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segunda-feira, 16 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2951: (Ex)citações (3): A guerra de África acrescentou 15 anos ao regime de Salazar (André Gonçalves Pereira)

Lisboa > Um dos derradeiros símbolos do Estado Novo: a Ponte Salazar, inaugurada em 1966, rebaptizada Ponte 25 de Abril, em 1974 > Vista sobre o porto de Lisboa > 16 de Março de 2008 > Foto tirada por Luís Graça, no decurso da travessia da ponte, por ocasião da 18ª Meia/Mini-Maratona de Lisboa. Sob esta ponte e partindo do Porto de Lisboa, passaram várias centenas de milhares de homens em armas a caminho de África.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Excerto da entrevista a André Gonçalves Pereira (*), por Christina Martins e Isabel Vicente. Expresso nº 1859, de 13 de Junho de 2008. Revista Única, pp. 62-74.


Pergunta - Fez tropa ?

Resposta - Sim, felizmente, logo após na licenciatura [em Direito]. Se tivesse demorado mais um ano, teria sido chamado para a guerra.

Pergunta – Que marcas deixou a guerra [do Ultramar] na sociedade portuguesa ?


Resposta – Muitas. Salazar tinha momentos de grande perspicácia, e a guerra de África acrescentou 15 anos ao regime. Admito que ele tenha compreendido que, depois da campanha do general Humberto Delgado, em 1958, era a maneira de reencontrar alguma unidade. Nos primeiros anos, pode dizer-se que a guerra era encarada de forma patriótica. Mas, à medida que se foi percebendo que não tinha solução, a opinião foi mudando.

Pergunta – E isso aconteceu quando ?

Resposta – Num dia de Abril de 1962, quando 18 estudantes da Universidade de Lisboa – entre os quais o Presidente Joaquim Chissano, de Moçambique, que cursava Medicina – desapareceram. Assim como vários alunos meus da Faculdade de Direito, que também fugiram. Tornou-se-me evidente que Portugal não tinha conseguido conquistar as elites (…).

Como visitava muito as colónias, verificava que a vida lá não era nem de longe o sonho que pintavam em Portugal. A discriminação racial era um facto evidente… Sobretudo quando estive nas Nações Unidas em 1960, em que a África se tornou independente. A partir daí, comecei a compreender que era inevitável a descolonização (…)
______________

Nota de L.G.:

(*) André Gonçalves Pereira, nascido em 1936, filho de mãe francesa e de pai de origem goesa, advogado desde 1959, professor de direito, assistente de Marcelo Caetano, doutorado aos 25 anos, professor catedrático aos 32, sócio sénior do mais antigo escritório de negócios em Portugal, constituído em 1928 (Gonçalves Pereira, Castelo Branco & Associados, Sociedade de Advogados, RL), amigo de Pinto Balsemão e de Sá Carmeiro, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros nos VII (1981) e VIII Governos Constitucionais (1981/83), como independente …

Durante o Estado Novo, foi representante de Portugal na Comissão Jurídica da Assembleia Geral das Nações Unidas (1959/66). Ficou célebre a sua boutade sobre o miserável vencimento dos ministros portugueses que, no caso dele, nem dava para os charutos...


Vd. postes anteriores desta série, (Ex)citações:


quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2294: De Madina para Missirá... com amor: a mina da despedida (Luís Graça / Humberto Reis / Beja Santos)

1. Na véspera de sair do destacamento de Missirá, com os seus homens do Pel Caç Nat 52 - para ser colocado em Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70) - o Alf Mil Mário Beja Santos é vítima de uma mina anticarro, no percurso de regresso a casa, na estrada Finete-Missirá, perto de Canturé... Ele e mais duas secções (1)...

Não foi às cinco na tarde, como no trágico poema de Garcia Lorca - que vocês podem ler (e reler, de preferência em voz alta) no blogue do nosso amigo e camarada João Tunes, em post já antigo de 5 de Março de 2005, Água Lisa (2) - , mas já ao anoitecer, no Cuor, a norte do Rio Geba, na Guiné, às 18h, do dia 16 de Outubro de 1969...

Diz a lenda que a mina era para o Beja Santos e trazia um bilhete do Corco Só, o comandante da base do PAIGC em Madina/Belel... Nunca ninguém leu o alegado bilhete, pregado numa árvore e que se terá volatizado... Mas se o Corca Só fosse um verdadeiro cavalheiro e conhecesse os romances e/ou os filmes da série James Bond - o que era de todo improvável - teria escrito, ao melhor estilo da luta de libertação, o seguinte bilhete: De Madina para Missirá... com amor (1).

Como regra (de outro) da nossa tertúlia e do nosso blogue, não fazemos juízos de valor sobre o(s) comportamento(s) de cada de um de nós, enquanto militares ou combatentes. Um camarada não pode ser juiz de outro camarada. Limitamos-nos aqui a narrar, a reconstituir os factos, a colar os pedaços das nossas memórias fragmentadas (e ainda doridas)... Sobre as peripécias desse trágico dia, trocámos alguns e-mails:


1. Mensagem de L.G., para o Humberto Reis, com data de 16 de Novembro último:

A mina em que o caiu o Beja Santos, a 16 de Outubro de 1969, marcou-nos a todos. Foi à hora de jantar... Sei que organizámos uma coluna de socorro que atravessou a bolanha de Finete, o teu (e na altura meu) 2º Gr Comb da CCAÇ 12 , mais os gajos do Pel Rec Info... Não sei se o furriel dos morteiros também foi... Houve vários voluntários... Eu tenho ideia de ter saído à noite convosco, mas já não posso jurar...

A tua foto [do Unimog destruído] (1) só poderia sido tirada no dia seguinte, por razões óbvias: estás tu e o Carlão, mais um dos nossos nharros... Sei que a viatura ficou armadilhada... Era um 404 ou ou 411 ? Faço sempre confusão... O Beja Santos diz que era um burrinho, e pela foto parece que era...

Ele omite a coluna de socorro que partiu de Bambadinca nessa noite, depois do jantar... Acho que ficámos lá, em Finete, e voltámos no dia seguinte... Os feridos só podem ter sido evacuados na manhã seguinte... Diz-me de que é que te lembras... O Tony também deve saber... Vou tentar despertar-lhe a memória... Ao Fernando Calado também é altura de lhe abrir o bico, até por que ele é citado pelo Beja Santos... Fico a aguardar o teu depoimento, e já agora o do Levezinho e do Calado... A propósito, republiquei a carta de Bissau ao Tony (que eu não sei se ele alguma vez leu, no blogue)(2).


2. Resposta, com data de hoje, do Humberto Reis

Luís: De facto foi o 2º Gr Comb [da CCAÇ 12] que atravessou a bolanha de Finete à noite, quando se soube do que tinha acontecido. Aliás lembro-me de alguém, se calhar até fui eu, ter feito uma hora antes, um comentário do género "o Beja Santos é maluco", pois ia sair de Bambadinca para Missirá já de noite.

Terá ido alguém da milícia de Finete connosco até ao local do acidente e ficámos lá toda a noite a dar de beber aos mosquitos e regressámos de manhã. O condutor morreu durante a noite em Finete.

Já não me lembro como é que a viatura veio para Finete. Julgo que era um 411, o burrinho, o mais pequeno que tinha motor diesel (o grande, o 404, era a gasolina).

Julgo que o furriel dos morteiros, o Lopes de Angola, não foi. Ele foi quando num domingo à noite, estávamos a jantar na messe e pensámos que a ponte estava a ser atacada, mas afinal era Amedalai (Já aqui contei esse episódio em que fomos vários vestidos à civil, que era como estávamos a jantar, e as viaturas com os condutores e algumas praças apareceram automaticamente à porta da messe, já prontas a marchar sem ninguém os ter chamado. A isso chama(va)-se ser camarada).

Aquele abraço

Humberto Reis


3. Comentário de L.G.:

Humberto: Eu sei que isto é a pequena história, a petite histoire, como dizem os franceses... E que os historiadores, oficiais ou oficiosos, irão ler, por cima da burra, com condescendência, sobranceiria, desprezo, as coisas que hoje escrevemos... É a história com h pequena, mas é nossa...

Dizes bem: isso era ser camarada, sem mais adjectivos, sem pompa nem circunstância... Fizemos isso [, nós, a CCAÇ 12 e o Pel Rec Info, ] pelo Beja Santos e pelos seus nharros, como ele e o Pel Caç Nat 52 fariam o mesmo por nós e pelos nossos nharros...

A aparente omissão desta coluna (imediata) de socorro, na narrativa do Beja Santos (1), é natural e compreensível: a nossa memória é selectiva, de resto o Mário não tinha cabeça para tudo o mais que se passou a jusante e a montante da explosão da mina...

Obrigado, mais uma vez, pelo teu oportuníssimo esclarecimento... Parte da tua estória bate certa com a minha...

Um abração. Luís


4. Comentário (final) Beja Santos:

Assunto - Repor a verdade!

Luís e Humberto: No episódio da mina de Canturé refiro explicitamente que recebi uma tocante solidariedade de Bambadinca, o Cunha Ribeiro foi determinante para pôr tudo em movimento, parti imediatamentre com o David Payne para Finete, vocês vieram depois, com o Reis sapador.

A viatura era um 404, indiscutivelmente, vinha carregado com toneladas de material, felizmente, senão a desgraça teria sido muito maior.

Sim, fui maluco e irresponsável, saindo àquelas horas para Missirá. Essa culpa ninguém ma tira!

Um abraço, Mário.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2270: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (9): E de súbito uma explosão, uma emboscada, um caos...

(2) Vd. post de 14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)