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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7800: Memórias de Mansabá (19): Operação Vaca (Ernesto Duarte)

1. Continuando as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-mos mais esta mensagem com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (19)

OPERAÇÃO VACA

Vieram-me à memória ainda muitas coisas e há milhentos episódios em que eu não estive presente. Falei por vezes no geral, mas eu estive lá e sempre fui observador, e é com muita admiração que eu olho para a capacidade de resistência e disciplina daquela malta. Quanto à resistência havia muito poucos que chegassem aos 70Kg quando regressaram, mas ainda me falta falar de uma operação, a última que foi ir a Mantida... assaltar o curral das vacas.

E lá fomos, por acaso já com alguma euforia, era a última noite fora, caminhos e sítios conhecidos, não chovia, passámos a bolanha, a zona de floresta, o campo de mancarra, uns pela esquerda, outros pela direita, entrada na mata voltados para Morés, e logo no principio lá estavam as vacas presas com cordas. Cada um à sua e retirar o mais rápido possível.

Nem todos tinham jeito para vaqueiros, queriam que as vacas corressem, mas... mas era preciso deixar o campo de mancarra rapidamente e entrar na floresta. Houve algum engarrafamento, até que chegaram os pastores, as vacas tiveram muito medo dos tiros, mais difícil foi segurá-las, muitos deixaram-nas fugir, calámos os pastores, conseguiu-se meia bolanha onde havia uma espécie de ilha com árvores e palmeiras, onde ficámos uns quantos e as armas pesadas. Eles vieram mais fortes, mas um homem da bazuka pôs lá uma ou duas mesmo no sitio. Foi mais um regresso em calma e ainda com muitas vacas que o nosso Capitão ofereceu em grande parte à Tabanca. Tudo que sobre um ponto de vista foi inglório, tinha que acabar também sem grande glória, ou pelo menos algo inserido em toda a ilógica. Acho que naqueles dois anos fiz muito pouco pelo meu País.

Eu sei que foi uma guerra dos soldados e seus familiares, não fomos voluntários, claro que há excepções, fomos porque fomos obedientes e cumpridores, fizemos o que a pátria mandava. Volto a dizer que sou de origem muito humilde, mas tenho o orgulho e a altivez das gentes da serra, não quis, não quero nada, o país nunca aceitou que estava em guerra, também não me parece que seja hoje, que seja amanhã, que reconheça o facto nobre que um indivudúo fez, responder presente quando a pátria o chamou. Continuo a amar a minha pátria com orgulho e lealdade, mas eu sempre a tenho visto por caminhos atribulados, ou pelo menos que eu não gostei, não gosto, não espero nada dela, só gostava que ela pelo menos me deixasse quieto no meu canto, porque cada vez gosto menos das máquinas estatais e dos homens que as conduzem.

Eu gosto da verdade pela verdade, sem peias sem obrigações, que nascem e crescem, porque têm o tal coração enorme, o tal abnegação sem limites.

Sabem bem ver o senhor Luís Graça e o senhor Carlos Vinhal, totalmente independentes terem atingido os números que atingiram.

Não me venham bater por causa do senhor, porque eu bato já em mim, mas foi uma maneira que eu arranjei para dizer um muito obrigado sincero à vossa independência.

Éramos uma companhia cultural, criámos um jornal e tudo.

Ernesto Duarte

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7798: Memórias de Mansabá (7): Recordações sobre o Fur Mil Jaime de Matos Feijão (Manuel Joaquim/Veríssimo Ferreira)

Guiné 63/74 - P7798: Memórias de Mansabá (18): Recordações sobre o Fur Mil Jaime de Matos Feijão (Manuel Joaquim/Veríssimo Ferreira)

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (18)



1. Dois comentários colocados no poste do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857,
Mansabá, 1965/67), da autoria do Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá
, 1965/67) e Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil da CCAÇ 1422), por motivos evidentes merecem o nosso destaque.


2. O comentário do Manuel Joaquim, publicado no dia 16 Fevereiro, pelas 04h40:

Meu caro Ernesto, um grande abraço.Estou emocionado com a tua referência à morte do Jaime de Matos Feijão. E relembro:

A bordo do Niassa, a caminho da Guiné, numa mesa do bar alguns furriéis redigiam a sua primeira correspondência para ser enviada do Funchal, aproveitando a paragem do paquete. A conversa derivou para os perigos que a guerra nos reservaria. E, blá, blá, blá, falou-se em cálculo de probabilidades e todos aceitaram a ideia de que era praticamente impossível não morrer ninguém de toda aquela gente que enchia o Niassa. Saiu-me uma frase seca: "tenho a certeza de que não regressaremos todos". O furriel Feijão, debruçado sobre uma folha de papel, e com um ar meio perdido, sai-se com uma expressão do género "não sei porquê mas sinto que não vou voltar". Como é óbvio, o tema da conversa acabou ali com gargalhadas forçadas, a minimizar em absoluto tal ideia e a tentar levantar o ânimo do Jaime Feijão, "que ideia mais estúpida, pá!"


Fiquei tão surpreendido que nunca mais me esqueci de tal momento. Eu era radicalmente antimilitarista, anti-guerra. E tinha sido o Jaime a convencer-me a tirar uma foto em farda nº1, farda que ele arranjou e me emprestou para a fotografia. Para quê a foto? Para deixar à minha mãe, mulher do campo aterrorizada com a minha ida para a guerra e sem qualquer noção sobre o "campo de batalha". Dizia o Jaime que, assim vestido, a poderia convencer de que iria chefiar, mandar os soldados fazer a guerra, ficando eu mais resguardado do perigo. A verdade é que me convenceu e fiz tudo para a minha mãe acreditar nisso. Não sei é se acreditou. Pelo desespero mostrado na gare marítima aquando do embarque, é de julgar que não.

Chegados à Guiné no início de Agosto/65, o nosso BCaç 1857 dispersou-se: a minha CCaç 1419 fica em Bissau quase três meses, a CCaç 1420 ruma a Fulacunda e a CCaç 1421, do Jaime, segue para Mansabá, via Mansoa.

Julgo que a 20 e poucos de Setembro/65 a notícia cai na 1419 e atinge-me violentamente: "O Jaime morreu! Como? Porquê?"

Fico por aqui, estou a chorar.


3. O comentário do Veríssimo Ferreira, publicado no dia 16 Fevereiro, pelas 14h00.
Caro Ernesto. Triste mas mesmo muito triste fiquei e estou ao ler este facto, pois que me atinge directamente. Eu estava lá com a minha secção. Como lá fui parar não sei mas estava em Mansabá nessa altura e fui convocado para ir aprender convosco nessa operação e em Manhau o v/comandante nomeou-me para ir à frente naquele local e o Feijão ir-me-ia dando indicações como se actua no mato, mas este (O Feijão) disse: não, este gajo é maçarico vou eu à frente e a secção dele atrás da minha. Assim foi e lá morreu ele por mim.

Algum tempo mais tarde confessei isto a um irmão que trabalhava num daqueles barcos que iam Bissau, não sei se o "Rita Maria" se o "Manuel António" e chorámos juntos. Ainda recordo também as palavras duras daquele v/comandante e dirigidas não sei se prá mata se para o céu lá mesmo em Manhau e após aquele triste desenlace. Tenho mais a dizer sobre isto e um dia espero que possamos conversar. Para já diz-me só uma coisa que me tem baralhado todos estes anos: O alferes Carvalho estava ou não a comandar Manhau, nessa altura embora nessa noite lá não estivesse?

O meu contacto é verissimoferreira@sapo.pt

Fur Mil da Ccaç 1422.

Um abraço e obrigado.


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Notas de M.R.:

Ver também sobre esta matéria o poste:

15 de Fevereiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7793: Memórias de Mansabá (6): Aquele Manhau (Ernesto Duarte)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7793: Memórias de Mansabá (17): Aquele Manhau (Ernesto Duarte)

1. Continuando as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-mos esta mensagem com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (17)

AQUELE MANHAU

Relembrar um pouco para o outro lado, como disse a cronologia das datas foi-se, mas como é fácil de perceber a nossa área territorial era muito grande e eu tentei e vou tentando falar, por sectores.

Manhau a Canjambari com passagem por Mantida, fez-nos andar muitos e muitos quilómetros, é uma zona diferente de Morés na vegetação, e como estava ocupada na altura pelo IN, muita população, mas Casa de Mato com muita força, só Uália.

Mantida > JAN1972 > Furs Mil Carlos Vinhal e Rui Sousa da CART 2732 (segundo e quarto a partir da esquerda) com camaradas da 27.ª CComandos.

Fomos muitas vezes até Gendo Canjambari, saía-se de Manhau ainda tínhamos lá o destacamento, como sempre de noite tentando evitar as zonas habitadas passando por elas no regresso. Uma noite saímos com destino a Canjambari, era muito longe, chegámos ao amanhecer e passamos lá o dia, andando à procura... à procura, era um terreno relativamente aberto, de quando em quando uns tiritos, íamos preparados para ficar lá essa noite e ficámos. Acampámos ainda de dia em circulo, cavando-se uns pequenos abrigos, comeu-se o que havia e ficámos quietinhos à espera que anoitecesse. Assim que escureceu, rapidamente e em silencio, fomos ocupar uma zona de grande arvoredo, instalámo-nos o melhor que foi possível, passados uns minutos o lugar onde tínhamos estado foi atacado com uma violência enorme, assim que se aperceberam que não tinham resposta, calaram-se e assim nós passámos mais uma noite da Guiné. No outro dia começámos a regressar e a tentar passar pelas zonas populosas, chegámos já muito tarde a Manhau, com os milícias que andavam connosco carregados de coisas que tinham encontrado, e com alguma população civil, recuperada...

Ida a Uália, cercada por uma bolanha, a qual passamos ainda de noite, entrando por um sítio que os surpreendeu, o fogo foi muito rápido, mas aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido, passado pouco tempo, estavam a bater a zona com morteiros e muito bem regulados, nós fomos para o lado deles, o silêncio impôs-se, voltamos por Gussará, onde encontrámos população civil, recuperámos mais...

Passados uns tempos, uma noite de chuva e nós a caminho de Manhau, um grupo de combate e outro dividido a meio, duas grandes secções, comandadas pelo Alferes Henriques, a quem eu daqui, com todo o respeito, envio um grande abraço e peço, apareça Henriques.

No pequeno abrigo do comando de Manhau, todos molhados, o Comandante de Companhia, o Alferes Henriques, o Alferes Carvalho dos Águias Negras, a fazer de anfitrião, os outro não me lembro, talvez o Alferes Varela, a quem eu igualmente com todo o respeito mando um grande abraço, talvez ainda o Teixeira o Fur Mil Feijão, que com fervor peço que tenha no céu uma vida melhor da que teve na terra, e eu. Vimos os últimos pormenores, o Alferes Henrique não era o nosso comandante de pelotão e como nós íamos à frente, era sempre um momento tenso, disfarçado com algumas brincadeiras. Disse para o Comandante de companhia: - Eu vou à frente mais o meu cabo às ordens, nós olhamos neles (guias) nem que seja a tiro. Diz o Feijão: - Deixa-me ir eu porque eu nunca fui, e estás a querer armar-te em comandante. Era uma companhia disciplinada, Saímos, os soldados colaram-se a nós até porque o escuro com a chuva ainda era maior e era preciso mais cuidados, os primeiros começaram a andar e lá foi o Feijão à frente. Tínhamos andado muito pouco, continuava a chover e dentro das palmeiras ainda era mais escuro se isso fosse possível, passaram para trás porque havia uma palmeira caída ao longo do trilho. Ao passarmos por trás, oiço um grito: - Arame!!! Voei e gritei para se atirarem para o chão. Deu-se uma explosão enorme, muitos gritos, gritos do fundo da alma, levantei-me, orientei-me e comecei a chamar por eles, muitos responderam:  - Estou ferido.

O Feijão gritava: - Quero um médico. - Pus a espingarda a tiracolo, peguei-lhe ao colo e comecei a andar para o lado de Manhau , deixou de gritar e senti o corpo a apagar-se. Passei-o já cadáver a outros e fui à procura de mais, havia muitos feridos e muita gente desorientada devido ao estrondo da explosão, ao escuro e à chuva que continuava. A escuridão era praticamente total. Já dentro do destacamento de Manhau o Capitão estava mais louco do que todos, queria ir só com voluntários, eram todos, Bissau não deixou, voltamos para Mansabá a pé, sempre chovendo. No outro dia veio a ordem para tirar Uália do mapa com a Artilharia.

Hoje consigo dizer que foi uma noite louca, passada muito próximo do Inferno.

Para o lado do Ussado e Cubane fizemos menos operações, mas mesmo assim fizeram-se umas quatro ou cinco, uma delas a nível de Batalhão com muita gente metida, e por uma semana bem contada, com bombardeamentos constantes pela artilharia pesada de Cutia. É impressionante o efeito que causa na floresta o rebentamento daquelas granadas, o que causaram num grupo de palhotas e nos embondeiros em que acertaram.

Resultados, penso que muito poucos, saímos de lá à noite, uma coluna maior do que o normal, porque se levava muitos carregadores, havia prisioneiros e os guias que raramente sabiam alguma coisa. Vinham atrás da minha secção, que já não era uma secção normal, porque a companhia tinha criado o grupo de comandos Os Caveiras, ficando algumas secções muito maiores. Apercebem-se que se passa algo atrás, vão para lá uns quantos, mas aquilo eram todos pesos leves, não estavam a controlar, eu como peso pesado, e com a capacidade de reagir que tinha, parti a coronha da G3, mas pus ordem na situação num instante. A uns fiz o que tinha que fazer e bem, para mim nunca lá devia ter ido, os efeitos da minha intervenção contribuíram para que fosse muito violento no IN, ou pretenso IN.

Encerro mais uma página, não tem termo de encerramento, mas tem muita dor para mim.
Ernesto Duarte
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7785: Memórias de Mansabá (5): Vamos todos cá ver / O quanto custa aqui viver / Nesta terra que é Mansabá... (Rogério Cardoso

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7773: Memórias de Mansabá (15): A construção dos destacamentos de Banjara e K3 (Ernesto Duarte)

1. Para as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), em mensagem de 8 de Fevereiro de 2011, manda-nos mais este relato.

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (15)

DESTACAMENTOS DE BANJARA E K3

Nós tivemos uma vida muito ocupada, a zona era muito grande, íamos muitas vezes ao comando, e aqueles homens maravilhosos, vinham ter connosco, juntávamo-nos em grupinho, falávamos baixo, e depois só se falava na saída.

Um dia lá recebemos ordem para nos prepararmos, para irmos limpar a estrada Mantida / Banjara. Lá fomos e tirámos não sei quantas árvores, normalmente com os guinchos das viaturas até que chegamos a Banjara*. Dá-se o encontro com tropas de Bafatá, muitos apertos de mão, muitas fotos tiradas pelo serviços do Exército, um içar de bandeira, com tropas nossas e de Bafatá, e lá ficámos não sei se três se quatro dias, mais não deve de ter sido. Fizeram-se umas emboscadas, apanharam-se muitos civis, a quem deram conservas e disseram que a partir daquela altura tinham ali a tropa para defendê-los e auxiliá-los, para irem dizer aos outros e que viessem para junto da tropa. Penso que não veio nenhum.


Foto: © Alfredo Reis (2009). Direitos reservados.

Entretanto começa a funcionar uma lógica, Farim devia de estar para próximo, falava-se disso inconscientemente com uma certa naturalidade.

Um dia fomos todos chamados, muito às claras, em pleno dia e partimos de imediato, tendo-nos sido dito que iríamos para Banjara. Íamos lá para tomar consciência das condições que iríamos encontrar e o que teríamos que fazer para melhorar o espaço. Mais parecia um passeio, mas teve os efeitos desejados, quase desejados, os mais distraídos deixaram de falar de Farim e começaram a falar de Banjara, porém os mais conscientes perceberam que Farim era uma questão de dias.

Aquartelamento do K3
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.

E um dia, não sei quando, ordem levar os sacos com os camuflados, tudo o que era ferramentas, correntes, guinchos, muitas munições, muitas granadas de bazuka e morteiro 60 e 82. O grupo que foi fazer o golpe de mão saiu pela estrada de Manhau, a coluna e todo o material saiu alta noite já pela porta certa, foi longa a viagem mas calma, o golpe de mão tinha corrido bem e foi chegar e começar a cavar, a cavar o K3 (Saliquinhedim)**.

Eu não tenho poder nenhum, apenas sou um indivíduo que nunca foi sócio de nada, que também nunca se comprometeu com a religião e muito menos com partidos políticos, mas um fulano que além de nunca dizer nada para fazer jeito, tenta ser delicado. Tem outro grande defeito, que é gostar muito e muito da sua terra. Não tive problemas na tropa, não tive problemas na vida civil, dei sempre a cara e é nessa qualidade de cidadão pleno, que relembro aquele Pelotão de Sapadores que cavou connosco que teve tanta importância no abrir daqueles buracos, no cortar daquelas palmeiras, no colocar aquele arame farpado. A minha Companhia foi grande, enorme, nos ataques violentos que sofreu, no fazer os abrigos, cavar, cavar, mas teria sido muito mais difícil sem a colaboração daquele grupo de Sapadores.

Os ataques foram dois ao anoitecer, dois três dias depois de começarmos a nos instalar e dois, três dias depois, portanto tudo numa semana.

Foi impressionante a violência dos ataques, impressionante o barulho de tiros e granadas, das chamas das armas vistas de frente, do clarão do rebentamento das granadas, com outro ruído ensurdecedor, dos disparos das LDM, como disparo e o barulho na floresta; depois silêncio, silêncio, cavar, cavar, cortar mais e mais palmeiras e ir passear à cidade de Farim.

Se as granadas que caíram dentro do perímetro do aquartelamento têm rebentado todas, o número de baixas seria elevado, mas por mau estado, com cavilhas, sem espoletas e mal lançadas, ficaram muitas e muitas por rebentar.

Foi criado como um contributo para estabelecer a paz na zona. Deve de ter sido amaldiçoado, tinha um cemitério lá dentro, tendo o grupo Os Caveiras da minha Companhia caveiras verdadeiras às entradas dos abrigos, tendo causado grande zanga na dona Supico Pinto, presidente do MNF que nos visitou lá no K3.


Ernesto Duarte
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu...rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)

19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)
e
23 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4995: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (5): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O meu Bura… ko em Banjara!

(*) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7747: Tabanca Grande (266): Nuno Dempster, autor do poema K3, agora publicado em livro, ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 1792 (Saliquinhedim/K3, Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa, 1967/69)

Vd. último poste da série de 11 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7767: Memórias de Mansabá (3): Uma ida ao Morés (Ernesto Duarte)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7767: Memórias de Mansabá (14): Uma ida ao Morés (Ernesto Duarte)

1. Para as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), em mensagem de 8 de Fevereiro de 2011, manda-nos o relato de uma ida ao Morés.


MEMÓRIAS DE MANSABÁ (14)

UMA IDA AO MORÉS

O tempo continua a passar com uma lentidão impressionante, estamos mais frios, mais autómatos, a Companhia foi uma Unidade disciplinada, reagindo em bloco ao mais pequeno sinal, uma pequenina excepção ou outra mas sem significado.

E continuando voltado para Morés, fomos muitas vezes, fazer emboscadas, patrulhamentos, operações ou golpes de mão, capinar a estrada de Bissorâ desde o Morés para Mansabá, provocar porque sabíamos que havia ali tanta gente.

 Localização da tabanca do Morés

É em mais uma ida a Cai, mais uma noite de água e mosquitos, um cansaço enorme, só quem por lá andou (Guiné) faz uma ideia, uma progressão por aquela mata, tão agressiva, um encontro, um potencial enorme mostrado por eles, começávamos a ter a noção que o potencial inicial era sempre mais forte, eles calaram-se começamos a procurar a zona, já de costas para Morés, à direita da Companhia eu e mais meia dúzia de camaradas procurávamos, naquelas tabanquinhas, que formavam a casa de mato, uns tiros, atirei-me para o chão, vi que o mesmo mexia à minha frente e para a minha direita, dei uma volta sobre mim, para a minha esquerda, um individuo que está um pouco à minha frente começa a dizer "acertei-lhe, acertei-lhe, apanhei-o". Levantei-me sem muita pressa, veio um camarada ter comigo dizer-me que tinha as cartucheiras no chão, apanhei-as. Ficámos a olhar, a tentar perceber porque é que as cartucheiras tinham caído, senti assim como que umas picadas do lado direito, joguei a mão e a mesma veio cheia de sangue, aproximaram-se mais uns quantos e chegamos à conclusão de que as cartucheiras tinham sido atingidas e que tinham sido os micro pedaços do carregador que me tinham ferido o lado direito.

Para mim, senti uma sensação muito boa e a necessidade de dizer muitas vezes: obrigado, obrigado.

Já na bolanha de Mansabá, encontrei o Capitão que me disse com aquele ar de militar muito sério:

- Desiludiste-me, nem sabes cair. Quero o auto de abatimento de material feito imediatamente.

Respondi que primeiro ia pedir a minha evacuação.

Morés.  Uma ida em grande.
A Companhia mais um grupo de Comandos e muitos carregadores com imenso material. Ao começar o raiar da Aurora, com a progressão a efectuar-se, a nossa artilharia começa a despejar para a nossa frente, continuamente. Aquele assobio, o rebentamento, e nós vamos, vamos obedientes, cheios de força e fé pela maldita mata, tem-se as caras feridas, a artilharia pára. Estamos numa zona de pequenas bolanhas com muitas cibes, há tiros, muitos, há morteiradas, muitas, mas é preciso retirar. Foi uma coboiada no melhor sentido. Era preciso tirar de lá o IN porque de Bissorã tinha vindo a CCAÇ 1419, e do Olossato a CART 1486, "Os Lobos". Já se tinha repetido antes, nos mesmos moldes, com êxito apreciável. Esta ida parece ter feito grandes estragos também. Ainda se repetiram no meu tempo mais duas ou três vezes, não com tanto aparato, mas com êxitos apreciáveis. Numa delas, Os Lobos capturaram mesmo muito material.

Vou-me voltar para o lado de Manhau.

Tudo isto está intercalado, um dia para Cutia, outro para Bijine, outro para Gendo, e sempre, sempre com intervalos muito curtos.

Cumprimentos
Ernesto Duarte
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7760: Memórias de Mansabá (2): A bajuda e as colunas para Manhau (Ernesto Duarte)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7760: Memórias de Mansabá (13): A bajuda e as colunas para Manhau (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (13) 

A NOSSA "BAJUDA"

Falar de colunas, é falar de ir a Cutia, passando por Mamboncó, a Mansoa, a Manhau, a Banjara e a Farim, tendo a particularidade que fomos nós que reabrimos os itinerários Mansabá a Farim e Mansabá a Banjara.


Na estrada nós tínhamos uma viatura com o nome de Bajuda deixada pelos Águias Negras, que eu suponho que não tenha chegado até vocês, era uma longa vida para aquele clima.

Era uma GMC com uma casa feita em madeira, pranchas grossíssimas, blindadas com chapa de ferro, não consigo lembrar-me se tinha tecto e se se disparava pelas viseiras, mas sei que tinha sacos de terra por tudo quanto era sitio, e assente na caixa da camioneta também cheia de terra, protegida pela blindagem tipo Mansabá, tinha uma metralhadora pesada, com um poder de fogo impressionante, impunha respeito.

Picar a estrada era uma coisa fora do normal, não falando do andar a pé em África o tempo que se levava, andávamos muitos a pé à frente ainda dos picadores, praticando o desporto, possível naqueles sítios, tiro ao alvo, a tudo o que mexia, macacos, mas do que a malta gostava menos era dos abutres. Esses tiros, algumas vezes, detectaram emboscadas, com a nossa bajuda e as armas pesadas, não causavam muitos embaraços mas há excepções.

Uma delas foi no regresso de uma coluna para Mansabá que foi emboscada, em Mamboncó, com uma violência tremenda, saindo os que tinham ficado em Mansabá em socorro, e logo na subida começaram a levar a sério, tendo sido dada ordem à Artilharia para disparar. Aí calaram-se, mas como estavam muito próximo da estrada não foi logo, logo, mas a retirada deve-lhe ter sido muito difícil.

Tinha sido uma fase nova, os primeiros dias foram de alguma expectativa, voltando ao normal, tendo-nos lixado com mais duas minas anticarro, a primeira no mesmo sitio, onde já tínhamos apanhado com uma, junto à velha serração, e outra mesmo quase a entrar em Cutia.

A segunda junto à velha serração, foi rebentada por uma auto metralhadora, o rapaz ia para Mansoa para ser rendido e afastou-se o mais que pode para a direita da árvore para não passar minimamente na zona dos rodados, ela estava fora, se calhar até já há muito tempo. E acrescento, é de enlouquecer, já tinha tido a visão de uma queimada na estrada de Bissorã, mas ali ver aquela malvada estrutura a arder, e como é blindada não podermos fazer nada, nasce dentro de nós um ódio sem limites, uma vontade de vingança de destruir, as batidas do coração sobem para as 200.


Nós tínhamos o destacamento em Manhau onde um Pelotão com um grupo de Milícia, passava 15 dias. O Pelotão que ia, tinha que levar tudo, incluindo a água. Havia uma camioneta com um depósito de 10.000 litros, e como aquilo era muito perto, fazia-se a rendição, uma parte que trazia o carro da água depois quando o carro da água chegasse, eram os últimos rendidos. O carro da água andava muito devagar e às vezes até ficava para trás em demasia. Não sei a data, só sei que era o dia do Portugal Coreia, em 1966, estavam todos com muita pressa para irem ouvir o relato, não sei se fui eu, lembro-me de falar nisso com alguém, alterar a ordem das viaturas, não sei se com o Comandante de Companhia se com um Alferes. Eu tinha um rádio novo e não queria parti-lo, andando a tratar das coisas com ele na mão, e eles todos a gozar comigo, mas lá fiz ou fez-se a alteração da ordem das viaturas, passando o carro da água para os carros da frente.

Com a criação das caveiras, na prática só tínhamos dois pelotões, havia férias e a esta distancia não me lembro quem era o comandante de pelotão. Um pouco chateados mas lá fomos, eu dentro da bajuda segurando o rádio, quando atingimos a descida para a bolanha de Manhau foi a loucura, vieram granadas de mão, não sei de onde, lá tive que deixar o rádio que não se partiu. Mas com a bajuda, os moços das armas pesadas aguentámo-nos bem, até que parece que eles queriam era o carro da água e quando o viram atacaram sem perceberem que ele não estava no sitio que era hábito, mas eram sempre e sempre mais violentos, o estrondo das G3 levava sempre mais tempo a se impor, aquilo à direita tinha uma zona com muitas árvores, levou o seu tempo até se impor o silencio.

Havia uns rapazes que quando estavam em Manhau iam às laranjas a Mantida e foram... e foram, claro que eles, o IN, pensaram em apanhá-los mais a viatura, só que Deus é grande, eles não foram com a frequência que iam e entretanto, vieram uma quantidade de auto metralhadoras para Bafatá, que ao passarem por Mantida, tinham uma emboscada, pelo que ficou no terreno fizeram estragos enormes, foi feita guerra da mais violenta.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7602: Memórias de Mansabá (1): No coração do Óio, bem perto do Morés (Ernesto Duarte / Carlos Vinhal)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7602: Memórias de Mansabá (12): No coração do Óio, bem perto do Morés (Ernesto Duarte / Carlos Vinhal)

 MEMÓRIAS DE MANSABÁ (12)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 7 de Janeiro de 2011:

Quarenta e tal anos e Mansabá ainda aí estás, com toda a tua força

Caro Carlos
Que a tua vida e a dos teus continue a correr pelo melhor, são os meus sinceros votos, os meus pedidos aos céus.
[...]
Já vi a publicação, está espectacular, gostei de ver, embora quase tudo relacionado com aquele tempo me pareça, um sonho, ou um pesadelo, coisas que pouca diferença fazem, se fosse em Mansabá pedia, parece-me que era o que eu podia fazer, uma menção honrosa, que depois de investigado podia ir a louvor, e digo mais, revi uma montanha de coisas a correr, num segundo, e senti emoção, raiva, alegria e até a saudades, muitas saudades dos que partiram, dos que têm partido ultimamente, muito e muito obrigado Carlos.

Como bom miliciano, como bom homem de Mansabá ao pedir o favor da publicação foi um risco corrido, com plena consciência, era só e mais nada do que poder falar com alguém que fala a mesma língua do que eu, e possivelmente encontrar camaradas do mesmo ano e contar quatro ou cinco coisas que amanhã sejam lidas de outra maneira, que não sejam lidas como a maioria dos nossos contemporâneos as lêem, e que ao lê-las como realidade, como história viva, isto não é pretensão, muito menos falta de humildade, mas desejo que esse alguém, se torne um defensor da paz muito mais convicto, mas por outro lado tenho dúvidas que alguma coisa alguma vez funcione nesse sentido, mas lá vai, não é um alerta é um grito do fundo da alma guerra não, nunca mais.

Às vezes duvido se não está tudo a ser visto com um sinal contrário! Este ano apareceu no mercado uma espingarda e uma pistola metralhadora, aliás vários modelos, funcionando a pilhas, mas exactamente iguais às verdadeiras, em sistemas, em carregadores, e em cadencia de tiro e mesmo com balas plásticas, dentro dos 10 metros tinham uma eficácia muito boa, venderam-se milhões em Lisboa, com paginas na Net explicando tudo, com todo o pormenor.

O teu comentário, eu atrás de mim no OIO, só conheci os Águias Negras, que fizeram Cutia, tinha sido acabada de fazer poucos dias antes da nossa chegada e se em pormenores se a minha memória não falha, sofreram lá um ataque violentíssimo, e ficaram no terreno, mortos os primeiros dois ou três cubanos, e uma bazuca, tendo passado de se dizer que tinham, a confirmar-se que tinham. Chegados a Mansabá tínhamos água boa, tínhamos trincheiras, e aquele barracão com uma cama. Estavam a acabar Manhau, ainda fomos lá ajudar na decoração. Para aí uma semana antes da nossa chegada se tanto, tinham sofrido um ataque violentíssimo, tendem deixado no terreno um morteiro 82 rachado, parecendo que tinha rebentado uma granada dentro do cano, são os assuntos de fala na altura em que nós chegamos. A nossa chegada foi muito melhor com o apoio deles.

Mas aqui também não sei se não os prejudicamos mais do que ajudamos! Nós nunca conseguimos impor o tempo de guerra, as pessoas não compreendem isto, andamos quilómetros e quilómetros sem dar um tiro, sem ver ninguém e num repente, era a loucura. Eles aprenderam com todos os que foram antes e vocês já encontraram tipos não só com o conhecimento do terreno, mas já com muita técnica de guerra e uma principal, levando a luta para o sitio que lhes interessava e aquelas companhias de milícia que nós treinamos, para onde foram ?

Mamboncó, no sentido para Cutia à direita havia uma série de imbondeiros e era a descer um pedaço aí por 64 foram os F não sei quantos penso que do Montijo, pôr ordem na zona, deixando depois lá uns buracos, que no meu tempo foram limpos duas ou três vezes pela artilharia.

O senhor da serração no meu tempo era um fulano de idade, racista com uma criada cabo verdiana, eu gostava muito da tabanca andava sempre por ali e como tal e como eu gosto muito de conversar, conversamos muito, até ao dia em que nós não lhe trouxemos um tractor enorme de Banjara.

Tenho muitas duvidas se com a nossa maneira de ser, não passamos coisas de mais para o outro lado pensando que estávamos a fazer bem e se calhar muitas delas tiveram efeitos contrários, que deus nos perdoe porque a intenção foi sempre a outra.

O tipo mal acabado que estava em Mansabá em 65 e que eu me lembre era o Barata, não me lembro de mais nenhum, os outros sargentos eram bem acabados.

Carlos quanto a publicação de fotos, tu és o técnico eu só digo obrigado.

Vou parar mas volto, digo já faço alguma confusão com os palcos, eram todos muito iguais e naquele tempo as máquinas que tinham flash eram outras e havia quase sempre muita pressa.

Claro, quanto ao escrever mal, já não tenho idade para me preocupar muito, só me fica o respeito por vocês.

Um grande Abraço
Ernesto Duarte


2. Segunda mensagem de Ernesto Duarte, esta com data de 9 de Janeiro de 2011:

Herói, um fulano de coração grande que está no sítio errado na hora errada

Boa noite Carlos

Eu não jurei que vou encher a tua caixa de correio, até porque eu rebentava primeiro, mas como a língua Portuguesa é muito traiçoeira e mais quando não se sabe lidar muito bem com ela, que é o meu caso, gosto muito mais de números, mas como bom militar, que horror, mas como tipo de Mansabá, cá me vou adaptando.

Eu fui não sei quantas vezes, ponho-me residente em Mansabá, a Cutia, mas muitas e muitas vezes, passava-se aquela ponte, junta a uma ex serração, que levámos às costas, subíamos para Mamboncó por uma coisa chamada estrada, com tanto buraco ou tanto alto, nunca soube bem o que era, andava-se aquele pedaço, relativamente bom, Alto de Mamboncó ao fim descíamos por outro campo, que de estrada não tinha
nada.

Eu não acredito em heróis, heróis são fulanos muito homens, muito humanos, com grande espírito de sacrifício, abnegação, amor ao próximo, e um grande coração, e estando no sitio errado na hora errada, o que aconteceu com todos os que foram ao Ultramar. Estiveram no sitio errado na hora errada, para mim são todos heróis, ou Homens Grandes.

Eu falei naquele pedaço de caminho, eu sei que a Guiné infelizmente está cheia deles, mas aquele para quem passou pelo OIO conhece bem e pode avaliar o esforço gigantesco que era escoltar colunas por aquele espaço de estrada. E algumas colunas de abastecimento para Farim e Bafatá com muitas e muitas viaturas. E o trabalho mais importante até talvez fosse não ser soldado, mas sim o comer lama e encharcados e na outra sol de queimar, comendo pó e mais pó e eles quais formigas movimentando-se constantemente para a frente para trás, onde era preciso empurrar, empurrar muito para tirar do buraco ou subir o alto, pôr paus, tirar, paus, segurar, segurar para não se voltar, disparar onde fazia falta e no fim sorriamos uns para os outros, até talvez brincássemos, mas o nosso prémio ninguém nos podia dar, mas também ninguém nos podia tirar, era a nossa satisfação, a satisfação de termos cumprido, não cumprido com A, B ou C mas com nós próprios, uns com os outros, sabíamos que estávamos sós, até talvez nessas alturas não nos revoltássemos muito, mas o grupo sentia uma muito, muito boa satisfação colectiva.

Não te queria assustar, queria e quero dizer que tu, que vocês, não estão no sitio errado, na hora errada, antes pelo contrário, estão no sitio certo, na hora certa mas meteram ombros a uma obra muito grande, para nós podermos falar, contar episódios que pesam no fundo das nossas almas, e a possibilidade de encontrar camaradas que foram amigos e encontrar novos camaradas, novos amigos, que por um capricho do destino, só numa época diferente, deram os mesmos passos, ao ponto de se poder dizer que se confundem, mas com aquela parte que eu acho maravilhosa, a alegria de ser solidário a satisfação de auxiliar, uma satisfação que muitos lhes podem dar, dizendo obrigado, mas que se matem que se esfolem, ninguém lha pode tirar é vossa, e dentro da vossa simplicidade e humildade, sintam a pleno o seu sabor.

Já me esclareci totalmente penso eu.
Vou passar mais umas duas semanas fora.

Um abraço e até um amanhã, depois, depois,
Ernesto Duarte


3. Comentário de CV:

Caro Ernesto, que bom tenhas entrado na tertúlia, porque és da geração a quem a minha muito deve.
Apenas 5 anos nos separam, mas parece uma eternidade, e é numa guerra como foi aquela.

Vocês deixaram-nos a papinha feita, como que um tapete vermelho por onde circulávamos com mais (relativa) segurança, apesar das dificuldades que nos eram impostas pelos possíveis e inesperados encontros com o IN que partilhava aquela parcela de estrada. Mamboncó foi para nós um local fatídico, onde perdemos dois camaradas, o Manuel Vieira e o Espírito Santo Barbosa*, além dos mais de 20 feridos que tiveram de ser evacuados, naquele dia 6 de Dezembro de 1971, a pouco mais de um mês de a CART 2732 terminar a sua comissão de serviço.

Estrada Mansoa - Mansabá > Zona de Mamboncó por onde passava um dos corredores de acesso ao Morés

Fur Mil Nunes, Soldado Barbosa* e Fur Mil Vinhal

Unimog 404 ao serviço da CART 2732 consumido pelas chamas após ter sido atingido por fogo IN em 06DEZ71 na zona de Mamboncó

Mansabá fica na confluência de importantes itinerários, a saber: para Leste, Bafatá; para Oeste, Bissorã; para sul, Mansoa e para Norte, Farim

Mansabá era, no tempo da CART 2732, um quartel modelar onde havia segurança e o mínimo de conforto para várias centenas de homens, graças aos camaradas que antes de nós por lá passaram.

Atenta à foto que abaixo publico e verifica as alterações efectuadas, nomeadamente na zona superior direita da foto onde eram as Casernas, Bar e Refeitório dos Praças, Cozinha, Depósito de Géneros, Arrecadação de Material de Guerra e outras instalações.


 Vamos dar por finda a nossa conversa que é só do interesse dos mansabenses ou de quem por lá passou.

Um abraço para ti com votos de boa saúde
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7586: Panfletos de Ação Psicológica (2) (Ernesto Duarte)

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7466: Memória dos lugares (118): Destruição do Mercado Central Bissau (2) (Nelson Herbert)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7586: Panfletos de Ação Psicológica (2) (Ernesto Duarte)




1. Este é o segundo poste, de dois, com panfletos de APSICO, que eram largados pelas NT no mato, para tentar cativar a tropa do PAIGC e a população que estava do seu lado.

Estes importantes documentos foram-nos enviados pelo nosso, recentemente entrado, tertuliano Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2011.






__________

Nota de CV:

Vd. poste de 9 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7577: Panfletos de Ação Psicológica (1) (Ernesto Duarte)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7577: Panfletos de Ação Psicológica (1) (Ernesto Duarte)

1. Este é o primeiro poste, de dois, com panfletos de APSICO, que eram largados pelas NT no mato, para tentar cativar a tropa do PAIGC e a população que estava do seu lado.

Estes importantes documentos foram-nos enviados pelo nosso, recentemente entrado, tertuliano Ernesto Duarte*, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2011.

Dizia ele na sua mensagem:

Caro Carlos
Se te interessar para alguma coisa tudo bem, se tiveres resmas nos teus arquivos, paciência.
Eu fiquei acordado, vieram umas morteiradas do lado de Mansodé**, estamos a ver o que isto vai dar.
Boa Noite
Ernesto Duarte



(**) Mansodé, tabanca a Sudoeste (SW) de Mansabá de que fala Ernesto Duarte. Cheia de vida, como era perceptível no nosso dia-a-dia, embora que quando lá íamos nunca encontrávamos ninguém.









__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7549: Tabanca Grande (257): Ernesto Pacheco Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7549: Tabanca Grande (257): Ernesto Pacheco Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)

1. Mensagem de Ernesto Pacheco Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 22 de Dezembro de 2010:

Relembrando aquilo que nunca se esquece

Camarada Carlos Vinhal
Muito obrigada pelo teu mail.
Como finalmente, decidi-me a tentar contar a minha história, mais militar, do que civil, vou começar pela internet.

Na minha profissão sempre trabalhei com computadores, mas nunca tive tempo para aprender. Era dada uma chave, e com ela acesso aos campos que como técnicos de nºs tínhamos necessidade.
Reformado, fiquei com um computador, mas durante muito tempo pouco lhe liguei.
Um dia por casualidade, penso que na casa da minha filha, olho para ver que bicho seria a Net e foi facílimo encontrar o vosso SITE e muito rapidamente, encontrava o Passeiro, o Cabral e Mansabá, adorada, odiada, que causou que causa ainda hoje sentimentos contraditórios por vezes dramáticos e violentos mesmo, e outras vezes saudades, não sei bem de quê mas causa e que continua a ter uma força enorme, aparecendo no vosso abençoado site, a cada voltar de pagina, estava lançado e mais uma vez, fui tentando ver, tentando aprender o que mais tinha necessidade, e hoje não ando depressa, mas ando.

Tenho épocas como no Inverno, que lhe dedico muitas horas, no Verão muito pouco, vou para a minha terra e quero ir de mãos a abanar aí dedico-me mais aos jornais, às revistas.

Já escrevi, duas ou três coisas, mas não mandei fotos, e penso que todas elas, desagradáveis, e bastante enroladas, e até talvez mal criadas, o que não faz parte de mim, não escrevi mais, porque vocês são todos uns jovens, a começar pelo Manel Jaquim, eu sou um velho, a minha Mansabá é outra, sem estradas asfaltadas e sem piscinas, mas acho que tão acolhedora como a vossa, eu sou um velho, mas voltar propriamente ao assunto:

Eu sou o Ernesto Pacheco Duarte, nascido a 09.06.1942 (68 Anos).
Antigo Curso Comercial
Natural de Aljezur - Algarve
Camponês de onde o Espinhaço de Cão quase que toca na Foia a (Norte)
Ex-Furriel Miliciano BC1857/CC 1421
Ex-Chefe de Cobranças de Grandes Clientes e Clientes Especiais na Petrogal
Nos clientes especiais estavam incluídas as forças armadas o que durante anos e anos me permitia contactar regularmente com militares.
Resido actualmente em Alfornelos – Amadora - Uma porta Aberta
Sou casado tenho uma filha e dois netos lindos.

A minha vida de militar é igual à de tantos e tantos outros, talvez com a maior diferença, que eu fui para aí a 2.ª ou 3.ª geração a passar a comissão inteira pelo Oio, por Mansabá, com a criação de algo também, para não dizer pior, uma aberração, o K3, só compensado de algum modo com um acampamento que tínhamos em Manhau e que nós encerrámos, mas ajudámos a criar outro em Banjara.

Portanto 40 anos a tentar perceber, o que me tinha acontecido, 40 anos calado falando muito pouco, 40 anos a tentar esquecer, e agora os últimos um pouco anarquista e um pouco mais louco, efeito dos 80 (oitenta) anos que levo agarrado ao mesmo, para não ser muito pesado, digo troquei a pele pela farda de um miliciano que passou por Mansabá.

Em Janeiro de 1964, fui para Tavira, parecia-me tudo louco, uns discursos, que eu não entendia muito bem, mas penso que eram sobre patriotismo, foi muito tempo mas não de todo insuportável.

Acabado o curso, Setúbal e aí havia um problema enorme, não tinham devolvido os invólucros das munições, dos tiros que os batalhões que por lá passavam, era suposto terem feito.

Uns meses de carreira de tiro, a queimar munições, e a não perder os invólucros. Foi Polícia, foi Legião, foi a PVT, quando se equilibrou os stocks, o Comandante agradeceu-me porque eu tinha mantido um muito bom relacionamento, com as forças da ordem civil prevendo-me um bom futuro como homem responsável e quem sabe até no Exército, porque tinha contribuído em muito, para a resolução do problema.

Continuava a não estar muito enquadrado com aquilo, era burro paciência e lá fui para Beja e lá fui dar instrução a um pelotão da GNR e GF que estavam a tirar um curso para Sargentos, estava a ser porreiro. E aí contribuo noutro acto de grande patriotismo, «voluntários» votamos no Américo Tomás. Houve um agradecimento em parada, com missa de acção de graças, com todas as autoridades do distrito, presentes.

Acabada a recruta, exercícios finais na coutada do José Visconde grande amigo do Américo Tomás, mais uma grande festa, com Beja inteira a ver e à noite um grande jantar, e tudo acabou em bem, até para aí dois ou três dias depois, quando os guardas do Visconde, não encontraram as lebres e as perdizes, que eles diziam que estavam lá, e quando tudo estava a correr também eu tenho o primeiro problema, não com o Exército mas com a tropa, a muito custo lá me deixaram sair para Abrantes e sinceramente, não sei como os bichos foram parar às marmitas da maioria da malta.

Abrantes só a loucura de formar duas Companhias, só tendo havido um problema com um jantar porque como bons patriotas tínhamos prolongado a instrução até muito tarde, e não tínhamos dito nada a ninguém.
Em Abrantes não tínhamos Sargentos do Quadro, e havia uns milicianos, como eu já velhotes, e uns que tinham acabado a Especialidade, e tinham saltado para lá.
Este grupinho mais velho fazia tudo, inclusive viver de bem com os seus anfitriões, a quem tínhamos que pedir tudo.

Como dos mais velhos já não assisto ao dividirem a Companhia em duas, porque parto para Santa Margarida onde ia receber tudo o que fazia falta para passarmos lá um tempo que já não estava muito definido em calendário quanto seria, e receber, sargentos do quadro, condutores, cozinheiros, uma pancadaria de gente, de Abrantes só vinham os atiradores.

Começou a mexer comigo, e a sentir um grande peso, uma sensação de impotência muito grande quando saí de Abrantes e há muita gente a despedir-se, e a levantar-se aquela dúvida se nos voltaríamos a ver, trocámos uma série de moradas, eu entro em Santa Margarida já um fulano desconsolado, e com uma sensação de impotência que mais se agrava ao ver as instalações a onde os soldados ficavam a cozinha de campanha, que porcaria.

Assinando um papel por tudo até pelas casernas, não fosse eu vender alguma, um quartel general, com tanto gajo por aquelas secretárias à espera que chegasse a mobilização deles (e muitos amarelados) era o que os motivava, odeio Santa Margarida, odeio a minha sorte, naquela altura.

Aí começa uma outra fase para mim, já desencantado de todo, não compreendia como é que podiam tratar tão mal os soldado, a dureza, violência que representava a porcaria daqueles pavilhões o horror daquele comer de cozinha de campanha e marmita.

E aí fiz coisas gravíssimas quanto à tropa, que deu participações e participações.

Fomos para Alferrarede num carro atulhado, jantar, vestidos de camuflado, à entrada foi giríssimo, com a PM.

O espólio da companhia feito por um sargento ajudante muito gordo, pondo as coisas dentro de uma camioneta, roubamos dessa mesma camioneta tudo quanto fazia falta, apanhamos uma anotação honrosa, por estar tudo certinho.

Quando recebemos as espingardas consegui mais 4, num telefonema que o sarja tinha ido atender, outra menção honrosa, pela responsabilidade que tínhamos demonstrado para com o património da nação, não havia uma espingarda riscada ou com qualquer pequeno defeito…

Oficiais e sargentos fomos fazer os últimos tiros tendo ido o Capitão na viatura connosco, ele desceu e nós fomos descendo atrás dele em plena ordem e respeito, ele foi estender a mão a um capitão gordo que lá estava que lhe deu um raspanete, por não ter apresentado a força, formamos logo rapidamente e cumpriu-se a ordem militar, até ao ínfimo pormenor fazendo com que o gordo se levantasse a cada momento, mas eu trazia uma formação louca de tiro de Setúbal e por ter estigmatismo, o que só soube muito mais tarde, tinha pontaria máxima.

Tivemos todos o máximo em pontuação de tiro e deu para estragar os pés dos alvos quase todos.

O comandante de batalhão apareceu lá queria fazer uns tiritos com a malta, nós à revelia do capitão contamos-lhe, o coronel quis o relatório que o gordo tinha que fazer. O tipo passou por cima de uma série de coisas e só realçou as nossas qualidades como atiradores, e militares disciplinados.

Outro grande crime contra a tropa, na sala de jantar, à entrada os sargentos tinham um cabide enorme onde deixavam as boinas, nós que fazíamos sargentos dia às companhias, arranjava-se outra ordem para as boinas, participações e mais participações.

Quando deixo Santa Margarida e embarco no Niassa aí por Julho de 1965, já não me conheço sou uma pessoa diferente, muito revoltado, uma moral baixíssima, uma auto estima também lá no fundo, um fulano descrente, um fim de semana na Madeira, tendo se esgotado as bebidas no casino e houve baile toda a noite com uma orquestra militar, os estrangeiros, já havia muitos lá nessa altura, e a população da Madeira veio para a rua, adoraram, contra todas as previsões não houve o mínimo desacato, e não faltou ninguém, esse convívio foi maravilhoso, mais uns dias curtindo o resto das bebedeiras, desembarque, e Mansoa um jantar maravilhoso dado pelo Batalhão de Artilharia que lá estava, os Águias Negras, mas a ansiedade e o nervosismo já não se conseguia disfarçar.

Estivemos em Mansoa, 15 dias no máximo.

Nesse espaço de tempo, recebemos as armas fizemos os primeiros tiros, apanhamos os primeiros tiros, um soldado nosso de guarda entre o quartel velho e novo, matou uma preta, um grupo assaltou uns táxis que havia em Mansoa e foram uma noite para Bissau, fomos socorrer, uma auto metrelhadora que na primeira bolhanha na estrada para Bissorã tinha apanhado com uma granada anticarro, acho que com 4 militares lá dentro.

Um furriel nosso ao fazer a ronda à noite a Manssoa, enganou-se no caminho e atolou as viaturas na bolanha, tivemos que ir reforçar o pessoal da ronda, só no outro dia conseguimos tirar as viaturas.

E a terminar, ao irmos fazer guarda de honra a uma companhia de Balantas que iam jurar Bandeira, chove a cântaros e os indivíduos que não tinham sido formados por nós abandonam a formatura.

Mansabá era o destino e apelando ao nosso orgulho não quisemos escolta, o comandante de sector acedeu de boa vontade, penso que ele achou que era uma maneira simples de se ver livre de nós, para sempre.

Mansabá primeira saída «UASSADO» um morto, não dava para respirar, mas lá fomos enchendo os pulmões e começando a respirar com alguma dificuldade, mas estava instalada em nós uma raiva enorme e a partir de aí, acentuou-se em definitivo aquele sentimento nós ou vós, então que sejam vós e assim lá fomos vivendo, usufruindo de uma vantagem que tínhamos à altura as G3 tinham maior alcance do que as pistolas metralhadoras que era o que eles mais usavam, como o barulho do nosso tiro também era mais desmoralizador.

Claro que andei pelo Oio, e fui ao Móres mais do que uma vez e a todos aquelas casas de mato, cercando Mansabá mais do que uma vez.

Tivemos reencontros, alguns violentíssimos, outros menos, em todos os sítios assinalados num mapa que junto e ainda as emboscadas na estrada e as minas.

Estivemos em Mansabá com uma companhia dos Águias Negras depois sozinhos e por fim, já era sede de Batalhão.

Daqui para a frente é-me muito mais difícil falar porque eu ainda vejo as cenas, ainda oiço o barulho das armas e os gritos e ainda sinto o cheiro, aquele cheiro a terra e pólvora, mas eu vou falar e não o faço já porque eu como louco não oficial e como gosto muito de escrever, não tenho a noção da quantidade que escrevo, e como não sou escritor, não tenho que arranjar caixotes de adjectivos, para ficar tudo bonitinho, e como sou muito calão raramente leio o que escrevo.
Mas reafirmo foi muito grande o pontapé que levei à chegada, lá eu não fazia a mínima ideia do que ia encontrar.

Foi muito grande o pontapé que levei à chegada à metrópole, não conhecia o meu país e percebi, ou pelo menos penso que percebi, que era uma guerra de soldados e seus familiares, não a guerra de uma nação.

Era assim como viver de bem com as gentes da tabanca e à noite íamos à procura dos fulanos que conviviam connosco durante o dia, tem exagero, mas talvez não tanto como possa parecer.

Ernesto Pacheco Duarte
Bcaç 1857/Ccaç 1421
Mansabá - 1965 a 1967


2. Fotos enviadas pelo camarada Ernesto:

Vista aérea do Quartel de Mansabá em 1965/67, substancialmente diferente em 1970 - Legenda:
1 - Caserna de Sargentos; 2- Balneários de Sargentos e Praças; 3 - Caserna de Soldados; 4 - Cantina e Refeitório; 5 - Armazém de Géneros; B - Porta de Aramas e estrada para Cutia; 7 - Cozinha Rancho Geral; 8 - Messe de Sargentos, Secretaria, Comanda, Posto de Rádio e Posto Cripto; 9 - Cozinha de Sargentos e Depósito de Material de Guerra; 10 - Casa do Chefe de Posto; 11 - Posto Médico; 12 - Messe e Quartos dos Oficiais; 13 - Homens da Artilharia e Auto Metralhadoras; 14 - Caserna dos Soldados; 15 - Parque Auto: 16 - Peças de Artilharia.

Vista aérea da povoação e quartel de Mansabá

Ernesto Duarte na estrada de acesso ao quartel

Estrada de acesso ao quartel, quem chegava de Cutia. Vê-se lá bem ao fundo a Casa do Chefe de Posto situada dentro do aquartelamento.

Ernesto Duarte em Mansabá

Diz Ernesto Duarte: - Os carregadores, são meus, muito meus, furados na minha cintura, quando eu estava de visita a CAI.

O Movimento Nacional Feminino de visita ao K3, às portas de Farim.


Um foto de Bissorã, infelizmente com pouca qualidade


3. Comentário de Carlos Vinhal:

Caríssimo Ernesto,
Tivemos já umas trocas de mensagens, pelo que sabes como me sinto particularmente honrado por te receber na nossa Tabanca Grande.
Tenho, assim como toda a minha CART 2732, para contigo e para com a tua Companhia, uma gratidão enorme pelo que nos deixaram como herança naquela terra de Mansabá, onde alguém disse, se ardia vivo.

Tivemos o bem-bom de uma estrada alcatroada entre Mansoa e Mansabá, que vos terá custado tanto suor e sangue, como nos custou a nós, a que ajudamos a alcatroar entre o Bironque e o Rio de Farim.
Um parênteses  para te dizer que fui buscar a Mansoa um Primeiro Sargento (de má memória) que vinha destinado à minha Companhia. Ele que tinha estado em Mansabá nos anos de 1965, tremia só de pensar que tinha de fazer aquela estrada até lá. Quando se apercebeu de que já não íamos por picada, mas por alcatrão, o homem até rejuvenesceu. Esteve connosco pouco tempo, felizmente.

Falamos de locais tão familiares que é quase trágico-cómico partilharmos estas recordações. Lembro-me de uma operação à tabanca de Uassado numa noite de temporal desabrido, com um guia que nos prometeu manga de ronco, não tendo acontecido nada.

Vós, como nós, calcorreastes aquela malfadada estrada entre Cutia e Mansabá passando junto ao corredor que atravessava a estrada, em Mamboncó, em direcção ao Móres. Ali nos ficaram duas vidas a um mês do fim da comissão.

Pelas fotos que mandas, constato que as instalações do quartel foram ampliadas depois da vossa permanência, pois os quartos dos furriéis ocupavam no meu tempo as casernas 1 e 3, sendo que a 4 era a messe de sargentos. Os balneários de que falas eram dos furriéis e dos militares locais. Deixou de haver distinção entre alimentação de oficiais, sargentos e praças, havia uma única cozinha e a comida igual para toda a gente.

Lembras-te do senhor José Leal, o homem que explorava a floresta e que matava a fome ao pessoal? Era o único branco existente em Mansabá. Ao tempo tinha com ele a esposa e a sogra. Nasceu-lhes uma menina em 1970.

Se não te importares vou colocar as tuas fotos no site da CART 2732, porque fazem parte da história de Mansabá, onde já quase não há vestígios da passagem dos portugueses.

Esperando que não tenhas esgotado todas as tuas recordações nesta apresentação, fico(amos) à espera de mais histórias do Morés, K3, Bironque, Cutia, Manhau, Mantida (de má memória para CCAÇ 3417), etc.

Recebe desde já um abraço de boas-vindas de toda a tertúlia, prometendo que não deixas morrer, pela parte que te toca, Mansabá neste Blogue.

O teu camarada, amigo e mansabense
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3163: O Nosso Livro de Visitas (25): Francisco Passeiro, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)

Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7506: Tabanca Grande (256): João Bonifácio de volta ao Canadá, desiludido com Portugal