Mostrar mensagens com a etiqueta Estórias dos Fidalgos de Jol. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Estórias dos Fidalgos de Jol. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10240: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (8): Nada de "mariquices"

1. Segunda estória, de mais uma série de três, dos Fidalgos de Jol, enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), em mensagem do dia 2 de Agosto de 2012:



ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (8)

 Nada de “Mariquices”

Foi no já longínquo dia 3 de Março de 1972 (uma sexta-feira), que recebemos indicação para mais uma acção tida como normal, com progressão de dois Grupos de Combate na região de Bagula, e respectiva emboscada em possível local de passagem de elementos do PAIGC. Tratou-se de uma actividade diurna e, quando já nos preparávamos para o possível regresso ao quartel, recebemos a informação que deveríamos pernoitar naquele local, visto que no dia a seguir estava programado juntar-se a nós mais um Grupo de Combate reforçado por elementos do Pelotão de Caçadores Nativos e alguns voluntários, para uma acção conjunta em Badã / Ponta Nhaga.

Esta alteração de planos teve origem no facto de um caçador elemento da população, ter passado nesse dia a informação, haver perto da bolanha de Badã um acampamento de passagem utilizado pelo PAIGC, onde estaria concentrado armamento e víveres vindos de Ponta Matar, com destino provável à região do Churo / Caboiana. Fomos assim surpreendidos com o facto de termos de pernoitar no mato sem que para isso o pessoal estivesse devidamente preparado / equipado. Como é sabido por quem pelas matas da Guiné andou, ao calor sufocante e húmido do dia, a seguir vem o frio e o cacimbo da noite, por vezes com temperaturas bastante baixas, de fazer tremer o queixo.

Foi assim que, a partir de determinada altura, parte do pessoal já batia o dente, encontrando-se bastante irrequieto, situação nada conveniente para aquilo que deveria ser uma emboscada nocturna. Como o problema se começasse a agravar, eu e os restantes graduados começámos a sugerir ao pessoal que se juntassem em pequenos grupos de 3 ou 4 elementos, e se aconchegassem uns aos outros, para com o calor corporal se irem mantendo mais ao menos aquecidos.

Recordo ainda o espanto que foi para o pessoal tal sugestão, pois para a maioria deles era impensável passar uma noite agarrado a outro homem, fosse por que motivo fosse, com alguns a dizer mesmo que não alinhavam nesse tipo de “mariquices”. Só que o frio começou a apertar cada vez mais, e não tardou que a solução fosse mesmo de nos juntarmos para manter uma temperatura que nos permitisse passar melhor a noite e a madrugada.

Infelizmente para nós o dia seguinte foi um com as piores recordações para a nossa Companhia, dado termos sofrido no decorrer da acção já referida um total de 10 feridos, alguns dos quais com bastante gravidade (o Capitão Comandante de Companhia, 2 Alferes, 3 Furriéis, 2 Soldados, 1 Milícia e o próprio Comandante da Milícia, o famoso Dandy).

Tirando este aspecto negativo, que recordo com alguma dificuldade dado ainda me lembrar da dor e sofrimento dos meus camaradas (dos 13 que estávamos mais ou menos juntos eu fui um dos que escapou sem qualquer ferimento), recordo também que durante algum tempo muitos dos soldados ainda evitavam falar na situação de terem pernoitado agarrados ao seu semelhante, com receio de serem gozados ou apelidados com adjectivos mais ou menos pejorativos, quando a conversa para aí decorria. Eram outros tempos.

Anos mais tarde, mais uma vez no decorrer de um dos almoços comemorativos da Companhia, um desses ex-Soldados virou-se para o seu filho, também presente no acto, mas desta vez com um sorriso bem rasgado e sem qualquer pudor, disse alto e bom som:
- Olha filho, já dormi uma noite no mato agarrado a este Furriel.

Claro que a risada foi geral.


Jolmete, Fevereiro de 972 > No Quartel

Jolmete, Março de 1972 > Fogo na Tabanca

Jolmete, Março de 1972 > Acampamento do PAIGC em Badã

Jolmete, Maio de 1972 > 1.º Grupo de Combate

Jolmete, Julho de 1972 > A caminho da Bolanha de Gel

Jolmete, Julho de 1972 > Com o pessoal que nos abastecia de mancarra

Jolmete, Agosto de 1972 > Trilhos de Calaque
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10226: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (7): Os "cubanos"

sábado, 4 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10226: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (7): Os "cubanos"

1. Primeira estória, de mais uma série de três, dos Fidalgos de Jol, enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), em mensagem do dia 2 de Agosto de 2012:

Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Depois do teu desafio e, após rebuscar no meu baú das memórias e do contacto com um ex-camarada, atrevo-me a contar mais 3 Estórias dos Fidalgos do Jol, nem todas com um final feliz, mas com a suficiente dose de insólito e humor que, passados todos estes anos, ainda mais divertidas se tornam.
Nos ficheiros anexos envio-te a primeira destas três estórias e mais algumas fotos, que obviamente deixo ao teu critério a possível publicação.

Mais uma vez recebe um grande e forte abraço, e muito obrigado por toda a preciosa colaboração.
Augusto Silva Santos


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (7)

Os “Cubanos”

Já perto do final da comissão do BCaç 3833 (Out1972), o então Comandante do CAOP1 sito em Teixeira Pinto, mais propriamente o Coronel Paraquedista Rafael Durão, determinou que se realizasse uma acção conjunta a nível das três Companhias operacionais, ou seja, a 3306 de Jolmete, a 3307 do Pelundo, e a 3308 de Có. Foi estabelecido um plano por forma a que os respectivos Grupos de Combate se encontrassem em determinado ponto, mais propriamente onde confinava a zona de actuação definida para cada uma delas, sendo o vértice uma extensa bolanha.

Já perto do ponto de encontro em questão na região de Catafe e, mais ou menos à hora combinada, foi tentando por nós (Grupo de Jolmete) o contacto via rádio, com vista a apurarmos em que posição se encontraria cada um dos Grupos, para que a aproximação (reconhecimento) se realizasse dentro da máxima segurança.

É nessa altura que somos alertados pelo Grupo de Có, de que estariam a avistar movimentação do que suponham ser um bigrupo do inimigo, comandado por “Cubanos”, pelo que perante tal alerta, parámos de imediato a nossa progressão e tomámos posição de emboscada, aguardando melhor informação sobre a posição do tal grupo de guerrilheiros.

Talvez cerca de um ou dois minutos depois, somos informados da eventualidade de termos sido detectados, visto que o inimigo estava a emboscar, pelo que a nossa progressão se deveria fazer com o máximo cuidado, tendo-se inclusive ponderado se não seria melhor solicitar apoio aéreo para bater a zona, tendo em conta ser um grupo com muitos elementos e, dada a extensão da bolanha, ser difícil aos Grupos de Có e Pelundo chegarem rapidamente até nós para fazer um possível envolvimento, sem serem também detectados.

Porque a posição assinalada pelos camaradas de Có, era coincidente com aquela em que nos encontrávamos, questionámos de imediato se algo de errado não se estaria a passar, e sugerimos que um dos elementos do nosso Grupo se assomasse até à orla da mata com a tela de sinalização usada para o apoio aéreo, para nos identificarmos. Escusado será dizer que rapidamente se chegou à conclusão de que o grupo supostamente do inimigo era afinal o nosso, que seguia na frente com boa parte dos elementos do Pelotão de Milícias, e afinal os “Cubanos” não eram mais do que eu e o outro Furriel que estaríamos a tentar orientar o decorrer da acção.

Importar salientar que a bolanha em questão era de facto muito larga e extensa, e a distância entre os nossos Grupos não permitia no imediato uma melhor identificação do pessoal, além de que parte da confusão foi originada pelo facto de, tanto eu como o outro Furriel, estarmos na altura a usar não os nossos tradicionais quicos, mas sim bonés não convencionais. Eu estava com um boné de xadrez com pompom, que me tinha sido oferecido por um Cabo apontador da bazuca, o qual lhe havia sido trazido por emigrante amigo em França, e o outro Furriel com um chapéu improvisado feito de folhas de palmeira, para se proteger do sol intenso.

Até então o dito boné (com o qual tenho algumas fotos) funcionou para mim como um amuleto, mas até ao final da comissão não voltei a usá-lo, não fosse o diabo tecê-las. Para “Cubano”, bastou um dia.

Curiosamente havia de devolvê-lo 30 anos depois ao seu antigo e primeiro proprietário, aquando de um dos encontros da nossa Companhia, em que este acontecimento acabou por ser recordado com algum gozo.

Este é um dos muitos episódios ocorridos em cenários idênticos que, não só por mera sorte mas também com responsabilidade, acabou por ter um final feliz. Por fim ainda brincámos com a situação, mas nem quero imaginar as consequências graves que poderiam ter ocorrido, se por acaso os outros Grupos ou a aviação (que não chegou a ser solicitada) tivesse aberto fogo sobre nós.

Jolmete, Janeiro de 1972 > Na tabanca

Jolmete, Março de 1972 > Entrada do Quartel

Jolmete, Maio de 1972 > Interior do meu abrigo

Jolmete, Junho de 1972 > Entrada do meu abrigo

Jolmete, Julho de 1972 > Trilhos de Gel

Jolmete, Agosto de 1972 > Regresso da Bolanha de Gel

Jolmete, Agosto de 1972 > Boné do Cubano
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10197: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (6): Cabo Bigodes, o homem-macaco

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10197: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (6): Cabo Bigodes, o homem-macaco

1. Terceira e última estória dos Fidalgos de Jol enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), na sua mensagem de 15 de Julho de 2012:



ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (6)

Cabo “Bigodes” O Homem-Macaco

Esta passou-se numa daquelas noites em que, pela movimentação (ou não) da população, era esperada uma quase certa flagelação ao quartel. De tão cedo que era, quase não se via viva alma a circular pela tabanca, muito menos crianças, o que no mínimo era muito estranho. Assim, o indício era de uma quase certeza de que mais tarde ou mais cedo íamos mesmo “embrulhar”.

Recordo-me de que nessa noite de Abril de 1972 o Benfica jogava as meias-finais com o Ajax no antigo Estádio da Luz, para a então Taça dos Campeões Europeus, sendo o resultado final de zero a zero.

Calhou em sorte ser o meu grupo de combate a sair para fazer a segurança e denunciar possíveis movimentações do inimigo e, quando já estávamos todos convencidos de que nada se iria passar, lá rebentou o inevitável “fogachal”, precisamente do lado oposto onde nos encontrávamos para, de certa forma, a fuga do elementos do PAIGC se processar com menos hipóteses de confrontação. Era a táctica deles do bate e foge. Só que contámos com a rápida resposta do pessoal que ficou no interior do quartel juntamente com o apoio da artilharia de Bula para bater a zona, pelo que o ataque se reduziu (felizmente para nós) a poucos minutos e sem consequências de maior.

Mas esta introdução tem como objectivo contar o que de rocambolesco e caricato se passou nos primeiros momentos do ataque ao quartel, que se processou precisamente do lado da chamada porta de armas, onde estava de serviço/sentinela no posto mais elevado e com alguns bons metros acima do solo, o meu amigo Cabo Borges, mais conhecido por todos pelo Cabo “Bigodes”, que levou de muito perto com uma valente roquetada, a qual de imediato pôs o posto em chamas. Sem hipótese de ripostar fogo com a Breda que encravou, só teve como solução atirar-se do posto abaixo.

Chegado cá abaixo, como o ataque continuasse e sem arma de defesa, logo se lembrou que a sua G3 havia ficado lá em cima no posto, ao qual voltou a subir tão rápido quanto possível e, já de novo na posse da sua “amiga”, qual símio, voltou novamente a atirar-se para o solo daquela considerável altura.

Quem a tudo isto conseguiu assistir, dizia que o Borges parecia o autêntico homem-macaco.

Reposta a calma, o nosso amigo “Bigodes” nem queria acreditar no que tinha conseguido fazer, ainda por cima sem ter sofrido qualquer ferimento.


Jolmete, Junho de 1972 > O meu amigo Borges é o primeiro à direita, de pé

Jolmete, Julho de 1072 > Bolanha de Gel

Jolmete, Agosto de 1972 > O descanso do guerreiro na Bolanha de Gel

Jolmete, Agosto de 19072 > Estrada velha de Bula

Cumeré, Dezembro de 1972 > Com uma mascote
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10181: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (5): A emboscada das abelhas

domingo, 22 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10181: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (5): A emboscada das abelhas

1. Segunda estória dos Fidalgos de Jol enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), na sua mensagem de 15 de Julho de 2012:


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (5)

A “Emboscada” das Abelhas

Lendo há algum tempo atrás um episódio do nosso camarada Luís Faria sobre o que consigo se passou com um “ataque” de abelhas, que poderia ter consequências trágicas (felizmente tudo não passou de um valente susto), veio-me à lembrança uma situação semelhante (salvo as devidas proporções) que comigo se passou.

Estando dois dos nossos grupos de combate em progressão para realizar mais uma emboscada em possível local de passagem do inimigo, baseados no relato de um elemento da população, em dada altura da deslocação e, já muito perto do objectivo, fomos surpreendidos por uma autêntica debandada pelo pessoal que seguia na frente, com cada um a correr para seu sítio, sem que nos fosse dada qualquer explicação sobre o que estava a acontecer, e numa autêntica desorganização.

Sendo o meu grupo o que seguia na retaguarda, com o mato bastante denso e sendo difícil de descortinar o que realmente se estava a passar, perante tal cenário, mesmo sem até então termos ouvido qualquer tipo de contacto (tiros), logo nos colocámos todos em posição de combate prontos para uma eventual protecção aos nossos camaradas em apuros.

Não tardou porém muito tempo, para que igualmente o meu grupo se levantasse das suas posições e, desordenadamente, cada um se pusesse a fugir para o seu lado, pois do que efectivamente se tratava era de um violento ataque de abelhas, que ainda conseguiu fazer várias vítimas, algumas das quais com bastantes ferradelas.

A minha sorte e do guia das milícias que comigo de perto seguia, de seu nome Vermelho, foi termos connosco um pano de tenda com o qual nos cobrimos completamente, conseguindo assim escapar ao ataque e a algumas picadelas.

Foi um valente susto, felizmente também aqui sem consequências de maior, mas ainda demorou algum tempo até que conseguíssemos recompor todo o pessoal, mas o que desde logo ficou decidido é que naquele local já não iríamos emboscar. É que ainda tínhamos presente o que havia acontecido a um camarada Furriel da Companhia do Pelundo, que algum tempo antes numa situação semelhante, levou tantas ou tão poucas ferradelas, nomeadamente na cabeça, que ficando inconsciente teve de ser evacuado de helicóptero.


Jolmete, Maio de 1972 > Posto de vigía

Jolmete, Maio de 1972 > Junto à entrada do meu abrigo

Jolmete, Maio de 1972 > Com o Fidalgo, filho do Cájan e neto do Régulo

Jolmete, Junho de 1972 > Na hora da correspondência

Jolmete, Julho de 1972 > Convívo com o pessoal do Pelundo. O meu irmão é o mais alto ao meio.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10170: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (4): De caçador a caçado

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10170: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (4): De caçador a caçado

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 15 de Julho de 2012:

Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Na sequência das minhas anteriores estórias e, porque a "veia" das recordações se tem mantido aberta, eis-me novamente a enviar-te mais três relatos de situações que, pelo seu desfecho final, até passaram a ser mais ou menos divertidas.
Como habitualmente, deixo ao teu critério a sua possível publicação com as alterações que entenderes fazer.
Com cada uma delas, junto mais algumas fotos da minha passagem por terras da Guiné.

Com um grande e forte abraço, vão também os meus agradecimentos pela tua preciosa colaboração nestes trabalhos.
Augusto Silva Santos


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (4)

DE CAÇADOR A CAÇADO

Estando a época das chuvas em plena actividade e, consequentemente os reabastecimentos por via terrestre à Companhia demoradas por tempo indeterminado dadas as dificuldades de acesso a Jolmete, nalgumas ocasiões começava a escassear a comida dita normal, pelo que o recurso à mais variada alimentação de ocasião era absolutamente comum, embora repetitiva e nem sempre do nosso agrado.

Assim, passados alguns dias nesta rotina alimentar, o pessoal começava a ficar farto das rações de combate e de outro tipo de alimentação à base de conversas, sempre com o arroz presente, pelo que era igualmente normal o recurso aos mais variados estratagemas para se arranjar algo fora daquele esquema.

Uns recorriam ir à tabanca na tentativa de arranjar um leitão ou um frango (nem sempre da forma mais correcta), ou mesmo comprar alguns peixes apanhados pela população nos braços do rio Cacheu.
Outros tentavam caçar algo, se bem que da caça grossa estivéssemos dependentes de quem sabia onde efectivamente a podia fazer, nomeadamente de noite, como era o caso do Comandante da Milícia, de seu nome Dandy. Ainda me lembro de ter comido hipopótamo, gazela, e búfalo.

Da outra bicharada menor encarregávamo-nos nós de tentar caçar, quase sempre à volta do quartel. Lembro-me de numa ocasião me terem dado a comer macaco que alguém caçou numa armadilha, julgando eu que era cabra do mato. Na altura foi um manjar. Este era o meu caso que, beneficiando do empréstimo de uma espingarda de pressão de ar de 5,5mm, lá me ia aventurando a caçar alguma pardalada para o petisco (o lema era tudo o que voasse era bom para comer), e assim lá me iam orientando com as mais diversas aves e, quando a sorte estava do meu lado, com algumas rolas e pombos verdes à mistura, para a partilha com os amigos mais próximos.

Acontece que numa dessas minhas deambulações pelas cercanias do quartel, e sempre avisando as sentinelas de que andaria por ali perto, mais propriamente pela orla da mata, sou surpreendido pela correria mais ao menos desenfreada de uma bajuda acompanhada pela sua mãe, a qual passando por perto me gritou bem alto:

- Fuji Furriel, fuji…

Escusado será dizer que qual Carlos Lopes, deitei a correr quanto pude e só parei ofegante já dentro do quartel. Na altura não vi ninguém, mas no outro dia ao passarmos com uma patrulha pelo local e num sítio um pouco mais afastado, lá estavam as marcas de algumas sandálias de plástico, daquelas tão bem conhecidas de todos nós e que eram usadas pelo PAIGC.

Por pouco não virei de caçador a caçado...

Bissau, Dezembro de 1971 > Com o meu irmão

Jolmete, Março de 1972 > Junto ao morteiro

Teixeira Pinto, Abril de 1972 > Estação dos Correios

Jolmete Abril de 1972 > Na Messe em convívio com camaradas

Jolmete, Novembro de 1972 > Convívio com o pessoal dos petiscos
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10135: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (3): A cobra cuspideira

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10135: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (3): A cobra cuspideira

1. Terceira e última história enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), em mensagem no dia 30 de Junho de 2012.


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (3)

A COBRA CUSPIDEIRA

Embora o maioria do pessoal da minha Companhia fosse constituída por Soldados do norte do país, nomeadamente de Trás-os-Montes, portanto por pessoas habituadas a trabalhar no campo e a lidar com os mais variados animais, ou seja, sem qualquer medo de bichos, sempre havia um outro que, pelos mais diversos motivos, não podia ouvir falar em cobras.

Foi uma dessas situações que levou a que se inventasse que já se havia visto perto do quartel cobras cuspideiras, bicho terrível que poderia cegar uma pessoa, ao cuspir o seu veneno para os olhos. Era uma realidade, no entanto ainda hoje desconheço se existem ou não cobras cuspideiras na Guiné, não tendo isto na altura passado de uma mera invenção para assustar um dos Soldados, que tinha um terrível pavor que tal lhe viesse a acontecer.

Mal ouvia o rastejar de um rato ou de um lagarto em cima da chapa que cobria o abrigo, aí estava ele em alerta total. Lembro-me que a esses lagartos chamávamos de “paga dez”, por estarem sempre a fazer o que pareciam flexões. Para em definitivo (ou não) se tentar acabar com aquela fobia, alguém um dia se colocou no lado de fora numa das vigias do abrigo imitando o rastejar e o silvo de uma cobra, para atrair o coitado do Soldado, que estava na sua hora de descanso.
Para completar a situação, outro entrou no abrigo a gritar que lá fora estava uma enorme cobra. Tendo aquele espreitado pela vigia para ver se via algo, é-lhe despejado um valente bocheco de água nos olhos.

Escusado será dizer que o infeliz deitou a correr para o meio da parada, com alguns trambolhões pelo meio, pois tentava tapar os olhos com as mãos, gritando:
- Estou cego, estou cego, estou cego.

Destas coisas sim, tenho saudades.

Augusto Silva Santos

Jolmete, Agosto de 1972 > Estrada velha de Bula

Jolmete, Agosto de 1972 > Regresso da segurança à água

Jolmete, Outubro de 1972 > Convívio

Jolmete, Novembro de 1972 > Bolanha de Ponta de S. Vicente
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10127: Estórias dos Fidalgos de Jol (2) (Augusto S. Santos): A noite da hiena

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10127: Estórias dos Fidalgos de Jol (2) (Augusto S. Santos): A noite da hiena

1. Segunda história enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), em mensagem no dia 30 de Junho de 2012.


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (2)

A NOITE DA HIENA

Havia rumores (através da população) de que poderia estar para breve um possível ataque ao nosso quartel, daí que se acentuasse a nossa vigilância nocturna e se redobrassem alguns cuidados.

Foi numa dessas noites longas que, após ter saído da messe, e me ter dirigido para o meu abrigo, ainda com as calças na mão e já de chinelos prontinho para me deitar, somos todos surpreendidos por uma curta rajada, com todo o pessoal de G3 em punho, em trajos menores e com algumas quedas pelo meio, a correr para a vala.

Rápida foi notícia de que alguém que tentava ultrapassar o arame farpado, havia sido abatido.

Passaram no entanto alguns minutos (que mais pareceram uma eternidade à espera de um possível ripostar por parte do inimigo) sem que felizmente nada se registasse. Organizado todo o esquema para se verificar o que efectivamente tinha dado origem aos tiros, lá se chegou à conclusão que o inimigo não era mais do que uma hiena que, por motivos óbvios, se havia aproximado em demasia do curral das vacas, e que tinha sido abatida por uma das sentinelas.

Não passou de um valente susto, aquela que ficou conhecida como a noite da hiena.

Augusto Silva Santos


Foto 6 > Jolmete, Junho de 1972 > Chegada de mais uma operação

Foto 7 > Jolmete, Junho de 1972 > Entrada da Messe

Foto 8 > Jolmete, Junho de 1972 > Entrada do Quartel

Foto 9> Jolmete, Agosto de 1972 > Convívio


Foto 10 > Jolmete, Agosto de 1972 > Estrada de Gel
 ____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10113: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (1): Mandem a Marinha

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10113: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (1): Mandem a Marinha

1. Mensagem de Augusto Silva Santos*, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73, com data de 30 de Junho de 2012:

Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Indo ao encontro do desafio do Luís Graça, com alguma saudade mas não de nostalgia, e muito mais com o intuito de ajudar a “alimentar” aquele que denominamos de “nosso” blogue, atrevo-me a enviar algumas fotos da minha passagem pelas terras da Guiné, mais precisamente por Jolmete no Chão Manjaco, acompanhadas de três curtas mas engraçadas histórias, pois felizmente no meio de tantas situações desagradáveis por nós vividas, sempre se registaram algumas que hoje ao recordarmos se tornam ainda mais hilariantes ou caricatas.

Não cito nomes nem datas para não ferir possíveis susceptibilidades.
Augusto Santos


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (1)

Mandem também a Marinha

A primeira que vos passo a relatar, embora não tivesse estado pessoalmente presente, foi-me contada de viva voz por alguns elementos e inclusive pelo próprio protagonista, passou-se muito perto do local onde foram barbaramente assassinados os oficiais que estariam algum tempo antes a negociar a paz no Chão Manjaco, local mais ou menos assinalado de possível passagem dos guerrilheiros do PAIGC.

Sabendo o Comandante de Companhia dessa situação, era habitual mandar emboscar nas proximidades dois grupos de combate (normalmente emboscadas nocturnas), sendo que numa das ocasiões, e já de dia, se estabeleceu mesmo contacto com o inimigo.

Se não me falha a memória, nesse contacto foi mesmo feito um prisioneiro que se encontrava ferido.
Tendo as nossas tropas ficado durante algum tempo debaixo de fogo, o Alferes que na altura as comandava, apressou-se a solicitar apoio aéreo, sem que no entanto (segundo algumas opiniões) tal se justificasse, pois o contacto teria sido breve e o pequeno grupo do inimigo se dispersado rapidamente.

Ora estando o tal Alferes excitadíssimo (aos berros) a pedir o apoio em questão e, tendo o contacto já acabado, um dos Soldados que o acompanhava de perto sacou-lhe o rádio das mãos e disse alto e bom som:

- Já agora mandem a Marinha também!

Como devem calcular, este episódio foi durante algum tempo objecto de comentários mais ou menos jocosos por toda a Companhia.

Foto 1 - Jolmete, Fevereiro de 1972 > Tabanca

Foto 2 > Jolmete, Março de 1972 > Mamas de Badã

Foto 3 > Jolmete, Abril de 1972 > Matança de uma vaca

Foto 4 > Jolmete, Maio de 1972 > A vala e o aramen farpado

Foto 5 > Jolmete, Junho de 1972 > Trilhos de Pioce
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9674: Meu pai, meu velho, meu camarada (27): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto S. Santos)