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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15259: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (12): Eunice Borges é a única voz feminina desta antologia

1. Elemento gráfico da capa da brochura Caderno de Poesias "Poilão", edição limitada a cerca de 700 exemplares, policopiados, distribuídos em fevereiro de 1974, em Bissau. 

A obra é editada em dezembro de 1973, por iniciativa do Grupo Desportivo e Cultural (GDC) dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (A história do GDC dos Empregados do BNU remonta à I República: foi criado em 1924).

Considerada a primeira antologia da poesia guineense, esta edição deve muito à carolice, ao entusiasmo, à dedicação e à sensibilidade sococultural de dois homens:

(i) o Aguinaldo de Almeida, caboverdiano, funcionário do BNU, infelizmente já falecido; era o
coordenador da secção cultural do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU - Banco Nacional Ultramarino, Bissau;

e (ii) o nosso camarada Albano Mendes de Matos (hoje ten cor art ref; tenente art, GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74; "último soldado do império", é natural de Castelo Branco, e vive no Fundão;é poeta, romancista e antropólogo) [, foto à direita, em Bissau, em 1972/73].



2. Eunice Reis Borges ou Eunice Borges é a única voz feminina presente  nesta antologia (*), com o poema "Saí sem rumo" (pp. 24-25). Caboverdiana de nascimento, era na altura funcionária do Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria (SNECI), em Bissau.  Três poemas seus, "Mulher da minha terra" (**),  "O nosso soldado" e "Manta da minha mãe" figuram na Antologia poética da Guiné-Bissau / União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. - Lisboa : Editorial Inquérito, 1990,  pp. 259-261

EUNICE REIS BORGES
Natural de Cabo Verde
Funcionária do S.N.E.C.I.


SAÍ SEM RUMO

Saí sem rumo e nesse vaguear
Eu vi o mar e perguntei-lhe:
Que anseio guardas no peito
Que contra as rochas te atiras com furor?
Que mágoa te consome, que mansamente
Beijas a areía em noites de luar?
O mar respondeu-me:
-Amor !

Ó vento,  que sacodes as árvores com loucura
E na tua fúria pões tudo numa roda-viva
E às vezes és brisa meiga
Que afaga as flores com carinho,
Que mistério te faz assim?
- É o Amor!,
Disse-me o vento.

Ó Lua serena que no firmamento
Te escondes no meio das nuvens buliçosas
E o teu brilho se espalha em noites silenciosas,
Que indiscreta espreitas os beijos dos namorados,
A que deves tanta beleza?
E o Amor me diz:
- A Lua!

Então, sinto no meu peito
Um pulsar descompassado,
Um anseio,
Um tremor,
E todo o meu ser depois se acalma
E sinto que afinal
0 que em mim se estremece
É o Amor!
Porque, eu mesma, do Amor nasci!


In: Caderno de Poesias "Poilão". Bissau: Grupo Desportivo e Cultural (GDC) dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, 1974, pp. 24-25.
_____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13997: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (11): Ah! Como sinto / Uma nostalgia imensa, / Quando me lembro / Do velho cais do Pigiguiti... (Manuel Ribeiro, natural de Cabo Verde, funcionário bancário)

(**) Vd. poste de 8 de março de  2006 > Guiné 63/74 - P598: Dia Internacional da Mulher (3): Referências e experiências vividas com as mulheres (ou bajudas) da Guiné durante a guerra (Mário Dias) e Mulher da Minha Terra, poema de Eunice Borges (Conceição Salgado)

(...) MULHER DA MINHA TERRA [, por Eunice Borges] [,seleção de Conceição Salgado]

Mulher da minha terra,
Mulher sofredora,
Mulher escrava,
Que só conhece deveres,
Vem!
Vem que já brilha
Para ti uma nova luz!
Vem de fronte erguida
E grita bem alto
Que ser mulher não é desdouro!
Vem!
Ser mulher não é ser fraca,
Ser mulher não é
Obedecer sem perceber,
Seguir sem conhecer o caminho,
Dar, sem receber
Não! Mulher da minha terra!
Vem!
Vem conhecer o teu valor
De ser mulher,
Deixa a ignorância
E vem aprender a ser mulher!
Vem!
Não precisas de adornos fúteis
Para seres bela
Mesmo coberta de farrapos.
Vem dar o teu contributo,
A tua palavra,
Até mesmo o teu olhar
Tem o seu valor como mulher!
Vem!
Mulher-criança!
Mulher-jovem
Mulher-mãe
Mulher velhinha,
Todas hoje unidas
No mesmo amor,
Vem glorificar
A Natureza que te fez
Mulher.

Eunice Borges
(nascida em Cabo Verde, descende das mais antigas famílias do arquipélago dos Bijagós)

Fonte: Antologia Poética da Guiné-Bissau (Lisboa: Editorial Inquérito, 1990)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14010: (In)citações (72): "Vem ver o que custou a liberdade", um colóquio/debate "A resistência na guerra colonial", levado a efeito no passado dia 6 de Dezembro em Á-dos-Loucos (Hélder Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 8 de Dezembro de 2014:

Caros amigos Editores

Em anexo envio um texto, em jeito de reportagem, que fiz sobre um evento a que assisti e participei no passado sábado. Foi interessante, na medida em que foi possível falar de aspectos menos comuns da nossa participação nos 'teatros de operações'.

No caso em questão falou-se essencialmente das experiências do pessoal da CCav 2721, já que os elementos convidados a relatar as suas impressões sobre como foi possível 'resistir' ao pensamento dominante eram dessa Unidade.

Abraços
Hélder Sousa




Caros camaradas

O que hoje trago à vossa consideração é sobre um aspecto pouco abordado aqui no Blogue mas que, no entanto, se bem observado, acaba por ter muitos pontos de contacto com as diferentes realidades que muitos de nós vivemos.

Trata-se de se tentar perceber como evoluíram as consciências, melhor dizendo, como foi evoluindo a consciencialização de cada um relativamente à realidade que foi encontrar e vivenciar nos 'teatros de guerra' e como isso acabou também por não só mudar as suas atitudes individuais como igualmente influenciou colectivamente a nossa sociedade de então. Uma e outra gota de água vão-se juntando a outras, formando riachos, ribeiros, rios e chegando ao mar!

Sobre esta temática foi levado a cabo no passado sábado dia 6 de Dezembro em À-dos-Loucos, próximo de Alhandra, um "Colóquio/Debate" com o sugestivo título de "Vem saber o que custou a Liberdade" que ocorreu nas instalações da União Desportiva e Columbófila de À-dos-Loucos, impulsionado pela URAP (União dos Resistentes Anti-fascistas Portugueses) e integrando as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril.

Para o efeito foi dado conhecimento da experiência e seus testemunhos que vários elementos da CCav 2721 puderam facultar.


Mesa da Presidência: da esquerda para a direita temos o Presidente da Junta da União de Freguesias, Mário Tomé, Bento Luís, Paulo Salgado e Mário Branco


Um aspecto da assistência


Conforme o programa, intervieram o antigo Comandante dessa CCav 2721, Major Mário Tomé, o 2.º Comandante Alferes Paulo Salgado [, membro da nossa Tabanca Grande], o Furriel Mário Branco e o Furriel Bento Luís, que foi o impulsionador e organizador do evento. José Manuel Graça, hoje Coronel reformado e então Comandante do Terceiro Grupo de Combate, foi impedido de comparecer a contas com uma arreliadora dor (ciática?). (Em anexo segue foto da mesa do Colóquio, em que da esquerda para a direita temos o Presidente da Junta da União de Freguesias, Mário Tomé, Bento Luís, Paulo Salgado e Mário Branco).

Das diferentes intervenções e testemunhos ressaltou aquilo que já se sabia, em larga medida. Que a maioria dos militares tinha pouco ou nenhum conhecimento da realidade que foram encontrar. Alguns rapidamente se aperceberam de como Portugal não era tão 'pluricontinental e plurirracial' como lhes diziam. Também rapidamente se questionaram sobre o que afinal (não) se tinha feito em 500 anos de possessão daquele território e daquelas gentes, em que nem sequer a língua era comum.

Do meu ponto de vista, o mais importante do que foi dito foi que se as posturas dos graduados foram importantes para as ‘tomadas de consciência’ das militares, na medida em que potenciaram e promoveram várias práticas que a isso ajudaram, como por exemplo a feitura de um Jornal a que deram o nome de “Tabanca” com textos que suscitaram o interesse dos soldados, com a realização de reuniões de tipo ‘plenário’ onde se discutiam todo o tipo de assuntos e que chegaram a incluir leitura de poesia, a verdade é que a ‘tomada de consciência’ foi sempre um acto individual e tanto mais consistente quanto mais profunda e própria foi essa evolução.

A assistência, que se revelou interessada e interveniente, rondando as três dezenas, colocou várias questões e procurando perceber se a ‘resistência’ que se acabava por produzir em pleno teatro de guerra se era ‘passiva’ ou ‘activa’.

Foram esclarecidos que não há que iludir, estava-se em actos de guerra, era necessário defender a pele e isso implicava disparar. Fazê-lo por gosto ou ‘convicção patriótica’ era outra coisa. Mário Tomé revelou que embora pontualmente questionasse uma ou outra situação antes dessa comissão na Guiné.  foi de facto lá, no Olossato, que ‘chocou com a realidade’ e que percebeu a necessidade de ‘contribuir para a mudança’, ‘resistindo’ à ordem vigente. Paulo Salgado e Bento Luís também deixaram os seus testemunhos, os seus percursos de vida e de como a vivência e convivência com aqueles homens da CCav 2721 também foi importante para as suas vidas.

À questão de se saber o que foi ou não ‘activo’ ou ‘passivo’ foi dada resposta essencialmente pela intervenção do ex-1.º Cabo Moura Marques (também presente) esclarecendo que tudo o que contrariava a ‘normalidade’ institucional era ‘resistência’ e, no seu entendimento, bem ‘activa’. Até a simples denominação do seu grupo de combate como “Os filhos da puta” revelava o estado de espírito que grassava entre os soldados.

Foi recordado também que num determinado momento em que houve um surto de cólera nos países vizinhos e se procedeu a uma campanha de vacinação massiva, a militares e população, a rádio tinha um slogan destinado a fazer passar uma mensagem de confiança e tranquilidade dizendo, “Mantenham a calma que ainda não há cólera na Guiné”, o qual foi rapidamente transformado em “Mantenham a cólera que ainda não há calma na Guiné”, representando isso uma atitude muito mais de desafio à ordem do que uma simples gracinha!

Em jeito de conclusão posso dizer que foi bem entendido que mesmo em condições muito adversas é possível desenvolver-se espírito crítico e estender essa atitude a muito mais pessoas. Daí a perceber-se que no momento actual é necessário e urgente insistir na atitude de resistência ao que nos atropela no presente e compromete o futuro, foi uma conclusão natural.

Gostei muito de ‘ver ao vivo’ o nosso ‘tabanqueiro’ Paulo Salgado que veio de perto do Porto para ver os seus antigos “amigos, companheiros e camaradas”, conforme explicou, acompanhado pela nossa também ‘tabanqueira’ Maria da Conceição. Momentos bem passados e de grande elevação.

Abraços
Hélder Sousa

PS - Fui convidado particularmente para este Colóquio porque sou amigo desde o primeiro dia da EICVFXira do Bento Luís.

Quando a CCav 2721 deixou o Olossato e veio para ‘descansar’ para Nhacra (foi tal o descanso que ainda não estavam a sair das viaturas que os transportaram e já estavam a ser alvo de ataque), fui lá visitá-lo duas ou três vezes, de moto, indo de Bissau com outro Furriel, o Fernando Roque, que igualmente foi convidado pelo Bento a estar presente no Colóquio.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13822: (In)citações (71): Djarama (obrigado) a este "santástico" blogue por nos proporcionar um espaço de diálogo e de (re)encontro entre o passado, o presente e o futuro (Djuli Sal, neto do Cherno Rachide Djaló)

quarta-feira, 8 de março de 2006

Guiné 63/74 - P598: Dia Internacional da Mulher (3): Referências e experiências vividas com as mulheres (ou bajudas) da Guiné durante a guerra (Mário Dias) e Mulher da Minha Terra, poema de Eunice Borges (Conceição Salgado)

1. Mensagem do Mário Dias

Caro Luis

Tenho andado a dar voltas à tola para satisfazer o teu pedido de referências e experiências vividas com as mulheres (ou bajudas) da Guiné durante a guerra. Sobre este assunto pouco tenho a dizer e julgo que, melhor do que eu, outros tertulianos o poderão fazer.

Se até 1961, antes da guerra, tive aventuras facilmente imagináveis, a partir dessa data, não sofri as privações que os nossos camaradas sofreram, nem me envolvi em românticas aventuras porque já era casado e tinha família constituída em Bissau.

No entanto, não deixo de prestar a minha homenagem às mães, esposas, companheiras e amigas, nossas e do inimigo, que connosco partilharam as agruras daqueles tempos. A história não poderá de forma alguma esquecê-las.

Continuando as minhas crónicas sobre o que era a vida na Guiné antes da guerra, para que todos os camaradas tertulianos sintam que o ambiente era semelhante ao que existe hoje, instalada a paz, envio mais um capítulo sobre Bissau. Conto fazer algo semelhante sobre Farim e Bafatá, por serem as terras onde habitei com carácter mais permanente. Isto, claro, se vires nisso algum interesse.

Um grande abraço para todos os tertulianos e para as mulheres a minha singela homenagem no dia que lhes é dedicado. E que não sejam esquecidas nos restantes 364 dias do ano.

Mário Dias

************

2. Mensagem de Conceição Salgado:

Caro Luís,

Segue um poema de homenagem à mulher, sem fundamnetalismos ou feminilismos
doentios. Homenagem a todas as mulheres seja qual for a latitude ou longitude. E uma foto da Mãe-África, como fundo, será que é possível?
Mantenhas

Bissau, 8 de Março de 2006

Conceição Salgado

Mãe-África (escultura)


MULHER DA MINHA TERRA

Mulher da minha terra,
Mulher sofredora,
Mulher escrava,
Que só conhece deveres,
Vem!
Vem que já brilha
Para ti uma nova luz!
Vem de fronte erguida
E grita bem alto
Que ser mulher não é desdouro!
Vem!
Ser mulher não é ser fraca,
Ser mulher não é
Obedecer sem perceber,
Seguir sem conhecer o caminho,
Dar, sem receber
Não! Mulher da minha terra!
Vem!
Vem conhecer o teu valor
De ser mulher,
Deixa a ignorância
E vem aprender a ser mulher!
Vem!
Não precisas de adornos fúteis
Para seres bela
Mesmo coberta de farrapos.
Vem dar o teu contributo,
A tua palavra,
Até mesmo o teu olhar
Tem o seu valor como mulher!
Vem!
Mulher-criança!
Mulher-jovem
Mulher-mãe
Mulher velhinha,
Todas hoje unidas
No mesmo amor,
Vem glorificar
A Natureza que te fez
Mulher.

Eunice Borges
(nascida em Cabo Verde, descende das mais antigas famílias do arquipélago dos Bijagós)

Fonte: Antologia Poética da Guiné-Bissau (Lisboa: Editorial Inquérito, 1990) (1)
_________

Nota de L.G.

(1) Vd Breve resenha sobre a literatura da Guiné-Bissau (Filomena Embaló, 2004)

terça-feira, 31 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P470: Falar do passado, compreender o presente, pensar no futuro (Conceição e Paulo Salgado)

Texto, a quatro mãos... da Conceição e do Paulo, embora venha escrito na primeira pessoa do singular. Ouso advinhar um recado dos nossos amigos, cooperantes em Bissau, para a nossa tertúlia: Falem do passado, analisem o presente, mas ajudem também os guineenses a ganhar a guerra do futuro... Todos queremos crer que a Guiné-Bissau tem futuro! LG

Guiné > Olossato > 1970 > O Alf Mil Cav Salgado com o soldado Suleimane... © Paulo Salgado (2006)

Guiné > Olossato > 1970 > O Paulo Salgado e o Suleimane enquanto jovens... Suleimane... © Paulo Salgado (2006)

Guiné-Bissau > Bissau > Hospital Nacional Simão Mendes > O Suleimane dias antes de morrer... a falar do seu irmão Salgado... © Paulo Salgado (2006)


Caro Luís,

(...) Tenho alguma relutância em abordar exclusivamente os tempos de tropa - alguns são episódios muito marcados pela experiência pessoal - pelo que, sempre que vou até ao Olossato, o faço como um fenómeno de análise e compreensão do presente, pensando no futuro (onde está o futuro, meu Caro?). Mas aceito, compreendo e acho legítimo que os camaradas o façam, é absolutamente desejável que o façam.

No dia 24 de Fevereiro [próximo] vem o Moura Marques (cabo do meu grupo de combate - um bom homem e um companheiro solidário que admiro muito) e, logo no dia 25, pretendemos (eu e a Conceição) ir ao Olossato e mostrar-lhe como as coisas são diferentes hoje; estou certo que ele se emocionará fortemente (isso me aconteceu quando visitei o Olossato vinte anos depois e fui reconhecido pelo meu irmão Suleiman - falecido em Julho... a falar de mim!).

Bolas, estou aqui a falar de uma coisa muito importante da minha vida: ele foi, de facto, um irmão...

Um abraço para todos.
Conceição e Paulo

segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P467: Recordando o Saltinho (Conceição Salgado)

Guiné > Saltinho > 1969> As férias do pessoal da CART 1613, enquanto aguardava, em Colibuia e Cumbijã, a indicação do seu teatro de operações... No foto vemos o acrobático e já famoso salto salto do sargento Neto...

© José Neto (2005)

Texto de Conceição Salgado, comentando a foto do Zé Neto:

Hoje são outras guerras: pelo desenvolvimento, pela melhoria da saúde...

Ja tomei banho no Satinho, com a outra bloguista, Paula Salgado (agora em Londres), mas sem dar aqueles saltos. Saltos mais tranquilos, agora.

No lugar da tropa, de antanho, está lá um clube de caça, onde se come bem e onde se repousa o olhar sobre a bacia do rio...e se vêem os jovens a tomar banho e as raparigas a lavar a roupa, etc.
Um abraço da Conceição Salgado

Guiné-Bissau > Saltinho > 2004 > A Paula Salgada, nossa querida tertuliana, filha do Paulo e da Conceição Salgado.
© Conceição Salgado (2006)

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > Uma antiga messe de oficiais do nosso tempo deu origem à actual Pousada do Saltinho, também conhecida por Clube de Turismo, Caça e Pesca. Foto nocturna.
© José Teixeira (2005)

Guiné 63/74 - P466: A Guiné para os bloguistas - II Parte (Conceição Salgado)

Guiné-Bissau > Bissau > 2006 > Um mercado de rua: a falta de condições sanitárias na capital (com cercda de 400 mil habitantes) é altamente preocupante... Por outro lado, há dezenas de milhares de pessoas sem qualquer ocupação ou fonte de rendimento.

Fonte: © Conceição Salgado (2006)

Segunda e última parte do pequeno estudo da Dra. Conceição Salgado, economista, cooperante em Bissau na área da saúde, e membro da nossa tertúlia:


Caracterização Socio-Económica da República da Guiné-Bissau(continuação)

O sistema económico-social guineense assenta ainda numa Administração Pública deficientemente organizada e numa Administração Financeira do Estado quase inexistente (quase limitada à cobrança de impostos aduaneiros).

Em relação à Administração Pública, os seus traços definidores apresentam o seguinte quadro:

(i) o elevado número de ministérios, secretarias de estado, comissões, etc.;

(ii) a personalização do poder;

(iii) a discrepância entre a lei e a execução;

(iv) qualificações insuficientes dos funcionários públicos, mesmo ao mais alto nível;

(v) a falta de disciplina financeira;

(vi) a desarticulação e falta de coordenação dos projectos quer de nível social quer de nível económico (Dias, J. R., 1996).

Coexiste na Guiné-Bissau uma dúplice autoridade administrativa: (i) a tradicional, sedeada na tabanca, à frente da qual se encontra o régulo, (ii) e a moderna, que representa o Estado, através do Comité de Estado – donde decorre um conflito de hierarquia sobretudo na área da implementação de taxas e impostos.

Do ponto de vista social, apesar da inexistência de estatísticas fiáveis, são conhecidas bolsas significativas de mal nutrição, mesmo de desnutrição, principalmente na capital. Há dezenas de milhares de pessoas que não trabalham e que vivem à custa dos magros proventos auferidos por algum familiar – a distribuição dos rendimentos diminutos tem que repartir-se por muitos.

As habitações e os quintais, sobretudo na capital, encontram-se degradados, especialmente no que toca às condições higiénicas de dormida, de preparação dos alimentos, de recolha de água potável e de dejecção.

Guiné-Bissau > Bissau > 2000 > Aspecto geral do Hospital Nacioanl Simão Mendes
Fonte: © Albano Costa (2006)

Calcula-se que residem em cada habitação, na capital, em média doze pessoas (algumas situações revelam quinze e muito mais) o que comporta riscos acrescidos: degradação da sanidade do convívio familiar, dificuldades na provisão de alimentos e riscos de saúde.

Quanto ao sistema de saúde, a Guiné-Bissau apresenta um elevado estado de degradação, sofrendo de falta infra-estruturas, inexistência de manutenção curativa e preventiva dos equipamentos (tanto nos hospitais regionais e no próprio hospital de referência nacional - o Hospital Simão Mendes quanto nos centros de saúde), impreparação insuficiente de recursos humanos, recursos financeiros insuficientes, disponibilidade muito irregular de medicamentos e bens de consumo para utilização quotidiana, equipamentos de apoio clínico muito degradados ou inexistentes.

A interligação entre os cuidados primários e hospitalares é feita de forma incoerente e a política de descentralização de esforços e recursos, proclamada pelos governantes, não tem sido executada.

Além disso, a Administração da Saúde (normas, procedimentos, aquisições, financiamento, realização de despesas, investimento, etc.) é muito centralizada e apresenta um cariz burocrático e autoritário, o que limita as iniciativas e criatividade locais.

Guiné-Bissau > Bissau > 2006 > Hospital Nacional Simão Mendes > Aspecto da maternidade. (Foto tirada com a devida autorização da administração)

Fonte: © Conceição Salgado (2006)

Quanto aos recursos humanos, verificou-se mesmo uma fuga de quadros provocada pelo evento militar de 1998, não obstante o esforço meritório de alguns que regressaram ao seu país. A nível da saúde, por exemplo, a situação foi agravada em consequência do decréscimo de Recursos Humanos de 1997 para 2000 (Abril):

© Conceição Salgado (2006)

Para melhor ilustrar a situação económico-social da Guiné-Bissau, podemos recorrer ao Indicador de Desenvolvimento Humano (6):

© Conceição Salgado (2006)


Fonte: Rapport Mondial sur le Développement Humain 2003

© Conceição Salgado (2006)

Os indicadores de desenvolvimento humano (definidos pelo Rapport Mondial Sur le Développement Humain 2003), revelam-nos um país com extrema pobreza.

Este quadro relativo ao nível de desenvolvimento é completado pelos seguintes indicadores de saúde:

a) Infant mortality rate [ Taxa de mortalidade infantil] – 139/1000 (WHO African Region – 91; WHO European Region – 21)

b) Probability of dying under age 5 [ Risco de morrer antes dos 5 anos de idade] – 203/1000 (WHO African Region – 163; WHO European Region – 26)

c) Probability of dying between age 5 and 59 [ Risco de morrer entre os 5 e os 59 anos de idade] – 318 (WHO African Region – 316; WHO European Region – 156)

d) Maternal mortality ratio [ Taxa de mortalidade materna] – 910/100.000 (WHO African Region – 940/100.000; WHO European Region – 59); from World Bank Report of July, Bissao: 1200/100.000 in Hospital of Bissao.

e) Health expenditure per capita [ Despesas com a saúde per capita] – 54 USD. World ranking [ Ranking a nível mundial] - 156 em 190 países)

f) Health expenditure (% of GDP) [ Despesas com a saúde em % do PIB ] – 1.1 (WHO African Region – 1.7; WHO European – 5.2

g) Distribution of health in the population – index of equality of child survival [Distribuição de saúde na população - índice de igualdade de sobrevivência nas crianças – 0,510 (Ranking mundial: 177 em 190 países)

h) Children immunized against measles (1997) [ Crianças vacinadas contra o sarampo, 1997] – 51%.
______

Notas da autora:

(6) IDH: é um instrumento de medida simples, que sintetiza três dimensões do conceito de desenvolvimento humano: (i) a capacidade de viver longo tempo e com saúde, (ii) o acesso à educação e (iii) aceder a um nível de vida decente. Combina a esperança de vida, a taxa de escolarização e o rendimento.

(7) Número de alunos inscritos num ciclo de ensino expresso em percentagem da população de indivíduos oficialmente em idade de frequentar esse ciclo.

(8) Paridade de Poder de Compra.

(9) Mede o nível esperado para o país em termos de esperança de vida.

(10) Mede o nível esperado para o país em termos de alfabetização dos adultos e de ensino (taxa bruta de escolaridade combinada no primário, secundário e superior).

(11) É calculado com base no PIB por habitante corrigido (em PPA).

(12) Estatística calculada pela subtracção da taxa de probabilidade de um dado grupo de indivíduos sobreviver até à idade que representa o índice 100.

sábado, 28 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P464: A Guiné para os bloguistas - I Parte (Conceição Salgado)


Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Rio Undunduma > 1970 >

Uma produção pecuária dependente da prática da transumância... Ontem como hoje.
Mas actualmente enfenta crescentes problemas devido às divergências ao conflito entre entre as leis fundiárias tradicionais e os constrangimentos da poder político de Estado.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)

Caracterização Socio-Económica da República da Guiné-Bissau

Texto da Dra. Conceição Salgado, economista e cooperante, membro da nossa tertúlia

A sociedade guineense é constituída por cerca de 1,2 milhões de pessoas (1999) distribuída por cerca de trinta etnias diferentes, as quais têm sabido manter uma louvável relação especial de coabitação, que, de acordo com a lição de Amílcar Cabral, e os princípios que nortearam a luta armada, souberam desenvolver, “aglutinando homens e ideias cimentadas na e pela prática, pois nunca um movimento de libertação em África conseguiu unir tantas etnias numa mesma luta, eliminando, [então] clivagens regionais ou tribais” (Lopes, C., 1982), ainda que continuem a existir os designados “chãos” (1).

A população urbana constitui 24,5 % (PNUD, 2001).

Guiné-Bissau: Um dos países mais pobres do mundo, com um rendimento nacional bruto por habitante de 160 dólares (em 2001)
Fonte: © Conceição Salgado (2006)

Bissau, a capital, tem hoje uma população estimada em cerca de 400.000 habitantes, grande parte proveniente do interior (um fenómeno que não resultou do evento militar de 1998), o que provoca situações de alto risco em termos de fome, de saúde, de habitação e de empregabilidade, de educação, de estrutura social, mesmo da destruição da diversidade étnica e cultural.

A República da Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo, de acordo com os relatórios da ONU. A organização económica da República da Guiné-Bissau apresenta as seguintes características gerais:

Guiné-Bissau: Um país cada vez mais pobre... O Produto Interno Bruto (PIB) passou de 256 milhões de dólares em 1991 para menos 199 milhões, em 2001
© Conceição Salgado (2006)
 
(i) economia de subsistência, repousando, essencialmente na agricultura e na pesca, essencialmente comunitária, pois os meios de produção (a terra e os instrumentos de trabalho) são propriedade comum da comunidade de base (a família), representando cerca de 60% do PIB;
(ii) formações pré-capitalistas;

(iii) separação de classes entre os camponeses, pequenos comerciantes e classe dirigente;

(iv) existência de relações mercantis internas em esferas limitadas;

(v) inexistência de comércio com o exterior, aspecto que nos reconduz ao colonialismo, o qual fez concentrar na minoria dirigente as transacções comerciais com o exterior (reduzindo-se a venda, quase exclusivamente, de caju e óleo de palma – monoculturas).

Guiné-Bissau: A degradação das terras de cultivo...
© Conceição Salgado (2006)

Crê-se que existe uma diminuição de cerca de 30% de terras incultas em relação aos meados da década de oitenta (principalmente as bolanhas) (2).

Na Guiné-Bissau coexistem, hoje, formas de produção tributárias (assentes na terra e distribuição comunitária); mercantis a nível interno ou pouco significativo com países vizinhos - actividade realizada pelos djilas (3) - e um reduzido comércio externo de carácter monopolista.

Na realidade, as grandes tarefas económicas ligadas à agricultura (lavoura da terra, colheita, transportes, trabalhos hidráulicos, etc.) são realizadas pelo trabalho comunitário que permanece fiel a valores ancestrais.
A economia de subsistência prima sobre a economia de mercado, mas existem traços mercantis a despontaram, ao longo das décadas de independência; algumas estruturas débeis, de cariz capitalista, ligadas ao frágil sector de exportação / importação, dominadas por uma diminuta minoria local e por vagos interesses exteriores.

Guiné-Bissau: A economia de substência prima pela economia de mercado...
© Conceição Salgado (2006)

As explorações agrícolas são de cariz familiar e concentradas junto das tabancas (4).


Guiné-Bissau: Predominância das explorações agrícolas de cariz familiar e comunitário
© Conceição Salgado (2006)

A agricultura é, ainda hoje, o sector mais importante na economia guineense, caracterizando-se por:

(i) uso intensivo da mão de obra;

(ii) escasso uso de meios tecnológicos;

(iii) diminuta utilização da tracção animal;

(iv) a rotação de culturas é prática comum, contribuindo para a degradação geral do meio ambiente;

(v) as principais culturas são: caju, arroz (até aos anos 60 a Guiné-Bissau exportava arroz), milho miúdo, sorgo, amendoim, mandioca e frutos tropicais.

Os recursos básicos são, por força do mercado, o caju (que ocupa cerca de 70% da população activa, sendo uma actividade sazonal), o amendoim, o óleo de palma, o coco, e as pescas, para além da exportação de madeiras.

Mas continua a ser mais fácil importar o arroz da China ou de outros países, uma vez que existem dois factores negativos que impedem a normal produção deste cereal:
(i) difíceis transportes internos para escoamento do arroz produzido na região sul do País;
(ii) interesses comerciais isolados.

© Conceição Salgado (2006) (5)

À fraca estrutura económica acresce uma baixa produtividade agrícola, um isolamento dos mercados internacionais, a fragilidade dos solos e a fraca produção alimentar não facilita a diversidade económica dos produtos primários para exportação. O comércio tradicional vem dando progressivamente lugar ao comércio por bruto, em especial do caju.

Nas zonas rurais, empobrecidas pelas migrações para a capital, as relações de tipo tributário são de longe as mais importantes; nas cidades, sobretudo Bissau, a macrocéfala capital, predomina o “modo de produção capitalista”.

As florestas, grande riqueza deste País, têm vindo a ser objecto de grandes intervenções negativas: intensos abates de árvores de alto porte e de grande valor natural e ecológico, e que, por um lado, servem para produzir carvão para consumo doméstico e, por outro, para exportação em favor de interesses comerciais, provocando a “savanização” da paisagem.

A produção pecuária depende basicamente da prática de transumância, «que enfrenta problemas crescentes devido às divergências entre as leis fundiárias tradicionais e as estatais» (Dias, J. R., 1996).

O subsolo não está especialmente analisado sob o ponto de vista das riquezas minerais, sendo conhecida a existência de bauxite e fosfatos, e ainda, ao que parece, de petróleo.

Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > O cajueiro vernelho 
© David J. Guimarães (2005) ... 

Ou a praga da cultura do caju... Segundo o José Carlos Mussà Biai (que é engenheiro florestal, mandinga do Xime, guineense e cidadão português, e membro da nossa tertúlia), as autoridades de Bissau têm estado nos últimos anos a incentivar a monocultura do caju. Os resultados podem vir a ser catastróficos para a população: em troca do caju, os agricultores recebem arroz, em quantidades que lhe dão para o ano todo. Desincentiva-se assim a cultura do arroz, que é importado e custa divisas. No ano em que houver um desastre na cultura do caju, vai haver fome... Além disso, "o cajueiro é como o eucalipto", destrói os solos... Em contrapartida, os povos do sul que cultivam o arroz não o conseguem escoar para Bissau por que não há uma rede viária e nem transportes em condições... Resultado: ficam os velhos e as crianças no interior, enquanto os mais novos vai engrossar o lumpen-proletariado de Bissau, hoje com um terço da população do país... (LG)

(Continua)
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Notas da autora:

(1) Chão: território predominantemente dominado por uma etnia, ao qual pode corresponder um Regulado
(2) Terras alagadiças de cultivo
(3) Djilas: pequenos comerciantes muçulmanos
(4) Tabanca – aldeia guineense
(5) Índice de produção > Ano base: 1989-91