do BCAÇ 4513 ter chegado Aldeia Formosa, em Março de 1973 (uma figura respeitada do Islão, de etnia futa-fula, já aqui evocado diversas veses, por mim, pelo Manuel Amaro, pelo Torcato Mendonça, e de quem já se disse tanta coisa, a de que inclusivamente teria sido um 'agente duplo', jogando com um pau de dois bicos...). O Fermando lembra-se, sim, de uma filha e eventualmente de um filho do grande marabú, que tinham uma loja na tabanca... A filha, que privada muito com a malta da tropa, terá já morrido, de doença prolongada, em Espanha.

Quanto à entrega do quartel ao PAIGC, em meados de Agosto, o Fernando tem muitas histórias - e algumas bem divertidas! - para nos contar...

O Fernando, que se reformou como bancário do BCP (pertenceu ao núcleo dos 100 primeiros colaboradores, e privou com o Jardim Gonçalves), conhece meio mundo (além da Europa, a África, a Austrália...). Antes de ir para a tropa, aos 17 anos, tocava numa orquestar ligeira em Moçambique, tendo acompanhado a Amália. Foi, naturalmente, um homem da noite, aqui, em Lisboa e em África. Em Bissau, frequentavam o Chez Toi onde chegou a encontrar miúdas, suas conheidas, de Lisboa, que eram contratadas para uma temporada... Afinal, não foram só os homens a fazer comissões de serviço em África... Foi também árbitro e dirigente federativo, a nível do futebol de salão ou Futsal... Tem um filho cineasta, que é também professor na Lusófona, logo colega do nosso Jorge Cabral.

Mas eu não vou adiantar mais (in)confidências... Percebo que ele goste mais de falar do que escrever, mas já se comprometeu a mandar mais fotos e mais histórias dos últimos tempos da guerra da Guiné... Boa noite, camarada Fernando, sou um prazer conhecer-te e ouvir-te ao telefone. Fico para já à espera de duas coisas que e prometeste: (i) fotografia (digitalizada) da farda nº 2, com botões dourados, que sacaste a um guerrilheiro do PAIGC em Agosto de 1974; (ii) e a cópia da carta que o teu tenente-coronal (Sacadura qualquer coisa) mandou aos pais da rapaziada, antes oara partida para a guerra, a explicar que ficava a tomar conta deles todos e que iria fazer tudo para os trazer de volta, sãos e salvos (!)... (Olha, acho isto bonito!)...

______________

Notas de L.G.:

(*) Ultimo poste da série Memória dos Lugares > 17 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5119: Memória dos lugares (49): Xime, Madina Mandinga, Bafatá e Nova Lamego- (Alfredo Dinis)

(**) GENERAL JOSÉ MANUEL BETTENCOURT RODRIGUES:

(i) Nasceu no Funchal em 5 de Junho de 1918;

(ii) Frequentou o Liceu de Pedro Nunes, em Lisboa.

(iii) Frequentou os preparatórios militares na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa;

(iv) Foi admitido ao Curso de Infantaria da Escola do Exército que terminou em 1939, como primeiro classificado;

(v) Concluiu o Curso de Estado-Maior com a classificação de Distinto em 1951;

(vi) 17 anos mais tarde, após a frequência do Curso de Altos Comandos, no qual teve a classificação de Muito Apto, é promovido a Brigadeiro;

(vii) Em 1972 é General.

(viii) Em 21 de Setembro de 1973 tomou posse como Novo Governador e Comandante-Chefe do CTIG, nomeado em substituição do carismático General Spínola (que cessara funções a 6 de Agosto).

(ix) Foi preso, no 26 de Abril de 1974, na Amura, pelos seus subordinados que faziam parte do MFA:

"(...) no dia 26 de Abril, onze oficiais dirigiram-se ao Gabinete do General Comandante e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa. Foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático. Com o General vieram também alguns oficiais que se lhe solidarizaram, nomeadamente o Brigadeiro Leitão Marques que o MFA julgava poder contar para o substituir".

Eis a lista dos oficiais revoltosos: Ten Cor Mateus da Silva, Eng Trms; Ten Cor Maia e Costa, Eng; Maj Folques, Cmd; Maj Mensurado, Pára; Cap Simões da Silva, Art; Cap Sales Golias, Eng Trms; Cap Matos Gomes, Cmd; Cap Batista da Silva, Cmd; Cap Saiegh, Cmd (Africano), Cap Ten Pessoa Brandão, Armada; Cap mil José Manuel Barroso.


Sobre este episódio escreveu Pezarat Correia:

(...) "Começo por dizer que tenho consideração pelo general Bettencourt Rodrigues, apesar do abismo ideológico que nos separa. Espero ainda escrever a explicar porquê. Evidentemente que teria gostado que ele, em 25 de Abril de 1974, tivesse aderido, mesmo que não ao MFA, pelo menos à JSN. Mas, como diz o Matos Gomes no comentário anterior, não lhe era possível, porque a rede política do Estado Novo o tinha apanhado. Mas tenho a certeza, até porque já falei sobre isto com muitos camaradas do MFA da Guiné, que a dignidade com que o Golias aqui se lhe refere, está na linha da dignidade com que o trataram na Guiné" Comentário por Pezarat Correia em 2007-10-18 10:12:04. Blogue Avenida da Liberdade

(x) Por despacho da Junta de Salvação Nacional, passou à situação de Reserva em 14 de Maio de 1974.

(xi) Outras das suas principais missões e colocações: Professor e Director dos Cursos de Estado-Maior; Chefe de Estado -Maior do Quartel-General da Região Militar de Angola; Comandante da Zona Militar Leste de Angola... Foi também Comandante do Regimento de Artilharia 1.

(xii) Exerceu, ainda, as funções de Adido Militar e Aeronáutico junto da Embaixada de Portugal em Londres e de Ministro do Exército (1968/1970). Foi nomeado para o Centro de Comando e Estado-Maior do Exército Americano, no Com-mand and General Staff College Fort Leavenworth, Kansas (1953).

(xiii) Condecorações: Medalha de Ouro de Valor Militar com palma; Medalha de Ouro de Serviços Distintos com palma e Grã-Cruz da Medalha de Mérito Militar.

(xiv) É co-autor, juntamente com os generais J. da Luz Cunha, Kaúlza de Arriaga e Silvino Silvério Marques, do livro de depoimentos África, Vitória Traída (Intervenção, 1977).

Vd. Também o sítio Guerra Colonial > Protagonistas > Bettencourt Rodrigues

(***) Vd. 25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5075: Não-Estórias de Guerra (1): O Furriel Enfermeiro de Quebo (Manuel Amaro)

1. Mensagem de Manuel Amaro *, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 que esteve em Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala nos anos de 1969 a 1971, com data de 26 de Setembro de 2009:

Caros Editores,
Há muito, muito tempo que não colaboro activamente no blogue.
Este regresso de férias permitiu-me descobrir umas coisas congeladas, que vou enviar, assim, aos bocadinhos.
Hoje é esta não-estória.

Com um pedido de desculpas pelo incómodo.
Um Abraço
Manuel Amaro


2. Uma não-estória de guerra > O Furriel Enfermeiro de Quebo
por Manuel Amaro

Eu delicio-me a ler e ver estórias de guerra. Em livros, em filmes e, mais recentemente, aqui no blogue.

Mas eu não tenho estórias de guerra para contar porque, apesar de ter estado em zona de guerra, de 28 de Outubro de 1969 a 6 de Setembro de 1971, durante todo esse tempo nunca disparei um único tiro. Logo, não fiz a guerra.

Mas eu gosto de participar. Então, decidi contar a minha não-estória de guerra, na Guiné-Bissau.

Quando cheguei a Aldeia Formosa (Quebo) no final de 1969, aquilo era assim quase um paraíso.

Tínhamos feito um mês de estágio em Nhacra (englobando Safim, João Landim, Cumeré e Dugal). Aqui no Dugal, o Pelotão do Alferes Caçador ainda foi presenteado com uma rocketada que levantou as chapas da cobertura.

A viagem em LDG, via Bolama, até Buba, foi desagradável. A coluna Buba/Aldeia de uma qualidade indescritível.

Mas em Aldeia Formosa não havia guerra. Diziam os mais velhos que isso se devia à acção de alguns Comandantes que por lá passaram, nomeadamente o major Azeredo e o major Fabião. E também devido à existência do Cherno Rachid Djaló. Mas… como não há bem que sempre dure…

Entre 20 de Março e 30 de Abril de 1970, Aldeia Formosa foi duramente castigada pelo inimigo. Tanto com emboscadas no mato, de que resultaram três mortos, como ataques ao quartel.

Os ataques do PAIGC a Aldeia Formosa incomodaram tanto o General Spínola que este tomou a decisão de substituir o Comandante do BCAÇ 2892, nomeando para o cargo, o Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira.

O novo Comandante, mal tomou posse reuniu com o 2.º Comandante, o Oficial de Operações, Comandantes de Companhia, Oficiais e Sargentos. Falou muito e ouviu pouco. De seguida, sentou-se naquela mesa enorme, na Sala de Operações, e, olhando para os mapas, questionava o oficial de operações:
- A CART 2521 tem o pessoal todo operacional?
- Sim, tem, meu Comandante.
- E a CCAÇ 2615 tem o pessoal todo operacional?
- Sim, tem, meu Comandante - repetiu o Major... Mas hesitou e corrigiu…
- Bem, quer dizer… o Furriel Enfermeiro está destacado no Posto Escolar.

O Comandante deu um salto e gritou:
- É isso… não pode ser. O pessoal de saúde tem que estar integrado nas suas Unidades Operacionais. Esse Furriel cessa funções hoje. Amanhã já está integrado na Companhia. Nomeia-se outro Furriel, Amanuense ou de Transmissões, para a Escola.

O Tenente Lopes, que dava os últimos retoques no stencil da Ordem de Serviço, ainda conseguiu incluir o texto do Despacho, que foi publicado e distribuído, nesse dia, já noite dentro.

Esta foi a grande decisão do novo Comandante. E a decisão foi cumprida

No dia 6 de Maio de 1970, quando o Pelotão (aqui apetece-me chamar-lhe Grupo de Combate) saiu para a Operação de rotina, já integrava o Furriel Enfermeiro, de camuflado, carregando uma bolsa tradicional, mas de G3 a tiracolo. Esta cena teve assistência, mirones, assim uma coisa semelhante à apresentação do Cristiano Ronaldo, em Madrid…

Saliente-se que esta decisão e a sua imediata implementação, foi tão importante que, quando o Pelotão que fazia a segurança nocturna, no exterior do quartel, regressava a casa, já se cruzou com o gila, informador do PAIGC, que ia a caminho da fronteira, para transmitir a novidade.

Nino recebeu o mensageiro que chegou com ar cansado da viagem, mas feliz por cumprir tão importante missão informativa:
- O novo Comandante de Quebo já tomou uma decisão. O Furriel Enfermeiro que estava na Escola passou a operacional. A partir de hoje, cerca de 15% das operações na área de Quebo terão a sua participação.

Nino, que de início parecia tranquilo, começou a dar sinais de impaciência e algum nervosismo. Para disfarçar, começou por acariciar a sua kalash com a mão direita, mas a esquerda, mais difícil de controlar, começou a coçar a cabeça. Quando o Nino coçava a cabeça já se sabia que alguma coisa estava a correr muito mal.
- Isso é mau. E logo agora que tínhamos algum controlo na zona.

Nino pensou, pensou… mas não demorou mais de cinco minutos para ordenar aos seus adjuntos o que fazer de imediato:
- As armas pesadas cumprem o plano até esgotar as munições... O grupo do GB, até ordem em contrário, não faz as emboscadas previstas na zona de Quebo.

E a ordem foi cumprida. E a vida continuou. Até que uns dias depois, ainda em Maio, o gila aparece de novo e informa:
- Camarada Comandante Nino, o Furriel Enfermeiro deixou a zona operacional. Agora só faz colunas de reabastecimento Quebo/Buba/Quebo. É que os outros enfermeiros não gostam de fazer colunas e ele gosta de ir a Buba comer peixe grelhado e cumprimentar os amigos que tem em Buba e Nhala.

Nino pareceu não dar muita importância à informação, mas logo que o gila se afastou, ordenou, até ordem em contrário, a paragem da colocação de minas na estrada e/ou ataques às ditas colunas. E a ordem foi cumprida.

Mas a vida no teatro de guerra é muito agitada, mesmo para quem não faz a dita. Ainda decorria o mês de Junho e já o gila estava a solicitar nova audiência.
- Camarada Comandante Nino´, lembra-se do Furriel Enfermeiro de Buba, que foi ferido e não foi substituído? Está no Hospital em Lisboa, com uns centímetros de intestino a menos…

Nino não entendeu a razão desta conversa, mas replicou:
- Em Buba os colonialistas têm um médico.
- Pois - concordou o gila -, mas o médico vai de férias a Portugal. O Camarada Nino imagina quem vai substituir o médico durante esse tempo?... O Furriel Enfermeiro do Quebo.

Nino soltou um palavrão. (Que eu não repito, porque eu não escrevo palavrões, mesmo quando são ditos por outros). E depois ordenou:
- Até ordem em contrário, o Grupo do MS não executa ataques na zona de Buba.

E a ordem foi cumprida.... Em Outubro lá estava de novo o gila informador, o que era um incómodo para Nino, porque estas informações eram pagas, mas ao mesmo tempo eram informações válidas e sempre credíveis, portanto úteis, para a operação do PAIGC.
- Então que notícias temos de Quebo? - perguntou Nino.
- Coisa grande, Camarada. A Companhia de Nhala vai para Quebo e a de Quebo vai para Nhala.

Nino não entendeu a razão da importância desta informação e argumentou:
- Mas isso é uma simples troca, não altera nada.
- Altera, sim, camarada Comandante. É que o Furriel Enfermeiro, agora, vai ficar em Nhala, até ao fim da comissão, em Setembro do ano que vem. – sentenciou o gila.

Nino, que até ali estivera de pé, durante toda a conversa, sentou-se, baixou a cabeça, colocou-a entre as mãos e, em vez do tradicional palavrão, disse baixinho:
- … Dasse… dasse… dasse…

Passados uns minutos levantou-se, passou as mãos pelo rosto, alisou o cabelo e ordenou a todos os seus comandantes:
- Até Setembro de 1971, não haverá qualquer acção contra os militares colonialistas instalados em Nhala, incluindo o quartel, a estrada e os carreiros.

E a ordem foi cumprida.... Em Setembro de 1971, o Furriel Enfermeiro do Quebo e Nhala regressou à Metrópole. O gila emigrou e é estivador no porto de Marselha. O Nino… bem, sobre o Nino toda a gente sabe tudo.

A maior parte dos protagonistas desta não-estória já faleceram e não poderão confirmar o que aqui está escrito. Mas o nosso Camarada José Martins, recorrendo a todas as suas fontes de informação, poderá confirmar que todas as ordens de Nino, aqui referidas, foram cumpridas.

A bem de uma situação de guerra, que se queria de paz.

Um Abraço
Manuel Amaro
CCAÇ 2615


2. Comentário de CV:

E assim, com esta fantástica não-estória de guerra do nosso camarada Manuel Amaro, a quem aproveito para pedir desculpa pelo tempo que demorei a publicá-la, demos início a uma série que pode servir para guardar as vossas ficções ou histórias verdadeiras, mas colaterais a acções de guerra propriamente dito.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4840: Parabéns a você (20): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 (Os Editores)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3648: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (18): Guileje ainda é cedo, Saiegh 18/12/78: foi há trinta anos...


MEMÓRIAS ou PENSAR em VOZ ALTA


Torcato Mendonça



1 - Não sei ao certo se “Penso em Voz Alta” ou o faça só para mim.

Pensar só para mim foi um recalcamento de anos. Um esconder, um calar uma parte do meu passado, tão curto e tão intensamente vivido.
Uma Memória, uma velha, cada vez a ficar mais velha recordação da passagem pela guerra da Guiné.
E porquê? Para quê tentar esconder ou recalcar essa memória que, em nada envergonha essa parte, enquanto jovem, do meu passado. Pelo contrário.
Por isso:

Hoje, pela manhã abri o Blogue e li ao rolar do rato. Apareceu Peniche e o “Cerro do Cão”. Parei a pensar um pouco, somente um pouco. Afazeres e compromissos vários, obrigaram-me a sair. Não me impediram de pensar.

Agora, com a noite fria a bater lá fora gelando esta Cova entre serras, recolhi ao lar e reli o texto. Mais calmamente e, curiosamente ou nem por isso, identifico-me com que lá foi escrito.
Senti essa maneira de pensar e recordar o passado, certo passado comum a tantos homens. Não só no apelo á memória e a torná-la presente, mas também o encontro com velhos companheiros ou camaradas, daquela parte comum de vida. Depois conviver novamente em recordação desse passado e, aos poucos, sentir a alegria do encontro, do convívio.
Só que há um custo: Há sempre um custo. A este chama-se despedida, afastamento e até para o ano ou para a próxima, que se quer logo ali.
Mas vale a pena. Não sou muito assíduo destes encontros. A minha vida corrida …! Prefiro contudo justificar, até porque o sinto com a frase ”Dói-nos muito comparar o que somos e o que fazemos com o que fomos e o que fizemos”…

2 – Parece que não, talvez seja pensar pelo absurdo, para mim claro, mas podemos entroncar o que atrás foi dito com a sondagem sobre o abandono de Guileje.


Quando a vi, á esquerda da página do Blogue disse para mim:
- É prematura. Devia esperar-se um pouco mais. Possivelmente não terei razão. Possivelmente há pessoas com ideias já formadas. Possivelmente há…só que a mim ainda me faltam documentos de análise. O livro pode ser uma ajuda.

Quando foi público o telefone do Coronel Coutinho e Lima entrei em contacto com ele. Falei com a esposa e posteriormente o Coronel ligou-me. Depois da apresentação enviava-me o livro. Espero por isso. Preciso de o ler. Necessito conhecer, a versão de quem decidiu abandonar um aquartelamento.

Sempre me questionei sobre tão melindrosa tomada de decisão. Não tenho opinião formada. Fui treinado para vencer. A divisa do Capitão Comando Zacarias Saiegh, assassinado em 18 de Dezembro de 1978, era “Matar ou Morrer”.
Pode haver quem não apoie ou concorde. Pode haver quem concorde. Pode haver…na guerra elimina-se o inimigo, abate-se…e não se mata.
Só que fomos treinados para morrer se necessário, para cumprir e fazer cumprir ordens.
Só que dar ordens não é fácil. Em jogo estão a vida de homens. O erro, a ordem indevida pode provocar a morte de quem comandamos. E o inverso?

Fui um simples oficial subalterno, um soldado, do Senhor Marechal António de Spínola, Brigadeiro e depois General enquanto estive na Guiné. Respeitei-o e respeito a sua memória. Por ora é suficiente.
Conheço o Senhor Coronel Alexandre Coutinho e Lima. Respeito-o. Nada mais adianto. Não tenho o direito, legitimidade e os conhecimentos para opinar. Qualquer juízo será pessoal e só a ele o diria. Vou ler o livro.
Acrescentar algo mais é dispensável. Seria pretensioso de minha parte.

3 – Parei aqui, jantei e passado tempo voltei ao blogue.

Espanto meu Os Guias. Falavam deles, de guias que no meu tempo foram (os que me guiaram) amigos, camaradas. Outros, antigos combatentes do PAIGC, depois das missões eram entregues a quem de direito…agora leio, releio e…foi aqui escrito que eram abatidos alguns…Aguiar (não da Beira – de malvadez)?! Quando, onde e porquê trazer isso á colação?
Porquê?
Lembrei-me do tal “Sítio de Afectos”, do tal lugar, sitio, site ou o que lhe queiram chamar, onde, velhos combatentes, escrevem, desabafam, contam estórias dentro de regras (X dez) definidas. Divergem, convergem – convivem.
De quando em vez um pequeno desvio. Lógico, normal e, até, salutar. Não mais que um desvio, um pequeno desvio…Aguiar, ainda por cima pior que isso…Aguiar só da Beira (vou ver o mapa), fiquei, geograficamente, confuso.

4 – Ainda o Cherno Rachide.

É uma figura incontornável da Guiné.
O Poder dele, talvez, quem sabe, era tal que os 82, os 122 e eteceteras se desviavam de Quebo e quedavam-se por outro lado…quem sabe? Quem sabe…malhas que o Império teceu…

5 – De facto sinto a “velhice”.

Mas o Apocalipse Now, A Dança das Valquírias, a loucura…ficam…marcam-me, dizem-me que o soldado Português, com Viras e Fados, era melhor combatente.
Lá, cá, na solidão, na alegria ou tristeza, gosto de música clássica em alto som. Precisava dela agora. Fico-me pelo “ Oceano Pacifico “ na R.F.M.
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Notas de vb:

1. Torcato Mendonça, ex-Alf Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69

2. Último artigo da série em