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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12694: Inquérito online: "Muito sinceramente, não gostaria de morrer, sem um dia ainda poder voltar à Guiné"... Resultados finais (n=285)... Entre o desejo e a realidade, as opiniões de A. Vasconcelos, A. J. Pereira Costa, H. Sousa, H. Cerqueira, J.L. Mendes Gomes, J. Cabral. L. Graça, M. Amaro e V. Alves


Foto nº 12_155

Guiné-Bissau > Região do Oio  > Mansabá >  Dia nº 12 da viagem > 16 de abril de 2006 > Mullher com 2 dentes de ouro...


Foto nº 12_186

Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > Dia nº 12 da viagem > 16 de abril de 2006 > Esta não não é seguramente uma tabanca de fulas

Foto nº 13_059

Guiné-Bissau > Região do Cacheu   > Sâo Vicente >  Dia nº 13 da viagem > 17 de abril de 2006 >  Estrada que já foi alcatroada


Foto nº 13_307

Guiné-Bissau > Região do Oio  > Jumbembem >  Dia nº 13 da viagem > 17 de abril de 2006 >  Menino com "brinquedo"


Foto nº 13_338


Guiné-Bissau > Região do Oio  > Canjambari >  Dia nº 13 da viagem > 17 de abril de 2006 >  Burros


Fotos (e legendas): © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]

1. Terminbou em 30/1/2014, às 15h23, a sondagen sobre o eventual desejo de voltar á Guiné. Responderm, 285 leitores, o que é uma recorde em termos de resposta a sondagens no nosso blogue. 

Recorde-se qual era a pergunta:

"MUITO SINCERAMENTE, NÃO GOSTARIA DE MORRER, SEM UM DIA AINDA PODER VOLTAR À GUINÉ"...
Eis os resultados finais:

Discordo totatmente =10 (3%)
Discordo em parte = 4 (1%)
Discordo = 6 (2%)

Não discordo nem concordo = 19 (6%)

Concordo =57 (20%)
Concordo em parte = 18 (6%)
Concordo totalmente = 120 (42%)

Não aplicável, já lá voltei uma vez = 29 (10%)
Não aplicável, já lá voltei mais do que uma vez = 22 (7%)

Votos apurados=  285 (100%)


2. Graficamente, os resultados poderiam ser assim apresentados (Gráficos nºs 1, 2 e 3):



Gráfico 1


Gráfico 2


Gráfico 3


Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)


3. Comentários de alguns dos nossos grã-tabanqueiros, ex-combatentes:

Álvaro Vasconcelos  [ex-1.º Cabo Transmissões do STM, Aldeia FormosaBissau, 1970/72]

Na minha juventude vivi períodos que marcaram o meu ser. Todos eu gostava de poder reviver.
Não sou muito viajado, mas por onde já passei, no nosso "jardim á beira mar plantado", já estive na sede de todos os Concelhos, alguns conheço-os bem. Devo ter passado em, pelo menos, 3000 das quatro mil e não sei mais quantas freguesias, algumas tenho no coração!
Contarei cerca de meia dúzia de países que fugazmente visitei (Espanha, França, Suíça, Itália, Tunísia, Principado de Andorra, Gibraltar e cidade de Ceuta.
Quem dera que me fosse possível reviver: Voltar a todos os lugares por onde passei, mas será impossível!
Certamente não poderei voltar aos locais da Guiné onde passei momentos difíceis. Por isso gostava de lá voltar. Já me não lembro dos menos difíceis, seria que a memória mos aclarava?

António J. Pereira da Costa [alf art na CART 1692/BART 1914,Cacine, 1968/69; e Capitão Art Cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime eMansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]

Depois dos resultados desta sondagem venham cá dizer-me que o Pélissié não tem razão.
Somos mesmo uns "nostálgicos"!

Reparem que o Cabral pergunta (e bem) de que Guiné estamos a falar quando falamos da Guiné...

Mas ser nostálgico não é mal! Só que, é uma espécie de... visão de um regresso ao passado que já não há.

Hélder Sousa [ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72]

(...) A 'sondagem' em si mesmo, ou melhor, a questão, parece pertinente.  A esta distância 'dos acontecimentos', vivendo cada vez mais 'o ocaso da vida', suportando as dificuldades que a todos (uns mais que outros, certamente) vai tocando, é pelo menos interessante 'sentir' qual a relação que a maior parte de nós tem com esse seu passado.

Seja lá por que motivo for: revivalismo, busca da juventude, saudosismo, etc. É tão legítimo dizer que não se quer ir, para se guardar as boas imagens que se tem e não se chocar com aquilo que se diz que se irá ver, como se dizer que sim, que se quer ir, sob um pretexto qualquer.

Eu votei que sim, que "não gostaria de morrer, sem um dia ainda poder voltar à Guiné". É uma ideia antiga, que já foi mais forte, mas que ainda permanece. No entanto o tempo vai passando e as hipóteses vão diminuindo. Não há 'condições'....

Henrique Cerqueira [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74]

Camaradas e amigos: Nunca mais voltei á Guiné e na realidade nunca tive vontade de lá voltar. Creio que jamais irei visitar a Guiné. No entanto eu tenho muito apreço e respeito pelo sacrifício que o povo da Guiné Bissau tem passado desde a Independência. Fico sempre satisfeito quando encontro algum natural da Guiné, mas isso não me dá vontade alguma de a visitar. Mas não será só por ser a Guiné pois que eu não gostaria de visitar qualquer país africano. 

Já agora e a talho de "foice" eu também nunca mais visitei Tavira no Algarve porque tal como a Guiné me foram impostos e não gostei mesmo nada de lá ter passado parte da minha vida. Já Caldas da Rainha, Elvas e Évora que também me impuseram,  eu guardo gratas recordações de acolhimento e até de vida militar.

Em relação á Guiné é pura e simplesmente porque não gostei nem gostaria de [voltar a pisar] território africano.

Joaquim Luis Mendes Gomes [ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]

Não! Voto não. Prefiro deixar como está...minha lembrança de lá...com muitas horas de dor...mas também, com outras tantas felizes...Quero levá-las assim, como estão...

Jorge Cabral [ex-alf mil at art, cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, setor L1, Bambadinca, 1969/71]:

Voltar à Guiné? A que Guiné? A de hoje não é a do nosso tempo.Missirá tem uma Discoteca..Os meus soldados africanos , já morreram quase todos. As belas bajudas são avós..
Era bom, era voltar a ser jovem...mesmo na Guiné da nossa juventude...

Luís Graça [ex-fur mil, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]


(...) O René Pélissier chamou-nos "blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude"... Alguns de nós afinámos... Aliás fizemos uma sondagem a propósito da "boca" do gaulês...

(...) Pessoalmente não me senti insultado. "Nostálgico" vem do "nostalgia", do francês "nostalgie"... O nosso vocábulo "saudade" é mais complexo, do ponto de vista conceptual e semântico, filosófico, psicológico, antrpológico...

A opinião do Pélissier é apenas isso, uma opinião... Quanto às motivações para "voltar" à Guiné (que já não é a mesma Guiné do nosso tempo) são todas legitimas...  A motivação humana é complexa, dinâmica, multifatorial... Todas as motivações são legítimas desde que não "atropelem" os outros...Eu fui lá em 2008, com sentimentos ambivalentes... Já aqui escrevi sobre esse regresso, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje... Estive lá de 28 de fevereiro a 7 de março de 2008...

Pôr as coisas em termos de simples "nostalgia da juventude" é redutor, quanto a mim (...)

Manuel Amaro  [ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971]

Não há dois tabanqueiros iguais, apesar de não sermos assim tão diferentes uns dos outros. Isto para dizer que eu não voltei, nem tenciono voltar à Guiné.
Alguma coisa contra? Nada.  Até deixei lá alguns amigos.  Um foi Procurador Geral da República e depois de escapar à morte num dos muitos golpes de Estado, teve que trabalhar como taxista. Outro, depois de alguns anos sem dar nas vistas, fez parte da primeira Comissão Nacional de Eleições.
Por fim, o amigo Henrique Rosa foi Presidente da República, interino, durante dois anos.

Mas, não. Nunca senti qualquer chamamento para visitar a Guiné.  Dirão que não tenho espírito solidário, porque quem lá vai é para ajudar. Pois, mas eu ajudo onde estou.

Tenho acompanhado aqui as brilhantes actuações solidárias dos nossos camarigos tabanqueiros, nas várias áreas a que se têm dedicado. Admiro a sua coragem e tenacidade.

Portanto, não fui, nem penso ir, sem que isso signifique menos consideração por aquele povo tão sacrificado.

Concluindo, achei que a sondagem estava bem estruturada, obedecendo a princípios e normas científicas, usadas em casos semelhantes.


Victor Alves [(ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/72)
Já há algum tempo que nada tenho lido sobre o blogue. Hoje ocasionalmente deparei-me com esta situação.

Como tantos também não gostaria de morrer sem voltar à Guiné. Contudo,  devido a problemas de saúde,  tudo teria de ser bem revisto. Mas em principio também gostaria.

 __________________

Nota do editor:

Postes anteriores:

28 de janeiro de 2014 >  Guiné 63/74 - P12650: Sondagem: "Muito sinceramente, não gostaria de morrer, sem um dia ainda poder voltar à Guiné"... Resultados preliminares (n=262): mais de 68% dos respondentes (n=172) gostariam de poder visitar a Guiné-Bissau... 18% dos votantes (n=48) já lá voltaram, uma ou mais vezes... Falta pouco mais de um dia para fechar esta sondagem em relação à qual o António J. Pereira da Costa faz uma crítica metodológica

25 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12631: Sondagem: "Muito sinceramente, não gostaria de morrer, sem um dia ainda poder voltar à Guiné"... Resultados preliminares (n=153): 2/3 dos respondentes (n=103) gostariam de poder visitar a Guiné-Bissau... Um em cada cinco dos votantes já lá voltou...

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12189: Os meus (des)encontros com a PM - Polícia Militar (1): João Paulo Diniz (ex-locutor de rádio (PFA, Com-Chefe, Bissau, 1970/72); Henrique Cerqueira (ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)



Guiné > Bissau > Polícia Militar > 1971 > O José Basílio Costa, alf mil, mais o sold cond auto Diamantino Romão, que é o autor da foto. O nosso camarada José Basílio Costa tem página no Facebook, é natural de Vila Nova de Famalicão, e vive em Santo Tirso. (Foto reproduzidas com a devida vénia, e um abraço aos dois e convite para se juntarem a este "batalhão" da Tabanca Grande; edição de L.G.).


1. Mensagem do João Paulo Diniz [, ex-locutor do PIFAS, Com-Chefe, Bissau, 1972/74] , em resposta ao poste P12184 (*)

Caro Luis Graça,

Com a sinceridade de sempre, devo confessar que não me recordo da estória do nosso Zé Basílio (um abraço!) comigo (mas acho que me recordo da sua cara na foto...). 

Da malta da PM [ Polícia Militar,] recordo-me do Raul Castanho, com quem tive o grande prazer de falar há meia dúzia de semanas após longa ausência. 

E recordo ainda que, tal como ele, muitos camaradas passavam pelo Pifas para fazer companhia e tomar um copo, no pequeno bar de entrada, superiormente 'comandado' pelo Morais (que é feito de ti, amigo?).

Já agora: o Pifas não era só eu, mas sim uma equipa: dedicada, voluntariosa, com grande 'amor à camisola', com a perfeita consciência da importância das nossas emissões para animar todos os nossos camaradas das FA, independentemente dos locais onde se encotrassem na Guiné.

Posso contar uma coisa?

Um dia um tenente-coronel, comandante de um batalhão estacionado numa zona sensível, fez questão de visitar o Pifas, antes de regressar a Lisboa. E, após uma breve 'visita guiada', esse nosso camarada do Exército disse mais ou menos isto: 
Querem saber? Para os meus homens, muitas vezes é mais importante uma hora de emissão do Pifas do que receberem uma carta da família!

Com todo o respeito, creio que a maior parte de nós pensou que o nosso tenente coronel já estaria 'apanhado pelo clima'... Mas as suas palavras foram bem sentidas!

Por estas e outras, permitam-me uma confissão: como profissional, o Pifas foi uma das mais belas experiências da minha carreira!

Grande abraço! JPD

2. Henrique Cerqueira [, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74],

Na verdade, verdadinha,  a malta na Guiné e que vinha do mato à cidade,  não morria de amores pelos PM [, Polícia Militar].  E na realidade a malta dessa força punha-se a jeito para não ser muito "querida". Mas isso são águas passadas e,  mais tarde,  até fiquei cheio de orgulho quando o meu filho Miguel foi para a PE [, Polícia do Exército,] em Oeiras e por lá andou a fazer serviço na NATO.
Bom,  eu até tenho um episódio engraçado, hoje claro, com os PM em Bissau.

Numa ida minha a Bissau,  e ao me encontrar com amigos, era inevitável o apanhar uma "carraspana", tanto de comida como de bebida. Vai daí,  e depois de muitas andanças pelos caminhos de Bissau,  acabámos (eu e mais dois amigos) a simular que conduzíamos um automóvel pela avenida principal de Bissau. Isto de noite. 

O inevitável aconteceu e lá apareceu o jipe da PM. Recordo-me que,  mesmo com a carraspana (se calhar,  já em curva descendente), a PM,  após os habituais ameaços e outros afins,  lá nos mandou embora. Só que eu,  armado em engracadinho,  disse:
Desculpem lá,  senhores polícias,  mas tenho que deixar aqui o carro porque não estou em condições de conduzir.

Comecei então a simular o fecho do carro e todos aqueles gestos que temos ao deixar um carro estacionado. Então nessa altura o Alferes mandou que nos metessemos no jipe e levou-nos para o QG que era onde estávamos "hospedados". Quando saímos do jipe,  o aferes,  alinhando na brincadeira,  disse-nos  que para a próxima não seríamos apanhados se tivessemos ligado as luzes do carro. 

Boa, alferes! Os PM nem sempre eram tão arrogantes como às vezes queriam dar a  entender.

Henrique Cerqueira

3. Nuno Esteves [, nosso estimado leitor, ex-Polícia do Exército, ex-Lanceiro, ex-Soldado PE do 1º Turno 94, do Regimento de Lanceiros nº 2, hoje a trabalhar em segurança privada]
Saudações Lanceiras!... Caros camaradas da Tabanca Grande, os PM cumpriam ordens como certamente cada um de vós as cumpriu. A PM não era adorada pois,  como autoridade militar,tinha de fazer cumprir a lei militar que,  como todos nós sabemos, quando assim é, geralmente qualquer Policia nunca é bem vista ou acarinhada.

Mas,  na história destes camaradas Lanceiros, também constam várias custódias (protecção) dadas a militares em sarilhos, entre variadissimas coisas.

Muito me orgulha ter sido sucessor destes homens mas,  no meu tempo, envergando o distintivo da Policia do Exército [PE].

Um forte abraço Lanceiro para toda a Tabanca.

Nuno Esteves


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Alguns dos quadros da companhia, vestidos com trajes fulas... Presume-se que fosse uma brincadeira de Carnaval... Dois militares parodiam a PM- Polícia Militar... O Cap Corvalho pode ser o terceiro a contar da esquerda, pelo menos é alguém que ostenta as divisas de capitão. "Aqui de certeza é o Corvacho, um bom amigo", garante-me o Nuno Rubim ... (LG).

Foto  © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Do álbum do José Neto † ,  fotos reeditadas por Albano Costa). Direitos reservados.

4. Comentário de L.G.:

Histórias com a/os PM ? Encontros, desencontros... quem os não teve ? Cá e lá, em Bissau... (Nunca vi os PM fora de Bissau, a não ser "mascarados", em Guileje, no álbum fotográfico do nosso  saudoso Zé Neto...).

Toca, por isso, a puxar da memória!... Hoje publicamos mais duas pequenas histórias, do nosso tempo de Guiné... O objetivo não é, de modo algum,  desenterrar velhos machados de guerra, mas apenas relembrar tempos passados que... não voltam mais!

Como diz o povo, "quem vai à guerra, dá e leva!"... Em Bissau, à falta de guerra a valer, parece que fazíamos,  às vezes, guerra uns aos outros... Numa ou noutra ocasião, perdemOS mesmo as estribeiras... E não houve PM que nos salvasse!...

Recorde-se, entre outras, as "guerras" entre páras, comandos e fuzos, as três tropas especiais..., a que se vieram juntar, mais tarde, os "comandos africanos" e os "fuzileiros especiais africanos"... Uma das dessas "guerras" (que provocaram mortos e feridos graves!), ficou conhecida como a "batalha de Bissau" (**)...

______________

Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 21 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12184: Facebook...ando (29): Uma cena, bem humorada, passada entre a ronda da PM e o locutor do PIFAS, João Paulo Diniz, Bissau, c. 1971 (José Basílio Costa, ex-alf mil, PM, hoje a residir em Santo Tirso)

(**) Sobre a "batalha de Bissau" (3 de junho de 1967) entre fuzileiros e paraquedistas, vd.:


11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)



(...) Considero bastante conforme à verdade (com excepção da data, que foi o dia 3 de Junho de 1967 e não Janeiro de 1968, conforme a História oficial do BCP 12, da autoria do Tenente-Coronel Luís Martinho Grão) a versão apresentada pelo 1.º Sargento Carmo Vicente, inclusive no que respeita às responsabilidades dos graduados pára-quedistas, que pouco fizeram para evitar o infeliz desenlace duma jornada que devia ser lembrada apenas como desportiva. (...) 

(...) Na noite de 3 de Junho de 1967, no final dum jogo que parecia ter decorrido de forma idêntica a tantos outros, entre o ASA – acrónimo de Atlético Sport Aviação, o clube dos militares da Força Aérea – e a equipa onde alinhavam os marinheiros, sucedeu o inesperado: estes, depois de trocarem insultos e provocações com os pára-quedistas, como era hábito, abandonaram o recinto desportivo, numa atitude pouco consentânea com os seus comportamentos recentes.

Os páras correram atrás deles pelas ruas da cidade, não imaginando que, algumas centenas de metros à frente, emboscado num prédio em construção, um grupo de fuzileiros armados com G-3 se preparava para os atacar a tiro. Custa a entender onde aqueles homens foram buscar ânimo para levar a cabo semelhante acto, mas a verdade é que foram capazes de abrir fogo à queima-roupa sobre camaradas de armas desarmados, matando de imediato o 1.º cabo Ismael Santos e o sold. Fernando Marques, para além de terem provocado ferimentos noutros soldados. (...) 


(...) Segue-se a “batalha de Bissau” que ocorreu durante um campeonato de andebol de sete, entre a UDIB e a ASA Clube. Havia duas claques, a primeira, composta pelos civis e alguns marinheiros, era apoiada pelos fuzileiros e por todo o pessoal da Armada; e a segunda, inteiramente formada por militares da Força Aérea, com destaque para os pára-quedistas. 

Segundo Carmo Vicente páras e fuzileiros eram amigos, mas na ocasião quiseram provocar-se mutuamente. Porquê, fica-se sem se saber. No BCP 12 todo o pessoal foi dispensado para poder assistir ao encontro e apoiar a equipa. Durante o encontro, boinas verdes e boinas negras apoiaram ruidosamente as suas equipas. Súbito, começaram os incidentes e cerca de 400 militares envolveram-se num corpo a corpo incontrolável, derrubaram-se as portas do recinto, a luta generalizou-se pelas ruas da cidade, tudo à cinturada, murro e pontapé. 

Parecia que os fuzileiros batiam em retirada quando de um prédio em construção saíram seis fuzileiros armados de G3 e de granadas de mão, começando a disparar indiscriminadamente. Dois pára-quedistas ficaram ali mortos. Para Lisboa transmitiu-se às famílias que tinham morrido num acidente com armas de fogo (...).

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11942: "Guiné Portuguesa", Apontamentos destinados aos Instrutores e Monitores do CIB do BC8 de Elvas, elaborado pelo TCor Romão Loureiro (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 11 de Agosto de 2013:

Olá Camarada e amigo Carlos Vinhal.
Andava eu a remexer nas minhas recordações da Guiné e encontrei um manual sobre a Guiné que nos foi distribuído em 1971 pelo nosso antigo Comandante de Batalhão do BC8 em Elvas, Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro, aquando da minha primeira instrução como Cabo Miliciano numa companhia de Instrução de recruta.
Ao reler o livro veio à minha memória o facto de até nem ter sido muito má a minha iniciação como instrutor. E ainda recordar o meu antigo Comandante de Companhia de Instrução que tinha (e terá) o nome quase igual ao meu, pois se chamava Henrique Cerqueira Barreira, o que de certo modo criou alguma empatia entre nós. E foi bom porque me ajudou a entender a diferença de ter sido instruendo e passar a ser instrutor. Mas isso será motivo para mais tarde eu escrever alguma coisa sobre esse tempo no BC8 e posteriormente sobre o RI 16 em Évora. Foram estes dois quartéis que mais me marcaram pela positiva.

Um abraço
Henrique Cerqueira

"Guiné Portuguesa", Apontamentos destinados aos Instrutores e Monitores do CIB do BC8, focando problemas atuais da Província da Guiné Portuguesa. 
Elaborado pelo Tenente Coronel Romão Loureiro. 

Caros camaradas, tenho por costume afirmar que a malta quando era mobilizada para o Ultramar quase não tinha preparação alguma em relação aos usos e costumes da população da Guiné, assim como em relação ao tipo de território que iríamos encontrar. No entanto devo confessar que quando fui para o BC8 em Elvas, no ano de 1971, dar uma recruta, pela primeira vez como Cabo Miliciano, o Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro, que era o Comandante do Batalhão na altura, teve o cuidado de nos oferecer o dito Livro de Apontamentos que inclui até uma dedicatória que passo a transcrever:

HOMENAGEM SIMPLES, MAS SINCERA AOS VALENTES, CORAJOSOS, DEDICADOS E HEROICOS SOLDADOS DO BCAÇ 2884 E A TODOS OS MILITARES QUE EM TERRAS DA GUINÉ, PELA SUA PAZ E PELO PROGRESSO DERAM AS SUAS VIDAS EM HOLOCAUSTRO À PÁTRIA. LEMBREMO-LOS NÓS, ESSES HUMILDES SOLDADOS, FILHOS GRANDES DE UM POVO GRANDE, QUE NUNCA ATRAIÇOOU A PÁTRIA, PARA QUE NÃO FIQUEM ESQUECIDOS DAS GERAÇÕES VINDOURAS, PELO EXEMPLO DO SEU INULTRAPASSÁVEL PATRIOTISMO.

Segue assinatura: Elvas 8 Nov.71 
Romão Loureiro TCor

Transcrevi a homenagem em maiúsculas para respeitar o próprio texto do livro, do qual junto imagem.


Este livro tinha algum interesse porque o seu conteúdo dá uma série de informações sobre a área geográfica da Guiné, população e suas Etnias, quantificando até o numero de população por cada uma delas, assim como produções agrícolas (o que para mim era mais propaganda do nosso estado de então).
Dá-nos também alguma informação sobre a constituição dos partidos políticos no inicio da "Rebelião" das gentes da Guiné embora com a visão do Estado da altura.

Enfim, este manual até estava bem conseguido para a época e na visão de um Militar de Carreira que era o Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro.


Hoje consigo ver esta leitura com outros olhos que não os dos meus 21 anos, penso até que na altura nem lhe dei a importância que deveria dar. (Eu me penitencio).

Encontrei este Livro no "Baú" das minhas memórias e achei por bem vos dar a conhecer um pouco sobre o mesmo. Para completar a informação digitalizei a capa e a tal Homenagem aqui transcrita.

Se alguns camaradas passaram pelo BC8 em Elvas nos anos 70 devem ter conhecido o Sr. TCor Romão Loureiro e se lembrarão que era um excelente Comandante justo e bom Homem, mas altamente Militar.

Quero aqui Homenagear de igual modo o meu Comandante de Companhia de Instrução no BC8 em 1971, o Sr. Capitão Henrique Cerqueira Barreira que tem um nome quase igual ao meu.

Henrique Cerqueira

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11511: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (18): Canquelifá, Pirada, Bissau, Gadamael (Carlos Costa, Carlos Ferreira, Mário Serra Oliveira, C. Martins)



Guiné > Bissau > c. 25 de abril de 1974 > As primeiras manifestações da população local: Abaixo a DGS... Viva o Spínola... Fotos do álbum J. Casimiro Carvalho.

Fotos: © J. Casimiro Carvalho (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]


 A. Comentários ao poste P11470 (*), de 4 leitores (e camaradas nossos):

(i) Carlos Costa, ex-fur mil BCAÇ 4516  

Nesse dia estava eu em Canquelifá, a notícia foi recebida com natural surpresa e curiosidade de saber o que na verdade se estaria a passar. Escutavamos a rádio avidos de saber notícias. 

No dia seguinte o capitão chamou,  a uma reunião, sargentos e oficiais, comunicando-nos que tinha duas mensagens para nos transmitir, um seria dada a conhecer naquele momento e a outra passadas 24 horas. Assim a mensagem lida de imediato anunciava que estaria iminente mais um ataque do PAIGC. 

Passaram-se as 24 horas, debaixo de uma enorme tensão, à espera do primeiro "bum" que não chegou a acontecer. Foi então lida a 2ª mensagem que revelava ter havido os primeiros contactos do MFA com os movimentos de libertação das colónias, tendo sido acordado que as escaramuças seriam evitadas: não haveria mais ataques e, se encontros houvesse no mato, haveria apenas alguns tiros para o ar, sinalizando a presença, seguindo cada força em sentidos opostos. 

Os dias que se seguiram foram calmos,  com uma excepção,  com os paraquedistas em segurança de uma coluna,  um deles pisou uma mina, perdeu a vida. 

Como eu era do batalhão de intervenção da Guiné 4516, passado algum tempo regressámos a Bissau e,  até Setembro, mês do regresso à metrópole,  fizemos segurança à cidade.

(ii) Carlos Ferreira, ex-fur mil at cav,  3ª CCav/BCav 8323

Um dia inesquecível, para mim. Estava em Pirada, em uniforme nº. 2, pronto para embarcar numa aeronave, com destino a Bissau, via Lisboa, para gozar as minhas férias disciplinares. Nesse interim, fomos atacados pelo IN, com um potencial de fogo muito superior ao do ataque que tivemos em Março.

Saltei para a vala mais próxima e aguardei que acabasse a flagelação. Não houve vítimas militares, mas pereceram, creio que 8 senegaleses, que se encontravm ao balcão, de uma loja, de um comerciante local.

(iii) Mário [Serra] de  Oliveira [, ex-1.º Cabo Escriturário, BA12, Bissalanca, Bissau, 1967/68; empresário, vive atualmente nos EUA]

Preados camaradas:

Primeiro, refiro-me á mensagem do camarada Cerqueira (*), por mencionar Bissorã onde, se não estou em erro de nome, um amigo meu de apelidos Lavinas, tinha um café, cervejaria e restaurante. Lá dormi num fim-de-semana bem passado, já depois da independência.

No dia 24 de Abril, corria o "ram-ram" do dia-a-dia, comigo na cidade de Bissau às compras para o meu restaurante "O Ninho de Santa Luzia", localizado na estrada do QG.

No dia 31 de Março tinha feito as escrituras por trespasse (400 contos) na aquisição daquilo que foi inicialmente "A Meta" mas que, na ocasião, se chamava "A Tabanca", junto ao campo de futebol.

O local andava em remodelação, na intenção de abrir no 1º de Maio [de 1974].

Assim, eu ali na cidade, .tendo deixado a minha R4L estacionada junto ao café Bento, em frente da Casa Gouveia", oiço um alarido enorme vindo do lado do Grande Hotell, na estrada que segue para o QG. Olhei e vejo uma enorme multidão de africanos expressando toda a espécie de contentamento e fazendo alguns desacatos (especialmente nalguns carros por ali estacionados),  com gestos e algazarra diversa.

Ora, estando a minha famila para além da multidão, eu não sabia o que se tinha passado até ali, uma vez que o Ninho ficava na rectaguarda da multidão, na direcção do QG. Agarrei, meto-me no carro, entro na avenida e sigo direito ao Palácio. Faço uma direita, logo uma esquerda em direcção ao Ninho.

Chego, dei ordens para não se abrir...(seriam umas 11:30). Ali fui confrontado com uma situação de uma familia,  ainda meus parentes em 3º grau, cujo marido era radiotelegrafista da DGS. A mulher ali a choramingar, porque o marido (meu 3º primo) tinha saído para ir à DGS, passando antes pelo Dr. de crianças. Creio que foi o que lhe valeu porque, horas mais tarde,  a tropa ocupou aquilo, dando ordens a que todos os agentes se entregassem na Amura.

Já contei antes, noutra mensagem, que dali fui ao consultório do Dr. à procura de pai e filho, para acalmar a mulher e mãe. Encontrei-os e trocamos de carro porque o dele era conhecido como sendo da DGS e o meu não. A ideia seria...se atacassem o carro pensando que ia lá dentro um da DGS, eu mostrava a cabeça dizendo que era eu.

Porquê? Não era porque não tivesse medo mas sim porque eu tinha "boa reputação" entre o pessoal local. Ao mesmo tempo, com o meu primo na minha carrinha, confiei - e saiu certo - que não iriam atacar uma "coisa" minha, pela reputação do dono. 

Entretanto, eu tinha as chaves de um armazem que antes tinha sido a "fábrica das malas" na Estrada de Antula, junto ao Ninho, saindo da estrada de Sta Luzia, junto ao QG.

Ali escondi o carro do meu primo a quem dei guarida até o convencermos a entregar-se na Amura. Ele não queria mas lá foi. Depois foi com todos os outros para o Cumuré.

Entrentanto, vou à Tabanca e digo ao pessoal que "nem mais um prego" espetam até se ver como vão ficar "as coisas". Dali em diante..."turbulência" enorme e decisões nem sempre as mais acertadas. E por ali fiquei até 1981. 

Só abri a Tabanca creio que em Novembro de 1974, tal com tinha ficado no dia 25 de Abril de 1974. O 1º jantar foi um calote do Governo que demorou a pagar tanto como um bebé a nascer - não prematuro, mas com dias de atraso. Recordo que foram ter comigo ao Ninho para que abrisse "aquilo" para receber a 1ª delegação estrangeira à Guiné depois da Independência. Era da Argélia. Na ocasião, era o único local com ar condicionado, porque o resto ainda não estava nada a funcionar com deve ser. Só eu é que tinha algo operacional, excepto o Grande Hotel. O Pelicano não tinha ar condicionado que eu saiba. Ventoinhas, sim. Enfim, uma longa história já contada em parte.

Hei-de tentar arranjar as memórias para publicar no bloge "http://pidjiguiti.blogspot.com

Abraço a todos e Viva o 25 de Abril.

(iv) C. Martins [,ex-cmdt Pel Art 23, Gadamael, 1972/74]

Bem,eu estava em Gadamael,e após fazer a minha ronda higiénica,  liguei o rádio em onda curta e percorri as ondas do "éter"..."rádio Habana, Cuba, território libre in America", nada; "rádio Moscovo", nada; "Deutchsvella", nada: "rádio Globo", nada.."BBC.. golpe militar em Portugal, general Spinola, coiso e tal"... O  quê ?... Porra,.finalmente!...

Contactei o Sr. comandante H.Patrício, dizendo-lhe que estava a decorrer um golpe militar,e este pergunta se era o nosso General Spínola que estava à frente... E eu..claro que é.. (eram 7 da manhã e eu não fazia a mais pequena ideia)... Ah, sendo assim eu alinho...BOA.

Não houve a flagelação da ordem, já não saiu uma companhia para o mato  e o resto continuou tudo como dantes... Apenas troca intensa de mensagens com Bissau, que pouco ou nada sabiam,ou não queriam dizer.

Foi assim o meu 25A.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11470: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (17): Bissorã, a ouvir as notícias da BBC, depois de regressar, de manhã, de um patrulhamento noturno (Henrique Cerqueira, Bissorã)

1. Mensagem do Henrique Cerqueira (ex- fur mll, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74)

Data: 25 de Abril de 2013 à12 12:49
Assunto: O meu 25 de Abril de 1974


Luís Graça:

Hoje,  25 de Abril de 2013, resolvi narrar um pouco do meu 25 de Abril de 74 . Pretendo assim homenagear deste modo essa data já com 39 anos mas que ainda está bem presente nas minhas memórias.

O texto não tem grande novidade mas mesmo assim resolvi mandar para apreciação dos meus camaradas editores que se acharem por bem o publiquem no nosso blogue que ainda respira festividade pelo seu aniversário.
Um abraço

Henrique Cerqueira


2. O meu 25 de Abril em 1974

Pois é,  hoje dia 25 de Abril de 2013, trinta e nove anos depois trouxe-me á memória o meu 25 de Abril de 1974 passado na Guiné.

Tinha ido eu com o nosso grupo de combate no dia 24 de abril de 1974 fazer mais um patrulhamento para a zona situada entre Bissorã e Biambe,  o qual se porlongou por toda a noite e felizmente sem 
qualquer acontecimento a assinalar. 

Pese embora a nossa guerra noturna com os mosquitos tudo correu com normalidade. Pela manhãzinha foi a hora de regressar ao aquartelamento e como era normal a malta quando chegava a Bissorã dava uma passagem pelo bar dos Sargentos tanto para saciar a sede como para depositar o armamento mais pesado,  pois que era nas traseiras do bar que havia a arrecadação de armamento.

Então nós nos deparamos com toda a malta junto de um pequeno rádio a ouvir notícias da BBC sobre os acontecimentos na Metrópole. Lembro-me que na altura se encontrava lá um elemento da PIDE/DGS e não se cansava de ameaçar o pessoal por estar a ouvir as ditas notícias (mal ele sabia o que o esperava).

Toda a gente ainda incrédula com a possibilidade do fim da guerra mas mesmo assim foi como se nada mais importasse e, a partir daí,  começou logo a rolar cerveja a festejar. Eu até esqueci as ferradelas dos mosquitos da noite passada no mato.

Bom,  depois de já convencido das mudanças na nossa política e com o fim á vista,  lá me dirigi a casa onde me esperava a minha mulher e filho (pois que ambos viviam comigo em Bissorã) e dei a novidade,  o que foi recebida com alguma incredulidade. É que dias antes tinha sido avisado que devido ao agravar da guerra na Guiné teria que mandar embora a família para a Metrópole que até já estaria um navio em Bissau de prevenção para a evacuação dos civis .

A verdade é que,  como todos sabem,  nada disso aconteceu embora até meados de Maio tenha havido alguma atividade do PAIGC flagelando ainda a nossa posição com um ataque de misseis terra/ar sem que tenha havido qualquer estrago tanto humano como material, pois que os misseis caíram na periferia de Bissorã,  de certeza que intencionalmente.

A partir daí foi o que toda a gente sabe. Algumas convulsões populares contra as nossas tropas, possivelmente para mostrar um revolucionarismo de última hora. O que mais tarde se veio a revelar é  que a população temia era o futuro,  o que infelizmente se veio a confirmar pois que hoje a Guiné é "Independente" mas continua pobre e massacrada por interesses que nada tem a ver com o desenvolvimento daquele povo.

Bom,  e foi assim o meu 25 de Abril de 1974.

Henrique Cerqueira
Ex-fur mil CCAÇ 13,  Bissorã
Batalhão 4610 /72

_______________

Nota do editor:

sábado, 20 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11430: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (18): Resposta nº 33: Henrique Cerqueira & Maria Dulcineia (NI) (Biambe e Bissorã, 1972/74)

1. Resposta nº 32 ao nosso questionário (*) >  Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), a que se associa também a sua Dulcineia (Ni), igualmente nossa tabanqueira:


(1) Quando é que descobriste o blogue ?

Quando senti necessidade de saber coisas de outros camaradas da Guiné. A data? Foi há bué de tempo.

(2) Como e através de quem ? (por ex., pesquisa no Google, informação de um camarada)

Através de pesquisa no Google.

(3) És membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia) desde quando ?

Sei lá mas já é á uma "porrada de tempo"

(4)  Com que regularidade vês/lês o blogue ? (diariamente, semanalmente, de tempos a tempos...)

Geralmente todos os dias e certos dias várias vezes.

(5) Tens mandado (ou gostarias de mandar mais) material para o Blogue (fotos, textos, comentários, etc.)

Sim tenho mandado algum material e gostaria de continuar a mandar mais.

(6) Conheces também a nossa página no Facebook ? (Tabanca Grande Luís Graça)

Sim conheço a página no Facebook

(7) Vais mais vezes ao Facebook do que ao Blogue ?

Raramente vou ao Facebook até nem tenho página e esporadicamente utilizo a página da Ni

(8) O que gostas mais do Blogue ? E do Facebook ?

 Como não gosto muito do facebook .Adoro o Blogue

(9)  O que gostas menos do Blogue ? E do Facebook ?

Gosto tanto do blogue que tenho dificuldade em dizer o que gosto menos. Do facebook, não sei comunicar ,daí não gosto do dito

(10) Tens dificuldade, ultimamente, de aceder ao Blogue ? ((Tem havido queixas de lentidão no acesso...)

Houve aí umas dificuldades, mas quanto a lentidão não há problemas agora tenho todo o tempo necessário. Verdade que não stresso com essas lentidões e ponho sempre culpas á Net.


[ Foto à direita:  "Este era o meu grupo na CCAÇ 13,  em Bissorã,  1972/74. Eram "Os Cobras".
Foto e legenda: © Henrique Cerqueira, 2013]


(11) O que é o Blogue representou (ou representa ainda hoje) para ti ? E a nossa página no Facebook ?

Olha,  Luís,  o Blogue hoje em dia para mim é como um "complemento alimentar". É mesmo um espaço que me faz feliz e que no momento que abro a página eu só "vejo" jovens de vinte e tal anos. Deixa ver se me explico: É como se estivesse naquele ambiente em grupo, comunidade, camaradagem com mais ou menos problemas (mas achando que consigo viver melhor e com mais conhecimentos). Ou seja,  estou lá mas com a experiência e sabedoria de hoje. Bom,  numa palavra,  o blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" representa para mim o oxigénio que se junta ao ar que respiro. Deve haver uma explicação lógica para esse sentimento.

(12/13) Já alguma vez participaste num dos nossos sete anteriores encontros nacionais ? Estás a pensar ir ao VIII Encontro Nacional, no dia 8 de junho, em Monte Real ?

Não e por diversas rasões. Certa vez porque achava que ainda não estaria integrado no "grupo", outra porque não foi possível e ainda - quem sab e? - porque me custará ver que afinal não será a mesma imagem que tenho quando estou no blogue. Olha,  Luís,  em alguns (poucos) encontros da malta da minha companhia foi para mim muito penoso andar a perguntar a alguns camaradas como se chamavam e o que faziam. É que já não conhecia a maior parte da malta com quem convivi. Quando estou no blogue é como se conhecesse e reconhecesse toda a gente,  mesmo aquela malta que nunca vi e que até são mais "antigos". Quanto a ir este ano a Monte Real ? Nem calculas como tenho "ganas" de estar presente mas ainda não consigo para já confirmar a presença.

(14)  E, por fim, achas que o blogue ainda tem fôlego, força anímica, garra... para continuar ?

TEM,TEM,TEM , Claro que TEM

(15) Outras críticas, sugestões, comentários que queiras fazer:

Sugestão/Comentário: Continuemos com este blogue, nem que tenha de haver "invenção ficção ou outro (ão) qualquer"  e já agora obrigado pela oportunidade de ser amigo e camarada de todos os participantes deste Blogue.

Camarada Luís e restantes editores,   resolvi aderir ao vosso questionário no formato apresentado porque achei mais fácil escrever as respostas às questões apresentadas. Quero ainda acrescentar que tudo o que escrevo é sentido e sincero e em alguns casos pecará por defeito e nunca por excesso.

Um abraço a todos e parabéns por esta data querida e como sempre desejo aos aniversariantes: "Que esta data se repita por BONS ANOS".

Henrique Cerqueira e Ni

2. Mensagem da Maria Dulcinea (NI), com data de 28 de março, agradecendo aos editores e demais pessoal da Tabanca Grande que se lembraram da sua data de aniversário:


Olá, Luís Graça

Quero aqui expressar os meus agradecimentos pelos votos de Parabéns no meu aniversário. Muito me honrou verificar que todos os camaradas da Guiné e meus camaradas do blogue em que por afinidade fui admitida, me presentearam com os seus votos no blogue.

É bom, muito bom,  sentir essa proximidade com pessoas que têm em comum uma vivência passada durante uma determinada época da nossa vida.

Não sou uma participante muito ativa em termos de escrita ,mas na verdade sou leitora assídua do também meu blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”. Considero-me talvez uma espécie de “retaguarda", junto do Henrique, sempre que estamos a ler e a comentar tudo que se tem escrito no Blogue. É claro que todos os assuntos tratados não me são absolutamente estranhos,  mas como será entendível quando estive em Bissorã o meu espírito naquele território era bem diferente do meu marido assim como dos restantes camaradas da altura. Não deixei no entanto de viver ativamente os momentos bons e menos bons dessa altura.

Por acaso até me envolvi bastante com vários elementos da população,  na ajuda e aprendizagem de alguns usos e costumes das pessoas de Bissorã . Assim como me interessei por acontecimentos passados entre o meu marido e seus camaradas militares .

Tenho muito gratas recordações, em especial do Natal de 1973,  passado em Bissorã, pois me dediquei a fazer rabanadas e aletria para os camaradas que nos visitaram essa noite. Creio até que essa noite teve um pouco de “magia” amenizando a carência da falta de familiares na noite tão importante da vida de qualquer português. Até porque era uma altura de grande incerteza e “medos” porque o Henrique já tinha sido avisado que possivelmente nós teríamos de vir embora porque a situação de guerra estaria ameaçada de piorar daí para a frente, o que de certo modo aconteceu, pois logo no dia 30/12 /73 sofremos um ataque com alguma violência . Felizmente as coisas não pioraram muito em Bissorã, mas tínhamos informação de outras localidades com gravíssimos ataques.

Finalmente o 25 de Abril chegou e foi um ”espiral” de acontecimentos. E finalmente regressamos,  sãos e salvos,  ao nosso lindo Portugal.

Luís Graça, já me alonguei um pouco, mas tudo isto é para reafirmar o meu agradecimento especial ao Luís e com o mesmo sentimento a todos os Tertulianos a quem  desejo sinceramente tudo de bom enquanto a vida permitir. E acreditem que o blogue tem sido a maior terapia para o Henrique assim como para mim. Jamais esqueceremos estes nossos amigos,  independente de qualquer cor,  raça ou religião. "NÓS ESTIVEMOS LÁ»

Um beijo muito grande a todos.

Maria Dulcinea Rocha

terça-feira, 12 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11242: A geografia da guerra ou o nosso calvário, de A a Z (1): Rui Santos, Henrique Cerqueira, João Rebola



Portugal > Terras do Demo > Sernancelhe > Santuário da Lapa > 28/12/2011 > Cruzes do calvário...



Portugal > Terras do Demo > Sernancelhe > Santuário da Lapa > 28/12/2011 > Grafitos de antigos combatentes da Guiné nas paredes do WC... Onde começa e acaba o calvário dos homens que foram a guerra ? 17 foram os naturais de Sernancelhe  que morreram na guerra do ultramar/guerra colonial, seis dos quais no TO da Guiné... Onde terão morrido mais exatamente ?

Fotos: © Luís Graça (2011). Todo os direitos reservados .

1. Amigos e camaradas da Tabanca Grande:

Ao fim de 9 anos a blogar (mais de 11200 postes, 608 membros da Tabanca Grande, 40 mil comentários...) há lugares (ou topónimos) que ainda não constam da nossa lista, na coluna do lado esquerdo do blogue, como "marcadores"... Por exemplo, Capó, na estrada Bachilé-Cacheu, onde morreram 3 camaradas açorianos,  da CCAÇ 2444, em 6 de fevereiro de 1969 (, acabando por serem, confundidos com os desaparecidos no Rio Corunal, em, Cheche, por lapso nosso, já entretanto corrigido)... Capó só há dias entrou para a lista... E o mesmo se passa com Bacar Dado, na estrada Mampatá-Aldeia Formosa... Quem já tinha ouvido falar em Bacar Dado ?

Muitos  outros topónimos com "marcas de guerar", não constam da lista dos nossos  "marcadores"... Ou ainda não foram falados (o que é difícil...) ou foram evocados, "au vol d'oiseau" e esquecidos...

Fazemos  um apelo: Vamos atualizar essa longa lista do nosso calvário  guineense... O calvário de Jesus Cristo teve 14 estações. O nosso não terá tido menos...

Fazemos apelo à vossa memória, consultem as cartas dos subsetores por onde passaram, releiam os vossos apontamentos, enfim, completem a lista, de A a Z,  das nossas 14 estações do calvário... Queremos ter, no nosso blogue, a geografia, mais competa possível, da guerra... Todos os sítios onde penámos, matámos, morremos, ferimos, fomos feridos, sofremos emboscadas, ataques, flagelações... mas também onde apanhámos insolações, ficámos desidratados, fugimos em pânico das abelhas ou das formigas bababagas, enfim, onde dormimos agarrados à G3, ou por onde passámos, em trilhos ou em colunas logísticas, sempre com o credo na boca, com medo das minas A/P; das minas A/C, dos fornilhos, das embocadas.. A geogradia da guerra deve incluir não só as nossas guarnições militares, mas os rios e braços de mar onde houve combates, as bases do IN bombardeadas pela FAP, etc.

A ideia era, para já, publicar (ou ir publicando) a lista de todos esses lugares... Se possível antes do nosso 9º aniversário, que é a 23 de abril de 2013... Um abração. Luís Graça

 _____________

Afiá (Corubal)
Afiá (Quebo)
Aldeia Formosa
Amedalai (Xime)
....
Xitole
________________

2. Publicamos, entretanto, os primeiros contributos que nos chegaram: Rui Santos, Henrique Cerqueira e João Rebola.


Rui Santos (ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65),

9/3/2013

Com possíveis erros de memória, na zona de Catió:


(i) Ganjola (na margem norte do mesmo rio, teve um destacamento,em 1970 já estava abandonado);

(i) Cabedu (chegava-se lá pelo rio Cumbijã, no extremo sul do Cantanhez, teve um destacamento creio que até ao fim da guerra);

(ii) Cufar (uma companhia);

Outros lugares menores na zona de Catió:


(iv) Ilhéu de Infanda (onde mantinhamos uma pequena guarnição, era o "porto" para acesso pelo Cumbijã a Bedanda e Cufar ao norte e Cabedú ao sul) [vd.carta de Bedanda]


(v) Mato Farroba (idem) [dd.carta de Bedanda; não exista na nossa lista]

Na carta militar de Cacine publicada, aparecem quase na margem Cabedú e Ilhéu de Infanda.

Um abraço,
Rui Santos



Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) (Escala de1/50 mil) > Posição relativa de Ilhéu de Infande, Mato Farroba e Cufar.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)

O meu BCAÇ 4610/72 esteve com companhias em lugares a assinalar:

(i) Encheia: 1ª Companhia (foi atingido na cabeça Fur.mil Maia, antigo jogador do Académica de Coimbra, felizmente sobreviveu. O comandante da companhia Capitão mil. morreu de acidente, próximo de Nhacra não me lembro do seu nome nem o nome da Companhia);

(ii) Bissum:  2ª Companhia, Os  Terriveis, a do nosso camarada Manuel Maia, bloguista e poeta da nossa tabanca;

(iii) Biambe:  3ª Companhia (Tá no Papo):  era a minha companhia até eu ir para Bissorã;


(iv) Inquida, destacamento da companhia do Biambe (Comandada pelo Alf Coelho, que saudade deste meu camarada, era de Lisboa); [não constava da nossa lista, vd. carta de Mansoa]

(v) Olossato: Companhia independente sobre o comando da CCS/BCAÇ 4610/72;

Já agora eu não me lembro ao certo dos nomes dos furrieis que morreram de acidente quando iam ás compras a Bissau,  dias antes do embarque para Lisboa. Se não estou errado eram da 2ª companhia.
Resumindo: Biambe, Bissum, Encheia, Inquida, Olossato
.
Por agora é tudo um abraço e bom fim de semana. Henrique Cerqueira

João Manuel Pereira Rebola (ex-Fur Mil da açoriana CCAÇ 2444, Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70)

9/3/2013


Olá,  Luís Graça, boa noite. Acho muito interessante a tua ideia, pois recordar esses topónimos, reaviva o subconsciente e até poderá mexer - quem sabe - com o inconsciente. Penso que os membros da Tabanca Grande irão responder ao teu desafio. E por que não começar já?!


Assim, entre o Cacheu e o Bachile, além de Capó, há os Madeiros [, Mata dos Madeiros], local de emboscadas constantes. Aí, ficou uma Daimler durante vários anos, pois o receio de ter sido posteriormente minada, afastou a possibilidade de recuperação. Dizia-se, se verdade ou não, que o condutor, terminada a emboscada, estava de tal modo agarrado ao volante, que  houve muita dificuldade em retirá-lo..!! [Não consigo localizar o Mato dos Madeiros, topónimo que passamos a registar. LG]

Muito perto do Bachile, um nome tenebroso - Cobiana e não Caboiana, como se dizia. Entre o Bachile e Canchungo, havia um posto de vigia junto à antiga Ponte Alferes Nunes, controlado durante o dia por uma secção e à noite esta era reforçada.

Luís, além de nomes, não sei se as fotos que te envio, que datam de Abril 2011, aquando do meu regresso à Guiné, têm interesse. Tenho mais nomes em mente na área de Bissorã, Biambe, etc. Gostaria que me dissesses se devo ou não continuar.

Um abraço, João Rebola

______________

MAPAS DA ANTIGA PROVÍNCIA PORTUGUESA DA GUINÉ (NÃO INCLUI BIJAGÓS) (ESCALA: 1/50.000)

Aldeia Formosa (Quebo) / Xitole
Bafatá (1955)
Bambadinca (1955)
Banjara (1956)
Bedanda (1956)
Beli (1959)
Bigene (1953)
Binta (1954)
Bissau (1949)
Bissorã / Mansoa (1954)
Bolama (1957)
Bula (1953)
Buruntuma (1957)
Cabuca (1959)
Cacheu / Sâo Domingos (1953)
Cacine (1960)
Cacoca (1954)
Caiar (Ilha de) (1959)
Canchungo / Teixeira Pinto (1953)
Canquelifá (1957)
Cansissé (1959)
Catió (1956)
Colina do Norte (1956)
Como (Ilha de) / Caiar (Ilha de) (1959)
Contabane (1959)
Contuboel (1956)
Duas Fontes (Bengacia) (1959)
Empada (1955)
Farim (1954)
Fulacunda (1955)
Gabu (Nova Lamego) (1957)
Gadamael / Cacoca (1954)
Galomaro / Duas Fontes (Bengacia) (1959)
Geba / Bambadinca (1955)
Guidaje (1953)
Guileje (1956)
Jumbembem (1954)
Jábia (1959)
Madina do Boé (1958)
Mambonco (1954)
Mansabá / Farim (1954)
Mansambo / Xime (1955)
Mansoa (1954)
Nova Lamego (Gabu) (1957)
Padada (1959)
Paunca (1957)
Pelundo (1953)
Piche (1957)
Pirada (1957)
Província da Guiné (1961) (Escala 1/500 mil)
Quinhamel (1952)
Saltinho / Contabane (1959)
Sedengal (1953)
Sonaco (1957)
Susana (1953)
São Domingos (1953)
São João (1955)
Teixeira Pinto (1953)
Tite (1955)
Varela (1953)
Xime (1955)
Xitole (1955)

domingo, 10 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11230: Em busca de ... (218): O meu amigo Inhatna Biofa, um dos jovens guineenses que gravitavam à volta da tropa (Henrique Cerqueira)

Inhatna Biofa com o pequeno Miguel Nuno

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 4 de Março de 2013:

Olá Boa noite camarada e amigo Carlos Vinhal.
Hoje deu-me para a nostalgia, pois que andei a ver umas fotos da nossa Guiné e veio parar às minhas mãos precisamente uma fotografia que para nós cá em casa é muito importante. É que esta foto conta-nos estórias da nossa passagem pela Guiné.
Eu aqui falo no plural porque esta fotografia é muito importante para mim, para a NI e para o Miguel Nuno que na altura tinha dois anitos.
Foi então e como do costume ao  "correr da pena” e com o coração nas mãos que resolvi escrever uma espécie de homenagem ao “meu” Inhatna Biofa.

A foto não tem grande qualidade de imagem, a escrita também não lhe fica a dever nada em qualidade mas, o sentimento é verdadeiro e como tal se achares por bem gostaria de ver publicado esta singela homenagem e como sempre darás o tratamento que achares por bem.
Sei que tens imenso trabalho, daí ficará ao teu critério a oportunidade da publicação.

Um abraço
Henrique Cerqueira


INHATNA BIOFA, MEU AMIGO

Hoje ao rever velhas fotografias dos meus tempos na Guiné deparei com esta que aqui será publicada. Mas antes narrarei uma breve estória sobre o meu amigo Inhatna Biofa.

O Inhatna era mais um dos muitos jovens da Guiné que gravitavam à volta das nossas tropas, sobrevivendo com algum dinheiro que nós lhes íamos pagando por pequenos trabalhos que eles estavam sempre prontos a executar. Iam conseguindo também alguma alimentação que algumas das vezes levavam para a sua tabanca para repartir com familiares, quando os tinham.

O "meu" Inhatna foi-me "passado" no Biambe por um Furriel que eu rendi. Já era muito querido pela malta antiga e sentiram-se na obrigação de garantir a continuidade do bom tratamento desses rapazinhos .

Passado muito pouco tempo de convivência com o Inhatna ganhei logo muita admiração pelo empenho e seriedade do seu comportamento isto no que se relacionava com as atividades "domésticas" ou seja cuidar da minha roupa junto das lavadeiras mas muito especialmente ele me acompanhava sempre para o mato carregando um bornal com granadas e munições suplementares para o caso de ser necessário. Foi o que veio a acontecer.

Certo dia numa operação de patrulha o nosso grupo caiu numa emboscada. Eu ia na frente juntamente com três milícias e logo atrás de mim, como sempre, o meu amigo Inhatna. Nós só tínhamos três meses de mato e como é natural nos primeiros momentos do ataque pelo menos deitei-me no chão e só não escavei um buraco porque não sabia se devia usar as mãos para escavar ou tapar a cabeça. Eis que passados alguns eternos minutos olho para o lado e vejo o meu Inhata a municiar a minha arma com as instalaza e a preparar-se para disparar. Aí senti alguma "vergonha" saquei-lhe a arma das suas mãos e toca a disparar e o Inhatna sempre a meu lado a municiar. Este, numa breve acalmia do ataque, teve o cuidado de me confortar dizendo que já estava habituado e que só queria municiar a arma . Eu acho que ele se apercebeu que inicialmente eu estava era todo acagaçado e na verdade estava mesmo.

A partir daí se eu gostava dele fiquei ainda mais seu amigo. Tentei sempre que nada lhe faltasse dentro das nossas carências. Até porque era "fácil" satisfazer algumas das suas necessidades, eles davam-nos muito mais que aquilo que nos pediam... daí ainda hoje me sinto em dívida com o "meu" Inhatna.

Mais tarde fui para Bissorã para a CCAÇ 13 e como não poderia deixar de ser o Inhatna me acompanhou continuando a ser sempre o Fiel amigo e de certo modo "servidor" para os trabalhos relacionados com lavadeiras. Até porque ele se recusava a receber esmolas queria sempre justificar o pagamento que lhe dava em dinheiro.

Mais tarde eu chamei para junto de mim a minha mulher e filho, já todos sabem, e como não poderia deixar de ser, o Inhatna foi desde logo "adotado" pela família até porque eu tanto nas primeiras férias como por cartas já tinha falado muito sobre ele.

Então se até aí ele estava próximo de mim, muito mais tempo passou a conviver com todos nós, passando mesmo a fazer parte da família. Tínhamos um prazer enorme em lhe ensinar hábitos de comportamento tanto à mesa como outros que na altura pensávamos serem úteis. Até porque ele era extremamente inteligente e de trato delicado. E além disso era um excelente jogador de futebol.

O Inhatna tinha ainda um poder de partilha incrível e uma sensibilidade humana que a mim e aos meus nos serviu de alguma lição.

Certo dia estávamos à mesa e poisaram duas moscas a acasalar. Como eu pensava ser natural preparo-me para matar as ditas "desavergonhadas" e de imediato o Inhatna disse-me :
- Furiel não mata, elas só estão a falar e já vão embora. Foi tão sentida aquela sua intervenção que embora eu considerasse que mesmo assim era pouco saudável ter moscas na mesa de jantar eu não resisti à sua pureza de sentimentos, pois ele era assim com todo o tipo de animais ou insetos.

O seu sentido de partilha era de igual modo surpreendente. Como em nossa "casa" havia sempre uma ou outra guloseima, se por acaso ele estivesse a comer algo do género e aparecesse alguma visita da população, o que era muito frequente, ele partilhava sempre o que estava a comer mesmo tirando da própria boca. A minha família e eu aprendemos também com o Inhatna.

Há ainda a realçar o facto que ele era uma ótima companhia para o meu filho Miguel, estava constantemente alerta a todas as suas traquinísses e brincadeiras. Nós tínhamos total confiança no Inhatna, era como se fosse um irmão mais velho. Até ensinou algumas palavras em Balanta e crioulo ao Miguel e ele só tinha dois anos de idade!

Inhatna meu amigo, onde estás tu?
Quero aqui te prestar esta singela homenagem e quero que saibas que jamais sairás dos nossos corações.
Haveria muito mais a escrever sobre ti mas seriam necessárias muitas palavras para te descrever mais profundamente .

Bom caros camaradas do blogue de certeza muitos de vós também tiveram o vosso "Inhatna" o mais "famoso" aqui no blogue é precisamente o nosso camarada e amigo Cherno Baldé que teve a felicidade de conseguir construir um futuro e é hoje muito respeitado inclusive por mim que muito gosto tenho em ler os seus artigos e comentários.
Aliás sempre que ele escreve aqui no blogue eu me lembro ainda mais do "meu "Inhata Biofa.

E já agora, nem sei se é assim que se escreve o nome dele pois que eu o escrevo conforme se prenunciava. Ele era mais um dos que nem identificação tinha, creio até que nem família biológica tinha.

MAS O INHTNA ERA FAMILIAR DE TODOS.

Termino por aqui com um abraço saudoso ao Inhatna, esteja ele onde Deus quiser.
Partilho, tal como ele me demonstrou, este abraço com todos os "INHATNAS" que existiram na Guiné.

Henrique Cerqueira
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 5 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11193: Em busca de ... (217): Faltam 4 elementos para completar a lista nominal dos 184 camaradas que integraram a CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72)... Um deles é o Carlos Alberto de Oliveira Rodrigues... Quem saberá do seu paradeiro ? (Ricardo Lemos, Matosinhos)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11128: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (6): Noum total de 81 respondentes, mais de metade manifestou uma opinião favorável...




1. Resultados da sondagem que acaba de correr no nosso blogue, de 14 a 20 do corrente: O tema era as praxes (militares). Pedia-se a opinião do leitor em relação à frase "As praxes aos piras, no meu  tempo, não lhes fizeram mal"...

Responderam 81 leitores. Os resultados evidenciam um certa fratura relativamente à questão em apreço. De qualquer modo, as respostas negativas poderão estar enviesadas pelas denúncias,  nestes últimos anos, de abusos cometidos com as praxes quer académicas quer militares, abusos de que a comunicação social se tem feito eco... Mas também pelas experiências individuais, cá na Metrópole, no período de instrução militar (recruta e especialidade)..

(i) Apenas 1 em cada cada 4 dos respondentes à nossa sondagem discorda  do enunciado, revelando por isso uma opinião negativa em relação às praxes a que eram submetidos, no TO da Guiné, os "piras", abreviatura de "periquitos" (ou sejam, os recém-chegados):

(ii) Um em cada cinco não tem opinião sobre o assunto, não se tendo prounciado a favor ou a contra:

(iii) Pelo contrário, mais de metade (53%) dos respondentes manifestou uma opinião favorável  às praxes e aos efeitos benéficos sobre os "piras"...



Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves, irmão do nosso camarada Tino Neves,  junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saem. Adeus checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito. (**)

Foto: © Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados.[Editada por L.G.]

2. Damos agora mais tempo de antena aos que, tendo respondido à nossa sondagem, manifestaram, em comentários,  opinião crítica ou reservas em relação às praxes, nomeadamente no seio da instituição militar.

(i) Henrique Cerqueira [, comentário ao poste P11119]

(...) Em minha opinião qualquer tipo de praxe tem tendência a descambar em abuso.E basta que uma só pessoa saia magoada dessa situação, para que seja considerada por mim uma inusitada situação,  a praxe.
Ainda em minha opinião e na nossa sociedade a "iniciação" de qualquer criança para o seu percurso de vida deve ser sempre através do amor, carinho, boa moral , bons exemplos familiares, boa educação. Enfim, muito amor e carinho.Vi na Guiné na altura do Fanado crianças com graves infecções no pénis porque após a circuncisão tiveram que sarar o corte com o pénis metido em terra e completamente sós num retiro forçado. Só para provarem que já eram adultos???... Eu sei lá o quê. Daí,  quanto a iniciações,  nada prova que seja benéfico no caráter da pessoa.


Em outras situações acontece que grande parte dos praxados fica com "mazelas" ainda que momentâneas.
Assim sendo,  e mais uma vez,  eu sou contra qualquer tipo de praxe e até contra o que é chamado de "iniciação".

Esta é a minha opinião e não é por qualquer trauma por ter sido violentamente praxado em Tavira. Quanto a mim,  e em especial em todos os organismos do Estado,  sejam eles militares ou civis,  deveriam ser banidas as praxes e severamente castigados aqueles que  as praticam .Um jovem ou uma criança quando entra nessas instituições normalmente está tão desamparado  e assustad0,  já que é um "alvo" apetecível para os potenciais abusadores das praxes. (...)

(ii)  C.Martins [, comentário ao poste P11100]

(...) Tem piada que apenas vejo aqui contadas umas brincadeiras sem grande maldade e até com alguma graça. O que eu gostava era de ver contadas aquelas com violentações, humilhações e outras "ções"..sádicas e afins. Desafio qualquer praxista, daqueles puros e pseudo-duros a contar se tem "tomates"..

É que com "pseudo-praxistas" estilo AGA [, António Graça de Abreu,]  ou "nosso alfero J.Cabral".
posso eu bem.. É que V. Exas não passavam de uns brincalhões.

Quero realçar que na Guiné nunca fui praxado... É que lá para as bandas do sul não havia tempo nem disposição para isso. Até uma simples voltinha em redor do aquartelamento poderia ser a "morte do artista ou artistas". Como tudo na vida uns mais sortudos do que outros. (...).



(iii) Hélder Sousa [, comentário ao poste P11095]: 

(...) Parece que é preciso ter opinião sobre esta 'coisa' da praxe. Ora bem, tenho por aqui um problema, pois não atino com uma resposta certa.

Por um lado percebo que uma 'certa praxe', com graça, com ironia, com civilidade, que não se estribe na humilhação do(s) visado(s) acabe por ajudar a cimentar um 'certo espírito de corpo', seja no meio militar, estudantil, clubístico ou outro qualquer.

Por outro lado entendo que o acto de 'praxar', possibilitando o anonimato ou a cobertura de grupo, pode potenciar a revelação de atitudes ou comportamentos bem primários, cobardes e desumanos.

É portanto, entre estas 'balizas' que a 'coisa' se movimenta e confesso que não tenho opinião 'definitiva' sobre a 'bondade' da praxe. Compreendo quem a defende mas sinto-me afastado da sua aplicação. (...)


______________

(**) Luís Graça escreveu sobre este mural o seguinte (excerto):

(...) [ Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saem. Adeus checas"]

(...) É um pensamento que é válido
para todas as situações de guerra.
Os jovens, quase imberbes,
os meninos de sua mãe
(como escreveu o grande Pessoa),
que chegam à frente de batalha,
ainda são cordeiros,
inocentes,
virgens,
imaculados...
O horror e a violência da guerra
irão transformá-los em lobos,
em duros,
em violentos,
em conspurcados...
Não necessariamente predadores,
assassinos,
criminosos...
(que é o estereótipo
que o ser humano ainda guarda
do pobre do lobo mau!)...

Mas há, seguramente, uma perda de inocência:
nenhum de nós foi para a Guiné
e veio de lá impunemente,
igual...
Os nossos amigos e familiares deram conta disso:
já não éramos os mesmos,
nunca mais fomos os mesmos...

Acho que é isto
que o inspirado autor do mural de Mueda quis dizer.
É claro que há também aqui
a dose habitual de bravata e de fanfarronice:
é uma frase para intimidar
os 'checas', os 'piras', os 'maçaricos', os novatos...

Também os militares, profissão de risco,
têm a sua ideologia defensiva,
as suas crenças,
os seus talismãs,
os seus mesinhos
(usavam-nos os guerrilheiros
na Guiné,
em Angola,
em Moçambique,
não obstante a sua 'formação' racionalista,
marxista-leninista,
dita revolucionária)...
A bravata e a fanfarronice,
além das praxes e do álcool,
ajudavam-nos, a todos nós,
a lidar com o medo,
as situações-limite,
a morte,
o sofrimento, físico e moral,
a impotência,
o desespero… (...)


In: Luís Graça > Blogpoesia > Quarta-feira, Abril 15, 2009 > Blogantologia(s) II - (78): A guerra como forma (heróica) de suicídio... altruista