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domingo, 27 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18685: Agenda cultural (638): Lançamento do novo livro de Catarina Gomes, "Furriel Não É Nome de Pai: Os filhos que os militares portugueses deixaram na Guerra Colonial" (Tinta da China, 2018, 224 pp.): Em Lisboa, na Feira do Livro, domingo, 3 de junho, 16h00; no Porto, Mira - Artes Performtivas, sábado, dia 2 de junho, 15h00






1. Mensagem da nossa amiga, jornalista e escritora, Catarina Gomes (, que tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue), com data de 21 do corrente:

Caro professor Luís Graça,

Como está?

Venho convidá-lo para o lançamento do meu novo livro "Furriel não é nome de pai-Os filhos que os militares deixaram na Guerra Colonial", que vai ter lugar na Feira do Livro de Lisboa dia 3 de Junho às 16h00 (o convite segue em anexo) e no Porto a 2 de Junho na Mira Artes Performativas (na zona de Campanhã), o convite também segue em anexo. Ambos os eventos são abertos e todos são bem-vindos.

Venho também pedir-lhe divulgue no blogue o livro que começa a ser vendida nas livrarias dia 25 de Junho (envio em baixo o comunicado de imprensa), mas que pode também ser comprado à distância através do portal da editora Tinta da China com portes gratuitos: 
Tudo começou no vosso blogue.

Faz este ano cinco anos que fui à Guiné-Bissau para escrever pela primeira vez sobre “os filhos do vento”, como lhes começou a chamar o José Saúde no vosso blogue. Não imaginam a quantidade de emails que recebi desde então, de filhos africanos em busca de pais, de alguns portugueses em busca dos seus irmãos africanos. 

Depois dessa primeira reportagem senti que a história tinha ficado incompleta. Que era preciso voltar sozinha à Guiné e continuar a contar as suas histórias. Chamo-lhe um livro de pós-reportagem porque trata do que aconteceu depois da reportagem e por causa dela:

por causa da reportagem Fernando Hedgar da Silva - um homem que um dia pensou que “furriel” era nome de pai e a quem este livro é dedicado - conheceu dezenas de outros “filhos de tuga” como ele e decidiu criar a associação “Filho de Tuga”;

por causa da reportagem Filomena decidiu trazer o sobrinho desconhecido para Lisboa e obrigar o irmão, ex-militar, a fazer um teste de DNA;

por causa da reportagem Emília descobriu os seus dois irmãos gémeos guineenses, Celestino e Celestina.

Ao último capítulo chamei “Pais Procuráveis”. Aqui volto à reportagem que fiz em Angola, em que acompanhei António Bento ao encontro do seu filho angolano desconhecido, e explico também o que aconteceu antes e depois.

Muito obrigada por tudo. Não poderia deixar de estar, juntamente com o José Saúde, nos agradecimentos.

Um abraço,

Catarina




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Nota do editor:

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18338: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 28 (O Ramadão) e 29 (A PPSH de tambor)... Ou um "estúpido" na guerra...


Guiné > PAIGC > Novembro de 1970 > Um guerrilheiro (ou elemento da milícia popular...) empunhando uma PPSH, de tambor (a irritante "costureirinha", uma arma temível sobretudo em emboscadas)... Foi muito usada na II Guerra Mundial, pelo exército soviético: era a Shpagin PPSH 41, de calibre 7,62 mm Tokarev. com tambor de 81 munições...

Fonte: © Nordic Africa Institute (NAI)  (2010) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI) [Edição e legendagem complementar


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CCAÇ / BART 6520/72 (1972/74) > O 1º cabo condutor auto José Claudino da Silva, junto a um memorial de uma companhia que passou por ali em 1966/68, a  CCAÇ 1624 / BART 1896, que, segundo a ficha da unidade, esteve em Fulacunda, Catió, Fulacunda, Bolama, Mejo, Porto Gole, Fulacunda, entre novembro de 1966 e agosto de 1968.

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Claduino da Silva, mora na Lixa, Felgueiras
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à direita]

Nasceu em Penafiel, em 1950, foi criado pela avó materna, reside hoje na Lixa, Felgueiras. Tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado. Tem o 12.º ano de escolaridade.

Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook: é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante. É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;

(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xvi) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura).


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 28 e 29

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


28º Capítulo  > O RAMADÃO

O estúpido ignorante 1º cabo 158532/71 só conhecia um Deus. O eterno e todo-poderoso Deus do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis,  por isso ficou surpreendido quando soube que Alá também é um Deus e ficou a saber isso na festa do Ramadão.

Descrevia por carta, aquele estúpido imbecil de 22 anos (pelos vistos era eu), no dia 8/11/1972:

“Hoje há aqui uma festa que é feita pelos pretos e eu vou até às tabancas para me divertir um pouco. Vê-los dançar o batuque e ouvi-los cantar aquelas canções ininteligíveis a Alá. O Alá é o Deus deles. Andaram um mês a fazer jejum e agora que o jejum terminou fazem uma festa fora de série. É engraçada a maneira como se divertem. Têm uma “capela” que não tem nada lá dentro eles vão para lá e põem-se a beijar o chão mas só os homens, as mulheres ficam cá fora pois não tem direito de entrar onde os homens entram. Elas é que trabalham e eles só comem e dormem pois cada um tem quatro ou cinco mulheres e eles não trabalham precisamente porque em cada noite dormem com uma diferente e precisam de ter forças para… Parece que não é preciso explicar melhor. No entanto há muitos a quem as mulheres não são fiéis, eles não tem forças e elas arranjam outros, principalmente brancos. Há aqui mais de uma dezena de bebés mulatos filhos de alguns soldados que viemos render ou de outras companhias anteriores.” 

Não admito que me gozem. Fiquei a saber, naquela época, que estes rituais são seguidos por milhões de muçulmanos em quase todo o mundo. Usam várias religiões para atingirem a vida eterna como nós fazemos na religião católica, onde há várias, mas só um Deus. Com eles, passa-se o mesmo.

Nós, para nos salvarmos, recorríamos a todos os santos consagrados pela Santa Sé. Rezávamos o terço e ouvíamos o capelão, fazíamos promessas à Nossa Senhora de Fátima, rogávamos a Deus e agora até a Alá, que passara a ter a dupla obrigação de nos salvar a nós e ao inimigo que também a ele recorria.

Alguns de nós tínhamos ainda vários amuletos e outros feitiços que garantidamente nos protegiam de todos os males, mais uns quantos pós e algumas mezinhas que entretanto descobríramos em África. Não fazíamos jejum 30 dias como os pretos, a quem eu me referia quase pejorativamente. Jejum, só fazíamos na quaresma, e só à sexta-feira. Éramos muito diferentes; a nossa religião melhor, achava eu!

Desde já garanto: O nosso salvador foi outro. Penso que existiu um em cada companhia. Na minha, foi o ANIBAL. Falarei dele no tempo da fome e no local onde ele merece estar. No cimo de todos
nós.

29º Capítulo  > A PPSH DE TAMBOR




Com a minha estranha maneira de ver a guerra, só em Novembro me referi levemente a algo com ela relacionada e envolvendo directamente, apenas os nossos grupos de combate. Foi num domingo, depois de ouvir o relato que dava em cadeia com a Emissora Nacional.

“Mais um Domingo triste e monótono que passei a 4000 quilómetros de distância. Até te vou contar uma coisa só para hoje ser diferente.

Os nossos pelotões de combate detectaram um elemento inimigo, feriram-no e embora ele conseguisse fugir apanharam-lhe a arma. (Uma PPSH de tambor) Menciono este facto porque normalmente quando uma companhia apanha armamento ao inimigo como prémio só está 16 a 18 meses no mato, por isso nós com um pouco de compreensão do General Spínola que é o Comandante-chefe do Comando Territorial Independente da Guiné. Diz-se C.T.I.G. só estaremos aqui 18 mesitos e depois vamos para Bissau. Bem bom.”


Acreditam nisto? Vejam bem como este parvo escrevia, num cenário de guerra, onde morriam pessoas. Ouvia monotonamente o relato como se estivesse numa colónia de férias.

No alto dos meus medíocres privilégios, estava-me nas tintas para o que os meus camaradas passavam nas perigosas operações militares a que estavam sujeitos. Pelos vistos, pouco me importava, quando percorriam por entre árvores e capim, debaixo dum sol abrasador, as matas e bolanhas pantanosas, com a água a chegar-lhes, muitas vezes, à cintura, aumentando imenso a dificuldade de caminharem, para que eu pudesse estar seguro no quartel.

Apenas posso afirmar, a meu favor, que quando regressavam ao quartel, nunca lhes faltaram bebidas frescas. Mas o que me preocupava mesmo era ouvir o relato de futebol e arranjar um gravador de cassetes.

[Continua]
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18312: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 26 (O primeiro castigo no mato) e 27 (O paludismo)

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17907: Em busca de... (280): pai de Elisa Gomes, nascida em Geba, em 2/12/1968, filha da lavadeira Maria Assunção Sábado Teixeira, já falecida (em Bafatá, em 1990). O progenitor pode ser um militar da CART 1690 (Geba, 1967/69). A Elisa vive e trabalha em Albufeira (Fernando Chapouto, ex-fur mil op esp, CCAÇ 1426, Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, 1965/67)


1. Mensagem do nosso camarada Fernando Chapouto, originalmemnte com data de 2/12/2016. Por lapso, só agora é publlicada.

[O Fernando Chapouto foi Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426, Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, 1965 e 1967]

Assunto - Pedido de Ajuda para encontrar o pai de Elisa Gomes, um  militar português,

Peço aos meus amigos ex combatentes da Tabanca Grande, a encontrar o pai (ou o próprio que se pronuncie,)  de Elisa Gomes, nascida a 2 de dezembro de 1968, em Geba, Guiné – Bissau.

É filha de Maria Assunção Sábado Teixeira lavadeira do pessoal que morava por baixo ou ao lado da igreja.  A mãe faleceu em 1990 em Bafatá, onde se encontra sepultada.

Nesta altura a companhia que ali estava era a CART 1690 [, Geba, 1967/69] que rendeu a minha CCAÇ 1426 [Geba, 1965/67], por este motivo será fácil saber qual o pelotão aí destacado fins de fevereiro,  principio de março de 1968.

Como aqui junto a mim moram alguns africanos, especialmente da Guiné – Bissau,  alguns mesmo de Geba e com quem falo todas as semanas, um deles é primo da Elisa,  falou-me que a prima gostava muito de conhecer o pai, porque todo ser humano tem o direito de conhecer o pai, ela não apareceu por obra e graça do Espírito Santo.

Eu pergunto; de certeza que o referido militar quando regressou,  constituiu família e não abandonou os filhos.

Já falei várias vezes pelo telemóvel com ela, mora em Albufeira onde trabalha, as fotos que envio tirei-as do Facebook,  ao qual eu ainda não me adaptei muito bem.

Espero ter notícias e agradecia esta publicação.

Abraços

Fernando Chapouto

Fotos: Página do Facebook da Elisa Gomes (com a devida vénia...)


2. Comentários dos editores:

Fernando: Lapso nosso, acontece, e não é a primeira vez... Peço-te muita desculpa, a ti e à Elisa... Ainda vamos a tempo de publicar a tua mensagem, como vês... Diz-nos apenas se tens mais alguns elementos novos... A Elisa deve ter tido, através da mãe, mais dados sobre o pai: apelido, posto, especialidade e até, eventualmente, naturalidade... O pai (ou outra pessoa de família) poderá contactar a Elisa Gomes através da sua página do Facebook. Ou contactar os editores que estão obrigados, em casos como este, ao dever de sigilo.

Daqui a pouco menos de um mês, a Elisa vai fazer 49 anos...E que melhor poderia ela desejar ? Um sinal do seu pai ou da família do seu pai!... Oxalá ele esteja ainda vivo e de boa saúde!...

3. Comentário do nosso colaborador permanente José Martins:

Mais um caso acerca dos chamados "filhos do vento".

A boa prática, pelo menos na actualidade, era de que devia ter sido feito o reconhecimento de paternidade e o acompanhamento dos filhos gerados, mesmo que à distância. Tal não aconteceu neste e em muitos casos.

Mas entrando no que interessa: há que saber quem é que é o pai do neófito. Com base no nome, e nos meios militares, não é previsível o acesso ao seu processo individual porque só o mesmo o pode fazer ou, passados pelo menos 25 anos após a sua morte, por outro elemento.

Portanto,  só nos "meios civis" é possível obter os dados para a localização do visado. Quando só havia um operador telefónico e não havia telemóveis,  era possível através das informações da operadora obter alguns elementos. Agora isso é impraticável.

De qualquer forma, se puder ajudar, disponham.

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Nota do editor:


7 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17740: Em busca de... (279): Arq. Luís Vassalo Rosa, ex-Cap Mil, CMDT da CART 1661 (Henrique Matos e João Crisóstomo)

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17899: In Memoriam (307): Ivo da Silva Correia (Fajonquito, c. 1974 - Bissau, 21/10/2017)... Era filho de um camarada nosso, da CCAÇ 3549 (Fajonquito, 1972/74). Morreu sem conhecer o pai português... É tarde, mas ainda vamos a tempo de lançar uma petição pública para que estes pobres "filhos do vento" vejam reconhecido o seu direito a serem também portugueses, além de guineenses... O "Ibu" passa a ser, a título póstumo, o membro nº 758 da nossa Tabanca Grande!





Guiné > Região de Bafatá > Setor de Contuboel > Fajonquito > Ivo da Silva Correia (Fajonquito, c. 1974 - Bissau, 2017)

Fotos: © Cherno Baldé (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Vítima de doença prolongada, faleceu  no passado dia 21 do corrente,  "o meu irmão Ibu (vulgo Ibulel)",  escreveu Aliu Baldé, na sua página do Facebook.

O Ivo da Silva Correia era natural de Fajonquito, nascido por volta de  1974 [ou já 1975],  segundo informação do nosso amigo Cherno Baldé,  que acrescenta mais o seguinte na sua página do Facebook:

(i) era filho de um soldado português da Companhia dos Deixós Poisar (CCAC 3549) que nunca o reconheceu; 

(ii) sem o devido enquadramento e a ajuda necessária, não conseguiu avançar por aí além na escola e, apesar dos apoios e solidariedade dispensada pela comunidade e colegas da sua Tabanca, sempre que era necessário, levou uma vida errática e bastante difícil, que acabou por o vitimar;

(iii) era um jovem afável e de bom trato;

(iv) foi sepultado no cemitério de Bissau. 

E termina o nosso amigo e irmãozinho, o "menino e moço" de Fajonquito que tem mais de 150 (!) referências no nosso blogue: "Fajonquito e os Deixós-Poisar perderam um dos seus filhos. Que a terra lhe seja leve e que, finalmente, encontre a paz de espírito que não teve em vida.  Amén".


2. Comentários de camaradas nossos na página do Cherno Baldé [foto à direita]:


(i) Hélder Valério de Sousa 

Lamentável que o desfecho tenha sido esse. Sabe-se que a Lei da Vida é assim mesmo,  mas, pelo relato do Aliu [Baldé] que o Cherno nos faculta, foi uma vida bem difícil e que, felizmente, contou com alguma solidariedade. Que possa descansar em paz.



Na minha aldeia [, Brunhoso, concelho de Mogadouro,] conheci alguns filhos de pai incógnito mais velhos do que eu, que embora conhecendo o seu pai, toda a aldeia sabia quem era, aceitavam esse facto como uma fatalidade natural.

Tal como nas aldeias também nas cidades ainda havia nesse tempo muitos filhos sem pai reconhecido. Por toda essa predisposição social, a acrescentar aos preconceitos raciais que existiam em todas as classes sociais e económicas, acho que não devo culpar esse soldado que abandonou o filho embora seja um acto condenável. Lamento a sorte do Ibu [Ivo]  que,  sem o apoio do pai branco, não conseguiu o equilíbrio que merecia. Que descanse em paz.


3. Comentário de LG:

O Ivo era um jovem conhecido do nosso Cherno Baldé, um "filho do vento" (, não gosto da expressão, porque é eufemística,  uma figura de estilo que usamos, de maneira cínica, que nada tem de romântcio ou poético, para escamotear ou disfarçar uma realidade cruel...), tal como a Cadija Seidi, e a Kumba Seidi, também nascidas por volta de 1973/74, em Fajonquito, filhas de soldados portugueses.

Já em 2013, o Cherno Baldé (*) tinha-nos dado notícias da existência do Ivo;

(...) "Filho de Sona Baldé, conhecida entre os soldados por Sonia, filha de Sadjo Baldé, antigo cozinheiro da tropa, nasceu em Fajonquito em 1975. O pai, de nome C..., não chegou a conhecer o filho, com o fim da comissão a Companhia de Caçadores n.º 3549, 'Deixs Poisar', comandada pelo Capitão Quadro Especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, deixou Fajonquito em junho de 1974, o pai nunca mais deu sinais de vida. 

"[ O Ivo] não está desesperado da vida, simplesmente gostaria de conhecer a cara do pai, pois dizem que são muito parecidos. A única referência que tinha do pai era uma fotografia que entretanto se deteriorou com o tempo." (...)


Todos estes homens e mulheres carregam histórias de amargura, discriminação racial, exclusão social, pobreza... São, brutalmente falando,  "restos"... do nosso império! (**).

Camaradas e amigos, este é assunto de que temos falado aqui no blogue, com alguma frequência...  Aliás, temos falado muito e feito pouco... Há um mês atrás, em 14 de setembro último, chegou-nos um pedido de publicação. Ou melhor: uma sugestão de texto para uma eventual petição à Assembleia da República...

Precisamos de alguém, com formação jurídica, de preferência, que agarre esta causa e que trabalhe melhor o texto... que podia ter o seguinte teor:

(...) "Durante o período em que durou a guerra colonial ou guerra do Ultramar, para uns, guerras da libertação nacional (1961-1975), para outros, estiveram ao serviço do Estado português, em Angola, Moçambique e Guiné, quase um milhão de homens portugueses (, sem esquecer os oriundos dos territórios ultramarinos, Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Macau e até Timor). Muitos destes militares mantiveram, durante o conflito, relações com mulheres locais, que resultaram em filhos.

Os filhos que os militares portugueses deixaram para trás,  vêm por este meio solicitar que o Estado Português lhes reconheça o seu legítimo direito à nacionalidade portuguesa, uma vez que são filhos de pais portugueses que, na maior parte dos casos, nunca irão ter a oportunidade de vir a conhecer.

Souberam das suas origens através das suas mães e familiares. E têm em comum toda uma vida de ostracismo e estigmatização nos seus países de origem, sobretudo a seguir à independência, onde foram cruelmente chamados de “restos de tuga” ou “sobras do colono”, e sofrem até hoje com o desconhecimento de metade da sua história. 

Conceder-lhes a nacionalidade que é dos seus pais desconhecidos,  seria uma forma de fechar um ciclo da História de Portugal." (...)

O texto pode ser melhorado, este é apenas um rascunho.

O sítio Petição Pública é o mais usado para estes fins e torna o processo de criação e divulgação da "causa" muito mais fácil. Depois de angariada alguma massa crítica é que se poderia formalizar o processo no sítio  da Assembleia República. Ver aqui o endereço na Net: Petição Pública - Serviço gratuito de petições online.

Para já, temos o dever (moral) de homenagear o Ivo e, na sua pessoa, todos os  demais filhos e filhas de militares  portugueses, que continuam a lutar, através da sua Associação, pelo direito à nacionalidade portuguesa.

O Ivo da Silva Correia (c. 1974-2017) (***)  passa a  ser, a título póstumo e simbólico,  membro da nossa Tabanca Grande. O seu lugar será o nº 758. Fica connosco, à sombra do nosso sagrado poilão, que nos une a todos, amigos e camaradas Guiné, vivos e mortos.  (****).

Obrigado, Cherno Baldé, por nos teres dado a esta notícia, embora triste. Sem ti, nunca ficaríam a saber que, afinal, estamos todos mais pobres, Fajonquito e a família da CCAÇ 3549.
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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 14 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11838: Os filhos do vento (13): Em busca do pai tuga: um reportagem, 3 vídeos, 19 histórias, 19 rostos, 19 nomes à procura do apelido paterno... Hoje no "Público", domingo, dia 14. A não perder.

(***) Último poste da série >  19 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17883: In Memoriam (306): Cadi Candé (c.1927-2017), arquétipo da mãe africana, exemplo de humildade, abnegação e coragem... Homenagem à mãe do nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé (Bissau)

(****) Vd. poste de 20 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17888: Tabanca Grande (450): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, e novo membro da Tabanca Grande, com o nº 757... Faz parte da Associação de Alunos da Universidade Sénior de Vila Franca de Xira.

domingo, 17 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17776: Consultório militar do José Martins (25): Lista das companhias que estiveram em Empada depois da CCAÇ 616 (1964/66), a pedido do Joaquim Jorge, régulo da tabanca de Ferrel, Peniche



Lista das companhias e pelotões que passaram por Empada, na região de Quínara, entre abril de 1963 e junho de 1974. Infogravura: José Martins (2017).


1.  Mensagem de Joaquim da Silva Jorge [ex-al mil, CCAÇ 616, Empada, 1964/66], régulo da tabanca de Ferrel, concelho de Peniche_

Data: 7 de setembro de 2017 às 14:45

Assunto: companhias que estiveram em Empada depois da CCAÇ  616


Caro Luís Graça: Boa tarde!

Há hipótese de descobrir as companhias que estiveram em Empada depois da minha 616?

A minha companhia saiu de lá em 24 ou 25 de janeiro de 1966. Tenho a relação completa de  1964 a 1974, mas não informatizei e não sei onde guardei essa relação que tenho em papel.

Estou a solicitar-te este favor para poder ajudar uma guineense a descobrir o pai da filha.

Desde já grato.

Um abraço, Joaquim Jorge


2. A pedido dos nossos editores, o nosso colaborador permanente José Martins mandou-nos, logo no próprio dia, a lista que publicamos acima, e que foi igualmente reencaminhada para o Joaquim Jorge. 


[Foto à direita: José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70)]


Camaradas como o José Teixeira e o José Belo (CCAÇ 2381) bem como o Xico Allen (CCAÇ 3566) também passaram por Empada em épocas diferentes.

Temos mais de 140 referências a Empada. O Francisco Monteiro Calveia também pertenceu à CCAÇ 616.

O nosso "Zé Sherlock Holmes" chama-nos a atenção para o facto de as duas primeiras companhias da lista, a CCAÇ 83 e a CCÇ 153,  não terem ido completas para a Empada, mas sim apenas com  1 ou 2 Grupos de Combate.  

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17559: Consultório militar do José Martins (24): D. Cecília de Freitas, Dama Enfermeira, equiparada a Alferes

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17215: (De) Caras (62): A lavadeira Miriam e o furriel Mamadu... Comentários: da misogenia ao levirato, da tragédia da infertilidade feminina ao sexo em tempo de guerra...



A Miriam e o furriel Mamadu


Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao último poste do Mário Fitas (*)


[Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô; foto atual, à direita]


(i) Valdemar Queiroz:

Belo texto.
Esquisita aquela passagem 'apesar de ser negra Mariam não era nada de desperdiçar' Não percebo por que é que por ser uma mulher negra tinha que ser desperdiçada?  Mas desperdiçada de quê? (Por cá dizemos o mesmo, mas não é por ser branca)
Ainda bem que naquela pequena tabanca (o Mamudu não sabia se fula ou mandinga ?) a população dominava perfeitamente o crioulo e até o Aqueba tocava kora, mas, estranhamente, nada sabia da infertilidade das mulheres.
Venham mais textos
Valdemar Queiroz

5 de abril de 2017 às 18:46

(ii)  Tabanca Grande:

Mário, é um texto "corajoso", em que te expões, dás a cara... Concordo com o Valdemar, é um pouco "infeliz" a tua observação: "apesar de ser negra, Miriam não era nada de desperdiçar"... Tal como aquela outra, mais à frente: "ao fim de quinze dias na Guiné, as negras começam a ficar brancas”...

Bom, a Miriam é uma grande mulher e se ela foi tua lavadeira e amante, foste um tuga, além de "balente", com sorte na guerra e nos amores... Tiro-lhe o quico, a ela e ao Mamadu!

O teu texto é prosa e da boa. É literatura, é ficção, memso com um fundo autobiográfico. E o romancista, o novelista, o contista, não tem que ser "politicamente correto"!... Hoje temos dificuldade em abordar, com frontalidade, as questões de género...

Muitos de nós, na época, "pensavam" o mesmo... De resto, a misogenia (e o racismo) está ainda bem presente em muitos provérbios e outros lugares comuns da língua portuguesa... Aqui vai uma mão chão deles, selecionados por mim:

"A mulher e a mula o pau as cura";

"A raposa tem sete manhas e a mulher a manha de sete raposas";

"Até aos vinte, evita a mulher; depois dos quarenta, foge dela";

"Com mulher louca, andem as mãos e cale-se a boca";

"Da cintura para baixo não há mulher feia";

"De má mulher te guarda e da boa não fies nada" (Séc. XVI);

"Debaixo da manta tanto faz a preta como a branca";

"Desejo de doente, visita de barbeiro, serviço de mulher";

"Dia de Santo André, quem não tem porcos mata a mulher";

"Foge da mulher que sabe latim e da burra que faz ‘im’…";

"Frade e mulher - duas garras do diabo";

"Frade, freira e mulher rezadeira - três pessoas distintas e nenhuma verdadeira";

"Hábito de frade e saia de mulher chega onde quer";

"Guarda-te do boi pela frente, do burro por detrás e da mulher por todos os lados";

"Guarde-vos Deus de moça adivinha e de mulher latina" (Séc.XVI);

"Mulher beata, mulher velhaca";

"Mulher doente, mulher para sempre";

"Mulher não se enceleira: ou se casa ou vai ser freira";

"Mulher se queixa, mulher se dói, enferma a mulher quando ela quer";

"Não provam bem as senhoras que se metem a doutoras";

"O homem deve cheirar a pólvora e a mulher a incenso";

"Para perder a mulher e um tostão, a maior perda é a do dinheiro";

"Para se encontrar o Diabo não se precisa sair de casa";

"Três coisas mudam o homem: a mulher, o estudo e o vinho";

"Vaca triste e pançuda não presta e não muda".

Fonte: Graça (2000) -

http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos76.html

Já quanto à Miriam ter sido "herdada" pelo velho sargento de milícias Aqueba Baldé, por morte do marido, temos que ter alguma "cuidado" com a palavra... O nosso Cherno Baldé é capaz de te vir dizer que a lei islâmica proibe que uma mulher seja "herdada"... Mas uma coisa é a lei e outra a prática social dos fulas, há meio século atrás...

Em todo o caso estamos perante um caso de levirato, que remonta ao antigo Testamento: é um tipo de casamento no qual o irmão de um falecido é obrigado a casar com a viúva de seu irmão, e a viúva é obrigada a casar com o irmão do seu falecido marido.

O casamento levirao foi (e continua a ser) praticado por sociedades com uma forte estrutura tribal e clânica em que o casamento fora do clã (exogamia) era proibido. A prática é semelhante à "herança" da viúva, em que os parentes do falecido marido podem decidir com quem a viúva pode casar.

O termo deriva do latim "levir", o "irmão do marido".

5 de abril de 2017 às 20:06
 

(iii) Tabanca Grande: 

"Jarama" ou "djarama" em fula quer dizer obrigado...

O que é que o velho sargento de milícias queria dizer com a frase:
-Jaramááááá… furiel Mamadu qui na bai na mato e cá tem medo, Jaramááááá!...

Mário, levantas outra questão interessante, e aqui pouco abordada, o uso de "mezinhas" contra bala do inimigo... É interessante a tua descrição do ritual a que o furriel Mamadu foi submetido, com o propósito de "fechar o corpo" contra as balas... Era uma prática "animista", corrente na Guiné... Toda a gente usava "amuletos", tanto os cristãos, como os muçulmanos como os animistas, a começar pelo 'Nino' Vieira... E o pobre do Amílcar Cabral, que combatia a prática "irracional" dos amuletos, também devia usá-los... Se calhar as balas da Kalash do "traidor" Inocêncio Kano não lhe teriam entrado no corpo, na noite de 20 de janeiro de 1973...

5 de abril de 2017 às 20:46

(iv)  Tabanca Grande

O que diz a Bíblia, Antigo Testamento, sobre o levirato:

Deuterónimo, 25: 5-10

5. Se alguns irmãos habitarem juntos, e um deles morrer sem deixar filhos, a mulher do defunto não se casará fora com um estranho: seu cunhado a desposará e se aproximará dela, observando o costume do levirato.

6.Ao primeiro filho que ela tiver se porá o nome do irmão morto, a fim de que o seu nome não se extinga em Israel.

7.Porém, se lhe repugnar receber a mulher do seu irmão, essa mulher irá ter com os anciães à porta da cidade e lhes dirá: meu cunhado recusa perpetuar o nome de seu irmão em Israel e não quer observar o costume do levirato, recebendo-me por mulher.

8.Eles o farão logo comparecer e o interrogarão. Se persistir em declarar que não a quer desposar,

9.sua cunhada se aproximará dele em presença dos anciães, tirar-lhe-á a sandália do pé e lhe cuspirá no rosto, dizendo: eis o que se faz ao homem que recusa levantar a casa de seu irmão!

10.E a família desse homem se chamará em Israel a família do descalçado."

Deuteronômio, 25 - Bíblia Católica Online

Leia mais em: http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/deuteronomio/25/

5 de abril de 2017 às 20:57

(v)  Tabanca Grande:

Mário, a tua "Miriam" dá... pano para mangas!... Levantas outra questão que é uma tragédia em África, a da infertilidade "feminina"...

A cultura africana, e nomeadamente subsariana, impõe aos casais uma prole numerosa. Os filhos são a principal riqueza de um homem. E o papel da mulher é a reprodução. A mulher infértil (... não há homens infertéis!) é vítima de discriminação, estigmatizados, marginalização social, rejeição. Sem um filho biológico, a mulher cai facilmente no círculo vicioso da pobreza e da marginalização... Na África subsariana, a proporção dos casais inférteis é muito alta (quase um terço dos indivíduos em idade fértil, segundo estima da OMS - Organização Mundial de Saúde.

Miriam, provavelmente, também sentia culpa e vergonha por não ter filhos... E desejo de os ter, mesmo que fosse um "filho do vento"... Mal sabia ela que os não podia ter...

Mário, é comovente o desfecho da história:

(...) Regresso junto ao pântano, fizeram conversa giro com aquele como fundo. O furriel esquecendo o carregamento e camaradas sentiu-se na obrigação de partilhar alguma coisa com aquela mulher-criança. O corpo de Miriam estremeceu, sentiu algo de novo que nunca tinha conhecido e a lavadeira chorou. As causas ninguém as saberá. No espírito e corpo Miriam nunca mais esqueceria aquele momento em que não houve cor, raça ou fêmea, mas simplesmente foi considerada mulher a corpo inteiro, a quem a sua própria crença e raça tinham castrado, retirando-lhe parte desse estatuto de um ser livre. E acreditou que teria sido o momento do seu sonho. Pelo contrário o militar sentiu-se safado e triste por utilizar os seus instintos brincando com os sentimentos de um ser humano.

Perdoa, mulher negra, mas o teu sonho não será realizado nem por branco safado nem por outro homem qualquer. Serás eternamente uma flor que não transformará a sua polinização em fruto. (...) (**)

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Notas do editor:


quarta-feira, 5 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17209: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIX Parte: Cap X - Miriam quer fazer cumbersa giro com furiel Mamadu


A bela mas estéril Miriam

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados
 [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

[Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]

Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVIII Parte > Cap IX - Guerra 2 (pp. 62-66)

por Mário Vicente

Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele.

Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIX Parte: Cap X: Miriam (pp. 61-66)


X Miriam

Cada Povo tem os seus rituais para exorcizar o medo da morte. Mas é a morte que está sempre presente na guerra.

Miriam, sendo fula, apresenta como é natural as características gerais desta etnia. Feições perfeitas cor de ébano, alimenta-se de arroz, fruta, carne,  exceptuando porco, e abusa um pouco da cola. De origem nómada,  convertida ao islamismo, tem regressões ao feiticismo e foi herdada pelo sargento de milícia Aqueba Baldé, homem já de uma certa idade, por morte de seu irmão, conforme a lei e tradição fula. Relativamente nova, sem definição de idade, andará pelos vinte, vinte e um anos. Seios pequenos mas levantados, apesar do uso do pano para os quebrar, é demonstrativo que ainda não teve filhos.

Caracterizando por alto, eis a lavadeira que o chefe dos Vagabundos conseguiu, tendo talvez aqui começado em parte também a alcunha daquele, para furriel Mamadu não desvalorizando também o gosto deste em saber usos e costumes, o seu convívio e relacionamento com o pessoal nativo. Era habitual ver o furriel falando e convivendo com os soldados da milícia.

Tantas vezes o cântaro vai à fonte até que… ou antes, tantas vezes a roupa foi lavada, que Vagabundo começou a estranhar o extremo esmero com que sua roupa era tratada sem reclamação ou exigências de melhor remuneração. A lavadeira um dia mais afoita e atrevida, atacou directamente Vagabundo:


Furiel!... tu é Mamadu, home balente, bó na bai na mato e cá tem medo, Miriam gosta de furiel. Eu sabo tu é branco, a mim preto! Miriam quer fazer cumbersa giro com furiel Mamadu!

Vagabundo poderia esperar tudo menos isto! Grande morteirada! Havia normas e conceitos que,  como graduado responsável,  tinha de respeitar. Além do mais, Miriam,  para todos os efeitos,  era mulher do sargento da milícia e tudo traria problemas que teriam reflexos em toda a CCAÇ 763.

Sejamos claros! Não seria coisa que desgostasse ao furriel, porque apesar de ser negra, Miriam não era nada de desperdiçar, com a agravante da inexistência de formas dos militares,  naquela situação no mato, resolverem carências de sexo em termos normais. E como se dizia: "ao fim de quinze dias na Guiné, as negras começam a ficar brancas”!

Vagabundo, a princípio,  não ligou e mandou a lavadeira ter cabeça, criar juízo. Mas Miriam continuou insistindo. O furriel, para evitar problemas,  foi falar com o sargento da milícia e informou-o que prescindia dos serviços da mulher e que ela não tinha juízo. Aqueba ouviu, olhou de uma forma resignada para Mamadu e disse:


- Furiel!... a mim sabe desse cumbersa todo! Miriam cá tem cabeça, Miriam fala a mim desse coisa todo! Mim recebe esse mulher de irmon meu. Eu, home belho, furiel, não pode dar a ela filho, ela quer filho de home branco e quer ser de furiel minino qué Mamadu! Qui na bai na mato, cá tem medo, home balente. 


O furriel viu de imediato o filme todo!... Apesar de ter o conhecimento de, na etnia, a mulher conceder favores sexuais facilmente, em que grande complicação se meteria ainda por cima com aquela ideia louca do filho.

Mas o velho milícia insistiu:


-Cá tem porblema! Furiel cá fala desse cumbersa, a mim cá fala tabem! Si Aqueba firma na Catió, Miriam firma ali no Cufar; si Aqueba firma na Cufar, Miriam firma na Catió. Furiel Mamadu faz como tu sabe!

Sim senhora!... Desta simples forma se viu Vagabundo usufrutuário do corpo de Miriam.

Nessa tarde, ao passar pelas moranças onde estavam instaladas as duas secções de milícia, Vagabundo viu Miriam aproximar-se de Aqueba que, sentado, dedilhava um corá, instrumento rústico de cordas. Qualquer coisa segredou que o sargento da milícia começou cantando uma lenga lenga em linguagem fula misturada de crioulo onde as únicas palavras que o furriel entendeu foram:


-Jaramááááá… furiel Mamadu qui na bai na mato e cá tem medo, Jaramááááá!...

O chefe dos Vagabundos falou com o médico e Miriam foi vista pelo tenente obstetra, natural das terras do Mondego.

O tenente médico miliciano entrou na messe de sargentos e pediu ao Lopez um whisky,  o qual mandou pôr na conta de Mamadu. Ao sair encontrou-se com este e disse-lhe:
- Já cobrei a consulta!
- Então!?
- Em perfeita saúde! Entre aspas é claro, tens mais sorte que o Diogo Alves! Há ali uma disfunção hormonal qualquer, pelo que ela não tem ovulação, sofre de amenorreia crónica!
- Palavra?
- Pela conversa que tive e para teu bem, e mal dela, coitada, pois ela disse-me o que queria! Aliás o que quereria! Dado não ser possível, convém não lhe falares nisso. É melhor a ignorância e ilusão por vezes, que uma grande vida. Deixa-a viver na esperança, que assim vive feliz. Não vale a pena criar problemas psíquicos que geralmente nestes casos resultam em grandes complicações. Entendido? Vamos beber mais um para afastar o mosquito?
- OK! Mas volto a pagar eu!
- ripostou Vagabundo.

Nada de anormal no reino de Cufar. Esta parelha era vista muitas vezes de volta do copo de bambu, sempre com a desculpa do mosquito. O que é certo é que não constava que tivessem tido paludismo, talvez porque o remédio faria efeito.

Numa das ocasiões em que Miriam estava em Catió, o 2º Grupo de Combate foi fazer o abastecimento. Mamadu solicitou a Almeida para ficar um tempinho em Priame,  só para um “converse”, pois o Chico Zé e o Tambinha não se importavam e desenrascavam a secção com o cabo Cigarra, enquanto ele não chegava.
-Está bem! Mas qualquer dia tens de me deixar dar uma volta na bicicleta! 
- gozou o alferes com o seu furriel.

-É pá, quando quiseres, não sou eu o dono!

Mal soube da passagem da coluna,  Miriam correu, como de costume para ver quem vinha: ou era o dono da roupa e haveria festa, ou teria tristemente mandar por alguém. Mal reconheceu o grupo de combate, naquele dia desapareceu. O furriel Mamadu desceu da viatura e cumprimenta o pessoal conhecido e não, com o tradicional “Corpo di bó tá bom?” Contornou as primeiras moranças de Proame e dirigiu-se para a casa de Aqueba Baldé. 


Entrou na casa e o cheiro de plantas perfumadas habitualmente queimadas quando da sua visita, encheu-lhe as narinas. Chamou por Miriam mas esta não respondeu, pelo que foi entrando. Quando estava ao centro da morança, apareceu-lhe Miriam completamente vestida, com vestimenta de ronco azul às ramagens, de saia e corpete tapando unicamente os seios. Pelo odor e luzir da pele como ébano polido notava-se que se tinha preparado com óleo de flores.

-Bó cá fala com furriel Miriam? - inquiriu Mamadu.


-Fala, sim, furiel Mamadu, mas dia de hoje tu na bai cum Miriam no Homem Grande a mim quer corpo di bó fechado!


O furriel viu o filme. Temos bruxaria de certeza, pensou. Mas,  curioso como era,  e delirando conhecer os usos e costumes desta misteriosa África , achou que seria o momento oportuno para enriquecer os seus conhecimentos e respondeu:
-Certo, vamos então estar com o Homem Grande!

Miriam pediu ao furriel para a seguir. Atravessaram a estrada Priame-Catió para o lado direito, passando por um campo de mancarra e contornando uma plantação de abacaxis, internaram-se num bananal até atingirem a orla da mata. Aí chegados, Miriam derivou para a esquerda e passados uns dez metros já dentro da mata, disse para Mamadu:
-Jube!

Mamadu,  estupefacto, ficou petrificado. Os seus olhos nunca tinham visto algo assim. Que maravilhosa é a natureza! Indescritível!... Perante o olhar extasiado do furriel, uma das visões mais lindas até aí apreciadas. Entre um círculo de palmeiras e outras plantas arbustivas próprias do clima tropical, aparece um lago de água estagnada, um pântano. A sua superfície está coberta de um rendilhado de nenúfares gigantes, desde o alvo branco ao rosa forte misturados com outras plantas e flores aquático-tropicais. Que paisagem linda este pântano! Nas suas manifestações de actividade, a natureza revela tal imaginação que qualquer hipótese de relato não traduz na plenitude os seus surpreendentes efeitos.

Miriam acordou Vagabundo daquele sonho e continuou a conduzi-lo pelo estreito carreiro, agora transformado pela vegetação, em túnel, obrigando Mamadu a caminhar um pouco vergado. Preocupado o furriel, pegou no braço da lavadeira e informou-a de que se estariam a afastar demasiado da povoação, o que se tornava perigoso. Ela olhou para ele e disse:


-Tu cá tem medo, tu bai fica fechado p´ra bala!
-Merda para isto,  fico fechado para a bala e aberto para o morteiro e RPG! Meto-me em cada uma!



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió 1967/69)> Álbum fotográfico de Vitor Condeço (1943-2010) > Catió - Vila > Foto 50 > "Lagoa com nenúfares à esquerda na estrada de Catió-Priame".

Foto (e legenda) : © Vítor Condeço (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Andaram mais ou menos cinquenta metros, e numa curva do carreiro, apareceu inesperadamente uma pequena clareira, cercada de enormes poilões em cujo centro existia uma palhota onde fumegava uma pequena fogueira, com panelas de ferro de variado tamanho ao redor.

Batendo as palmas, a lavadeira falou em fula ou mandinga qualquer coisa que Vagabundo não entendeu. Passado uns momentos de silêncio naquele arbóreo claustro, por entre a porta da palhota, apareceu uma figura muito seca de carnes, mesmo magríssima, apenas com meio corpo coberto por um pano branco alabastro. Pequeno, cabelo e uma rala barbicha brancos, eis o Homem Grande, pensou o furriel. E era verdade!... Embora parecendo mais uma palhinha ao vento do que gente. Ali estava o milagreiro que fecharia o corpo de Mamadu à bala.

Miriam encetou uma conversa com o velhote, e Vagabundo completamente off, não petiscava nada do que se estava passando. Não entendia nada e aquela porra já o estava a deixar descontrolado. É que não tinha trazido arma nenhuma, nem ao menos uma granada de mão como era seu costume. Embora a confiança na lavadeira fosse total, o filme de ser apanhado à mão começou a exibir-se na sua mente.

Passados aqueles primeiros momentos, o velhote olhou o furriel de forma profunda, como se o seu olhar fosse raio X que trespassasse o corpo do homem. Sorriu, descontraindo um pouco o militar e mandou-o entrar. A lavadeira pediu ao furriel para fazer tudo o que o Homem Grande quisesse, porque ela teria de ficar cá fora. Vagabundo animou e pensou: já que ali estava, os dados estavam lançados, valeria a pena arriscar para ver. Deve ser giro entrar numa sessão de feiticismo e, com a curiosidade espicaçada, Mamadu entrou na palhota.

O velho, por gestos mandou o furriel despir-se e deitar-se sobre uma esteira de fibra vegetal. Começou a falar e a pôr as mãos sobre o corpo do militar. Saía e entrava, seu corpo palhinha estremecia, os braços movimentavam-se para cima e para baixo, sempre falando como que implorando algo a um deus qualquer. Derramou um líquido indefinido sobre o peito do furriel, cobrindo-lhe o corpo com um pano branco colocou-lhe as mãos sobre o peito, o que fez sentir palpitações no coração de Mamadu que regressou ao nevrótico estado inicial.

A palhinha negra deve ter chamado a lavadeira, pois esta entrou e, após uma troca de palavras, o velho saiu e Miriam pediu ao furriel para beber o que o Homem Grande lhe apresentasse. Este entrou com uma meia tigela de coco cujo indecifrável conteúdo, beberragem que o militar teria de tomar,  seria a finalização daquele acto.

O furriel fez negação com a cabeça, mas Miriam insistiu. Querendo livrar-se daquela porra toda, e relembrando os camaradas foçando, carregando as viaturas e com certeza mandando bocas sobre o furriel comendo a lavadeira e eles no duro, resolveu beber a mistela e sair dali o mais rápido possível. Bebeu, vestiu-se, tirou uma nota de cem pesos e meteu-a na mão do velhote palhinha que delirou, ao ver-se com a dádiva de uma nota daquelas na mão.

Saindo da palhota,  Miriam começou a saltitar alegremente na frente do militar e segredou-lhe:
-Agora bala cá entra no corpo de Mamadu!
 

Regresso junto ao pântano, fizeram conversa giro com aquele como fundo. O furriel esquecendo o carregamento e camaradas sentiu-se na obrigação de partilhar alguma coisa com aquela mulher-criança. O corpo de Miriam estremeceu, sentiu algo de novo que nunca tinha conhecido e a lavadeira chorou. As causas ninguém as saberá. No espírito e corpo Miriam nunca mais esqueceria aquele momento em que não houve cor, raça ou fêmea, mas simplesmente foi considerada mulher a corpo inteiro, a quem a sua própria crença e raça tinham castrado, retirando-lhe parte desse estatuto de um ser livre. E acreditou que teria sido o momento do seu sonho.

Pelo contrário o militar sentiu-se safado e triste por utilizar os seus instintos brincando com os sentimentos de um ser humano.

Perdoa, mulher negra, mas o teu sonho não será realizado nem por branco safado nem por outro homem qualquer. Serás eternamente uma flor que não transformará a sua polinização em fruto.

Vagabundo ainda chegou a tempo ao batalhão. O abastecimento estava a meio e nada de anormal tinha acontecido. Abastecimento feito, regresso a Cufar normal. Viagem sem problemas. Se sempre assim fosse, que óptimas férias em África. Não! Não será assim!

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segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16607: Ser solidário (200): Associação "Fidju di Tuga", com sede em Bissau, vai realizar um recenseamento dos lusodescendentes, filhos de antigos militares portuguieses (Cherno Baldé)


Guiné-Bissau > Bissau > 2014 > Membros fundadores da Associação Fidju di Tuga, com sede em Bissau. Cortesia da sua página na Net (que não tem sido atualizada).

1. Mensagem do nosso amigo Cherno Baldé, Bissau;


Data: 26 de setembro de 2016 às 12:25
Assunto: Pedido da associação "Filhos de Tugas"


Caros Luis e Carlos:

Os dirigentes da recém criada Associação dos Filhos de Tugas da Guiné-Bissau pretendem levar a cabo um trabalho de recenseamento dos seus irmãos e futuros membros (filhos de tugas) a fim de saberem com objectividade o número dos luso-descendentes ainda vivos e residentes no territorio da Guiné-Bissau.

Para o efeito,  e como não dispõem de meios materiais e financeiros para o fazer, solicitam vosso apoio no sentido de publicarem / anunciarem esse projecto no Blogue para captação  de todos os tipos de apoios possiveis e que possam facilitar a realização do recenseamento em data a anunciar.

O Diamantino (Presidente) e o Zé Maria (Secretário) estiveram em minha casa para um convite formal de integração na referida Associação na qualidade de membro honorário e Conselheiro e pediram-me ainda que vos apresentasse seus agradecimentos pelos apoios e a visibilidade feita
através do Blogue e que vos falasse sobre este assunto para juntos estudarmos a melhor forma de organizar um recenseamento credível e que não permitisse aproveitamentos de terceiros.

Cordialmente,

Cherno Baldé

2. Comentário do editor:

Cherno, obrigado por abraçares também esta causa, com a generosidade, a abertura de espírito e a frontalidade. que te caracterizam e que tão bem conhecemos. Estamos agora dar o devido relevo à tua mensagem. E, já que passas a ser uma espécie de "advogado e consultor", além de membro honorário,  da Associação Fidju di Tuga, peço-te que transmitas aos nossos amigos e irmãos o nosso convite para eles (individual ou coletivamente) integrarem a nossa Tabanca Grande.

Sabemos todos, no entanto, que há obstáculos a transpor progressivamente tais como a falta de recursos (técnicos, humanos, logísticos e financeiros), incluindo as dificuldades de acesso aos meios informáticos e à Internet.  Tão ou mais importantes que as pontes (, que não se constroem de um dia para o outro), são os construtores de pontes, como tu.

Em relação do projeto de recenseamento de lusodescendentes, filhos de antigos militares portugueses na Guiné-Bissau, digam-nos, em concreto, o que pretendem fazer, quando, onde, como... Divulgaremos a vossa iniciativa e vamos tentando sensibilizar ONG e associações de antigos combatentes para os vossos problemas e necessidades... Seria bom que alguma da ajuda humanitária que todos os anos é enviada para a Guiné-Bissau, a partir de Portugal, pudesse ser canalizada para a vossa associação.

Também podemos lançar um apelo a algum dos filhos dos nossos camaradas, que trabalham no setor da informática e "web design" (desenho de páginas na Net),  para vos ajudar a completar e atualizar a vossa página ou a criar uma página no Facebook.

Por outro lado, era importante que  a vossa voz pudesse chegar aos partidos com assento na Assembleia da República Portuguesa.  Há deputados que foram antigos combatentes, e outros que, não o tendo sido,  têm uma especial ligação à na Guiné-Bissau, à CPLP, à lusofonia, etc. Precisamos de gente ativa e solidária! (**)...

Um abraço fraterno. Mantenhas. LG

3. Missão da associação que agrupa os filhos dos ex-combatentes portugueses na Guiné-Bissau

A Associação Fidju di Tuga / Filho de Tuga foi criada em Bissau, em 2014, com os objectivos de: reagrupar e fortalecer os laços entre os filhos dos ex-combatentes portugueses deixados na Guiné-Bissau, de reencontrar os pais e familiares portugueses, de pedir às autoridades de Portugal o direito à nacionalidade portuguesa a que temos direito por sermos filhos de portugueses, pedindo a ajuda dos ex-combatentes portugueses nesta nossa missão. Este blogue pretende deixar registadas as experiências do tempo colonial e o drama social dos filhos que na Guiné foram chamados de "Filhos de Tuga" após a colonização e que sofrem até hoje por terem sido deixados para trás.

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15694: E as nossas palmas vão para... (11): Catarina Gomes, a nossa amiga jornalista do "Público" que venceu o Prémio Rei de Espanha, na categoria imprensa escrita, com o trabalho "Quem é o filho que António deixou na Guerra?"... (Trata-se da segunda parte de um trabalho, iniciado em 2013, sobre os "Filhos do Vento")

1. Mensagem da nossa amiga Catarina Gomes
jornalista do "Público", com data de hoje:

 Professor,


A minha história do furriel e do filho em Angola ganhou recentemente o Prémio de Jornalismo Internacional Rei de Espanha: https://www.publico.pt/sociedade/noticia/publico-vence-premio-rei-de-espanha-1719968

Por causa disso, há uma jornalista brasileira que quer fazer uma peça sobre este tema dos filhos do vento, a ver se damos visibilidade ao tema. Falei-lhe em si e do blogue e em como há quem, entre os ex-militares, defenda que estes filhos devem ter nacionalidade e queira fazer por isso. Posso dar-lhe o seu número? Chama-se Marana Borges e trabalha para o maior site de conteúdos do Brasil, o UOL, que é como se fosse o nosso Sapo.

Abraço

Catarina

2. Recortes de imprensa > Jornalista do PÚBLICO vence Prémio Rei de Espanha

PÚBLICO 12/01/2016 - 15:50 [reproduzido com a devida vénia]


Catarina Gomes é a vencedora com o trabalho Quem é o filho que António deixou na guerra. Há 23 anos que um português não era premiado na categoria de imprensa escrita.



O encontro do pai (António Graça Bento, 63 anos) e do filho (Jorge Paulo
Bento, conhecido por o "Pula",na Unidade de Intervenção Rápida,
de Luena, a que pertence; tem agora 40 anos e 4 filhos; a mãe,
Esperança, já morreu em 2005). Foto de Manuel Roberto, fotojornalista
do Público, reproduzida com a devida vénia.
A jornalista do PÚBLICO Catarina Gomes é a vencedora do Prémio de Jornalismo Rei de Espanha na categoria Imprensa com o trabalho Quem é o filho que António deixou na Guerra?, a segunda parte de um trabalho iniciado já em 2013 sobre os filhos nascidos de relações entre ex-combatentes da guerra colonial e mulheres africanas, os Filhos do Vento. Ambos os trabalhos foram publicados na Revista 2.

A reportagem conta a história do ex-furriel António Bento, que viveu durante a guerra com uma angolana chamada Esperança Andrade e que sempre soube que tinha deixado um filho para trás. A reportagem acompanhou este reencontro. Mas a maior parte dos filhos de ex-combatentes na Guiné-Bissau não teve a mesma sorte. Até hoje, continuam sem saber quem é o seu "pai tuga", revelou a primeira parte deste trabalho que ganhou em 2014 o prémio Gazeta Multimédia, na primeira vez que foi atribuído a um órgão de comunicação social.

O trabalho de Catarina Gomes, que é jornalista do PÚBLICO desde 1998, mereceu a unanimidade do júri dos Prémios de Jornalismo Rei de Espanha 2015, organizados pela agência de notícias espanhola EFE e pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional, que esteve reunido entre segunda-feira e hoje em Madrid. Em acta, o júri menciona "uma reportagem que narra com uma linguagem emocionante a história de António Bento e da sua busca pelo filho que teve juntamente com uma angolana durante a guerra. É uma história que ilustra a proximidade entre dois povos e o sarar de feridas passadas.” A história de António Bento foi fotografada pelo fotojornalista do PÚBLICO Manuel Roberto e filmada pelo videojornalista Ricardo Rezende. A última vez que um jornalista português tinha sido distinguido com este galardão na categoria imprensa escrita foi em 1993, um trabalho de Maria Augusta Silva para o Diário de Notícias.

Os Prémios de Jornalismo Rei de Espanha receberam 185 trabalhos de 18 países, entre os quais seis trabalhos de jornalistas portugueses (dois na categoria imprensa escrita, dois em televisão, um na categoria rádio e outro na de jornalismo ambiental). Os países que mais trabalhos apresentaram foram a Colômbia (44), seguido do Brasil (39) e de Espanha (32).

O mesmo júri — que este ano integrou jornalistas espanhóis, um peruano e um português — também deliberou sobre o Prémio Don Quixote de Jornalismo 2015 (12.ª edição), tendo decidido atribuí-lo à crónica Cusco en el tiempo, do peruano Mario Vargas Llosa, publicada no diário espanhol El País.

Cada premiado receberá uma escultura em bronze do artista Joaquín Vaquero Turcios e uma verba de 6000 euros. O Prémio Don Quixote ascende a 9000 euros e uma escultura comemorativa. Os prémios serão entregues pelo rei de Espanha em data ainda a definir.

Catarina Gomes recebeu o prémio Gazeta Multimédia (2014), com a reportagem Filhos do Vento, juntamente com Manuel Roberto e Ricardo Rezende, que veio dar a conhecer as histórias de filhos de ex-combatentes de militares portugueses com mulheres africanas, deixados para trás nos tempos da guerra colonial. O interesse por este tema começou durante a pesquisa do livro que escreveu em 2014, Pai, tiveste medo?, editado pela Matéria-Prima, que reúne 12 histórias sobre a experiência da guerra colonial vista por filhos de ex-combatentes.

Com a reportagem Infâncias de Vitrine, que conta histórias de vidas de filhos separados à nascença de pais doentes com lepra, adultos que passaram as suas infâncias a vê-los através de um vidro, recebeu em 2015 o Prémio AMI-Jornalismo contra a Indiferença – a par com a reportagem Perdeu-se o pai de José Carlos – trabalho que foi também um dos finalistas mundiais, na categoria do texto, do Prémio de Jornalismo Iberoamericano Gabriel García Márquez. Foi argumentista do documentário Natália, a Diva Tragicómica, produzido pela RTP2 e pela Real Ficção.

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14420: E as nossas palmas vão para... (10): João Crisóstomo e António Rodrigues, amigos da causa de Aristides de Sousa Mendes (Parte II)

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15070: Estórias cabralianas (89): Os filhos do sonho (Jorge Cabral)

Foto de Jorge Cabral.
Cortesia de JERO
1. Mais um história, surpreendente, do "alfero" Cabral... Acabada de chegar...

Estórias cabralianas (89) > Os Filhos do Sonho

por Jorge Cabral


Grande escândalo em Missirá. A bela bajuda Mariama, apareceu grávida. Sobrinha do Régulo e há muito prometida a um importante Daaba de Bambadinca, era preciso averiguar..,

Reuni com o Régulo e chamámos a rapariga, Após um interrogatório cerrado, ela, muito a medo, esclareceu: 
 O pai era o Alfero… 
 Mas quando e onde? 
 É que uma noite sonhei com ele…

O Alfero riu, mas o Régulo pareceu levar a sério e apontou mesmo outros casos, que tinham acontecido no passado…Felizmente eu estava a acabar a comissão, mas nunca esqueci o episódio... E quando começava um ano lectivo, avisava sempre as alunas:
– Nunca sonhem com o Professor…

Ultimamente, por via do Facebook, ganhei vários amigos empresários da Guiné, que me fazem propostas de negócios…Um quer construir uma discoteca em cada Tabanca, outro uma pista de gelo a norte de Finete, e outro ainda um viveiro de sardinhas no Mato Cão…Não me lembro das mães deles, mas certamente, quando eram bajudas,  sonharam com o Alfero…Trata-se de um gene cabraliano…

J. Cabral

[ex-alf mil at art, cmdt do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71]
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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15054: Estórias cabralianas (88): A bebé de Missirá (Jorge Cabral)


(...) Só no início de julho de 1969, quando o Pelotão se preparava para ir para Fá é que descobri que além dos vinte e quatro soldados africanos, contava com as respectivas mulheres, filhos, cabras e galinhas… Instalados, o quartel virou tabanca, animada com as brincadeiras das crianças e os risos das mulheres. Todos os soldados fulas eram casados e alguns com mais de uma mulher, pelo que existiam sempre grávidas e partos. (...)