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sexta-feira, 3 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4631: Controvérsias (31): Os Milicianos, combatentes de primeira, cidadãos de segunda (Vasco da Gama)

1. Mensagem de Vasco da Gama (*), ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, 1972/74, com data de 30 de Junho de 2009:

Camarada Editor Carlos Vinhal,

Junto envio texto bem como algumas fotos que serão por ti colocadas no desenrolar do escrito, ou no final. Sempre o pedido do periquito informático: Chegou o Texto e as Fotos?
Caro carlos, vou enviar, depois vejo as fotos e indico a legendagem.
Desculpa.
Abração
Vasco da Gama

P.S. Para além dos dois destinatários acima é costume, ou bom hábito, dar conhecimento aos outros dois Editores?


OS MILICIANOS (não só os Cabos), COMBATENTES DE PRIMEIRA, CIDADÃOS DE SEGUNDA.

Ao contrário do que já li, creio que o Post 4584 do nosso Camarada Libério Lopes, é deveras importante, bem como alguns dos comentários que se lhe seguiram, levantando uma questão pertinente e fazendo comparações que não têm nada de injustas.

As banalidades que hoje vou escrevinhar, quero-as mais abrangentes, pois como disse, o escrito do nosso camarada Libério, foi depois enriquecido com alguns comentários, abrindo desta forma a porta para que possa falar dos Milicianos em geral.

No que diz respeito aos Cabos Milicianos/Furriéis e face ao papel que desempenharam, primeiro na formação e instrução das Companhias, onde no caso concreto da minha CCav8351 foram de uma utilidade enorme, trabalhando em conjunto com os aspirantes, desempenhando alguns deles, na ausência dos aspirantes, exactamente as mesmas funções, eram discriminados nas regalias, vou chamar-lhes sociais e fundamentalmente no pagamento dos serviços que prestavam. Ignoro qual o fosso salarial entre um aspirante e um cabo miliciano, mas fosse qual fosse, era tremendamente injusto para a similitude dos papéis que desempenhavam na formação activa das Companhias e no enriquecimento do cimentar das relações de TODOS os elementos de uma Companhia. Mais tarde, na guerra, foram peças fulcrais na minha Companhia e presto-lhes a minha humilde homenagem. Também não sei a diferença salarial entre um alferes e um furriel, mas o funcionamento do sistema, na sua génese, tinha por bom criar uma separação entre as pessoas, para mais fácil utilização do argumento do galão em detrimento do diálogo inteligente. Felizmente, tive a sorte de ter um conjunto de furriéis que, pela sua excelência, em muito contribuíram para que e em face dos perigos que corremos, a nossa CCav 8351 não fosse mais fustigada por um número maior de baixas e que irmanados com os alferes com os soldados e comigo, constituíram uma equipa que se fosse de futebol lhe chamaria de “dream team”.

Não é por mero acaso que dois furriéis da minha Companhia foram graduados em alferes, sendo a dificuldade a da escolha. Ficaram de fora outros que dariam também excelentes alferes em qualquer Companhia.

Obrigado a todos, Camaradas e Amigos.

Caros Camaradas, também eu que fui Capitão Miliciano senti discriminação enquanto militar Miliciano tendo de engolir, contra todos os meus princípios, metade das respostas que alguns oficiais do quadro, nem todos, mereciam da minha parte face a medidas que tomavam num mapa muito grande, preenchido por alfinetes coloridos, debitando algumas baboseiras, do embosque aqui, assalte acolá, cambe o rio acoli, sem terem o mínimo conhecimento do terreno que nos obrigavam a pisar. Quão diferente é um quilómetro no mapa de um quilómetro no terreno, mas eles não sabiam disso; só conheciam o mapa, o terreno era para nós os MILICIANOS.

Quero ressalvar que esta minha exposição tem a ver com a realidade que eu vivi no comando da Companhia de Cavalaria 8351 e reporto-me a vivências pessoais nos matos do Cumbijã e de Nhacobá, sendo que este somatório de factos que relato não tem a ver com pessoas enquanto tal, mas com os cargos que desempenhavam.

Quantos oficiais profissionais me acompanharam, quando fui ocupar aquele imenso campo de minas que era então o desértico Cumbijã?

Foto 1 - O Cumbijã desértico, povoado de minas.

Quantos oficiais profissionais me acompanharam no assalto a Nhacobá?

Quantos oficiais profissionais estiveram presentes na operação “Lance Pertinente” em 1973 que tinha como objectivo, pasme-se, fazer um reconhecimento à Região do Unal? Eu estava de férias em Portugal, por isso e relativamente a esta operação fico-me por aqui, adiantando apenas que foram envolvidas cinco Companhias e centenas de carregadores que acarretavam bidons e paus à cabeça, para cambar determinado rio, sob chuva que caiu ininterruptamente durante vários dias. Cinco companhias camaradas no Teatro de operações! Quem as coordenou no terreno? Terá sido o Alferes da minha Companhia que marchou com o seu pelotão à frente desta operação de seu nome FLORIVALDO dos SANTOS ABUNDÂNCIO, apesar da presença de capitães milicianos na operação? Se não foi qual a razão de ter sido ele a elaborar o relatório? Ou ter um oficial profissional ido de Aldeia para o nosso Cumbijã e permanecido durante cinco dias já dava direito a louvor?

Foto 2 - Saída para o mato. O Alferes Abundâncio no meio do grupo de combate com a sua farfalhuda bigodeira.

É verdade que os alfinetes coloridos se enganaram no nome dos rios? E os rios que eram, para os alfinetes, simples fios de água, que tinham de ser atravessados com água pelo peito? O meu Camarada e Amigo Abundâncio, um destes dias, quando os afazeres profissionais lhe permitirem, escreverá sobre o assunto. Cabe aqui uma palavra de respeito, carinho e agradecimento ao Abundâncio, grande Homem grande Camarada e grande Amigo.

Quantos oficiais profissionais estiveram com OS TIGRES quando nos mataram o António Bento Boa? E o Victor Coelho? E o Fausto Costa? Todos estes meus companheiros foram mortos em combate em situações e dias diferentes.

Foto 3 - O Alferes Beires juntamente com outros camaradas, aparecendo à esquerda da foto com um balde na mão o nosso camarada Fausto Costa, morto em combate a 21 de Agosto de 1973.

Quanto recebem as famílias destes meus queridos camaradas de pensão? Sim, só falo em termos monetários, pois sobre o reconhecimento da sociedade para com eles estamos conversados!

Quanto recebem de reforma os meus camaradas feridos gravemente em combate evacuados para a então Metrópole?

Quanto recebe de reforma o nosso camarada Batista, membro do nosso Blogue, mais conhecido pelo morto-vivo?

Já agora, quanto recebe de reforma um qualquer coronel, que no meu tempo tinha a mesma patente que eu?

Houve oficiais profissionais que se distinguiram? Não posso dizer que não, mas esses não viveram nenhuma das situações que eu descrevi e que são as que conheço. Reafirmo o que já disse uma vez, agora com maior precisão: quem aguentou a guerra dos tiros, no mato que eu conheço, foi a tropa macaca a que eu me honro de ter pertencido.

Quero apenas ressalvar que a sacrificada Companhia do Guileje e de Gadamael Porto, a nossa irmã, CCav 8350, Os Piratas, quando foi para o Cumbijã a 29 de Novembro de 1973, era comandada na altura por um Capitão do Quadro Permanente o então Cap Rui Reis (nunca mais o vi), com quem sempre tive relações cordiais. O Cap Reis foi depois substituído pelo Cap Vieira, com quem me encontrei há dias, sendo hoje Coronel reformado. Para eles um abraço extensivo a todos Os Piratas de Guileje, que tiveram quatro ou cinco Comandantes de Companhia e que sofreram horrores no porrete da guerra, tendo ainda de aguentar com bocas que roçavam o enxovalho! Nas pessoas dos meus Amigos Manuel Reis, João Seabra e Casimiro Carvalho, as minhas homenagens a todos OS PIRATAS de GUILEJE.

Nem de propósito, num post da autoria do meu Amigo Santos Oliveira, com o número 4608 é relatado episódio que o envolve a ele e a um combatente natural da Guiné de seu nome João Bacar Djaló. O primeiro era furriel e o segundo alferes. Não o vou repetir, está lá tudo, preto no branco. Retiro apenas afirmações avulsas como “os graduados são sempre inferiores” ou “os nativos quando comandam tropas são sempre inferiores”!!! Também eu, que comandei como Miliciano uma Companhia, era graduado, logo capitão de segunda, logo chefe de um qualquer bando acoitado no arame farpado, só faltando dizer que tudo o que OS TIGRES fizeram se deveu aos estrategas de operações ou aos inteligentes do bem bom do ar condicionado. Claro que depois de ter servido como capitão, fui desgraduado e ao passar à disponibilidade, tive as exactas regalias de qualquer outro alferes. É o usar e deitar fora, apanágio das capelinhas que por aí pululam.

Foto 4 - Azambuja Martins, Vasco da Gama e o nosso homem da bianda, Xico Ferreira.

Foto 5 - Furriel Azambuja e Furriel Joaquim da Silva Costa em Nhacobá.

O que é premiado nesta sociedade que me vai consumindo?

O Mérito ou o Carreirismo?

O Valor ou o Oportunismo?

Os Sabedores ou os Seguidores?

Os Inteligentes ou os Bajuladores?

Responda quem souber, mas de uma coisa tenho a certeza:

Os meus queridos camaradas da 8351, independentemente do posto, tiveram na sua esmagadora maioria, Mérito, Valor, Sabedoria e Inteligência.

Numa sociedade em que quase todos se atropelam no afã da busca dos seus objectivos, numa sociedade onda ninguém agradece nada a ninguém, eu curvo-me perante todos eles, os mortos, os feridos e os que me acompanharam até ao dia do nosso regresso tanto mais, como alguém disse, NINGUÉM MORRE POR DOBRAR A COLUNA SEMPRE QUE ACHE NECESSÁRIO!

Honraram-me com o seu companheirismo, como hoje me honram ao convidarem-me para o casamento dos filhos, para o baptizado dos netos ou para as comezainas em casa deste ou daquele.

Emblema da CCAV 8351 "Os Tigres de Cumbijã", que tinha como divisa ET PLURIBUS UNUM

Texto e fotos: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados


Um Abraço do Tigre
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4532: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III): Desertores

Vd. último episódio da série de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4614: Controvérsias (23): Milicianos… eram os peões das nicas! (Jorge Teixeira)

domingo, 14 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4519: Destas não reza a História (Manuel Maia) (3): Desertei depois de ter vindo da Guiné

1. Mensagem de Manuel Maia (*), ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74, com data de 11 de Junho de 2009:

Caro Vinhal,
Junto envio este texto para enquadrares onde entenderes.


MAU GRADO OS 39 MESES DE TROPA, FUI CONSIDERADO DESERTOR...

Encarei o serviço militar como uma inevitabilidade a que não me devia eximir já que não tendo própriamente apetência para herói, também não me via na miseranda pele de refractário, ou, pior ainda, na asquerosa figura de desertor como alguns figurões deste Portugal, a quem alguém chamou amordaçado, mas que eu rotulo de enxovalhado, a carecer duma expurgação de todos esses vampiros, chacais e abutres que lhe sugaram o sangue e esventraram entranhas...

Seria na perspectiva de quem não gosta de fardas, que interiorizei a passagem pelo serviço militar como um acidente de percurso.

Quando assentei praça no RI5 da bela cidade de Bordalo, sabia por amigos que por lá tinham passado, que ou virava chico devorando toda aquela prosápia do conhecimento livresco da arte bélica com as mais estapafúrdicas tácticas, para debitar depois a informação balística e mostrar conhecimento armamentista - de cor e salteado - tendo por objectivo conseguir uma nota de curso muito alta que me pusesse a salvo de uma mobilização individual, ou então, a mais óbvia, e que se enquadrava mais comigo, aceitando, sem violentar em demasia a minha sólida aversão a fardas, que continuaria a ser um civil com aquela obrigatoriedade, por isso, quanto mais cedo, melhor...

O expectável, na altura era ainda de 18 meses (para passar depois a 21, tendo este vosso camarada permanecido exactamente um quarteirão deles...)

Vingou portanto a segunda tese. Assim, como primeira medida para nunca ter a tentação de consultar uma que fosse das obras de cariz bélico que me forneceram logo à chegada, amarrei-as bem com corda e coloquei (aquele, para mim, indesejável conhecimento armamentistista, táctico, balístico...) bem fechadinho dentro do armário, não fosse perder-se alguma...

Devo dizer-vos, sem pejo nenhum, que já passava muito mais de mês da minha presença em terras de Malhoa, quando pressionado por camaradas temerosos por qualquer porrada que pudesse apanhar, acabei por fim defazer a primeira continência.
Até aí conseguira sempre esquivar-me a esse acto de que não gostava.

Veio Tavira - C.I.S.M.I. - num quartel (antigo convento) em obras, implicando que uma boa parte dos instruendos pudesse ter autorização de pernoitar fora.

Alugámos um quarto (mais propriamente a sala de jantar de uma casa modesta onde os proprietários plantaram quatro camas, encavalitadas duas a duas,(oriundas, da tropa, mas com uma operação de maquillage numa repintura branco hospitalar...) tendo ainda direito a tratamento da roupa (estávamos impossibilitados de ir a casa de fim de semana, que ali acontecia só ao sábado de manhã.

Paralelamente, e como éramos quatro, as hipóteses de casamento para a neta perdida iam ganhando algum alento, sendo que a moça quando pressentia algum de nós no quarto, arranjava sempre uma justificação qualquer para ter alguma coisa que fazer ali, trazendo roupa engomada... desculpe que vinha fazer a cama... fazendo alarde de uns decotes generosos...

Nenhum de nós casou na parada, mas era comum acontecer e o Comandante da Unidade no discurso de boas-vindas alertava para o facto...

O Algarve dessa altura já tinha muito turismo, com os reduzidos biquinis das inglesas e holandesas, a fazerem arregalar a vista ao militar...

De lá rumei a terras de Viriato largando a diagonal vermelha dos ombros por troca com as também vermelhas de Cabo Miliciano (mais uma invenção portuguesa como o nónio do Pedro Nunes ou a quilha das caravelas p´ra vencer o Atlântico em substituição da chata do mais calmo Mediterrâneo até aí conhecida) NENHUM EXÉRCITO DO MUNDO tinha ou teve Cabos Milicianos...

No RI 14 tive um episódio digno de figurar no anedotário nacional ou como sketch de um filme cómico...

Era usual o Sargento da Guarda (profissional) desenfiar-se para ir dormir a casa com a família (nada de mais justo, afinal a guerra daqui era de brincar...). No seu lugar ficava depois da formatura de recolher um dos Cabos Milicianos de serviço com Sargento de Dia à Unidade.

Um dia estava este vosso camarada a dormir ferrado, já de madrugada num catre igual aos da cadeia, ali ao lado, quando disparou o alarme numa barulheira infernal...

Foi um espectáculo verdadeiramente circense com tudo quanto era gente a correr para os locais de defesa, como se porventura o inimigo estivesse ali, para tomar as terras de Viriato...

Sem saber exactamente o que fazer, deambulei por ali a ver no que davam as modas, até que após um bom pedaço de tempo, de telefonemas para a Casa da Guarda a que eu ou um dos Cabos RD que ali estavam, íamos pondo água na fervura sobre a invasão...

Não se via inimigo nenhum, há muito que os espanhóis haviam perdido a ideia expansionista, os ciganos de então não se atreviam (já não diria o mesmo agora, quer sejam ciganos ou outros quaisquer... não, não é xenofobia...) portanto a guerra não era concerteza nem mesmo que a do Solnado se tratasse...)

Entretanto clareou, e os ânimos serenaram...

Ensaio não fôra, portanto o Comandante, um homem carregado de dragonas nos braços do casacão preto cheio de bordados que víamos às vezes quando requeria um grupo de recrutas para lhe varejarem e colherem a azeitona da sua propriedade na zona, usando naturalmente a mão de obra gratuita os carros e combustível da tropa (isto não é para aqui chamado...) o Comandante chamou aqui esta vosso camarada ao seu gabinete e disparou:

- Que estás aqui a fazer? Chamei o Sargento da Guarda!

Enchendo-me de brios do alto das minhas vermelhas divisas, numa posição de sentido que faria invejar qualquer profissional, especialmente os que faziam gala na cagança (era este nome que davam àquela sequência toda de bater com os calcanhares um no outro para gerar uma sonora pancada, fechar os punhos lateralmente, atirar com o peito para fora, qual galo de Barcelos no acto da cantoria...) e numa voz tronituante respondi:

- Saiba Vossa Excelência, meu Comandante que quem se encontra de serviço como Sargento da Guarda desde o toque de recolher até à alvorada sou eu próprio, Cabo Miliciano 08865271, hoje também Sargento de Dia à Unidade da 2.ª Companhia de Instrução.

- Mas... para quem não gostava de fardas, desenrascaste-te bem - dirão os mais afoitos...

O homem gostou.
Pôs-me à vontade, expliquei-lhe que não havia sido o autor do aviso de guerra e o electricista do quartel haveria de explicar-lhe que se tratara de um curto circuito...

Vai daí, o comandante acabou com todo aquele mise-en-scène, e acabaria por dar uma porrada ao Sargento...

De Viseu haveria de rumar para a cálida planície alentejana (como vêm fiz uma autêntica volta a Portugal nesse meu mourejar interno antes do embarque para a Guiné).

Ao invés de ir de combóio, como acontecera aquando da viagem para Viseu que demorara desde Pedras-Rubras, 14horas (sim leram bem catorze horas, tive de fazer dois transbordos e esperar umas horas em cada um deles, para cobrir cento e poucos quilómetros na linha da Beira Baixa), aproveitei e fui no carro do Barbosa de Ermesinde que acabaria por ir para o Biambe, e com o Maia de Coimbra, que iria para Encheia, onde permaneceria pouco mais de sete meses até à evacuação para Lisboa motivada pelo tiro que apanhou de ricochete na cabeça).
(Envio-vos daqui um abraço pois estou certo que seguis esta nossa tabanca)

Pois essa Yeborah mourisca, de que tanto gosto, recebeu-nos no RI16, outro antigo convento (para quem não professa nenhuma religião parece uma espécie de perseguição...) e dali haveríamos, Batalhão formado, de rumar à nossa Guiné.

Aqui, passadas as passas (não do Algarve pois as de Tavira, como vos disse, até nem foram nada más, antes pelo contrário, mas... as africanas, como todos vós mais ou menos passastes, com períodos em Bissum/Naga, Cafal Balanta (naquele belo edificio que tive oportunidade de vos mostrar no poste 4481), Cafine, ali ao perto, escassos 2 km, mas vivendo em tendas (como se na praia nos encontrássemos, dando assim à comissão uma vivência de férias...), para finalmente me quedar por Fatim, destacamento do Dugal, perto de N´Hacra.

Regressado, ao fim de uns dias (aqui vem finalmente a razão do título do escrito...) dei entrada no Hospital Militar do Porto com problemas estomacais sérios.
Fui visto pelo Dr. Barbosa Leão (já vos explico porque fixei este nome...) que me haveria de internar.

-Tenha paciência doutor, mas internar, nem pensar. Farto de tropa estou eu. Moro aqui perto, Pedras-Rubras, posso deslocar-me facilmente.

-Sendo assim, terá de preencher um formulário de pedido de pernoita fora. Por mim não ponho obstáculos.

Entretanto após diagnóstico haveria de me receitar dois medicamentos que não poderiam ser tomados isoladamente (presumo que um deles, porventura deveria ser uma espécie de protector para o estômago...).
Desloquei-me à farmácia, mas só havia um que trouxe, ficando depois de ir ligando para saber quando chegaria.

Óbviamente, desandei, e de quando em vez lá ligava, mas a resposta era sempre a mesma, terá de aguardar...

A consulta desse médico era às quartas. Ainda fui a uma outra para tentar tomar uma beberragem que permitisse a detecção da extensão do problema via Raio-X (ou outro qualquer...), mas não consegui porque vomitava de imediato.
A solução passava por ir aguentando até à chegada do medicamento.

O tempo rolou, e uma bela quinta-feira, estando a 100 kms de distância em casa de familiares, recebo um telefonema muito preocupado da minha mãe a dizer-me que haviam ligado do hospital considerando-me desertor.

-Apresenta-te hoje ou amanhã, dissera, aflita...

-Não se preocupe! Eles não me prendem!

Segunda-feira, este vosso camarada, por volta das dez da madrugada, deu entrada no HMR 1 do Porto.

Dirigi-me à enfermaria, perguntei ao Sargento de serviço o que se passava comigo para me ameaçarem daquela forma...
Quando se apercebeu que era eu, o sargento disse-me:

- Estás f..... pá!

- F.... porquê meu primeiro?

- Por onde tens andado? Já por várias vezes todo o mundo pergunta por ti e ninguém te conhece. Se calhar vais de cana...

-Isso é que era bom! Não se preocupe Primeiro, porque eles p´ra guerra não me mandam mais, pois faço-lhes um manguito...

-Vê lá se atrranjas um pijama.

-Um quê?

-Um pijama, pá. Estás internado tens de andar de pijama e apresentar-te assim...

-Não me lixe, meu Primeiro, não me lixe... Nem que a vaca tussa, eu não vou falar com o Comandante de pijama.

Arranjei umas calças, por sinal curtas e apertadas, uma camisa, uma boina, e... já ia.
Diz-me o sargento:

- E as divisas? - Eu dava tanta importância àquilo que até me esquecia do seu uso...

Arranjei umas de um Furriel internado, coloquei-as, e de novo o Sargento me chamou a atenção:

- Olha lá, olha lá pá, o Furriel agora tem as divisas ao contrário. São com o bico para cima.

- Ou me aceitam de bico p´ra baixo, ou nada feito.

E assim foi. Bati à porta do gabinete do Comandante e acto contínuo acompanhando um simples dá licença, entrei... boina na mão para não ter de fazer saudação militar, pudera eu sentia-me civil...

- Quem és tu?

Lá me apresentei e disse:

- Andam para aí a chamar-me desertor...

- E és. Já estás desenfiado há mais de quinze dias.

- Isso é que era bom! Eu falei com o Dr. Barbosa Leão e ele disse que podia dormir em casa.

- Não assinei nenhum pedido.

- Na altura quando quis fazer o pedido, não havia ninguém na secretaria e como tinha mais que fazer...

- Onde estiveste?

- Vim da Guiné.

- Pronto, pronto, vai à tua vida e trata lá disso.

Eu que não suporto desertores fui-o considerado um dia!

Um abraço a toda a tabanca
Manuel Maia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4481: Os bu...rakos em que vivemos (12): Cafal Balanta contribui para o desenvolvimento nacional (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4414: Destas não reza a História (Manuel Maia) (2): Quem matou Inesa?