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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15727: In Memoriam (245): Maj-General PilAv Fernando Pedroso de Almeida, ex-Major PilAv da BA 12 (Bissalanca, 1972/73) (Miguel Pessoa)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74), datada de hoje, 9 de Fevereiro de 2016, com a notícia do falecimento do seu camarada, amigo e compadre, Maj-General Fernando Pedroso de Almeida, que foi responsável pelas Operações do GO 1201, na BA 12 de Bissalanca.

Caros editores
Envio-vos este mail para dar conhecimento do falecimento de um meu camarada dos tempos da Guiné, o Maj.General Fernando Pedroso de Almeida.
Nos anos 72/73, como Major, foi o responsável pelas Operações do GO1201, na BA12, e viveu a traumática perda de vários camaradas pilotos e a necessária transição para novas tácticas no Teatro de Operações originadas pelo surgimento do míssil Strela.

Voou nos Fiat G-91 e DO 27 da Esq.121 e nos aviões da "pesada" da Esq. 123.

Desaparece agora do nosso convívio acometido de doença súbita.
Era um amigo pessoal e padrinho de um dos meus filhos e alguém que vou lembrar com respeito.

O velório do corpo será realizado na Igreja da Força Aérea, junto aos Pupilos do Exército, a partir das 17H00 de 4.ª feira, 10 de Fevereiro, e o funeral efectuar-se-á na manhã de 11 de Fevereiro, em hora que não sei ainda indicar.

Um abraço.
Miguel Pessoa

O Maj. Pedroso de Almeida é, na foto, o último à direita na fila de baixo.

2. Nota do editor

Para a família do nosso malogrado camarada Maj-General PilAv Fernando Pedroso de Almeida, que agora nos deixa, as mais sentidas condolências da tertúlia deste Blogue.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15659: In Memoriam (244): Sezinando Ferreira Domingues (ex-Fur Mil da CCAÇ 3328), faleceu no passado dia 17 de Janeiro de 2016, em Leiria (José Câmara)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12265: FAP (79): Os Dias do Strela - Há 40 anos na Guiné (Paulo Mata / Miguel Pessoa)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), com data de 6 de Novembro de 2013, a propósito da publicação de um trabalho sobre a sua odisseia de 25 de Março de 1973, data em que a aeronave que pilotava foi atingida por um míssil Strela.

Olá Luís
Na realidade este artigo do Paulo Mata resultou de um conversa que tivemos no decorrer de um dos nossos almoços da Tabanca do Centro.
O Paulo Mata é um "jovem" de uma geração mais nova que a nossa, que tem o "bichinho" da aviação. Tem aparecido em alguns desses nossos almoços a meu convite e mostrou-se interessado em contar essa minha história.
Para teres uma ideia mando-te o texto saído na revista "Take-Off", com uma disposição gráfica um pouco diferente da que foi publicada no "Pássaro de Ferro" (por acaso até gosto mais desta última).
Sobre uma referência no blogue, tu saberás o que interessa publicar; por mim não vejo nenhum inconveniente, embora já se conheça o final... Até acho que está bem escrita - e o Paulo até me deu a oportunidade de lhe dar uma olhadela antes de ser publicada, não fosse haver alguma imprecisão.
Bom, talvez haja uma - do pessoal abatido pelo Strela fui realmente o único que terminou a comissão.
Outro pessoal que se ejectou antes do meu tempo, não te posso confirmar se acabou por concluir a sua comissão ou não. Mas isso provavelmente não é assim tão importante - apenas serviu para eu tentar explicar quão difícil foi o meu regresso ao "local do crime".
Já tive a oportunidade de referir isto por várias vezes: Quando me perguntavam se senti medo após o meu regresso, disse que sim - não o medo de ser outra vez abatido e morrer, mas sim o de ficar vivo. É que não me via a passar outra vez por aqueles episódios que vivi naquelas vinte horas que estive no chão, provavelmente com um fim bem menos feliz que da primeira vez...

Abraço.
Miguel




2. Assim, com a prévia autorização do autor, Paulo Mata [foto acima], passamos a reproduzir, com a devida vénia, o texto e fotos publicados no Blogue Pássaro de Ferro


OS DIAS DO STRELA - Há 40 anos na Guiné

Texto: Paulo Mata
Artigo publicado no jornal Take-Off de abril de 2013

Um Fiat G.91 R/4 com a configuração habitual de depósitos e rockets sob as asas    Foto: AHFA

Há momentos que marcam uma vida. Há 40 anos, a bordo do Fiat G.91 com a matrícula 5413 da Força Aérea Portuguesa, em missão nos céus da Guiné, o então Ten PILAV Miguel Pessoa teve vários desses momentos, quando foi atingido por um míssil terra-ar SA-7 Strela e teve de se ejectar em território hostil.
O Ten. Miguel Pessoa com equipamento de voo à saída da Esquadra 121 na BA12 - Bissalanca

A 25 de Março de 1973, cumprindo o serviço de alerta na BA12 em Bissalanca, na Esquadra 121- Tigres, que operava os Fiat G.91, a parelha é chamada a responder a um ataque com canhões e foguetões, sobre o aquartelamento de Guileje, no sul da Guiné Bissau, bem próximo da fronteira com a vizinha Guiné Conacri. De serviço nesse Domingo, o Ten. Miguel Pessoa acabaria por descolar sozinho, de modo a identificar visualmente as posições do  inimigo e transmitir a informação ao avião que descolaria em segundo lugar, entretanto equipado com o armamento mais adequado.

A placa de estacionamento com abrigos laterais na BA12 - Bissalanca onde ficavam estacionados os Fiat G.91 da Esq.121

Se há momentos a evitar, estar do lado errado de um lança-mísseis é certamente um deles. Mas foi isso exactamente que aconteceu a Miguel Pessoa, na aproximação a Gandembel, local referenciado pelo aquartelamento como provável base de fogo do inimigo que flagelava Guileje. Já cinco dias antes tal havia acontecido também, então no norte do território, com o míssil (então desconhecido) a deixar um rasto branco, por entre o seu avião e o do TCor Almeida Brito, com quem voava em formação. Desta vez não chegou a ver nada. Sentiu apenas a detonação do míssil na traseira do avião, e imediata perda de potência na turbina.

Um Fiat G.91 R/4 em picada sobre o inimigo    Foto: AHFA

E se há momentos que podem marcar a diferença entre a vida e a morte, puxar a alça de ejecção de uma cadeira ejectável num avião em queda, é certamente também um deles. Momentos que parecem desmultiplicar o tempo e multiplicar as forças. O gesto de puxar a alça de ejecção sobre a cabeça (mecanismo que oferece alguma resistência) foi feito de tal forma, que o piloto julgou estar o sistema de ejecção avariado, tal foi a facilidade com que a alça se moveu. Por outro lado, a ausência de resposta dos foguetes que deveriam impulsionar a cadeira, reforçou a mesma ideia, levando-o a considerar a hipótese de accionar o sistema secundário de ejecção, situado no assento da cadeira, entre as pernas. Contudo, antes de esboçar esse movimento, dava-se já a ignição dos foguetes, que iniciavam a extracção da cadeira do avião. Afinal tinham-se passado apenas 0,3 segundos.

Cadeira ejectável Martin Baker MkG W4B usada nos Fiat G.91 R/4 portugueses e que salvou a vida ao Ten. Miguel Pessoa

A escassa altitude, com o avião em queda desgovernada e já sem comandos devido a falha do sistema hidráulico, Miguel Pessoa ejecta-se da aeronave no último instante. De tal modo, que o pára-quedas não chegou a abrir totalmente, tendo o piloto entrado pelo arvoredo adentro com velocidade excessiva, o que lhe viria a causar a fractura do perónio, no embate com o solo. Acordado no meio de mato cerrado, depois de alguns minutos de inconsciência, havia que avaliar a situação.
Sem ter tido tempo para enviar um pedido de socorro, em zona não controlada por forças amigas, cercado de vegetação densa e inferiorizado fisicamente por uma perna partida e com fortes dores nas costas devido à violência da ejecção, o futuro afigurava-se incerto e pouco risonho para o piloto português. Explorando o kit de sobrevivência que transportava, do material que continha, elegeu osvery-lights e uma pequena bússola, como verdadeiramente úteis, esquecendo os restantes itens por falta de uso prático. Não havia rádio para poder comunicar. Na verdade, era a primeira vez que via tal material. Os treinos de sobrevivência não eram então o que são hoje.
Deslocou-se conforme pôde para uma zona de floresta menos densa, de modo a conseguir lançar osvery-lights e esperou pela passagem de alguma aeronave amiga. Apesar de não ter enviado pedido de socorro, a sua ausência seria naturalmente notada.
Passado pouco tempo, ouvia já de facto o ruído de aviões a jacto, mas a sua (falta de) visibilidade para o céu contudo, impedia-o de saber com certeza, a proximidade das aeronaves e avaliar o momento adequado para o lançamento dos foguetes de sinalização. Passava das 5 da tarde e as esperanças de resgate durante o dia diminuíam com a mesma velocidade da luz do sol, que na Guiné se desvanece cedo e rapidamente. Haveria que passar a noite no meio do nada. A única possível companhia que se afigurava então, era a que menos pretendia: o inimigo. Teriam visto o local do despenhamento? Teriam visto os very-lights que lançou? Andariam à sua procura? Perguntas às quais apenas os ruídos da floresta respondiam. Não tinha sequer a arma de mão que fazia parte do equipamento normal para missões de combate, uma vez que estava no fato anti-G, que não havia vestido, para ganhar tempo na resposta ao alerta.
A noite foi interminável. Apesar do cansaço, pouco dormiu. Todos os barulhos pareciam movimentos dissimulados no escuro da floresta. Todas as sombras se podiam confundir com vultos humanos. Num dos breves momentos em que conseguiu dormir alguma coisa, enganando as dores que sentia, acordou sobressaltado com a sensação de movimento junto à perna magoada. Seria uma serpente, ou apenas a perna partida a latejar? Na escuridão não arriscou mexer-se para saber. Se dum animal se tratou, nunca o chegou a saber. A sensação passou e pelo clarear da aurora já nada lá se encontrava.

Pela manhã, ainda que cansado, e com sinais de desidratação, visto não ter bebido qualquer líquido desde a hora de almoço da véspera, o moral melhorou com a perspectiva de ser resgatado. Não demorou muito para ouvir o som de aeronaves a sobrevoar a zona. Na verdade, havia sido localizado ainda na véspera, pelo TCor Almeida Brito, que em G.91 visualizou um dos very-lights lançados, já muito perto do anoitecer. A hora tardia contudo, inviabilizou o destacamento duma força de resgate ainda no mesmo dia.
O ruído característico dos helicópteros Alouette III fazia-se também ouvir nas proximidades, mas por via das dúvidas e por desconhecer ainda se já havia sido localizado ou não, lançou os very-lights que lhe restavam. Vestiu a camisola interior branca por cima do fato de voo, de modo a ficar mais visível, mas a ajuda tardava. Passavam já três horas desde o amanhecer e nada. Tentou fazer uma fogueira com alguns fósforos alegadamente anti-humidade, mas nenhum acendeu. A desidratação começava então também a pregar partidas, ao toldar os pensamentos e perturbar o discernimento. 

Marcelino da Mata com a catana na mão e o seu grupo posam para a foto após encontrar o Ten. Miguel Pessoa

Quando finalmente conseguiu divisar pessoas na sua proximidade, eram… africanos. Armas Kalashnikov e uniformes estranhos. Na falta de melhores argumentos para se defender, optou por insultar o que supunha serem elementos do PAIGC, portanto o inimigo. Estes contudo, trataram-no pelo próprio nome, o que lhe baralhou o raciocínio. O chefe identifica-se como sendo Marcelino da Mata, conhecido líder de um grupo de operações especiais das forças portuguesas, embora formado por elementos de etnia africana. Apesar de conhecer a sua fama, o Ten. Pessoa nunca o tinha visto pessoalmente. O facto de saberem o seu nome também facilmente se explicava, ou por informadores na base, ou por escuta de comunicações rádio, pelo que não estava convencido ainda. Sabendo que o verdadeiro Marcelino da Mata era conhecido por trazer sempre consigo cantis com Fanta ou Coca-Cola, pediu de beber e confirmou a veracidade da identidade através das bebidas. Foi uma espécie de o santo-e-senha improvisado. O regresso, apesar de penoso e demorado, devido à dificuldade em andar com a perna fracturada por entre a vegetação densa, não teve grande história. 

O penoso regresso a pé pela mata

O Alouette que o havia de transportar de regresso, encontrava-se na orla da mata e os restantes helicópteros que tinha ouvido mais cedo, destinavam-se à colocação dos grupos de caçadores pára-quedistas e de operação especiais que tinham ido em sua busca. Com uma primeira paragem em Guileje, onde outro helicóptero o haveria de transportar para o hospital militar, a jornada terminaria finalmente na BA12, após os exames médicos e tratamento da perna fracturada, onde um numeroso grupo festejou o seu regresso e o sucesso da missão de recuperação.

O Alouette III que transportou o Ten. Miguel Pessoa na chegada a Guileje
Aspecto da zona de aterragem em Guileje com os helicópteros destacados para transportar os grupos de busca

Há momentos que marcam um ponto de viragem e a introdução dos mísseis terra-ar no teatro de guerra, foi esse momento. Portugal perdia a supremacia dos ares, onde até então se tinha movido livremente. A guerra entrava numa nova fase, decididamente pior para as forças portuguesas. Durante as duas semanas seguintes mais quatro aeronaves seriam abatidas por mísseis SA-7 Strela. As tripulações não tiveram então a mesma sorte do Ten. Pessoa. Uma das vítimas mortais seria mesmo o TCor Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, o mesmo piloto que havia localizado a sua posição no dia 25 de Março e que já havia sido alvejado consigo a 20 de Março na fronteira  norte da Guiné. 
Ficou então patente o modus operandi do inimigo, atacando posições portuguesas no terreno, para depois esperar a chegada dos aviões que vinham em resposta, e assim os alvejar. Após suspensão da actividade aérea, para análise da arma que se enfrentava, sua utilização e características, foram tomadas medidas a nível dos procedimentos nos ataques, altitudes de voo e armamento a utilizar. Depois de implementadas essas medidas, apenas uma aeronave mais seria abatida por um Strela, já em Janeiro de 74 e alegadamente por não ter cumprido os procedimentos definidos. 

O míssil portátil SA-7 Strela      Foto: US Navy

Quanto ao Ten. Miguel Pessoa, após passar duas semanas na enfermaria da BA12 terminaria durante os quatro meses seguintes na Metrópole, a convalescença das mazelas físicas decorrentes da ejecção, nomeadamente a nível do perónio fracturado e da coluna, cuja compressão de 2 cm nunca chegaria a recuperar. Depois deu-se o difícil regresso ao teatro de operações onde quase tinha perdido a vida, com a reactivação da sua comissão. Sem qualquer ajuda psicológica, ou apoio para voltar a enfrentar as mesmas situações de risco, voltar a sobrevoar o local onde tinha sido abatido não foi fácil, tal como não é difícil de compreender. Acabaria por ser o único piloto a terminar a comissão na Guiné, após ter sido abatido em combate. Ainda chegou a ser visado mais quatro vezes por mísseis Strela. Numa delas conseguiu mesmo ver a cabeça de busca do míssil que o perseguia e a tentativa de correcção da trajectória, para prosseguir atrás da fonte de calor que era o seu avião. Quando alguém alude à aura de herói que o rodeou por ter sobrevivido ao abate por um míssil, Miguel Pessoal responde que o verdadeiro acto de registo que teve, foi regressar e enfrentar outra vez o mesmo inimigo, o mesmo perigo, olhos nos olhos. E se os procedimentos de combate adoptados acabaram por lhe salvar a vida, nunca chegaram a ser aplicadas nos aviões quaisquer ajudas em termos de autodefesa relativamente aos mísseis.

De regresso a Portugal, e já depois do fim da guerra, viria a ser instrutor em T-37 na Esq 102 em Sintra. Integrou a patrulha acrobática Asas de Portugal durante sete anos, tendo sido também Comandante da Esq 102 e dos Asas. Foi mais tarde Comandante do Grupo Operacional 51 na BA5 em Monte Real onde voou ainda em A-7P e finalmente Comandante da BA6 no Montijo. Reformou-se com a patente de Coronel em 1998. 

A enfermeira pára-quedista Giselda Antunes à direita carrega a maca do Ten. Miguel Pessoa

Para final de história, em jeito de argumento de filme e dentro do espírito bem português, de conseguir ver sempre um lado positivo numa situação má, do abate que sofreu na Guiné, nasceria uma relação duradoura com a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes, que o socorreu em Guileje após o resgate, e viria a tornar-se sua esposa, no regresso definitivo a Portugal.


Perfil do avião em que seguia o Ten. Miguel Pessoa no dia 25/3/1973       Imagem: Paulo Moreno



Agradecimentos: Cor (Ref) Miguel Pessoa, Paulo Moreno, Carlos Santos, Cristiano Valdemar, Vicente Braz, Arnaldo Sousa

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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12206: FAP (78): Nunca tão poucos fizeram tanto com tão pouco... (António Martins Matos / Helder Sousa / Luís Graça)... Fotos do Artlindo Roda

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5348: O assédio a Guidaje em Maio de 1973, algumas achegas (Miguel Pessoa)

O nosso camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref, BA 12, Bissalanca, 1972/74, deixou este comentário no Poste 5300*:

Achei muito interessante a descrição dos factos de 6 de Abril, que são bastante fiéis ao que aconteceu. Não quero no entanto deixar de apresentar umas pequenas correcções e algumas achegas ao que foi dito.

- Quando se refere o Comandante da Base de Bissalanca, situado em Bigene, suponho que será o Comandante das Forças Pára-quedistas envolvidas na busca e não alguém da Base Aérea.

- O Tenente Coronel Brito foi abatido na zona de Afiá, no sul, no dia 28 de Março - a 25 de Março foi abatido o Tenente Pessoa, mas este foi recuperado no dia seguinte.

- O Major Mantovanni não era 2.º Comandante do GO1201 - aliás esse lugar não existia, era o Oficial de Operações do GO1201 (um Major) quem substituia o Cmdt Grupo na sua indisponibilidade. O Major Mantovanni era o oficial de ligação da Força Aérea no Quartel General, em Bissau; para efeitos de voo estava adido à Esquadra 121, onde voava T-6 e DO-27. Nesse dia 6 de Abril apresentou-se na Unidade e voluntariou-se para efectuar a missão em que acabou por perder a vida.

- O militar do BENG ferido no ataque da manhã (José Crespo Silva - o "Zé de Guidaje" referido num poste já publicado neste blogue) foi evacuado num DO-27 com o apoio da Enfermeira Giselda; esta ainda voltou a Guidaje num 2.º DO-27 com o Furriel Carvalho, para evacuar o civil ferido; no percurso foram alvejados por um Strela e tiveram que aterrar em Bigene. Para substituir este avião saíu então de Bissau outro DO-27 pilotado pelo Furriel Ferreira, levando o Major Mariz e o Enfermeiro (1.º Cabo Cóias) - o avião que é referido no poste - e que nunca mais foi encontrado.

Com estes comentários apenas pretendo esclarecer e/ou complementar alguns factos que estão ainda hoje bem presentes na nossa memória, não tirando qualquer mérito ao que é descrito no Poste de forma tão pormenorizada.

Abraço
Miguel Pessoa
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Notas de CV:

Vd. postes de 19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)
e
21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

domingo, 28 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4597: FAP (30): Ferro Q.B. para acalmar as hostes (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Miguel Pessoa (1), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado, com data de 25 de Junho de 2009:

Luís, Carlos : 

Agora que começa a assentar a poeira do IV Encontro, envio-vos um texto para publicação. Como é habitual, não tendo eu trazido registos do que fiz, tive que puxar pela memória, evitando ao mesmo tempo puxar pela imaginação...
Abraço.
Miguel


FERRO Q.B.

Este texto tem o inconveniente de ser pouco preciso, pois escrevo-o apenas de memória, sem o recurso a documentos, mapas ou outros auxiliares. Também é um testemunho (limitado na sua percepção) de um simples executante que, pela sua posição na hierarquia estabelecida, desconhecia naturalmente as grandes decisões tomadas por quem orientava a guerra.

Não houve a pretensão de compilar dados históricos precisos a nível de um Arquivo Histórico, mas simplesmente referir factos, tentar adivinhar outros e transmitir o que nos ia na alma naqueles momentos.

É um facto (que suponho que muita gente conhece) que a Força Aérea efectuou diversos ataques na raia da Guiné-Bissau, em locais onde estavam estabelecidas bases do PAIGC - nunca contra as populações locais. Os danos co-laterais podem surgir nestas situações - mas desconheço se os houve nestes casos concretos.

Para além das bases de fogos do PAIGC contra aquartelamentos próximos da linha da fronteira, um dos objectivos principais foi a barcaça que transportava pessoal e material que depois entrava no nosso território pelo Corredor de Guileje, nomeadamente até Ponte Balana. Aquele meio de transporte estava localizado próximo de Kandiafara e estrategicamente defendido por anti-aéreas (AAA) localizadas em Kandiafara e Simbeli.

Tendo-se decidido interromper, ou pelo menos limitar esses movimentos, foram realizadas diversas saídas para eliminar esse meio em simultâneo com ataques às anti-aéreas já referidas, de modo a limitar a sua acção contra os outros aviões. Eram missões que impunham um certo respeito, quando se via à nossa volta a fogachada da AAA (frase presunçosa, mais própria dos cenários da 2.ª Guerra Mundial, Coreia ou Vietnam, mas vou deixar ficar... embora reconheça que as pessoas possam ter tendência para exagerar a gravidade das situações em que estiveram envolvidos).

Para mim, que tive por várias vezes as funções de marcador dos voos da Esquadra 121 (vulgo oficial de operações da Esquadra - eu era tenente, mas fui muitas vezes o 2.º na hierarquia da Esquadra), cabia-me nessas funções nomear os pilotos para as missões que nos tinham sido destinadas para o dia. Calculam o meu incómodo ao indicar os nomes dos pilotos para estas missões de visível risco, sabendo que eles podiam ficar lá. Noblesse oblige, indicando eu os pilotos, naturalmente tinha que avançar logo com o meu nome, que é assim que podemos exigir algo aos outros... E nunca tive problemas na aceitação das nomeações que fazia, embora pudesse calcular o que eles estavam a pensar (*).

Integrarmo-nos num cenário de guerra não é acto que se consiga num momento; inicialmente sentimo-nos chocados com o que sucede à nossa volta - e que foge à nossa compreensão - existindo depois uma escalada de acontecimentos que, dia-a-dia, nos vai insensibilizando (ou embrutecendo) e criando em nós defesas que nos levam a aceitar os riscos com um sentimento de inevitabilidade - penso que isso sucedeu com todos nós num determinado momento da nossa comissão - "o que tiver que ser será" (**). No fim, tornámo-nos pessoas diferentes, não necessariamente piores mas certamente mais cépticos (realistas?) em relação ao que podíamos esperar da vida - pelo menos naquelas circunstâncias.

Mas, voltando à nossa história: Felizmente (e também para descanso da minha consciência) nessas missões na raia nunca perdemos nenhum piloto. Inicialmente deslocavam-se helis para eventuais evacuações, no caso de um piloto ter que se ejectar - ficavam de alerta em aquartelamentos do sul. Mas com o tempo (e sem perdas de Fiats) cada vez se afastavam mais esses meios para a base mãe, acabando por se fazer o alerta a partir da BA12; escusado será dizer que estávamos aviados se tivéssemos que nos ejectar sem esse apoio atempado - felizmente sabia o francês suficiente para perguntar a um local o caminho para a Guiné-Bissau...

Simultaneamente foram repetidamente atacados objectivos dentro do nosso território - nomeadamente estradas, pontes, pontos de cambança (travessia) nos rios - localizados em zonas não ocupadas pelas NT, cuja destruição permitisse limitar a progressão do IN. Este grande esforço da Força Aérea e da Esquadra 121 durante um determinado período do segundo semestre de 1973 (não consigo precisar datas - Setembro? Outubro?) teve resultados palpáveis, pois tanto ferro largado fez reduzir visivelmente as flagelações aos aquartelamentos, pelas dificuldades logísticas provocadas ao IN. Mas era um desgaste enorme para os aviões, pilotos, mecânicos e para a logística: havia que repor lotes de combustível e de armamento, fazer a manutenção e/ou reparação dos aviões, dar algum descanso ao pessoal. E não poderia prosseguir eternamente, por isso com o tempo esse esforço teve que ser reduzido - com o consequente aumento dos ataques aos nossos aquartelamentos.

Miguel Pessoa

Bissau > Bissalanaca >BA 12 > 1974 > O então Ten Pilav Miguel Pessoa..

Notas do autor:

(*) Também não havia muitos para escolher... O número de pilotos de Fiat era normalmente de 6 a 9, na melhor das hipóteses (se incluirmos 2 ou 3 oficiais superiores com funções de comando na BA12 e que, naturalmente, não voavam permanentemente na Esq 121) e chegou a estar reduzido a 4 ou 5 no início de Abril de 1973, depois do abate de 2 aviões em finais de Março (com a morte de um piloto e a inibição de outro por um período de 4 meses).

(**) Num artigo para um jornal, já há uns tempos, um jornalista perguntava-me, tendo em conta o que eu tinha passado com a minha ejecção e posterior recuperação, se tinha sentido medo quando voltei a voar naquele território. Respondi-lhe que "sim, pois não sou inconsciente". E como, em jeito de brincadeira lhe disse que "por vezes parecia que iam dois no avião, eu e o meu medo" (frase parva para dizer a um jornalista), isto foi logo puxado para o título do artigo, deturpando o seu sentido.

O que não expliquei ao jornalista (e que lamento agora) foi que, face ao esforço que para mim representou a ultrapassagem deste episódio, no caso de vir a ser novamente atingido e ter que me ejectar (voltando a passar por tudo o que já tinha passado), eu não tinha medo de morrer mas sim de ficar vivo...
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Notas de CV:

(1) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4528: Um velho filme de 8 mm que agora nos surpreende e delicia (George Freire / Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4477: FAP (29): Encontros imprevistos (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

terça-feira, 21 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4226: FAP (25): Encontros quase imediatos ou como a pista de Cacine se tornou curta (Miguel Pessoa)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Reformado, com data de 16 de Abril de 2009:

Carlos
Sem pressa de o ver publicado, para descanso dos leitores, aqui vai mais um texto relativo a um episódio passado na Guiné com este aviador.
Li uma vez no blogue que temos a tendência para facilmente expor as nossas fraquezas e falhas, em contraste com os nossos antigos oponentes, que referem mais os aspectos positivos das suas acções, às vezes exagerando-os, até.
É capaz de ser verdade, mas a experiência diz-me que podemos aprender menos com a História dos grandes feitos do que com a descrição dos nossos erros ou insucessos e os ensinamentos que daí podemos tirar. É que são estes que nos levam normalmente - assim o queiramos - a procurar fazer melhor na próxima vez que tentarmos.

Um abraço.
Miguel


ENCONTROS QUASE IMEDIATOS

A esquadra 121 da BA 12 operou nos últimos anos do conflito na Guiné três tipos de aeronaves. A actividade de voo prevista para cada piloto da Esquadra apontava para a necessidade de todos saberem voar mais que um tipo de avião, de maneira a rentabilizarem ao máximo a sua disponibilidade para voo.

Ao chegarem à Base, os pilotos vinham qualificados pelo menos num de dois tipos de avião ali existentes - T-6 ou Fiat G-91. O DO-27, o terceiro avião do plantel, sendo um avião relativamente fácil de voar, deveria ser operado por todos os pilotos da Esquadra, motivo porque uma das primeiras tarefas que nos davam era a qualificação neste tipo de avião. Isso era feito utilizando os pilotos mais batidos para instruírem os novatos (vulgo piras) na arte de dominar aquela cavalgadura.

Por norma a única experiência dos pilotos dos Fiat G-91 com aviões convencionais (os que têm aquele pauzinho à frente...) tinha sido no início, na instrução elementar de pilotagem, onde tinham voado o pequeno Chipmunk (bilugar monomotor de asa baixa), passando depois para os jactos, numa sequência lógica que os fazia passar por qualificações sucessivas no T-37, T-33 e F-86, culminando numa adaptação ad-hoc ao Fiat G-91 - no meu caso pessoal 25 horas voadas na Base Aérea 5 (Monte Real) - antes de embarcar para o fim do mundo.

Pessoalmente não senti dificuldades significativas nessa adaptação ao DO-27, dado que, ainda antes de ser brevetado na Força Aérea, já tinha obtido o meu brevet civil no Aero-Clube de Portugal, onde voei essencialmente o Auster, um avião ligeiro de asa alta. Este avião tinha em comum com o DO-27 uma característica que não era muito habitual noutros aviões militares. Sucedia que o piloto, voando do lado esquerdo e tendo a manete do motor a meio do tablier, tinha que usar a mão esquerda para controlar os comandos do avião, o oposto daquilo a que ele estava habituado. Essencialmente o que se verificava era uma menor sensibilidade na execução das manobras, principalmente na fase de descolagem e aterragem (particularmente nesta última). Mas não era nada que não se ultrapassasse com algumas horas de voo no avião. No meu caso nem senti esse problema, pois estava habituado a pilotar de modo igual com qualquer das mãos (mas provavelmente pouco com a cabeça, como se poderá ver mais à frente...).

Tive a sorte de me calhar um instrutor de primeira, o Comandante do GO1201, Ten Cor Brito, o qual me ensinou em rápidas e elucidativas demonstrações como poderia dominar o avião sem danos significativos no mesmo... E a partir daí fiquei apto a desempenhar todo o tipo de missões no DO-27.

Estarão a perguntar-se para que serviu toda esta conversa até agora. Dois motivos me orientaram: Primeiro, a história que tenho para contar resume-se em poucas palavras e assim o texto fica mais composto com esta introdução; segundo, sempre é uma oportunidade de os leigos lerem alguma coisa sobre a Força Aérea e perceberem que isto de trabalhar sentado não é necessariamente coisa fácil...

Entramos finalmente na história que estou há mais de quanto tempo para contar. Expliquei que me sentia à vontade a voar o avião; mas sei hoje, pela minha experiência, que quanto mais à vontade, maior a tendência para a asneira, por sobrevalorizarmos as nossas competências e ultrapassarmos os limites do razoável.

Tem isto a ver com a missão que me levou num DO-27 até à pista de Cacine, isto já no tempo do míssil Strela, o que me obrigou a fazer o percurso até lá a baixa altitude. Mandavam as regras que nesses casos, quando se chegasse ao destino se fizesse uma volta em espiral a subir de modo a posicionar o avião apontado à pista, tentando pôr-se o estojo no chão o mais depressa possível, para evitar ser alvejado.

Assim fiz, mas a volta que executei deixou-me um bocado mais alto do que devia em relação ao início da pista. Prossegui aumentando a razão de descida, o que fez aumentar a velocidade do avião, mesmo com o motor reduzido (i.e., na rotação mínima) - isso tem como consequência natural aumentar também a distância percorrida na aterragem até conseguir imobilizar o avião (a que chamamos "corrida de aterragem").

Até aqui, mal nenhum, porque qualquer aviador esperto sabe que pode tentar uma segunda vez: mete motor, volta a subir e dá a volta (procedimento a que chamamos "borregar") e faz uma nova aproximação à pista, de preferência melhor que a primeira...

Entram então aqui os factores envolventes que por vezes condicionam o discernimento do aviador e o levam a pensar com os pés, conduzindo-o ao desastre. Neste caso, poder-se-iam considerar três: primeiro, o facto de, voltando a subir, ir expor o avião a qualquer atirador entretanto alertado pelo barulho da aproximação inicial; segundo, o facto de no fundo da pista estar estacionado um outro DO-27 que tinha transportado o Gen Spínola até ali, com o piloto descontraidamente encostado ao avião enquanto aguardava o seu regresso do quartel - ninguém gosta de fazer figuras tristes à frente dos seus...; terceiro e último, a presença na pista de um bom número de militares que esperavam igualmente o regresso do Gen Spínola - e o que é um facto é que ninguém gosta de fazer figuras tristes à frente de quem quer que seja...

Assim, por uma questão de brio (neste caso, mais propriamente falta de humildade) resolvi prosseguir para a aterragem. Como era de calcular, aquele excesso de velocidade levou-me a tocar o solo bastante mais à frente do que o habitual, o que me levou a calcar desesperadamente os travões, tentando reduzir rapidamente a velocidade do avião. O facto é que começava a aproximar-me rapidamente do fim da pista... e também do DO que lá estava estacionado, bem no sítio para onde o meu avião apontava.

Tudo indicava que, embora já com velocidade reduzida, não conseguiria parar completamente o avião até chegar lá, pelo que decidi provocar o que se costuma chamar um "cavalo de pau", alterando rapidamente a direcção em que o avião avançava, fazendo um pião em que o avião rodasse 180º, ficando aquele virado em sentido contrário. E assim foi - muito resumidamente, que não gosto de me lembrar disto - travagem forte no pedal direito, fazendo o avião iniciar uma rotação brusca para esse lado, logo seguida de uma travagem brutal com o travão esquerdo, obrigando o avião a rodar para a esquerda; finalmente, quando o avião estava quase a completar os 180º de rotação, uma travadela final com o travão direito para parar a rotação (e para acabar com o resto dos travões...). A verdade é que o avião acabou parado, de costas para o outro DO e a poucos metros dele... um bambúrrio de sorte que eu dificilmente poderia voltar a ter.

O pessoal de Cacine pareceu-me ter ficado impressionado com a demonstração de performance cá do aviador, mas o olhar que o outro piloto me deitou esclareceu-me perfeitamente quanto ao risco parvo que tinha corrido; e nem quero pensar no que teria sido o meu futuro como piloto se o Gen Spínola, no seu regresso, tivesse deparado com os dois aviões enfeixados...

Miguel Pessoa
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de > 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4217: FAP (24): Afinal quem foi o camarada artilheiro do PAIGC que me 'strelou' em 25 de Março de 1973 ? Caba Fati ? (Miguel Pessoa)