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domingo, 17 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18094: Em busca de ... (285): Camaradas do meu pai, João Arindo Canha, que pertecenceu ao Pel Caç Nat 57, e esteve em Cutia, na região do Oio (Henrique Canha)


Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Região do Oio > Detalhe: posição relativa de Cutia no triângulo Bissorã- Mansabá- Mansoa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)



Guiné > Região do Oio > Cutia > Pel Caç Nat 57 (1971 / 74) > Destacamento de Cutia

Foto: © Jorge Picado (2013). Todos os direitos reservados [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


1. Mensagem do nosso leitor  Henrique Canha:

Data: 11 de dezembro de 2017 às 19:56

Assunto: Cutia, Guiné

Caríssimo Sr. Luís Graça,

O meu nome é Pedro Henrique Canha e estou a contactá-lo devido ao seu blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné". O meu pai, João Arlindo Canha, foi guerrilheiro no Ultramar, tendo pertencido ao Pelotão de Caçadores Nativos nº 57 em Cutia, Guiné.

Ao longo dos anos foi-me contando imensas histórias dos seus anos na guerra e dos seus camaradas. Agora, infelizmente, o seu estado de saúde não é o melhor e por isso iniciei uma busca de antigos irmãos de armas dele porque o meu pai sempre expressou um enorme desejo em voltar a falar com alguns deles.

Com este e-mail, o meu intuito era perguntar-lhe se por acaso chegou a conhecê-lo ou se me poderá encaminhar para algum grupo que me ajudasse a encontrar ex-combatentes que poderão tê-lo conhecido.

Muito grato pelo seu tempo, envio-lhe os meus melhores cumprimentos.

Henrique Canha


2. Pedido ao nosso colaborador permanente, José Martins, com data de 11 do corrente:

Zé: mais uma "prenda de Natal"...Vê o que temos no blogue sobre o Pel Caç Nat 57 e informa diretamente o filho do nosso camarada... Há coisas que não podem esperar... Depois publicamos no blogue... Ab, Luís

PS - Para já,  só temos duas (!) referências ao Pel Caç Nat 57.... Temos referência a outros, uns mais  (Pel Caç Nat 52, 53, 63...) do que outros (Pel Caç Nat 50, 58, 59, 61, 67...). Sobre Cutia, temos cerca de 3 dezenas de referências. Por lá também passou o Pel Caç Nat 61. (**)

 O meu/nosso amigo da família, António Baldé, o pai da "Alicinha do Cantanhez", voltou para a sua terra, vive agora em Caboxanque, foi do Pel Caç Nat 57...

Temos também o Fernando Paiva, de Amarante, o Carlos Vinhal deve ter o email dele...

Pel Caç Nat 50 (5)
Pel Caç Nat 51 (21)
Pel Caç Nat 52 (176)
Pel Caç Nat 53 (54)
Pel Caç Nat 54 (39)
Pel Caç Nat 55 (15)
Pel Caç Nat 56 (20)
Pel Caç Nat 57 (2)
Pel Caç Nat 58 (7)
Pel Caç Nat 59 (3)
Pel Caç Nat 60 (15)
Pel Caç Nat 61 (4)
Pel Caç Nat 63 (92)
Pel Caç Nat 65 (12)
Pel Caç Nat 67 (3)
Pel Caç Nat 69 (2)
Pel Caç Nat 70 (1)


3. Resposta do nosso colaborador permanente, José Martins:

Boa noite, Henrique

O Luís Graça remeteu-me o mail que acabo de receber, para ver como poderia ajudar.

Como no blogue não temos referência ao Pelotão de Caçadores Nativos nº 57, procurei obter elementos noutros locais.

É difícil encontrar camaradas deste tipo de subunidades, uma vez que são unidades com cerca de 30 a 40 elementos. Europeus era o comandante (alferes), 3 sargentos, normalmente furriéis, e alguns cabos e soldados especialistas.

Chegavam a essas subunidades após mobilização em rendição individual. Como havia uma rotação dos seus elementos europeus, uma vez que os africanos ficavam mais tempo nesses pelotões, o contacto perdia-se e com o passar dos anos até a lembrança desaparecia.

Pelos elementos de que disponho, o nosso camarada João Arlindo Canha, deve ter estado em Cutia entre Maio de 1971 e Agosto de 1974. 

Como Cutia dependia, creio, de Mansabá, junto uma nota das unidades que passaram por ali, pode ser que o pai se lembre de alguma e, então, poderemos usar essas unidades como filtro de pesquisa.
Entretanto, duas coisas poderão ser feitas de imediato:

1º - Nos marcadores existentes no lado esquerdo da página do blogue, procurar Cutia. Clicando abre os textos que existem sobre a localidade. Servirá para matar saudades e relembrar algo já esquecido.

2º - No link «http://ultramar.terraweb.biz/Form_09Procura.htm» há um formulário para procurar camaradas da Guerra de África. Preenchendo o tal formulário, pode ser que alguem que tenha tido algum amigo em Cutia, ou que alguém da época apareça e tenha contacto com outros camaradas.

De momento é o que se nos afigura possível. Este assunto também vai ser objecto de um texto no blogue. Poderemos ter sorte.

Ver a seguir a listagem das unidades de Mansabá, após 1970:
  

Infogravura: José Martins / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

Espero ter podido ajudar, apesar de não haver grandes novidades.

Votos de Boas Festas.

José Martins
Canjadude - Guiné - entre Junho/68 e Maio/70
____________

Notas do editor:

(*)bÚltimo poste da série > 13 de dezembro de  2017 > Guiné 61/74 - P18083: Em busca de... (285): Camaradas dos Pel Mort 4579; 4580 e 4581/BCAÇ 3884 (Bafatá, 1973/74) (Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580)

(**) Vd. poste de 27 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12512: O nosso livro de visitas (174): Camarada não identificado, pertencente ao Pel Caç Nat 61 de Cutia, comandado pelo ex-Alf Mil Simeão Ferreira que hoje é médico nas Termas de Monte Real

(...) Por exclusão de partes tratar-se-á do ex-Fur Mil João Luís dos Santos Pimenta que desembarcou em Bissau em 14JUN70 chegou ao Pel Caç Nat 61 nesse mês, então sediado em Cutia e na dependência da CCaç 2589/BCaç 2885, para substituir o camarada João António Pina que terminou a comissão em 20JUL70.

Os Fur Mil José António Rodrigues Amorim (desembarcou em Bissau no mesmo dia e apresentou-se possivelmente no mesmo dia que o Pimenta), substituiu o camarada José Rosa Matos França (fim de comisão em 02JUL70) e Armando Barbosa de Sá (desembarcou em Bissau em 20JUL70, apresentando-se nesse mês) que substituiu o camarada Mário Jorge Fernandes (fim da comissão em 02LUJ70).

O Alf Mil Simeão Duarte Martins Ferreira (desembarcou em Bissau em 17AGO70 apresentando-se nesse mês), substituiu o camarada Rodrigo Lopes, de quem não tenho recordação, (fim de comissão em 29JUL70).(...)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15359: Notas de leitura (775): “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
É evidente que este precioso relato se dirige em primeiro lugar aos que viveram aquela saga a partir dos últimos meses pacíficos de 1963, que cirandaram pelo Morés e foram pau para muita colher. Mas é igualmente um documento de relevo para entendermos como tudo se passou, na muita ignorância e na compreensível falta de previsão sobre o poder combatido daqueles guerrilheiros começavam a marcar presença por todo o Centro-Norte da Guiné.
Com o passar dos tempos, vou-me convencendo cada vez mais que faltam relevantes documentos sobre o que se passou entre 1963 e 1968, não há hipótese de ajuizar o que foi o bom ou o mau comando, do lado português, na eclosão e ascensão da guerrilha.

Um abraço do
Mário


Nos Celeiros da Guiné (2), por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves

Beja Santos

“Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015, é uma obra muito particular nas chamadas publicações relacionadas com as histórias das unidades militares que combaterem em África. Tem a particularidade de se centrar na vida de uma companhia independente que percorreu um bom rincão do território guineense, no exato momento em que a guerrilha ganhou fôlego na região Centro-Norte. Referiu-se no texto precedente a atividade operacional desenvolvida até agosto de 1963, retoma-se a obra com a chamada de atenção para o período de 1 de Setembro de 1963 até finais de Junho de 1973.

Em 1 de Setembro, o BCAÇ 512 passa a ocupar a área que estava à responsabilidade da CCAÇ 413, o que imediatamente nos faz refletir o grau de improvisação e o desconhecimento do peso do PAIGC entre o Senegal e Mansoa. Com a chegada deste batalhão, a CCAÇ 413 passou a constituir a força de intervenção do Batalhão: assegurava escoltas, desimpedia itinerários, montava segurança a elementos da população durante as colheitas, e o mais que se sabe. Observa o autor que foi um período extremamente duro em combate e missões distintas em pontos diferentes do setor. Em 3 de Setembro o PAIGC ataca Porto Gole, foi necessário destacar um grupo de combate da CCAÇ 413, instalou-se o aquartelamento de raiz. A Companhia anda por toda a parte: Enxalé, Infandre, Enxugal. Em Outubro, primeira emboscada entre Porto Gole e Enxalé. A guerrilha anda à solta: ataques entre Porto Gole e Mansoa tornam-se um facto, com o crescendo das hostilidades o itinerário irá ficando sucessivamente cortado. Em 2 de Novembro decorre a primeira grande operação no Morés, no dia 4 destruíam-se no local 16 casas de mato. Em Novembro começam as destruições de viaturas entre Mansoa e Bissorã. Está tudo em movimento: Porto Gole fica na dependência de uma Companhia que está no Enxalé. Em Janeiro de 1964 repara-se a estrada Porto Gole Enxalé. Tudo se complica entre Mansoa e Bissorã, as emboscadas não faltam e a vida torna-se cada vez mais difícil entre Mansoa e Mansabá. Cutia é a primeira povoação em autodefesa, a população comporta-se galhardamente. Com minúcia, o autor vai detalhando o calendário das atividades operacionais e já estamos em Maio, o Brigadeiro Louro de Sousa é substituído por Arnaldo Schulz. O PAIGC tem uma base perto do Enxalé, é inicialmente desalojado e depois regressa. Em 1 de Julho de 1964, a CCAÇ 413, devido ao seu grande desgaste é rendida pela CART 564 e instala-se em Nhacra.


Este novo período da vida da CCAÇ 413 na Guiné é menos atribulado mas não menos agitado. Aos patrulhamentos, nomadizações e emboscadas para impedir infiltrações na área sensível da península de Bissau. Há um destacamento na ponte de Ensalmá. Fazem-se obras para melhorar as instalações, construem-se casernas, balneário, refeitório, paiol, etc.

Já estamos em Janeiro de 1965, começa a formação de companhias de milícias. Destroem-se canoas no rio Mansoa. Há um grupo de combate aquartelado em Encheia, aqui os guerrilheiros atacam forte e feio. Relata-se um dado que não se pode descurar: em Abril de 1965 já existiam 18 Companhias de Milícias, muitos destes homens irão até Bolama, no centro de instrução militar serão preparados para pelotões e companhias de caçadores. A prestação da CCAÇ 413 aproxima-se do seu termo, teve 6 mortos em combate, 47 feridos dos quais 10 foram evacuados.

A fotonarrativa é abundante, integra dados da preparação, a instrução em Faro, imagens em Mansoa, em inúmeros lugares por onde a Companhia andou disseminada, mostra-se o seu armamento, a sua alimentação, os lazeres, os trabalhos nos aquartelamentos, a vida dura em Encheia e em Cutia, as relações com a população, a atuação operacional, os convívios, imagens daqueles que voltaram à Guiné e que percorreram os aquartelamentos de outrora, deixando-nos imagens deslumbrantes de uma natureza que não se rende às dores de uma economia parada.

Um documento que nos obriga a pensar na chegada daqueles jovens a Bissau e depois a Mansoa, tudo parecia pacífico até que tudo se tornou explosivo e devastador para os nervos. É um longo documento sobre a metamorfose e o endurecimento. Só temos a ganhar em ler um relato destes primeiros combatentes que tiverem que se abrigar nos celeiros da Guiné.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15343: Notas de leitura (774): “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 14 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa

1. Parte VI de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 10 de Julho de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67).


GUINÉ, IR E VOLTAR - VI

A nossa causa é uma causa justa

"Esta é a voz do comando, a voz que ireis ouvir ao longo do curso e durante a vossa permanência neste Centro de Instrução.
Numa guerra clássica, a moral tradicional militar defende a ideia de que a luta se trava exclusivamente entre os contendores, os que pegaram em armas para disputar a posse de um território, não sendo as populações envolvidas no combate. A guerra seria sobretudo uma luta entre os militares de ambas as partes.
A guerra que travamos é diferente. Em primeiro lugar, é uma luta pelo domínio das populações e estará em vantagem aquele que as tiver do seu lado.

A água e o lodo são os nossos campos de batalha. O terreno é plano e alagadiço, há muitos rios, pântanos e bolanhas, que são as terras alagadiças, que tu já conheces, e que servem para as populações cultivarem o arroz. Há grandes alterações das marés. Vais palmilhar matas e florestas densas.
Aqui, na Guiné, não existem mais de 60 quilómetros de estradas pavimentadas, o resto são cerca de 1500 quilómetros de terra batida. Os outros meios de comunicação são picadas e caminhos sujeitos às marés, às vezes intransitáveis.

A população é constituída por etnias das mais variadas origens. Têm hábitos próprios e cada uma tem as suas características, às vezes muito diferentes umas das outras.
Os mais numerosos são os Balantas, depois os Fulas, os Manjacos, os Mandingas e os Papéis. Depois há outros: os Brames, também chamados Mancanhas, os Beafadas, os Bijagós. Os outros, com menos gente, são os Felupes, os Baiotes, os Nalus e os Sossos.

Nem sempre tem sido fácil ganhar estas populações. Muita desta boa gente tem sofrido forte mentalização do IN e albergam guerrilheiros, a quem fornecem apoio alimentar.
Esta população mantém grande discrição sobre a presença da guerrilha, que a obriga a colaborar, escondendo as armas.
O IN tem-se aproveitado destas populações. Bem armado, tem um forte espírito guerrilheiro e exerce acção psicológica sobre elas, apoiado em emissões radiofónicas diárias, a partir de Conacri.

Relembremos o que aconteceu aqui, na Guiné. A vida decorria normalmente, o ambiente era de paz e só este é propício ao trabalho, ao bem-estar e à riqueza. Nem tudo estaria feito, nem tudo seria perfeito, mas existia bom ambiente social. O inimigo que hoje nos combate em Angola e aqui na Guiné, vem desde há muito procurando convencer os povos africanos portugueses de que só com a saída dos brancos a vida dos negros poderá melhorar. Seria essa a maneira mais eficaz e mais rápida de conseguir melhoria de nível para os africanos. O branco ao mar!
Deram início à luta armada, apoiados por potências com pretensões à posse destas terras com quem mantemos ligações há séculos. Foram elas que lhes forneceram armamento e foram elas ainda que treinaram os primeiros chefes guerrilheiros no combate. A guerra foi assim imposta por um IN comum, em Angola e aqui na Guiné, e obrigou-nos a pegar em armas para defender as nossas gentes, o nosso património.

Nem toda a população aderiu prontamente ao IN. Talvez que a grande maioria do povo preferisse a paz e dentro dela trabalhar para um futuro melhor. Isto não interessou ao IN que, aterrorizando as gentes, matando, levando-as a fugir e a fixar-se em novas zonas de mata onde facilmente as pudesse controlar e obrigar a trabalhar para si, ficou em posição de melhor poder resistir ao nosso esforço armado para restabelecer a ordem e a paz.
Todos conhecemos casos concretos aqui, exemplificativos do terror que o IN lançou nas populações. Foi este o sistema de mentalização adoptado por eles e do mesmo modo continuam. Quem lhe não obedece, sofre represálias, morre!

Como é sabido, o guerrilheiro não pode combater um exército sem o apoio da população. É ela que lhe dá o dinheiro, comida, informações a nosso respeito e o refúgio de que ele necessita. O guerrilheiro infiltra-se nas tabancas consideradas pacíficas. Abandonada e escondida a arma, ele aparece novamente aos nossos olhos como um elemento simpatizante e acolhedor porque saúda a tropa afavelmente e procura mostrar-se prestável. E mais, sabendo que como militares somos levados apenas a ver um terrorista no homem emboscado que contra nós dispara e, por conseguinte, a não desconfiar das mulheres, dos velhos, dos rapazes novos.
Utiliza precisamente estes como agentes de ligação, de informação e como cadeia de reabastecimento de víveres, medicamentos e munições. Esta é a situação actual. O que deveremos fazer?
Poderemos ver apenas o IN que contra nós dispara? Deveremos tratar como soldado prisioneiro um homem sem farda que não nos combate francamente e ataca sempre pelas costas? Ou tratá-lo como desordeiro e assassino, responsável por tantas desgraças? O que é que pensas? Qual a tua opinião?

É preciso controlar a população! Convencê-la a abandonar as áreas onde o ambiente é mais propício à guerrilha e fixá-la em zonas em que lhe possamos garantir protecção e segurança. Há que dar a possibilidade àqueles que não quiserem a guerra de se acolherem à paz. Assim o guerrilheiro ficará isolado, identificado e sem o apoio de que necessita. Quem não vier, é porque não quer! Pertence ao bloco IN que nos combate da mata.

A guerra é um mal, mas não fomos nós que a começámos. Uma vez começada, temos que a ganhar. Não viemos cá passar dois anos de comissão, viemos para ganhar a guerra. A nossa missão é conquistar a população e destruir o IN, para que em todo o mundo português se possa viver em paz, trabalhando para um futuro melhor. A nossa causa é uma causa justa!

Comando!

A tua guerra vai começar!
O resultado da acção do grupo depende de ti!
Finalmente estás pronto para combater!
O curso foi útil, violento e cansativo. Podes pensar que a tua tarefa terminou.
Não! Até agora nada fizeste, ainda nada provaste!
A ocasião está aí. O teu contributo vai ser notado!
Comando! Confia em ti, não esperes pela sorte!
Vai, cumpre a tua missão.”

************

O Grupo

Ainda durante o curso de instrutores, os futuros comandantes dos grupos com alguns sargentos, reservaram uma semana para conhecerem os futuros instruendos, dispersaram-se pela Guiné, um para Bula, outro para Farim, outro para Tite, num ou noutro caso viram soldados e graduados em acção no mato, ouviram comandantes de companhia e de pelotão, falaram-lhes de uma forma diferente de fazer a guerra, puseram-nos a pensar no assunto, que se quisessem concorrer o podiam fazer, um ou outro comandante da companhia a empurrarem-lhes asmáticos e problemáticos, este gajo é que é bom para vocês, é rápido no gatilho, quando está de sentinela passa as noites aos tiros.
Juntaram-nos todos em Brá, recambiaram logo três ao fim de dois dias. Em Julho deram início ao Curso de Comandos para praças que durou até 3 de Setembro de 1965.

Bom atirador, ouvido e olhos apurados, pisteiro experiente, sentido de orientação, experiência de sapadores, desconfiado até de si próprio, há aqui alguém de cá, com estas condições? Para todo o lado, olha para o chão, para a frente, para a esquerda e para a direita. Quem é que havia de ser o primeiro homem da 1.ª equipa? Cabo Marcelino da Mata, claro, já vem com a experiência toda, tem sido sempre o primeiro homem da 1.ª equipa.
Quem é o amigo do Marcelino que é canhoto? És canhoto mas não és amigo dele, tu também és canhoto, não és amigo dele também? Para a direita, o teu espaço de visão é a direita, fazes parelha com o Marcelino, não podes ir para todo o lado com ele, porquê? Tem três mulheres? Melhor para os dois, primeira parelha arrumada.
O terceiro homem do grupo1 sou eu, comandante do grupo e da equipa, a esquerda está por minha conta também. Quem é o melhor em rádios, o melhor lançador de granadas, para mais longe e sobretudo mais certeiro nos lançamentos, afinal quem é o mais diferente de todos? Como sabes que não há cá disso? Para as árvores que estão lá em cima a olhar para ti, para quem haviam de olhar?
O quinto tem que ser o melhor especialista em primeiros socorros, estás a olhar para mim porquê, tu claro, olhas para a esquerda, nunca percas a ligação com a equipa de trás! És canhoto, essa agora? Mas és voluntário, ou não? Ah, o "Ligaduras" não é canhoto. Fechado! Ora bem, a 1.ª equipa do grupo, a equipa de comando está feita, prá frente!
A 2.ª, a 3.ª e a 4.ª são equipas de manobra. Bons atiradores e bons referenciadores de tiro, o quarto homem de cada uma delas tem que ser bom sapador, vamos para a frente que se está a fazer tarde. Furriel Azevedo, faça a 2.ª equipa!
3.ª Equipa. O número 4 é o Albino, apontador da MG-42, tu és a parelha dele, fazes também de municiador. Como fica a sua equipa então, sargento Valente?
Black com a 4.ª Equipa, o quarto homem protege...
5.ª equipa, a apoiar....

Cinco carregadores, granadas, os números 5 de cada equipa, excepto da última, levam duas incendiárias, rádios Nationals para os números 4 de cada equipa, toda gente leva punhal, os números 5 de cada equipa, excepto o maqueiro, são portadores de filtros individuais, o número 4 da 4.ª equipa leva o lança-roquetes Vacci2, os dois primeiros homens levam nylon, todos de mangas arregaçadas, excepto o primeiro, a lanterna eléctrica quem é que a deve levar, o maqueiro, claro! Duas bússolas, uma carta junto ao comandante do grupo, e pronto, alguma dúvida? Então, vamos lá ouvir!
Equipas lá para fora, para a fotografia enquanto está sol, em coluna por um como se fôssemos para o Oio.

Um grupo na fotografia

Click, click, formar o grupo agora, sentido, Caeeeirooo, mãos fechadas, que lindo, Albino endireita-me essa corcunda, peito para fora, direita volver, em frente marche, Silva para onde vais com os braços, à altura do ombro só, que não é preciso mais. O pé, porra, assenta pelo calcanhar, assim, todos a olhar para ver como é, perna estendida.

Comandante do grupo e chefes de equipa com o 1.º homem do grupo, 1.º Cabo Marcelino da Mata

“Nas conversas com os teus amigos nunca digas para onde vais, um comando é para ser admirado por toda a gente, o comando deve tratar a sua espingarda com todo o jeitinho, deve escrever semanalmente à sua família, à bajuda também, os comandos não choram os seus mortos, vingam-nos, para onde quer que olhe para lá tem virada a arma, comandos ao ataque, ó da guarda, vivam os comandos da Guiné, um comando não é melhor nem pior, é diferente, ó meu sargento, temos tão pouco que fazer, queremos mais instrução, estou mortinho para ir para a porrada, plano de refeições, ao pequeno-almoço, granadas fritas em trotil, um petardo P4 com molho de plástico, para o almoço, para o jantar cartuchos 12,7 salteados com pólvora de caril, uma ceia em Morés, meninas não saiam de casa, o Benfica e os comandos estão sempre na final, não há pai para eles, o Eusébio com a taça na mão, um comando com um morteiro 82 made in URSS.”
Viam-se dísticos por todo o lado, no edifício do comando, no refeitório, na sala de luta, nas camaratas. E durante a noite, também nos altifalantes ligados aos quartos e às camaratas.

“Repara em ti próprio, comando, faz um exame de consciência e diz francamente se já não te sentes outro, se já não estás tão diferente daquele maçarico que aqui entrou há 5 semanas? Nessa ocasião só tinhas vontade, só tinhas o querer de seres um comando, tudo o resto te faltava, a energia, a decisão, o espírito de sacrifício, a certeza de seres um bom combatente. E só passaram 4 semanas de instrução, 4 semanas em que aprendeste unicamente os princípios básicos de um bom combatente. Mas, nestas semanas aprendeste bastante e, muito especialmente, formaste sobre ti próprio uma ideia bem diferente daquela que inicialmente tinhas.
Ganhaste um apreciável espírito de sacrifício e a atestá-lo estão as noites mal dormidas, a fadiga física pronta a vencer-te, mas sempre a ser dobrada pela tua força de vontade. Depois destas semanas, já tens espírito de sacrifício. Mas tens mais, ganhaste decisão, tens energia e especialmente, tens o orgulho de vires a ser um comando! Atingiste metade do caminho, e se esta metade não for mais dura, mais leve não vai ser! Continuarão a pedir-te tudo, a tua vontade, o teu interesse, a tua atenção e a instrução continuará, quer chova impiedosamente quer faça um calor escaldante. Tudo com uma finalidade: fazer de ti um combatente decidido, consciente, sabedor e capaz de sozinho sobreviver às dificuldades. Mas tu nunca estarás sozinho, terás sempre o apoio da tua equipa. Por isso vive com a tua equipa e para a tua equipa, porque ela representa para ti a condição da tua sobrevivência.
Estás a viver perigosamente, mas todo o perigo, por maior que pareça, poderá ser reduzido se o enfrentares com consciência. E é essa consciência que neste Centro de Instrução, os teus instrutores procuram que tu obtenhas. Então sim, então serás um comando!
Dedica-te, corrige as tuas deficiências, repete cada exercício, tantas vezes quantas as necessárias, para atingires automatismos. Não te esqueças que muitos dos teus camaradas, por não terem as tuas qualidades, ficaram pelo caminho. Tu continuas e basta isso, para teres a certeza que virás a ser um bom comando. Ouviste a Voz do comando".
____________

Notas:
1 - Quando havia efectivos disponíveis, o que só aconteceu nas primeiras operações, os GrsCmds eram constituídos por 5 equipas com 5 homens cada: 1 equipa de Comando (Cmdt do GrCmds, 1 operador de rádio, 1 socorrista e 2 atiradores); 3 equipas de Manobra (cada uma constituída por 1 Sargento/Furriel/Cabo, 1 apontador de ML, 1 municiador de ML e 2 atiradores) e 1 Equipa de Apoio (1 Sargento/Furriel/Cabo, 1 apontador de LGF, normalmente o Lança-rockets "Dante Vacci", 1 municiador de LGF e 2 atiradores).
2 - Dante Vacchi, Jornalista e fotógrafo da revista francesa Paris-Match, que dizia ter experiência em conflitos militares, terá estado de alguma forma envolvido no modelo de treino das tropas Comandos, criadas nos princípios dos anos 1960, para combater a guerrilha, inicialmente em Angola. Cesare Dante Vacchi, antigo sargento da Legião Estrangeiro, "afirmava ter uma grande experiência de guerra, porque tinha vivido alguns conflitos. Nunca cheguei a perceber muito bem se todos como jornalista ou alguns como combatente. Ele também não era muito claro nisso", lembra o então tenente Caçorino Dias, instrutor dos dois grupos de operacionais que deram origem (em 1963/64) às tropas Comandos.

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Tambores, cornetas, caixão

A companhia de comandos estava pronta. Tinham vindo de todo o lado, até da banda de música do QG, dos cerca de 200 que começaram terminaram cerca de 100, entre sargentos e praças.
Com elementos dos grupos antigos, já bem experimentados, formaram quatro grupos a que deram os nomes Apaches, Centuriões, Diabólicos e Vampiros.
Os grupos eram constituídos por 5 equipas de 5 elementos, a primeira comandada pelo chefe do grupo, cada uma das outras por um furriel ou sargento, e as equipas eram formadas por duas parelhas, escolhidos entre eles, pelas afinidades. Durante o curso, sempre que um dos elementos da parelha se deslocava fosse para onde fosse, o outro teria que o acompanhar.
A arma que usavam era a G3, num caso ou noutro a FN. Nalgumas operações mais tarde, usaram Kalashs3 capturadas ao IN. Cada grupo levava um lança-rockets “Dante Vachi”4, com 10 rockets, as mesmas munições dos T6 e uma MG-42 de fita, a tal com que o Albino desenhava figuras com os impactos, uma cadência de tiro até aos 1300 por minuto, pena é que as culatras davam o estouro com alguma facilidade. Era a arma mais pesada que levavam, um pouco mais de 10 kg. O camuflado era a farda de trabalho, o uniforme de caqui amarelo esverdeado, pago por eles, reservavam-no para as saídas.

Os grupos a prepararam-se para a cerimónia da imposição dos crachás.


No final do curso, numa cerimónia em Brá, receberam em mão os crachás dos comandos, o escudo nacional sobressaindo com um punhal envolto numa ramo de oliveira e os dizeres “Audaces Fortuna Juvat”5 . No ombro esquerdo, a insígnia do grupo, bordada em pano, encimada por um dístico “comandos”.

Capitão Saraiva apresenta a Companhia de Comandos do CTIG ao Governador-Geral

General Schulz rodeado do Comandante Militar e de Chefes de Repartições do QG.

O único ronco que lhes era permitido era o lenço que usavam ao pescoço, cada grupo com cor diferente. Os Apaches punham lenço amarelo, os Centuriões lenço vermelho, os Diabólicos lenço negro e os Vampiros usavam um azul claro.

O General Arnaldo Schulz, passando revista à Companhia de “Comandos”

Desfile da Companhia Comandos do CTIG finaliza a cerimónia

Todos os grupos tinham chefes de equipa experimentados. Nos Diabólicos, a 2.ª equipa era chefiada pelo Furriel Mil. Azevedo, o Sargento Mil. Valente, casado com uma senhora libanesa da Guiné, e já na segunda comissão, comandava a 3.ª, o Furriel Mil. Marques de Matos a 4.ª e o Cabo Faria, conhecido por “Black”, que no recrutamento declarara a 4.ª classe como habilitações, a 5.ª e última.
Numa manhã apresentaram-se ao General Schulz, Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.

Comandos fazem guarda de honra ao Palácio do Governador

Formaram na Praça do Império, frente ao Palácio. Cerimónia militar, tambores, Hino, bandeiras, populares e o inevitável desfile. Estavam oficialmente prontos os Grupos de Comandos totalmente formados no Centro de Instrução da Guiné, agora sob o comando do Capitão Rubim.
Depois almoçaram bacalhau à Brá6, a quantidade que quiseram, até os panelões ficarem rapados, e vinho tinto a acompanhar, com cheiro a cânfora, uma garrafa para cada parelha.

Durante os últimos dias do curso, os alferes comandantes dos grupos passaram a vida a correr para o QG, às vezes mais que uma vez por dia, para a 2.ª e 3.ª Rep, indagando sobre acampamentos referenciados, localização, número de guerrilheiros previstos, armamento, existência de guia, acessos. Estudaram as indicações da Repartição de Operações, escolheram os objectivos para o golpe de mão, que era o que mais os atraía, ouviram os guias recentemente capturados ao IN e começaram a tratar dos meios de transporte, aéreos nalguns casos, marítimos noutros.

Em Brá, J. Parreira, Cap. Saraiva, V. Briote e Marques de Matos. Setembro de 1965.

Os grupos arrancaram, um em cada semana. O Capitão Saraiva fez questão de participar em todas as saídas. Os Apaches foram para a zona de Bula, encontraram-se com o IN no mesmo trilho, houve ligeiro contacto que não passou disso, a guerrilha perseguida retirou. Na semana seguinte os Centuriões, os Diabólicos na outra.
Os Vampiros fecharam o primeiro mês de operações, com a primeira baixa dos novos Comandos. Um trilho na zona de Cutia, Oio, tinha uma bailarina preparada para dançar com o Soldado Florêncio.
Com a perna arrancada, foi-se em minutos, não sem antes se ter voltado para o Alferes Vilaça, comandante de Grupo que colaborava nos primeiros socorros, e lhe dizer com a voz já muito fraca, não há problemas, meu alferes, prá semana já devo estar operacional.

O Comandante Militar entrega os crachás ao 1.º Cabo Tudela e ao Soldado Florêncio Terêncio

Só tiveste uma oportunidade, Florêncio, disse um.
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Notas:
3 - Espingarda Automática AK 47 usada pela guerrilha.
4 - Nome de um jornalista estrangeiro dado a uma arma, depois desenvolvida pelas forças portuguesas. Leve e causando grande efeito psicológico no inimigo foi fabricada nas OGMA até 1975.
5 - Locução latina que significa "a sorte protege os audazes”. Fonte: Virgílio, Eneida, X, 284.
6 - Bacalhau à Brás

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Iusse, Oio

Final de tarde em Mansoa, o Grupo pronto para a estreia. Dentro das Mercedes tapadas com as lonas, aguardaram que o Capitão Saraiva e o comandante do Grupo acertassem os pormenores com o comandante e o oficial de operações do Batalhão. Para matar a espera, meteram-lhes lá dentro pão, queijo, marmelada e água. As viaturas da coluna para Bissorã já se tinham posto em movimento quando as deles arrancaram rápidas até se chegarem às outras.
Andaram uns quilómetros, poucos, até receberem a indicação para se aprontarem para saltar. Teria que ser muito rápido, as viaturas em que iam abrandariam só, as da frente continuariam no sentido de Bissorã.
Internados no mato esperaram o reagrupamento, a noite a fechar-se não lhes prometia tempo seco. Puseram-se em movimento, como lhes ensinaram.
O capitão, uma vez ou outra, saía do trilho, ficava-se a vê-los passar, surgia-lhes por trás, G3 apontada, era uma vez um comando, assim não vais longe, pá, vai antes para a manutenção. À frente o Marcelino segurava o guia, um guerrilheiro apanhado há mais de um mês, rédea curta nos pés, braços esticados nas costas, bem atados com uma corda preta de nylon, lenço preto entre os dentes, que todos os cuidados eram poucos.
O pelotão de apoio seguiu atrás até o trilho bifurcar, emboscou-se aí a aguardar o desenrolar dos acontecimentos. No caso de lhe ser pedido, veria a melhor maneira de os recolher. O grupo deveria progredir até Biambe, procurar as casas de mato, tentar apanhar uma sentinela, explorar rápido e retirar a seguir.
Noite escura, sempre a chover, progressão lenta, paragens e mais paragens, guia a dizer que é lá, onde, ali já, nunca mais era.

Dois tiros. Detectados num trilho, mesmo junto à tabanca de Iusse.
Responderam à voz do Saraiva, atiraram e atiraram-se lá para dentro. No meio da escuridão esbarraram com 2 barracas, ninguém lá dentro.
O capitão não queria sair da zona, nem a tiro. A primeira operação a seco, nem pensar. Vamos aguentar aqui, dentro da mata, até o dia clarear. Os gajos sabem que nós estamos cá, nós sabemos que eles estão na mata aqui à volta. Vão acabar por se mostrar.

Não foi preciso esperarem que fosse dia. De um momento para o outro, começaram a ser alvejados. Fogo alto, a bater nas copas das árvores.
Uns minutos depois, começaram a ser flagelados com fogo de morteiro, do lado de onde tinham vindo. Das matas em redor, flagelavam-nos com tiros de armas automáticas e, para "compensar", recebiam morteiradas, do lado da bolanha.
Ao AN PRC/107, o Capitão Saraiva queria saber o que era feito do pelotão de apoio, mas este não dava sinal.

Esquadrilha de T6. Imagem da net.

Chegou uma parelha de T68. Um espectáculo seguido com expectativa. Pelo AVF9 ficaram a saber que era verdade o que julgavam. Do pelotão de apoio subiam granadas, viam o fumo atrás, confirmava um dos pilotos, a trajectória delas quase a pique, o estardalhaço a cair-lhes quase em cima, com a chuva. Estavam bem abrigados, dali não sairiam tão cedo a não ser que o morteiro da tropa amiga se calasse. A parelha dos T6 despejava rockets e rajadas de metralhadora sempre que via fumos a sair da mata. O fogo IN abrandou e o morteiro do pelotão calou-se.
O apoio aéreo ajudou-os, pareceu-lhes mais demorado que o que deveria ser, mas, por fim, retiraram em ordem, com o fogo inimigo, disperso mas mais ajustado, a dar-lhes algum trabalho, obrigando-os a percorrer, bem colados à água, as duas centenas de metros da bolanha, largamente distanciados uns dos outros10.
Respiraram fundo quando alcançaram a mata. E depois, nem bom dia nem boa tarde, quando passaram pelo pelotão, deixado para trás como se tivesse lepra, que regressassem sozinhos, connosco não, que temos pressa. A esgalhar, no goss-goss11, como diziam os guineenses, pelas margens do trilho.
A paragem era para descansarem um pouco, recuperavam a respiração, sentados, costas com costas. Ouviram-se palavras em crioulo, ásperas de um, suaves as do guia, que afinal não fora grande camarada para a tropa. Amarrado com cordas a uma árvore, olhos misteriosos, indefinidos, uma frase, duas ou três palavras, sempre baixas e doces.
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Notas:
7 - Rádio normalmente usado para comunicações terra-terra. O AN/PRC-10 estreou-se, em Março de 1951, na guerra da Coreia, ao serviço do Exército Norte-Americano. Fez parte da família de rádios AN/PRC-8 e AN/PRC-9, diferindo apenas na frequência e dos componentes que a determinavam.
8 - Aviões monomotores de hélice utilizados pela FAP no ataque ao solo, dispondo de suportes debaixo das asas para bombas, metralhadoras e ninhos de foguetes.
9 - Rádio para comunicação terra-ar.
10 - Do relatório da acção: "8/09/65, sector O3, Op. 'Flecha', Oio. Objectivo: golpe de mão a um acampamento a oeste de Cambajo Dando, chefiado por Augusto Pequim, segundo informação de um guia capturado. Avistado um elemento IN em fuga. Encontradas 2 barracas. Ataque e reacção do IN com rajadas de armas automáticas. Escuridão completa, retirada do grupo para um local a cerca de 200 metros, aguardando o clarear do dia. Por volta das 5 da manhã, nova entrada no acampamento, com vista à limpeza das barracas. O IN abriu fogo para dentro do acampamento. Encontrado um cunhete com granadas de mão, guias de marcha, documentos e peças de roupa. Destruídas cerca de 15 casas de mato."
11 - Andar rápido, depressa.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418

terça-feira, 25 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12897: (De) Caras (16): Quem tramou o alf mil capelão Mário de Oliveira, do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69) ?... Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Mário de Oliveira, a PIDE tinha escritório aberto em Mansoa (Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, CCAÇ 1698, Mansoa, 1967/69)


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 1912 (1967/69) >  O alf mil capelão Mário de Oliveira entre soldados da CCS/BCAÇ 1912 e/ou da CCAÇ 1686 (que esteve sempre em Mansoa e a que pertenceu o Aires Ferreira, alf mil inf, minas e armadilhas, e membro da nossa Tabanca Grande) . O Mário de Oliveira viria a receber ordem de expulsão da Guiné em 8 de Março de 1968.

Foto: © Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)

1. Em toda a história da guerra colonial, no CTIG, houve dois casos de capelães militares que foram "expulsos"... Não sabemos ao certo por quem: (i) o bispo castrense (ii) a hierarquia militar; ou (iii) a polícia política ... Eu diria antes que foram dois erros de "casting" (sem que isto nada tenha de ofensivo para com os visados)...

Um deles é o padre Mário de Oliveira, que será sempre até morrer, o padre Mário da Lixa (*)... Foi capelão do BCAÇ 1912 (que esteve sediado em Mansoa, 1967/69)... Recorde-se que o BCAÇ 1912, mobilizado pelo RI 16, partiu para o CTIG 8/4/1967 e regressou a 16/5/1969.. O cmdt era o ten cor  inf  Artur Afonso Pereira Rodrigues. Subunidades de quadrícula:  CCAÇ 1686 (Mansoa); CCAÇ 1685 (Fá Mandinga, Fajonquito,  Fá Mandinga, Mansoa); e  CCAÇ 1684 (Bissau, Ingoré, São Domingos, Susana, Mansoa).

O outro caso de um capelão "expulso" foi o açoriano Arsénio Puim (que deixou, de resto, o sacerdócio em finais dos anos 70): foi capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Curiosamente, os dois são membros da nossa Tabanca Grande... Mas quantos capelães passaram pela Guiné ? É uma boa pergunta, a que não sabemos,  para já, responder...Seguramente algumas largas dezenas ou algumas centenas, já que, em princípio  havia um capelão por batalhão (c. 600 homens)...

Ora, ao que sabemos, foram apenas estes dois homens, e nossos camaradas,  os únicos capelães a entrar  em rota de colisão com a dupla hierarquia da Cruz e da Espada... Não os queremos nem santificar nem diabolizar, mas apenas ouvir (e saber ouvir) as suas histórias... Felizmente estão os dois vivos e têm inclusive participado em convívios anuais dos respetivos batalhões...

Temos cerca de 6 dezenas de referências a capelães no nosso blogue. Aliás,  temos mais dois capelães  registados no blogue:  o Augusto Baptista e  o Horácio Fernandes (este de resto contemporâneo do Mário de Oliveira)... É pena não haver mais capelães da Guiné a querer dar a cara neste blogue, que está aberto a todos os camaradas que por lá passaram, por aquela "terra verde e rubra"...

A nossa pergunta,  de momento, é: quem tramou  o Mário de Oliveira ? (**) (LG)

2. A este propósito, fomos recuperar o depoimento do Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, da CCAÇ 1686 (Mansoa), do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69). O Aires Ferreira esteve em Mansoa de 13/4/1967 a 13/5/1969, e conviveu, portanto, com o Mário de Oliveira, como se depreende deste episodio que ele já aqui em tempos nos contou, aquando da sua apresentação, em  28/7/2006, à Tabanca Grande:


2.1. Missa em Cutia
por Aires Ferreira


Cutia era um destacamento que tinha um grupo de combate e ficava entre Mansoa e Mansabá  e entre o Morés e o Sara - Sarauol.

O Batalhão tinha um capelão que, um certo domingo, lá para o fim de 67, resolveu ir celebrar missa a Cutia. Para isso, arranjou uma escolta de voluntários que, comandados pelo furriel S.S., lá foram, com 2 Unimogues e o jipe do capelão.

A missa foi celebrada e no regresso, um dos Unimogues despistou-se e uma grande parte do pessoal da escolta ficou com ferimentos muito graves, tendo os restantes seguido até Mansoa para pedir auxílio.

Nesse Domingo eu estava de Oficial de Dia ao quartel de Mansoa e desconhecia totalmente este assunto. Cerca da hora de almoço, passava junto à porta de armas, encontrei o Ten. Cor, o Comandante do Batalhão, que me disse:
- Alferes Ferreira, o seu grupo está todo destroçado na estrada de Cutia, o que está aqui a fazer? Vá já para lá.
- Não posso, estou de serviço - disse eu e apontei a braçadeira.
- Dê cá, eu fico com ela. O piquete vai já atrás de si com a ambulância.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > c. 1969/71 >
O destacamento de Cutia. Foto de César Dias
Assim foi. Lá fui, munido da pistola Walther, com um condutor que por ali apareceu e chegámos depressa. A cena era trágica. Havia 5 ou 6 militares gravemente feridos e deitados na berma. O único militar que ali estava capaz de dar uns tiros para defender o local, se o IN por ali aparecesse, era … o Capelão, que de joelhos na estrada, junto ao jipe, fazia as suas orações, de G3 ao lado.

Logo de seguida chegou o necessário auxílio e todos os feridos foram evacuados e tratados.

O Alferes Capelão que faz parte desta história era… o Padre Mário Pais de Oliveira, bem conhecido desta Tertúlia,  e a quem envio um grande abraço.

Aires Ferreira

2.2. Comentário adicional  do Aires Ferreira, com data de 15/9/2006:


Igreja de Mansoa. c. 194/66. Foto de Tony Borié

Luís Graça:  Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Padre Mário do seu seio. Penso que nem tinha autoridade para o fazer. O que aconteceu, foi que o Padre Mário politizou fortemente as homilias das missas dominicais na Igreja Paroquial de Mansoa e isso criou problemas ao Comando do Batalhão. Além disso, a PIDE tinha em Mansoa um funcionário com escritório aberto.

Sei que o Comando foi por várias vezes chamado a Bissau e por fim o Padre Mário saiu de Mansoa. 

Estávamos em 1967, éramos todos muito jovens e acho que faltou uma pitadinha de bom senso ao Padre Mário, para levar a água ao seu moinho. Ele que me perdoe, mas foi o que pensei na altura.

Aires Ferreira




Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil  > Região do Oio > Detalhe: posição relativa de Cutia no triângulo Bissorã- Mansabá- Mansoa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)



Padre Mário da Lixa. Foto da sua página,
aqui reproduzia com a devida vénia
2.3. Sobre a sua experiência na Guiné entre finais de 1967 e princípios de 1968,  como capelão militar, o Mário de Oliveira, disse o seguinte:

(...) "Na guerra colonial, vivi integrado no Batalhão 1912, sedeado em Mansoa. Era o único padre capelão. Havia outro padre em Mansoa, mas na igreja da Missão, com quem sempre dialoguei, durante os quatro meses que lá vivi e actuei. Mas como capelão militar era o único padre no Batalhão.

"Enquanto não me expulsaram, pude privar de perto com as diversas chefias militares e com as centenas de soldados rasos que davam corpo ao Batalhão. Encontrei homens que estavam na guerra com convicção. A tese oficial do Regime sobre a guerra estava bem interiorizada neles. E eram generosos, à sua maneira, na entrega de si mesmos àquela causa, sem se aperceberem que era uma causa perdida. Mas havia também os que se aproveitavam da guerra, com sucessivas comissões, bem remuneradas, e quase sempre longe dos perigos das frentes de combate. Dizê-lo, não é novidade para ninguém. E havia os oficiais milicianos que, duma maneira geral, estavam na guerra contrariados e cuja preocupação maior era poderem regressar à sua família e à sua terra sãos e salvos" (...).

Fonte: Vd. post de 27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa) (***)

Num outro texto, também publicado na I Série do nosso blogue, em 17/5/2006, o Mário de Oliveira explicou como é que foi apanhado pela armadilha da guerra colonial e o que é que a sua experiência, como capelão militar no CTIG, representou para ele, como homem, cidadão e padre:

(...) Acordei para a Guerra Colonial, quando, em 1967, fui chamado ao Paço episcopal do Porto - tinha então 30 anos de idade e cinco anos de padre, na Diocese, e era professor de Religião e Moral no Liceu D. Manuel II - para ser informado, de viva voz, pelo Bispo-Administrador Apostólico, D. Florentino de Andrade e Silva, de que o meu nome já tinha sido enviado para Lisboa, pelo que, em breve, iria ser chamado a frequentar um curso de capelães militares, na respectiva Academia Militar!
Não me perguntou o Bispo se eu estava disposto a ir, se tinha alguma coisa a objectar. Não me consultou. Apenas me informou e deu-me a ordem de marcha. Como se a Igreja fosse um enorme quartel, onde a generalidade dos seus membros apenas obedece, cumpre ordens dos superiores, auto-apresentados como infalíveis, como donos da verdade, como rostos visíveis de Deus, senão mesmo, o próprio Deus na terra.

A verdade é que eu, nessa altura, embora ficasse mudo de espanto e como que apunhalado no peito, não ousei sequer contradizer o Bispo. E lá fui para a Academia Militar, com mais umas dezenas de outros padres do país, pelos vistos, todos mais ou menos incómodos, por razões as mais diversas, nas respectivas dioceses.

Ao fim de cinco semanas de curso intensivo, fui dado como apto e parti para a Guiné-Bissau, a fim de me integrar, como alferes capelão, no Batalhão 1912, que já operava militarmente em Mansoa, a 60 kms de Bissau.

Hoje, também eu me pergunto: Como é que isto foi possível? Como é que eu nem sequer me lembrei de formular objecção de consciência? Como é que fui logo obedecer a semelhante ordem? (...)

______________

Notas do editor

(*) Da página pessoal do Padre Mário da Lixa, retirámos alguns apontamentos autobiográficos que nos ajudam a entender melhor a o seu percurso como homem, cidadão e padre bem como a sua curta passagem pela Guiné.

(i) Nascido em 1937, na freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, numa família da classe trabalhadora, entrou no seminário em 1950;

(ii) Em 1962, foi ordenado padre, na Sé Catedral do Porto, pelo bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, que substitui o Bispo D. António Ferreira Gomes (1906-1989), exilado por ordem de Salazar em 1959...

(iii) A partir de 1963 foi professor de religião e moral em dois liceus do Porto;

(iv) Em Agosto de 1967 "foi abruptamente interrompido nesta sua missão pastoral pelo Administrador Apostólico da Diocese, por suspeita de estar a dar cobertura a actividades consideradas subversivas dos estudantes (concretamente, por favorecer o movimento associativo, coisa proibida pelo regime político de então)";

(v) Nomeado capelão militar, "sem qualquer consulta prévia, pelo mesmo Administrador Apostólico", viu-se compelido a frequentar, durante cinco semanas seguidas, um curso intensivo de formação militar, na Academia Militar, em Lisboa;

(vi) Em Novembro de 1967, desembarca na Guiné-Bissau, na qualidade de alferes capelão do Exército português, integrado no BCAÇ 1912, com sede em Mansoa;

(vi) Menos de cinco meses depois, em março 1968,  é "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência", e mandado regressar à sua diocese, sendo "rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável ";

(viii) Em Abril de 1968, foi nomeado pároco da freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses);

(ix) Em Junho de 1969 é exonerado da paróquia de Paredes de Viadores pelo mesmo Administrador Apostólico da Diocese do Porto, que o havia nomeado;

(x) Em Outubro de 1969 está a paroquiar a freguesia de Macieira da Lixa (Felgueiras), por nomeação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, entretanto, regressado do exílio;

(xi) Em Julho de 1970 é preso pela PIDE/DGS;

(xii) Em Março de 1971 sai da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto;

(xiii) Volta a ser preso pela PIDE/DGS em Março 1973; quando sai em liberdade, em Fevereiro de 1974, é "informado, de viva voz, pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que já não era mais o pároco de Macieira da Lixa";

(xiv) Em 1975 torna-se jornalista profissional;

(xv) Em Julho 1995, e a convite do jornal Público, "regressou à Guiné-Bissau, onde permaneceu durante uma semana, com o encargo de escrever uma crónica por dia sobre o passado e o presente daquela antiga colónia portuguesa" (...).




Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > 1995 >  O jornalista Mário de Oliveira com o padre missionário que foi encontrar em Mansoa.

Foto:© Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)


(**) Último poste da série > 21 de fevereiro de 2014 >  Guiné 63/74 - P12753: (De)caras (15): O meu primo Agnelo, e meu conterrâneo da ilha de Santo Antão, comandante do PAIGC, com quem me reencontrei no pós-25 de abril, em Bissau, era eu empregado bancário, no BNU - Banco Nacional Ultramarino (António Medina, ex-fur mil op esp, CART 527, Teixeira Pinto, 1963/65, a viver nos EUA, desde 1980)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12512: O nosso livro de visitas (174): Camarada não identificado, pertencente ao Pel Caç Nat 61 de Cutia, comandado pelo ex-Alf Mil Simeão Ferreira que hoje é médico nas Termas de Monte Real

1. Um camarada não identificado (por que há tanta relutância na identificação completa?) deixou este comentário, no dia 22 de Dezembro passado, no Poste 2881:

O capitão Picado não era o que se teve que fazer uma cama especial (dado sofrer da coluna)?

Fui furriel do Pel. Caç. Nat. 61 de Junho de 70 a Junho de 72 sob comando do alferes Simeão, juntamente com os furríéis Amorim e Sá e com o cabo Luís Cordeiro Anastácio, do qual bem como do alferes nada sei deles.

Um abraço para eles todos, bem como para aqueles de quem não recordo o nome e que tenham um Santo Natal e que o Ano Novo lhes traga as maiores felicidades.

Sei que o Batalhão a que estava ligado operacionalmente realiza um almoço convívio no 1º sábado de Maio e que pela 1ª vez espero estar presente para poder reviver os maus e bons momentos (mais estes do que aqueles).


2. No dia 23 o ex-Cap Mil Jorge Picado, CMDT da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, respondeu:

Em resposta ao Anónimo que colocou este comentário, espero que volte ao Blog e tome conhecimento destes meus esclarecimentos.

Por exclusão de partes tratar-se-á do ex-Fur Mil João Luís dos Santos Pimenta que desembarcou em Bissau em 14JUN70 chegou ao Pel Caç Nat 61 nesse mês, então sediado em Cutia e na dependência da CCaç 2589/BCaç 2885, para substituir o camarada João António Pina que terminou a comissão em 20JUL70.

Os Fur Mil José António Rodrigues Amorim (desembarcou em Bissau no mesmo dia e apresentou-se possivelmente no mesmo dia que o Pimenta), substituiu o camarada José Rosa Matos França (fim de comisão em 02JUL70) e Armando Barbosa de Sá (desembarcou em Bissau em 20JUL70, apresentando-se nesse mês) que substituiu o camarada Mário Jorge Fernandes (fim da comissão em 02LUJ70).
O Alf Mil Simeão Duarte Martins Ferreira (desembarcou em Bissau em 17AGO70 apresentando-se nesse mês), substituiu o camarada Rodrigo Lopes, de quem não tenho recordação, (fim de comissão em 29JUL70).

Sobre o Cabo Luís Cordeiro Anastácio não possuo elementos, possivelmente teria chegado depois de 14FEV71, já com as novas unidades que nos renderam.

Quanto à cama não foi para mim, já que enquanto estive a "saborear os prazeres daqueles saudáveis ares de Cutia no Resort que a foto mostra e de que o camarigo fermero Tisseira ainda viu os vestígios que restam quando desta última passagem por aquelas terras", como digo a cama era uma igual a tantas outras de ferro, apenas com o "privilégio" de que não o tinha "beliche", como todas as outras possuíam, para "armazenar" todos aqueles homens naquele abrigo.

Destacamento de Cutia
Foto: © Jorge Picado

Talvez o Cap da CCaç que rendeu a 2589 tivesse optado por uma mais confortável. Sobre o pessoal deste Pel, apenas tenho tido contacto com o ex-Alf Simeão, nos almoços de Monte Real, onde ele aliás é médico das Termas.

Quanto aos almoços do BCaç 2885 eles são normalmente no 1.º sábado de Março. Apenas este ano a data foi em Maio, por razões anómalas. Serás bem-vindo a estes almoços e já agora porque não te juntas a esta Grande Tabanca e contas as tuas lembranças? Aqui fica o convite.

Abraço
Jorge Picado
ex-Cap Mil da CCaç 2589 e não só.


3. Comentário do editor:

Continuamos a ver publicados comentários de camaradas que não se identificam.
Por uma questão de cordialidade para connosco, devidamente identificados, com foto e tudo, deveriam os postadores de comentários deixarem o seu nome, posto e unidade, e se possível, o contacto electrónico.

Terão estes camaradas vergonha da sua condição de ex-combatentes?

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12486: O nosso livro de visitas (173): C. Carmelino, da CCAÇ 2701 (1970/72), a companhia do Saltinho... Esteve sempre no QG, em Bissau, na Amura, onde foi condutor do major Carlos Fabião

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12287: Memórias de Mansabá (30): Um nunca acabar de recordações (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67) com data de 9 de Novembro de 2013:

Olá amigo Carlos
Olá caro camarada Mansabense
Pois é tu estiveste duas semanas ausente, eu estou, ou ando a maior parte do tempo ausente!
O tempo é o grande mestre! Claro que ter deixado a minha serra e ter vindo trabalhar para Lisboa as escolhas eram muito poucas, e com aquele pequenino pormenor de o pais ignorar o que se passava no Ultramar, logo não se poder falar muito.

Entre a minha época e a tua já houve uma diferença, cada vez era mais difícil esconder as coisas. Mas quando me reformei não tive a noção das minhas limitações, e ao ter ficado com a casa que era dos meus pais soube muito bem e não me doíam os ossos, não me custava nada lá ir e ia com gosto e alegria, hoje aborrece-me muito, ou pelo menos já não tem a graça que tinha, mas não quero abandonar as coisas, e lá vou indo e isto tudo para dizer que só no principio da semana recebi o teu email que desde já agradeço, assim como agradeço, a fortificação de Cutia e o mapa da nossa área critica!
Mas antes faço um reparo a mim próprio eu esqueci-me um pouco que tu também lá estiveste em condições de “hospitalidade“ diferentes na rua, mas na prática iguais. Tenho lido muito e quando há tempos vi que andaste por Manhau, não senti como que uma necessidade de te fazer perguntas sobre aquilo, mas disse cá para os meus botões, mais um que lá andou a arriscar a pele.

Não sei se no teu tempo ainda havia uma serração a funcionar em Mansabá! Era logo à entrada à esquerda quando se ia de Cutia. O dono fez o favor de me convidar e a mais dois ou três para irmos lá almoçar, jantar! Não eram ofertas por pura simpatia, era a necessidade que ele tinha de se dar bem connosco, tendo as relações piorado muito, quando nós não trouxemos de Banjara um trator enorme de lagartas que lá tinha ficado quando ele fugiu de lá.
Esse senhor com meia dúzia de caçadores africanos, mais os lenhadores e mais uns loucos como eu que íamos à caça, cortava madeira na zona de Mansomine, não passava aquela zona sem floresta antes de Cucuto e também não se aproximava muito de Demba Só.

Imediações de Mansabá que a CART 2732 palmilhava frequentemente, não evitando mesmo assim o mau feitio da vizinhança. Vd. Carta de Farim 1:50.000
Legenda: CV

Para o lado de Morés, nada, e depois com um certo à-vontade em frente e para a direita em relação à pista de aviação. Eu falo disto com muita emoção, mas o engraçado, ultimamente quando vou ao Algarve já não levo computador, se levo não abro, até porque a banda larga é uma porcaria, eu leio e penso, tento recordar! Eu lembro-me de sair de casa, já camuflado, com uma mala numa mão e um saco ao ombro, mas não lembro emoções nenhumas nem de pessoas terem falado comigo. Só lembro uma enfermeira da terra que veio no mesmo comboio que eu, Lagos – Barreiro se preocupar muito comigo!

Depois de termos desembarcado na Madeira e nos últimos dias de viagem, eu comecei a sentir uma certa expectativa em relação a Bissau. Depois de tanto ter ouvido da história dos portugueses e seus feitos, eu ia finalmente pisar uma cidade, capital de província, deveria ter que ver. Não digo que foi uma desilusão, digo onde estás Bissau, não sei que se passa com meus olhos que te não enxergam, estou a passar por ti e não te enxergo.

Uns campos, uns montes de bagabaga e eis que estou noutra grande cidade, Mansoa!

Tiro-lhe o Man e fico com o soa!
Mas não soa
Não soa os ecos da cidade.
Soa o estrondo das armas
Não soam risos de crianças
Soam choros de criança
Não soam risos de gente feliz
Soam gritos de gente com raiva
Soa o silencio de uma cidade em guerra
Parto para Mansabá que tem algumas casas com traços de arquitetura mas com janelas e terraços tapados a tijolos de terra batida.
Mansabá com a sua rua principal chegava a ter alguma beleza, quando as acácias floriam e se enchia com o garrido das bajudas, talvez se passeando!
A Mansabá, tirando-lhe igualmente o Man fico com sabá
Sabá rainha do saber
Foste uma rainha para muitos de nós
Não pelo saber
Não pelos teus encantos
Mas pelo teu poder total
Porque nos prendeste
Porque nos acorrentaste
Porque nos escravizaste
Porque nos obrigaste a fazer coisas que não queríamos
Porque transformaste nossos cérebros
Porque transformaste nossas personalidades
Porque transformaste nossas vidas
Porque transformaste a vida dos nossos familiares
Porque dispuseste de nós como te apeteceu Incluindo deformar nossos corpos
Incluindo tirar nossas vidas
Nunca ouvindo nossos pedidos de clemência
Mas eu não te odeio
Se calhar até tenho saudades tuas

Carlos, o texto são mais umas linhas para juntares a tantas que tens recebido.
As fotos são para voltares a ver aquilo que nunca esqueces.

Um obrigada por tudo
Um abraço aqui de Mansabá
BCAÇ 1857 / CCAÇ 1421
Ernesto Duarte
Furriel Miliciano

 Ernesto Duarte em Mansabá(?)

O Fur Mil Ernesto Duarte junto ao memorial da sua Companhia (CCAÇ 1421), "Os Caveiras" 


 Duas vistas aéreas de Mansabá no tempo de Ernesto Duarte

Ernesto Duarte na "avenida" de acesso à Porta de Armas do aquartelamento de Mansabá, tão bem descrita com a sua alma poética, acima, no texto

Ernesto Duarte numa das paradas do aquartelamento de Mansabá

Fotos: © Ernesto Duarte. Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: CV)


2. Comentário do editor:

Caríssimo Ernesto Duarte
As tuas palavras, quando falas de Mansabá, são apaixonadas, deixando transparecer o quanto ficaste marcado por aquela "terra onde se arde vivo", assim designada no livro "Guiné 1965 Contra Ataque", de Amândio César. Compreendo-te porque ali permaneci 22 meses e 11 dias.
A minha actividade operacional e ocupação das "horas livres", ajudando na Secretaria, não dava para grandes convívios na tabanca. Conheci meia dúzia de civis, os nossos dedicados guias e milícias e nossos camaradas do Pel Caç Nat 57. Lembro-me bem dos domingos em que nos vestíamos umas horas à civil, para arejar a roupa, e íamos passear a tabanca. Sentia-se um ar diferente nestes dias. Quase só os pelotões de piquete e serviço estavam ocupados. Com a noite voltava o sentir da guerra e os sentidos entravam todos em modo de emergência.

As horas mal dormidas em alerta permanente; os sucessivos ataques ao aquartelamento e tabanca; as sempre perigosas colunas para Mansoa e Farim; a protecção, com emboscadas quase diárias, durante meses aos trabalhos de pavimentação do troço da estrada Bironque-K3; as emboscadas nocturnas no fim da pista e no Alto de Bissorã; os patrulhamentos diurnos e nocturnos, assim como as operações, são parte da nossa memória que se apagará só no último dia das nossas vidas.

Quanto à Serração de que julgo falares, no meu tempo estava já desactivada e era um local de passagem muito perigoso.
Havia contudo um branco, não sei se é do teu tempo, o senhor José Leal que, com uns quantos colaboradores locais, abatia árvores algures nas imediações de Mansabá. Não precisava de protecção e tanto quanto me lembro nunca foi atacado. Provavelmente explorava a área que referes. Sinceramente não me lembro se ele tinha alguma serração ou se trazia os toros já limpos do local. Lembro-me que a camioneta era muito velha, que só tinha a cabina em cima do chassi onde transportava os toros.
Fica aqui a sua foto para ver se te lembras dele. Morava do lado de fora, quase encostado ao arame que cercava o quartel, por trás da casa do gerador e da mecânica, quem ia para a tabanca do lado esquerdo, quando se saía a porta de armas.

Mansabá, Abril de 1971 - Senhor José Leal segurando a sua filhota, o Cap Mil Jorge Picado, ajuda, e o Alf Mil Manuel Casal, assiste.
Foto e legenda: © Caros Vinhal. Todos os direitos reservados.

Não de Mansabá, mas de Leça da Palmeira, recebe camarada mansabense Ernesto, um fraterno abraço e os melhores votos de boa saúde.
CV
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12150: Memórias de Mansabá (29): A tabanca de Manhau já não existia em 1965 (Ernesto Duarte)

domingo, 27 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12209: Memória dos lugares (247): Galomaro e Cutia, ontem e hoje (António Tavares / José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 13 de Julho de 2013, a propósito de um monumento existente em Galomaro que terá a ver com uma homenagem da CCAÇ 2405:




HOMENAGEM DA CCAÇ 2405 A (?) …

Em 1970 junto ao heliporto do quartel de Galomaro existia um monumento de HOMENAGEM DA CCAÇ 2405 A (?) …

Eu leio: C I P. PIL. AT. ANTÓNIO F. M…

A certeza, não tenho!

Nas duas primeiras imagens vemos os proprietários das fotos.

Fotos do tempo das CCS dos BCaç 2912 e 3872 portanto de 1970 a 1974.
Passados 42 anos esse monumento ainda existe como se vê na terceira fotografia, da autoria de Gil Ramos, da Missão Dulombi - 2012.

A CCaç 2405 era muito respeitada e lembrada pela POP de Galomaro talvez a razão de o monumento, com as deteriorações devidas ao tempo, ainda ser visível.

A história da CCaç 2405 consta de escritos na Tabanca Grande, nomeadamente no P11835.

Aos autores das fotografias as devidas vénias e agradecimentos.

António Tavares
Foz do Douro, 13 de Julho de 2013

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1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 22 de Outubro de 2013:

Caros editores
No poste 12150 mostra uma foto de Cutia no texto do Ernesto Duarte.
Em 2013 passei por Cutia e tirei as fotos que se seguem e creio que correspondem ao mesmo abrigo.

Abraço
Zé teixeira




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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12011: Memória dos lugares (246): Gabu / Nova Lamego, 1972/73 (Joaquim Cardoso)

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12150: Memórias de Mansabá (29): A tabanca de Manhau já não existia em 1965 (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67) com data de 28 de Setembro de 2013, a propósito de uma pergunta que lhe foi feita sobre a tabanca de Manhau:

Uma boa noite com cordialidade, Carlos.
Uma boa noite por Mansabá.

Vou falar um pouco sobre Manhau.
Não, em 1965 a Tabanca de Manhau já não existia e segundo o que ouvi devia ter ardido por fins de 1962, melhor entre 1961 e 1963. Dizia-se também que foi naquela região onde a revolta se deu. Mas isto são conversas de Tabanca e não havia unanimidade.

Diziam que tinham assaltado uma camioneta de passageiros, tendo-a queimado, ainda lá estava no meu tempo, tendo morrido uma professora.

Algumas das tabancas desactivadas no tempo da CART 2732 dentro da sua zona de acção, que a Leste, terminava na bolanha de Manhau.
Ver Carta de Farim

Logo quando se passava a Bolanha, indo de Mansabá, havia uma subidinha antes da zona mais plana, onde esteve o aquartelamento, onde ainda se podia ver o esqueleto da camioneta.
Dizia-se que um oficial Português de nome Pita Alves, que eu conheci em 64 em Tavira, tinha sido lá ferido. Pouco tempo depois a tabanca tinha sido incendiada. O incêndio terá sido medonho, dizia-se.

Por um lado, Ussado, Cubande, por outro, Mantida, Gussará, Uália, Bambaia, Bagadage, Gendo, Biribão, Canjambari e outros nomes que eu já não lembro, estavam cheios de população.
O comando decidiu construir Cutia, Manhau, Banjara e mais tarde o K3.

Destacamento de Cutia 
Foto: © César Dias

Quando cheguei, Cutia estava acabadinho de fazer. Eram todos iguais, a estrada ao meio do quadrado, um buraco a cada canto, mais quatro buracos entre os cantos e mais uns dois ou três para comando e transmissões.
Dizia-se que nos ataques violentos a Cutia tinham deixado no terreno, dois cubanos e uma bazuka 8.8.

Em Manhau ainda a 1421 participou nos acabamentos.
Nos ataques violentos que fizeram, deixaram no terreno um morteiro 8.2 rachado como se uma granada tivesse rebentado no cano.

Destacamento de Banjara
Foto: © Alfredo Reis (2009). Direitos reservados.

Em Banjara a 1421 foi prestar segurança aos trabalhos e limpar a estrada desde Mantida.
Apanhou-se muita gente, à qual se deu conservas e se disse para irem espalhar a boa nova. Nem um voltou.

Eu na metrópole nunca tinha ouvido falar no BCAÇ 1858, nem na companhia 1422.
Instalados em Mansabá, com uma Companhia dos Águias Negras, eles em quadrícula, nós em intervenção, saíamos todos os dias e algumas delas grandes, tanta tabanca queimada, tanto campo de milho destruído, tanto prisioneiro. Era hábito aparecerem outras tropas para irem connosco, ou nós com eles, desde Paraquedistas, Comandos e Caçadores, sempre com pelotões africanos.

Uália, mais ou menos a norte de Manhau, já tinha sido visitada umas quantas vezes, e naquela noite era mais uma. A minha Companhia, não sei como foi com as outras, desde logo se organizou em três grupos de combate, tendo ficado um alferes, um santo, livre. Mas houve necessidade de se proceder a uma substituição e coitado dele, aquilo calhou de maneira que ele foi a todas.
Ele não tinha muito jeito, se isto tem alguma lógica dizer, e os soldados também não sentiam o apoio de que se calhar necessitavam. Com os sargentos, gordos e barrigudos, o problema ainda foi pior. Eu e uns quantos éramos velhos, tínhamos quase 24 anos, a maioria dos milicianos, ainda não tinha os 23 anos.
Naquela noite de chuva com uns fulanos que eu não conhecia, lá fomos até Manhau, para dali, altas horas da noite, sairmos para o Ualia, e lá estava o Verissimo.

Como as condições eram nulas eu fui para a cabine da GMC que era o carro da água.
Passado pouco tempo veio apanhar abrigo o capitão, grande homem. Então lá estás mais uma vez por conta do barco, tens que olhar por fulano e o ajudar. Entretanto a conversa continuou e nós começamos a pensar que o combinado, que era sair em direção a Mansabá e de pois voltar à direita e subir a bolhanha, não era muito viável. A bolhanha era um rio, decidimos, apanhar o lado de uma picada que em tempos tinha sido perpendicular à estrada, atravessando o quartel. Reunimos em cima da hora no comando para dar esta informação, tudo certo.

O capitão perguntou a mim e ao malogrado Feijão:
- Vocês já sabem como é na frente?

Eu disse:
- Vou eu à frente.
- O Feijão já te está a armar em chefe, quem vai sou eu. Anda lá vamos os dois e fulano vai sempre comigo.

E fomos saindo os dois, pondo a coluna em marcha, recomendando para não se afastarem porque como estava muito escuro podia-se perder o contacto.
Penso que a coluna ainda não tinha saído toda do arame, um moço de Coimbra gritou:
- Arame.

Voei para a cova do lixo, ficando todo cortado pelas latas. Levantei-me fui ter com o Feijão, era o que gritava mais. Peguei nele ao colo, pontapeei todos os que se não levantavam. Ele morreu nos meus braços. Fui buscar mais e mais e o meu homem com o pânico instalado.
Começaram a aparecer luzes não sei de onde.

O Veríssimo apareceu no blogue quando eu te mandei isto e ele leu. Ele diz que quem estava para ir à frente era ele. De facto era, mas era no plano inicial. Claro que eu nunca esqueci e o Capitão também não esqueceu.

Quando eu fazia serviço em Mansabá, alta noite, ele ia ter comigo e bebíamos um trago de brandy. Dizia ele:
- A culpa não é tua é só minha.

Eu sei que não mandava, mas estive de acordo e quando nos despedimos em Abrantes, a nossa culpa esteve presente.
Muito mais tarde quando nos reencontramos, a conversa veio todinho ao de cima.
Claro que senti alguma alegria, alegria infantil, quando encerramos Manhau, quando destruímos aquilo tudo à granada de mão. Mas antes ainda, e também na ausência do comandante de Pelotão, apanhei uma emboscada, antes de chegar à Bolanha, que a artilharia teve que bater os lados da estrada.

Furaram o carro da água todo e os bancos das viaturas.
E ainda há outra, que também tem a sua história.

Numa viatura,  4 a 8 fulanos iam às laranjas a Mantida. Foram uma vez, foram duas, foram muitas, mas naquele dia não foram porque uma mensagem avisava da passagem de uma coluna de metralhadoras pesadas, que ia passar a caminho de Bafatá.
O terreno era duro e direito, eles entraram pelo capim. Que estragos meu Deus. Isto já não consegue mexer mais comigo, mas se faz parte daquelas coisas que continuam a me encher de raiva e a tirar o sono.

Um abraço, Carlos e tudo de bom para ti
Mansabá, 28 de Setembro de 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12081: Memórias de Mansabá (28): Minas na estrada de Mansabá (Francisco Baptista / Carlos Vinhal)