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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23611: Efemérides (372): No dia 21 de Abril 2021 fez 58 anos que os 1.º e 2.º Pelotões da CCAÇ 414 estiveram em sérios apuros na Ilha do Como (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enf)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 11 de Abril de 2021, que não foi publicada na devida altura. Por este atraso pedimos desculpa.

Há 58 anos, dia 21 de Abril, dia de Pascoela, os 1.º e 2.º pelotões, da Companhia de Caçadores 414, reforçados com uma metralhadora Breda, um morteiro de 60mm, uma bazuca, o furriel enfermeiro (eu) e um maqueiro, auxiliados e guiados pelo grupo de cipaios do cébebre “João Baker Jaló” mais tarde integrado no exército português e que atingiu o posto de “capitão de 2.ª linha,” encontravam-se, em sérios apuros na Ilha do Como.

Estes ainda maçaricos que haviam chegado a Bissau a 27 de Março e a Catió a 1 de Abril, foram a primeira tropa a pisar “Como e Caiar”. Imagine-se, com tanta inexperiência enfrentar pela primeira vez o, então, inimigo, que mal o barco atracou os recebeu com grande foguetório, que se prolongou até à chegada o resto da companhia, que ao chegar a Catió e, não sabendo da nossa situação, à revelia do comando, tomou um barco de abastecimento de géneros que lá se encontrava e partiu à nossa procura.

O encontro foi uma festa, ou melhor, um alívio.

Manuel Barros Castro
Tabanqueiro n.º 793

Digitalização da pág. 316 do 7.º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) - Publicação do Estado-Maior do Exército (CECA), com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23361: Efemérides (371): 17 de junho de 2022, Dia da Consciência, em memória de Aristides de Sousa Mendes (João Crisóstomo, Eslovénia)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21670: Notas de leitura (1330): A Operação Tridente: Quando o delírio se disfarça de objetividade na reportagem (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos, 

Nesta preocupação de juntar todas as peças inerentes ao conflito guineense, encontrei esta reportagem da Felícia Cabrita na revista do Expresso comemorativa dos vinte anos da publicação. 

É impossível não ficar estupefacto não só pelo tom da escrita, é o desmazelo pela verdade histórica disfarçado nessa ilusão de ouvir uns e os outros, esboça-se uma atmosfera apocalíptica e insinua-se permanentemente que houve para ali uma derrota, tinha que acontecer o que aconteceu, já que o decisor político só queria é que desaparecesse da cena internacional a atoarda de que o PAIGC possuía território que indiciava a independência. Operação caríssima e escola de aprendizagem - para quem tinha a honestidade de tirar lições de uma guerra de guerrilha, tal como o Como provou. 

Não sei exatamente para que servem estas reportagens, se para provar que a repórter esteve lá e cá ouviu gente, mas seguramente que não fica um quadro idóneo das etapas essenciais da operação. E, como sempre, tudo aparece inscrito em sede militar, como se de facto a Operação Tridente não tivesse sido, do princípio ao fim, uma decisão de Lisboa, que temeu a atoarda da república independente e que achou demasiado tempo, aqueles mais de 70 dias, que durou a operação, deve-se ter tido receio de que estava para ali um Vietname. 

O que verdadeiramente aconteceu ainda pode ser contado por muito boa gente que seguramente não se revê nesta enxurrada de delírio que saiu do punho de Felícia Cabrita.

Um abraço do
Mário


A Operação Tridente: Quando o delírio se disfarça de objetividade na reportagem

Mário Beja Santos

A Revista Expresso comemorativa dos 20 anos do jornal foi um acontecimento editorial, ainda hoje é um documento de consulta. O número especial incluía uma reportagem de Felícia Cabrita sobre a Operação Tridente, profusamente ilustrada, imagens cedidas da operação propriamente dita e testemunhos do presente. 

Trinta anos depois, aquela que é considerada a operação de maior envergadura de toda a guerra colonial merecia um tratamento mais digno, menos hipóteses e presunções e uma redação menos pesporrente e chocarreira. A jornalista achou que era conveniente dar um toque à Norman Mailer ou Hemingway, e dá-nos logo um parágrafo em tom épico: 

“Os soldados tinham abandonado a metrópole de alma limpa, sem saberem muito bem o que era a guerra, estavam até ufanos por se livrarem da açorda e da azeitona no pão e dos míseros testões da jorna. E trocaram sem regatear enxada e martelo por arma. Com as primeiras baixas, depressa se esqueceram que não era de bem matar e entregaram-se ao mister da guerra, ganharam expediente em cortar orelhas e dedos e a torturar gente indefesa. Ainda não tinham passado pela hora da verdade quando os segredos se revelaram, a valentia a impropério. 

Em 1964, mil e tal homens partiram para ocupar uma ilha que era já lenda. Levaram no bolso as suas santas, multiplicaram devoções, mas Deus da sua morada não olha para outros caminhos. Eles tornaram-se farrapos, durante dois meses e meio intérpretes de uma missão falhada. Os habitantes da ilha tenebrosa ficaram de pé até ao fim, muitos morreram, mas a morte o que é senão incerteza? Os que ficaram mantiveram-se insurretos, contentes com o mundo e as suas leis, entregaram-se à dança e à festa, fizeram galas de sangue que ofertaram ao Irã…”.

A repórter esqueceu-se de dizer que o governo de Lisboa estava muito incomodado com a propaganda que o PAIGC destilava em meios internacionais de que possuía território dentro da colónia, decretou aos comandos em Bissau a erradicação de tal presença, organizou-se operação, veio mesmo o Ministro da Defesa, Gomes de Araújo. 

Essa mesma propaganda do PAIGC irá fazer constar anos a fio que houve derrota das tropas portuguesas, que as populações afetas ao PAIGC e as suas milícias não arredaram pé, alimentaram o mito com o mais completo despudor. Acontece que a Operação Tridente está bem repertoriada, e até se inclui na documentação capturada uma carta de Nino Vieira a pedir apoio a outros camaradas da região Sul, quando o coronel Fernando Cavaleiro percorrer a ilha no fim da operação as populações e milícias tinham atravessado o canal, à cautela, e regressaram quando as tropas portuguesas ficaram circunscritas, no extremo da ilha, ao destacamento de Cachil. 

A importância do Como, avisadamente os investigadores têm-no dito, cedo desapareceu, e não só aprendeu quem não quis, o Como tem como significado o bate-e-foge, um dos cânones da guerrilha.

Mas isso não tinha importância para o tom megalómano da reportagem. Corriam rumores sobre os efetivos posicionados no Como: que era uma base central, que tinha abrigos antiaéreos, hospital, búnqueres, centenas de guerrilheiros, pura fantasia, está historicamente demonstrado que os efetivos do PAIGC ainda dispunham de escasso material, ainda não havia armamento antiaéreo, as minas surgirão pouco depois, a guerrilha ainda está num estado incipiente.

Procura-se dar o lado da guerrilha, a exploração a que Manuel Brandão sujeitava as populações: 

“Os agricultores entregavam arroz e os animais por tuta e meia, ou então recebiam géneros, trapos e aguardente de cana. No fim do ano estavam sempre a contas com a administração portuguesa. O comerciante adiantava os 150 escudos do imposto de cabeça, dinheiro que os indígenas pagavam depois a triplicar ou a trabalhar de borla nas suas plantações. Poucos se atreviam a atropelar as leis de Brandão. Se alguém era apanhado a negociar em Catió, esperava-o o tanque coberto de óleo de palma até ao pescoço, muitos escorregavam na gordura espessa e morriam”

E emerge o lendário Nino, as peripécias da sua fuga, a sua capacidade de subversão chegou ao Como, Brandão foi escorraçado e as lojas saqueadas. No Como, quando se inicia a Operação Tridente estarão escassas duas dezenas de guerrilheiros, há oito armas e quatro granadas, Pansau Ná Isna ausentara-se do Como na véspera da Operação Tridente. E começa o desembarque, precedido de bombardeamento aéreo. 

“O tenente-coronel Fernando Cavaleiro tinha como missão isolar Como das restantes ilhas, para cortar o abastecimento da guerrilha, conquistar a população e garantir que se instalasse posteriormente a autoridade civil”

Adivinha-se um terreno áspero, a ilha tem uma superfície de 210 quilómetros quadrados, mais de metade zona de tarrafe. Há desembarques em paz e outros debaixo de tiroteio. E novamente a jornalista se socorre do tom apocalítico: 

“O médico sente o desespero dos soldados. Havia quem metesse um pé ou um braço fora do abrigo para ser alvejado, e mesmo quem descarregasse a arma no corpo. Outros inventavam doenças e muitos enlouqueciam. Ele estava à beira do esgotamento e pedia ao comandante para o substituir”

Mais adiante, a jornalista pretende dar-nos um quadro de como nasce um herói, o brutamontes irado: 

“Na Guiné, quando viu os primeiros mortos e apanhou um estilhaço no olho, depressa se tornou um selvagem. Uma vez limpo o sarampo a meia dúzia de mulheres, fazia coleção de orelhas, outra vez apeteceu-lhe violar uma velha. Antes desta operação era homem para cortar cabeças se tivesse tido oportunidade, mas depressa da experiência do Como confessa que perdeu a afoiteza. Naquele dia, cercado por todos os lados, só pensava em fugir, esconder-se, escapar ao inferno”.

Os guerrilheiros também não passam de gente desalmada, aos olhos da repórter, têm acesso aos corpos de soldados portugueses, roubam fardas e um anel e até o retrato de uma namorada. A guerrilha resiste, as mulheres têm comportamento heroico, avisam os homens de que dali não saem. O contingente português debilita-se: 

“Passados quinze dias, cavalaria, fuzileiros e paraquedistas estavam reduzidos a 60% dos efetivos. 68 homens tinham sido evacuados e os outros pareciam penitentes bêbados atacados por todas as doenças tropicais”

A repórter fala do fuzileiro José Marques que viu gente morrer ali ao pé, viu mesmo um camarada dar um tiro no pé para se ir embora, tal era o desatino que até pensou em matar o seu comandante, Alpoim Calvão, e confessa à jornalista que a partir desta operação nunca mais bateu bem da cabeça.

Momentos há em que a jornalista aceita a lucidez de descrever a guerra de guerrilhas, tal qual ela é, mas a tentação miserabilista e apocalítica é mais forte, e bumba, temos agora a apatia ou o paroxismo: 

“Em emboscadas viu soldados a cavar buracos para se esconderem. Enfiavam o rosto na terra e disparavam ao acaso. Um alferes que estava meio pirado fazia malabarismos com três laranjas debaixo de fogo. E Jaime Segura, que não tinha queda para batalhas sem glória, aborreceu-se de morte. Infelizmente esqueceu-se de levar os dados de póquer, por isso entretinha-se no rio a pescar com granadas. Enquanto o Bretão, tinha ido para a Guiné por ter contas a ajustar com a PIDE não se lavava num gesto de contestação. Estava tão encardido que passava as tardes a fazer o jogo do galo no peito com um pau de fósforo”.

No meio de todas estas hecatombes, são avançados alguns dados. A operação ficará na História como a batalha mais longa e cara do Exército Português. 

“Gastaram 356 bombas, 719 foguetes, 40944 balas. O vinho correu com fartura, o álcool foi o refrigério para o medo. Os cofres do Estado sofreram um arrombo de 290 mil contos. Em meados de março, passados quase dois meses e meio de terem desembarcado, as chefias militares começam a pressionar Fernando Cavaleiro, que garantia o sucesso da operação”.

Os contingentes retiram a 20 de março. Para a repórter, a sentença da desgraça é inapelável: 

“As derrotas são osso duro de roer, partiam sem ocupar a ilha, sem conquistar a população e sem deixar a autoridade civil. Nove mortos e quarenta e cinco feridos graves era o saldo de uma batalha sem glória (…) Salazar também tirou as suas conclusões, e uns meses depois o governador da Guiné e o responsável militar eram substituídos. Mas, num ponto da ilha, encurralados entre o rio e a mata, ficava, durante dois anos, uma companhia a apodrecer”.

À distância de todos estes anos, interroga-se como foi possível o Expresso publicar esta mistela de dislates.

Atenção, mais tarde, Felícia Cabrita voltará ao Como acompanhada de Nino Vieira e voltaremos a esta mesma toada de loucura, medo e mortandade. Tudo isto para dizer que o melhor é ler a documentação sobre o que foi a Operação Tridente e perceber que não passou de uma escola de aprendizagem. E não vale a pena estar a incriminar militares ou a enxovalhá-los, a decisão da Operação Tridente partiu de Lisboa. 

Quando um dia os investigadores se decidirem a consultar os arquivos dos Ministérios do Ultramar e da Defesa seguramente que serão confrontados com uma revelação que todos teimam em iludir: as grandes decisões militares dos três teatros de operações tinham aval político. O regime não pode sair ileso das decisões que tomou.

Início da reportagem de Felícia Cabrita, título com mais equívoco não podia haver

Desembarque das tropas no início da Operação Tridente

Protagonistas da Operação Tridente, muitos anos depois

Protagonistas da Operação Tridente, do lado do PAIGC

Regresso da Operação Tridente

Às vezes, era possível comer em sossego na Operação Tridente

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21644: Notas de leitura (1329): "Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes; Edições Desassossego, 2020 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21497: (In)citações (173): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu") enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a II Parte.


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II 

Manuel Luís Lomba

Esse I Congresso de Cassacá constitui referência da evolução para a segunda fase da sua guerra revolucionária, e, também, marco organização e estruturante do PAIGC, estereótipo de Partido-estado-armado. Entre outras providências, Amílcar Cabral dividiu os combatentes em milícias guerrilheiras e em exército revolucionário (as FARP), o seu armamento e orgânica à imagem e semelhança dos regimes ditatoriais comunistas (oficiais executivos e oficiais comissários políticos), o seu núcleo duro enformado por ex-praças e ex-sargentos do Exército Português, na disponibilidade e desertores, formados no quartel de Santa Luzia, em Bissau, e no CIM, em Bolama, que mandara tirocinar na China, Rússia e Checo-Eslováquia, reorganizou o seu dispositivo territorial, explicitou um Código de Justiça Militar, a legalizar a pena capital, para eliminar as diferenças (dissidentes e desalinhados) e visando os seus compatriotas que se distinguissem ou tivessem distinguido ao serviço das forças militares e militarizadas portuguesas, já praticada na eliminação dos feiticeiros e noutros fatalidades, concluiu-o a presidir ao julgamento, a condenar e a mandar fuzilar alguns dos seus subordinados, acusados de comportamentos desviantes. 

Localização de Cassacá, na Região de Cacine, onde decorreu o I Congresso do PAIGC
© Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infogravura da Carta de Cacine 1:50.000

Amílcar Cabral ”libertara” tanta área, no entanto a “sua” capital esteve sempre instalada em Conacry), aqui redigiu um comunicado de guerra triunfalista da batalha do Como, que só a agência noticiosa France Press aceitou difundir (a Comunicação social francesa foi o grande porta-voz do PAIGC, talvez efeito da afinidade) ter causado 600 baixas aos actores da “Operação Tridente” e valorizou esse alarde com uma exposição de alguns despojos de material de guerra e de logística, focada nos destroços de 20 aviões abatidos. 

Sem correspondência com a verdade.

Essa “Operação Tridente” decorreu durante 72 dias, o Comando militar investiu nela 1150 homens e os três Ramos, houve 9 mortos, 15 feridos graves, 32 feridos ligeiros em combate e apenas um avião foi abatido, o bombardeiro T6, pilotado pelo Alferes José Manuel Pité; o PAIGC investiu 400 combatentes guineenses, um número não apurado de cooperantes estrangeiros, sofreu mais de 100 baixas, incluindo 3 comandantes, entre mortos, prisioneiros e feridos graves, tendo a tropa socorrido e evacuado 9 destes para o Hospital Militar de Bissau… 

Os destroços mais atractivos patentes nessa exposição eram de dois aviões T6, caídos muito antes dessa operação, por sinistro em manobra e não por danos em combate, um pilotado pelo Furriel Eduardo Casals, que não sobreviveu, outro pilotado pelo então Sargento-Ajudante Sousa Lobato, que foi capturado, levado prisioneiro para Conacry e libertado pela “Operação Mar Verde”. Os destroços pertencentes ao T6 do Alferes Pité não seriam apelativos, por Alpoim Galvão e os seus fuzileiros os terem deixado escaqueirados a trotil. 

Os bissau-guineenses continuam a pagar a factura das meias verdades e das grandes mentiras do PAIGC daquele tempo. 

Em alinhamento com o “politicamente correcto” e descartando a verdade dos factos e a multiplicidade de relatos na primeira pessoa dos actores “Operação Tridente” e de toda aquela guerra ultramarina, a generalidade da nossa Comunicação social, os autores domésticos, os militares da nova geração e os seus institutos perfilham as narrativas do PAIGC. Ou história contada por outros, versus parcialidade. 

As FARP criadas no I Congresso de Cassacá, infernizaram a vida e não raro superaram as clássicas e formais FA portuguesas em mobilidade táctica, em agilidade em eficiência, foram fazendo o seu caminho evolutivo e até as superaram na qualidade do armamento. O PAIGC aplicava esse Código de Justiça Militar, desde Janeiro de 1964, fuzilando opositores políticos e militares naturais capturados. 

Ao ignorá-lo, o MFA não terá cuidado de salvaguardar os mais de 60 000 naturais guineenses, militares e militarizados, voluntários ou recrutados ao serviço das FA portuguesas. Foram deixados para traz – uma traição a eles e uma indecência (no mínimo) para com os mais de 100 000 dos veteranos da Guerra da Guiné, para com os seus 2 500 mortos, para com os seus 4 000 feridos, a maioria no grau de deficiente e para com cerca de 20 000 pacientes de stresse pós traumático. 

O seu irmão e sucessor Luís Cabral, começou a aplicá-lo logo no após o cessar-fogo, e, diz-se que, entre 1974 e até 1976, sancionou com o fuzilamento, sem qualquer julgamento, mesmo sumário, diz-se que cerca de 11 000 guineenses, somando militares, militarizados portugueses e oposicionistas políticos ao regime do PAIGC. 

Parafraseando o Padre António Vieira, o povo português em armas fez o preciso e a sua República fez o costume. 

Enquanto subvencionava a novel classe política, pelos seus mandatos, abrangente a refractários e desertores, a República Portuguesa ignorava e ostracizava o povo que deixou tudo, não negou o sacrifício das próprias vidas ao país, foi carne para canhão na Guerra do Ultramar, em cumprimento do seu dever de cidadania, `os nossos governantes demoraram mais de 40 anos, até à chegada do jornalista Paulo Portas a Ministro da Defesa, que, sem sequer ter assentado praça, conseguiu um “suplemento de reforma” de 130 € anuais para os combatentes europeus. 

Enquanto a República da Guiné-Bissau criou um Ministério dos Combatentes da Pátria, a República Portuguesa nem uma Direcção Geral. Por ironia das suas ironias, o destino uniu os ex-inimigos terríveis Alpoim Calvão, então empresário em Bolama e Nino Vieira, então PR da Guiné-Bissau, em defesa da extensão do direito ao subsídio de reforma dos bissau-guineenses, que serviram Portugal, como militares ou militarizados. 

A propósito da sua condecoração, o 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Soares Biscaia era um moço aprumado, competente e muito humano, partilhamos todas as operações de “intervenção” da CCav 703, excluindo a “Operação Tornado”, ao Cantanhez, e incluindo o sangrento evento de combate, cuja prestação lhe mereceu essa condecoração. 

A Companhia colocou rapidamente duas fiadas de arame farpado, escavou trincheiras e abrigos no perímetro interior do estacionamento. 

Ao princípio da madrugada de 25 de Janeiro de 1965, o “nosso” Capitão Fernando Lacerda delegou o comando do estacionamento ao Alferes Nuno Bigotes, Comandante do 1.º Pelotão, de que eu fazia parte, saiu ao comando do grupo de combate, formado pelo 2.º e 3.º Pelotões, como parceiro da CCaç 617, do Grupo de Comandos "Os Fantasmas" e do Grupo de Milícias de Catió na “Operação Alicate”. 

No dia anterior (soubemos mais tarde), Nino Vieira havia saído do seu santuário (em Quitafine?) no santuário do PAIGC no Cantanhez, com um bi-grupo a reunir-se na base de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino da Costa, outro tirocinado na China e um peso pesado da luta do PAIGC. 

Em Cufar Nalu formou um Corpo de Exército (efectivo equivalente a uma Companhia do Exército Portiguês, mas portador de maior potencial de fogo), manobrou-o à maneira de exército clássico, montou o cerco em meia-lua a essa nossa morada nas ruinas da fábrica de descasque de arroz, lançou dois ataques, tentou o assalto no segundo, decidido à nossa expulsão e captura. 

Porquê a prioridade de fazer prisioneiros? Amílcar Cabral fizera a cabeça dos seus comandantes de que a grandeza da vitória não era matar, era capturar e fazer prisioneiros e de que exército que mata prisioneiros perderá a guerra. 

Localização de Cufar e Cufar Nalu.
© Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infografia da Carta de Bedanda 1:50.000

Estava o nosso grupo de combate na sua progressão em “bicha de pirilau” e em “passo fantasma” por esse laranjal, fronteiro à testa da pista de aviação e de uma laranjeira caiu um vulto sobre o Tenente Capelão Lavajo Simões, que integrava a coluna a seguir ao Capitão Fernando Lacerda (rectifico o erro meu), disparou um tiro de pistola, este voltou-se e ferrou um tabefe naquele “coirão” que quebrara a surpresa da operação: não era um soldado seu, era um vigia da vanguarda do inimigo. E logo rebentaram um medonho tiroteio e explosões de armas ligeiras e pesadas, de tiro tenso e de tiro curvo. 

Pela seteira do meu abrigo via a saída de múltiplas faíscas dos canos das armas, lembraram-me os pirilampos numa noite de Junho, a referência do posicionamento dos nossos e do inimigo, estimei em 50 metros o distanciamento entre nós e entre eles, abri a nossa hostilidade com uma rajada de G3, logo secundada pela nossa metralha, o inimigo passou a dirigir o seu fogo em duas frentes, para o laranjal e para as ruínas da fábrica, a nossa metralhadora Breda, a bazuca e o morteiro activaram-se, pela minha “banana” (emissor/receptor HVS) informei o Alferes Bigotes desse cálculo. O abrigo do comando ficava no lado oposto ao meu e seguiu-se o lançamento de granadas do nosso morteiro de 81. 

O estacionamento tinha sido implantado em círculo, conforme as NEP, dividido em dois meios círculos, de um lado referenciado pelo caminho de acesso à pista de aviação, de outro pelo caminho de acesso ao cais do rio Meterunga. 

Eu pertencia a esse 1.º Pelotão, a minha e as outras duas Secções ficaram desde o início posicionadas em frente ao alçado principal das ruínas da fábrica, separados da orla da mata de Cufat Nalu por um campo aberto de pouco mais de 1 km, o Alferes Bigotes mudou-se para o posto de comando, passei a substituí-lo nessa frente e a segundo mais graduado operacional do estacionamento, porque o Alferes João Sequeira era médico. 

O Furriel Santos Oliveira, nosso camarada tabanqueiro, viera trazer-nos adidos um morteiro de 81 e a sua Esquadra, do seu Pelotão de Morteiros 912, batalhador na ilha do Como e em Jabadá, situara o seu espaldão junto ao Posto de Comando, e, nessa circunstância, a defesa dessa frente foi cometida aos cozinheiros, padeiro, faxinas, escriturário, enfermeiro, maqueiros, mecânicos, transmissões, condutores e desempanadores, o comando directo exercido pelo Furriel O´Connor Shirley da CCS, um sapador adido a nós. 

Passado algum tempo, tiroteio e rebentamentos passaram a intermitentes, entendeu-se que retirada do inimigo, a “banana” avisou-me que o grupo combate do laranjal rastejava de regresso, cumpriu-me rastejar de abrigo em aviso a espalhar esse aviso e postar-me junto ao cavalo de frisa, para trocar o “santo e a senha” com a sua vanguarda, calculei e indiquei duas das mais prováveis rotas de retirada do inimigo aos briosos apontadores dos morteiros e da bazuca, que logo diligenciaram o lançamento de granadas, para lhes “acelerar o passo”. 

Estava a malta a rastejar do laranjal para chegar ao cavalo de frisa, o inimigo retomou os rebentamentos e tiroteio, ora posicionado em meia-lua no lado do alçado posterior dos edifícios em ruínas e as suas RPG puseram logo fora de combate o nosso morteiro de 81 e a sua Esquadra, com as suas granadas foguete. O 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Biscaia deixou o abrigo, percorreu o campo aberto, indiferente a projécteis e rebentamentos, começou por carregar o 1.º Cabo Gregório da Silva Lopes, já cadáver, seguiram-se os três municiadores gravemente feridos, um a um, deixou-os na tenda enfermaria, aos cuidados do Alferes Médico Dr. João Sequeira, regressando ou ao seu posto de combate todo ensanguentado.

 O inimigo ousou cortar primeira fiada de arame farpado, iniciou a tentativa de assalto, e ele, o Furriel Shirley e outros saltaram para os tectos de cibes dos seus abrigos, estiraram-se a disparar, o Alferes Bigotes (também condecorado) a exercer o seu comando, com a sua habitual calma olímpica. A malta do laranjal começou a retomar suas posições e o inimigo foi rechaçado pelo novo potencial de fogo. 

O objectivo do inimigo era ocupar o nosso lugar, o seu comando apercebera-se da fragilidade de defesa daquele lado e da eficiência do morteiro de 81 – a nossa única arma pesada de tiro curvo (éramos atacados com dois de 82) – e o abrandamento e a intermitência do seu fogo não fora indicador de retirada mas da sua rotação para essa posição. 

Não tivemos acesso ao plano e à ordem dessa “Operação Alicate”. O certo é que a CCaç 617, o Grupo de Milícias de Catió e o Grupo de Comandos "Os Fantasmas" montaram emboscadas nos três eixos de retirada dos nossos atacantes, um bi-grupo (talvez o comandado pelo Manuel Saturnino da Costa) caiu na emboscada dos Comandos – e 8 deles ficaram na “zona de morte”, não regressaram vivos às bases da mata de Cufar Nalú ou de Quitafine. 

Sofremos um morto, sete feridos graves e mais alguns ligeiros. Ao primeiro clarear da manhã, o chão do estacionamento apresentava-se pejado de covões dos rebentamentos proliferavam pelo estacionamento, os cozinheiros fizeram e distribuíram um caldeiro de café, o ar fatigado e silêncio da tristeza imperavam, o Furriel Manuel Simas saiu com um grupo de combate a fazer o reconhecimento, deu contas de manchas de sangue e de grande quantidade de invólucros de calibres 7,62, 9 e 12,7 mm. Fomos cercados e atacados por cerca de 70 combatentes e alvos de impactos de PPSH (costureirinhas),de Kalash´s, de duas RPG, de 2 morteiros de 82 e de 2 super-metralhadoras. Tínhamos vivido uma eternidade de 2 horas sob o fogo dos infernos. 

O mesmo grupo de combate foi fazer a segurança à pista, eliminou um espião, e, ao fim da manhã e pela primeira vez, desde a sua construção, em 1955, um Dakota aterrou na pista de Cufar, com reabastecimentos da intendência, de munições e para evacuar o morto e os feridos. 

O Grupo de Comandos Os Fantasmas e o Grupo de Milícias de Catió vieram partilhar o rancho do almoço connosco, oportunidade de conhecer os lendários Tenente Maurício Saraiva, o Marcelino da Mata, os malogrados Alferes de segunda linha João Bacar e Teófilo Sayeg (futuro capitão do futuro MFA, que o PAIGC fuzilará) e abraçar o amigo, camarada e tabanqueiro João Parreira, amizade nascida no Café Bento e consolidada à mesa Restaurante Tropical, com os pés debaixo da mesa… 

Dos protagonistas de Cufar, do nosso lado faço a evocação da memória de Nuno Bigotes, Manuel Simas, José Biscaia, Maurício Saraiva, João Bacar e Teófilo Sayeg, já não estão entre nós; do lado do PAIGC apenas o Manuel Saturnino da Costa será vivo. 

Tivemos algo de responsabilidade pelo durante da guerra; nada tivemos de responsabilidade pelo seu finalmente. 

Camaradas da “Operação Tridente” e da saga de Cufar houve desenvoltos na arte da guerra e da pena, combatentes e plumitivos, cito de memória Armor Pires Mota, Mário Fitas e António de Graça Abreu (os omissos que me desculpem), e permitam-me não dar o ponto sem nó: envio o meu livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu", ao preço de 13 €, os portes (e autógrafo) incluídos, basta encomendar para a: manuelluislomba@gmail.com

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Nota do editor

Poste anterior de 29 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20801: Fichas de unidade (12): CCAÇ 414 (1963/64), do cap Manuel Dias Freixo (Jorge Araújo)


Foto 1 - Março de 1963. Grupo de Sargentos da CCAÇ 414, no N/M "Ana Mafalda", a caminho da Guiné. Foto do camarada Manuel Castro (ex-Fur Enf da CCAÇ 414) – P12687, com a devida vénia.




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); um homem das Arábias... doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; autor da série "(D)o outro lado do combate"; nosso coeditor.

 A COMPANHIA DE CAÇADORES 414 [CCAÇ 414] - (1963/64) DO CAPITÃO DE INFANTARIA MANUEL DIAS FREIXO
- SUBSÍDIO HISTÓRICO -

1.   - INTRODUÇÃO

As duas condecorações e uma foto sem identificação adquiridas num leilão pelo nosso amigo Carlos Mota Ribeiro, e divulgadas no P20680, levou-o a solicitar ao colectivo da «Tabanca» o eventual reconhecimento da figura de um capitão de infantaria com uma "Cruz de Guerra" ao peito. 

Sobre o seu pedido de ajuda foram avançadas algumas sugestões, nomeadamente através do camarada José Martins (P20702). Manuel Castro, ex-Fur Enf da CCAÇ 414, em comentário ao mesmo poste, afirma que "a fotografia é do sr. Capitão Manuel Dias Freixo, falecido com a patente de coronel. Como capitão foi comandante da Companhia de Caçadores 414, que serviu agregada ao BCAÇ 356, com sede em Catió. Foi meu comandante nessa companhia e conheci de muito perto os seus extraordinários dotes (…)". 
Eu próprio, em resultado de consultas bibliográficas, sugeri o nome do Cap Inf Manuel Francisco da Silva (1933-2015), comandante da CCAÇ 1681 (P20736). O conjunto de informações recolhidas acabaram por serem úteis, pois permitiram elaborar um pequeno subsídio Histórico desta Unidade.

Entretanto, a propósito dos comentários bem-vindos e oportunos do nosso camarada Manuel Castro, cuja Unidade não tem História escrita (Ceca; p 316), decidi dar o meu contributo, elaborando a presente resenha histórica, para memória futura.

2.   SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 414 =
CATIÓ - ILHA DE COMO - EMPADA - FULACUNDA - TITE - NOVA SINTRA - SÃO JOÃO - ALDEIA FORMOSA - BUBA - CACINE - XITOLE - BEDANDA - QUINHAMEL - PORTO GOLE - NHACRA - MANSOA E BISSAU (1963-1964) E CABO VERDE (ILHA DO SAL) (1964-1965)


2.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG


Mobilizada pelo Batalhão de Caçadores 10 [BC 10], de Chaves, para servir na província ultramarina de Moçambique, foi a Companhia de Caçadores 414 (CCAÇ 414) desviada para o CTIG, tendo embarcado em Lisboa, no Cais da Rocha, em 21 de Março de 1963, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Inf Manuel Dias Freixo, seguindo viagem a bordo do N/M "Ana Mafalda" rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 27 do mesmo mês, 4.ª feira.

2.2 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414

A CCAÇ 414, após o desembarque em Bissau, foi integrada nas forças de intervenção e reserva do comando militar, fazendo parte do BCAÇ 356 (Comando e CCS), [23Jan62-17Jan64, do TCor Inf João Maria da Silva Delgado], tendo seguindo, em 01Abr63 e 23Abr63, por fracções, para Catió, a partir de onde tomou parte em várias operações realizadas nas Ilhas de Caiar e Como, de 24 a 27Abr63, e nas regiões de Fulacunda, de 09 a 13Mai63, do Quinara, de 01 a 27Jun63, e de Ganjola, de 17 a 20Set63. 

A partir de 02Ago63, após a remodelação do dispositivo então verificada, assumiu a responsabilidade do subsector de Catió, conjuntamente com a missão de intervenção no Sector Sul, continuando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 356 e depois do BCAÇ 619 [15Jan64-09Fev66, do TCor Inf Narsélio Fernandes Matias], tendo um Gr Comb sido deslocado para Ganjola em 15Dez63, onde substituiu a CART 494 [22Jul63-24Ago65, do Cap Art Alexandre da Costa Coutinho e Lima], e ali permaneceu até finais de Fev64.

Em 01Mar64, foi rendida, por troca, pela CCAÇ 617 [15Jan64-09Fev66, do Cap Inf António Marques Alexandre], tendo sido colocada em Bissau, e integrada no dispositivo do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65, do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], com vista à segurança e protecção das instalações e das populações. 

Em 28Jul64, foi substituída pela CART 566, por troca [vinda de Cabo Verde em 28Jul64-regresso a 27Out65, do Cap Art Adriano de Albuquerque Nogueira], embarcando para Cabo Verde (Ilha do Sal), para continuação (conclusão) da sua comissão de serviço.


Geografia da região de Quinara e Tombali (Sector Sul) com a indicação de alguns dos locais por onde palmilhou, entre Abr63 e Fev64, o contingente da CCAÇ 414 (com outras Unidades), cumprindo as diferentes missões definidas nas Directivas elaboradas pelo Comandante-Chefe, conforme se dá conta no ponto abaixo.



2.3 – SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414

A actividade operacional da CCAÇ 414 teve início três semanas depois da sua chegada ao CTIG, num tempo em que o conflito armado contabilizava, apenas, três meses de actividades subversivas.

► A sua primeira missão decorre no âmbito da Directiva n.º 1 do Cmdt-Chefe, datada de 16Abr1963, onde incluía a participação de forças dos três ramos das Forças Armadas, cuja "ideia de manobra", para a 1.ª fase de operações no Sector Sul, apontava para a actuação simultânea a norte e sul deste Sector, nos pontos de provável localização IN, a fim de o detectar e capturar ou aniquilar.

Uma segunda "ideia" era colher informações necessárias para localizar os grupos IN e explorá-las, prosseguindo na acção até estabelecer a calma e segurança ou, pelo menos, controlar, com relativa eficiência, a situação em cada uma das zonas. Visava, ainda, continuar com acções de limpeza na zona periférica de Catió, para posterior ocupação, com maior densidade de meios, o dispositivo de protecção a fim de facilitar a execução ulterior de uma 2.ª fase de operações.

Missões das Forças

● – FT - Exploração imediata e local das informações existentes ou obtidas no decorrer da acção. - Vigilância dos rios Geba e Corubal a fim de evitar a transposição pelo ln para norte e leste da zona de acção. Forças envolvidas: Comando do BCAÇ 356, CCAÇ 273 [Açoriana; 28Jan62-17Jan64, do Cap Inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar], no Sector de Cacine: CCAÇ 274 [Açoriana; 28Jan62-17Jan64, do Cap Inf Adérito Augusto Figueira], no Sector de Tite: CCS e CCAÇ 414 na Ilha do Como, e região de Tombali. As acções na região de Tite iniciaram-se em 17Abr63 e na região de Cacine em 20Abr63.

● – FN - Vigilância do rio Geba e do rio Corubal na parte navegável, com o fim de evitar a fuga de elementos inimigos. - Previsão de uma acção de desembarque na praia de Cassumba a realizar à ordem. - Fiscalizar sempre que possível e sem prejuízo da realização dos comboios, os canais entre a Ilha de Como e o Continente.

● – FA - Reconhecimento das zonas de acção. - Apoiar pelo fogo as FT e FN. - Prever acções de intervenção isoladas. - Vigiar o Canal do Geba, rio Corubal, Ilha de Como, e região de Tombali, península de Cacine.

Desenrolar das Acções

● Em 17Abr63, 4.ª feira, pelas 05h00, teve início a 1.ª fase das operações no sul, com a batida da CCaç 274 a norte de Tite. O BCAÇ 237, estacionado em Tite, também actuou, tendo provocado ao In 18 mortos.

● Em 19Abr63, 6.ª feira, foram elaboradas Directivas para emprego das FN e FA nestas operações. A acção da CCAÇ 273 [25Jul61-19Out63, do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito], na península de Cacine, foi adiada por haver informações da existência de grupos In na Ilha de Como e na região de Santa Clara.

● Em 20Abr63, sábado, realizou-se uma actuação nessa região sem grande resultado, apesar de ter sido destruído pela FA um acampamento In, tendo a tropa reembarcado.

● Em 21Abr63, domingo, repetiu-se a acção com apoio aéreo. Este apoio não foi feito de início por se julgar haver na Ilha mulheres e crianças, quando afinal só foram vistos panos de cor estendidos no mato.

● Em 22Abr63, 2.ª feira, a FA bombardeou a tabanca de S. Nicolau. As FT desembarcaram em Uncomené depois de desalojarem o In, e por este ter ocupado um armazém da Firma Brandão, a FA arrasou-o.

● Em 23Abr63, 3.ª feira, a CCAÇ 273 iniciou a operação Cacine-Aldeia Formosa. A CCAÇ 414 transitou para a Ilha de Como com um pelotão da CCS e o Cmdt do BCAÇ 356.

● Em 26Abr63, 6.ª feira, as acções das CCAÇ 273 e CCAÇ 274 continuavam nas suas zonas de acção. A CCAÇ 414, vinda da Ilha de Como, regressou a Catió no dia 28Abr63.

● Em 30Abr63, 3.ª feira, a CCAÇ 414 realizou uma acção em Dissimbile e a CCAÇ 274 em Gamol.

● Em 01Mai63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 terminou a acção em Catissane abatendo guerrilheiros. A CCAÇ 273 estava em acção na área de Cacine e a CCAÇ 274 em Umpassa.

● Em 03Mai63, 6.ª feira, continuavam as acções no Sul: a CCAÇ 274 em Fulacunda; a CCAÇ 273 em Cacine com Grs Comb em Cacoca e Camissorã.

● Em 05Mai63, domingo, a CCAÇ 414 iniciou o reconhecimento do itinerário Catió-São Gregório com o fim de proteger um carregamento de arroz.

● Em 07Mai63, 3.ª feira, a CCAÇ 273 continuava em Cacine, a CCAÇ 274 recolheu a Fulacunda e a CCAÇ 414 a Catió.

Em Maio'63 o In continuou as obstruções nas estradas do Sector Sul com o fim de impedir a saída das NT dos quartéis. A CCAÇ 423 [22Abr63-29Abr65, do Cap Inf Nuno Gonçalves dos Santos Machado], colocada em São João a 06Mai63, teve, antes de ocupar essa povoação, de remover centenas de abatizes ao longo do percurso Bafatá-Xitole-Bambadinca-Fulacunda-São João.

► Para prosseguimento das operações no Sector Sul, iniciadas com a Directiva n.º 1 do Cmdt-Chefe, datada de 16Abr63, é difundido em 10Mai63 um novo Plano de Operações, o 2.º, designado por «Plano Leque». 

◙ Desenrolar das Acções

● A CCAÇ 273 na península de Cacine, a CCAÇ 274 na zona de Fulacunda e a CCAÇ 414 na área de Catió, tiveram alguns contactos com elementos In, que abateram.

● Em 22Mai63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 deslocou-se ao Tombali para remover o corpo de um furriel piloto [Eduardo Nuno Ricou Casals] e destruir o avião caído nessa região, tendo removido 90 abatizes. Regressou no dia 24Mai63, 6.ª feira, a Catió depois de ter levantado mais 170 abatizes. A CCAÇ 423 desobstruiu a estrada cheia de abatizes entre São João e Nova Sintra.

Fontes:




Sobre esta ocorrência, sugerimos a leitura da última edição do livro do António Lobato "Liberdade ou Evasão – O mais longo cativeiro da guerra" – a 5.ª, de 2014, da DG Edições – onde o autor descreve, na primeira pessoa e com circunstanciado detalhe, este acidente aéreo verificando no dia 22 de Maio de 1963 durante o seu regresso da Ilha do Como.


Como alternativa, podem ser consultadas, também, as "Notas de Leitura" elaboradas pelo camarada Mário Beja Santos e publicadas nos P11173; P20534; P20555 e P20577.


► Seguiu-se, depois, a 3.ª fase de operações no Sector Sul incluída na Directiva n.º 3, também designada por «Plano de Operações Seta», cujos movimentos preparatórios tiveram lugar a 31Mai63, 6.ª feira, e a operação a iniciar-se no dia seguinte, 01Jun63, sábado, com a presença do Comandante-Chefe.

Este «Plano Seta» emerge do diagnóstico de que as regiões de Quinara e Fulacunda estavam, na sua quase totalidade, fora do controlo das autoridades dada a intensa actividade desenvolvida pelo In. "A grande maioria das tabancas estão abandonadas refugiando-se a população no mato, embora recolha durante a noite a algumas das não destruídas. A população, em parte coagida, em parte de livre vontade, colabora com o In, nomeadamente na colocação de abatizes e no racionamento de géneros alimentícios, este para fazer face às dificuldades que certamente surgirão na época das chuvas que se aproxima. Tem criado dificuldades à movimentação das NT pela obstrução sistemática das vias de comunicação e montagem de emboscadas. Tem atacado embarcações civis e até militares. Já saquearam casas comerciai em São João."

◙ Desenrolar das Acções

● Em 01Jun63, sábado, pelas 05h00, iniciaram-se os desembarques em locais da margem direita do rio Grande de Buba e os deslocamentos das Unidades para os locais de actuação. A situação das NT no dia 03Jun63, 2.ª feira, era a seguinte: a CCAÇ 274 na região de Gansene, a CCAÇ 414 na região de Brandão, GC CCAÇ 411 [09Abr63-29Abr65, do Cap Inf João Gomes do Amaral] e GC CCAÇ 417 [12Fev63-18Jul64, para Cabo Verde, do Cap Inf Carlos Figueiredo Delfino] na região de Fulacunda, a CART 240 [30Jul61-19Out63, do Cap Art Manuel Fernando Ribeiro da Silva (1.º) e Cap Mil Inf António Gomes de Oliveira e Sousa (2.º)] em Gantongo, a CCAÇ 423 em Ponta Colónia e Ponta João Martins, FEsp em Gã Maior de Baixo e a CCAÇ 273 na região de Cacine.

● Em 04Jun63, 3.ª feira, o Comandante-Chefe seguiu, de jeep, escoltado por um GC da CCAÇ 414 e daí para Nova Sintra, onde estava a CART 240 e depois para São João, quartel da CCAÇ 423. Esteve mais tarde em Tite, vindo de avião de Bolama, tendo acordado com o Cmdt do BCAÇ 237 uma batida ao Iusse. Nos dias seguintes, como até aí, as Unidades montaram emboscadas, efectuaram reconhecimentos, alguns com contacto com o In a quem provocaram baixas, patrulharam as tabancas e realizaram acções de nomadização. As Unidades, no decorrer das suas actuações, mudaram frequentemente de estacionamento, sempre à procura do In, que não se expôs. As FN mantiveram-se em fiscalização na zona Centro-Sul e as FA em acções de ligação, transporte, evacuação e PC Aéreo.

● Em 11Jun63, 3.ª feira, os FEsp actuaram com morteiros em Gã Pedro, que revistaram e destruíram.

● Em 12Jun63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 no decurso duma acção operacional, fez três mortos ao In, apoderou-se de armamento e seguidamente, em Gamalã, em novo confronto fez mais dez morto e vários feridos.

● Em 17Jun63, 2.ª feira, a situação era a seguinte: a CCAÇ 274 na região de Gamol; a CART 240 em Ponta Nova, Sajã, Flaque Nhadal e Brandãozinho; a CCAÇ 414 em Brandão, a CCAÇ 423 em Junqueira e São João e os FEsp desembarcaram em Gã-Chiquinho. Nessa noite o In lançou um violento ataque a Catió.

● Em 18Jun63, 3.ª feira, de manhã, o In voltou a atacar o quartel e a tabanca de Priame. O Cmdt do BCAÇ 356 pediu reforços e o regresso da CCAÇ 414. Determinou-se a ida da Fragata "Nuno Tristão" com FEsp a Catió e a deslocação da CCAÇ 414 por terra. Salienta-se a ousadia em atacar de dia o quartel e a tabanca de Priame. Este ataque ocorreu porque o In sabia que a guarnição de Catió estava reduzida, em virtude do empenhamento de parte dos efectivos na «Operação Seta».

● Em 19Jun63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 chegou sem novidade a Catió e os FEsp desembarcaram e cooperaram com as FT.

● Em 22Jun63, sábado, a CART 240, após forte resistência, destruiu um acampamento em Jabadá-Beafada, fazendo doze mortos, muitos feridos e cinco prisioneiros.

● Em 23Jun63, domingo, foi dada por finda esta operação, onde os seus resultados não foram muito visíveis. Ainda assim, trouxe vantagens por se ter batido toda a região de Quinara-Fulacunda e se ter pacificado a região de São João, com a recolha de duas centenas de Manjacos e famílias. As Unidades recolheram aos seus quartéis com o fim de preparar a ocupação do dispositivo de protecção na época das chuvas. Foi dada ordem à FA para actuar em força contra o In na Ilha de Como, de dia e de noite.

► Com data de 27Jun63, 5.ª feira, é elaborada a Directiva n.º 4 do Comandante-Chefe, propondo um novo plano de operações, designado por «Plano Rede», abrangendo todo o território.

Missões para as Forças Terrestres (FT)

● As FT devem adoptar um dispositivo de protecção reforçado, com áreas de Companhia mais reduzidas, em vez do actual fraco dispositivo. As Companhias do Batalhão de Intervenção, com poucas possibilidades de actuação relativamente ao conjunto do Sector Sul, tomarão conta de áreas de responsabilidade. Passar-se-á a um dispositivo de protecção com capacidade de intervenção local, por área de Companhia, em actuação rápida e de surpresa, evitando-se assim movimentos de tropas que denunciam intenções e dão lugar, por parte do In, a emboscadas, obstrução de itinerários, dispersão, etc. Manter-se-á, contudo, uma força de intervenção de Comando de Sector, sempre que as disponibilidades em efectivos o permitam.

● Em 16Jul63, 3.ª feira, foram constituídos sete sectores (de A a G) em vez dos quatro anteriores, sendo as sedes dos Batalhões respectivamente em: Bissau, Bula, Mansoa, Bafatá, Buba, Catió e Tite.

● Em 16Out63, 4.ª feira, o Cmdt do BCAÇ 356, a CCAÇ 414 e a CART 494, que actuavam em Ganjola, tiveram contacto com numeroso grupo In, que debandou, deixando no terreno três mortos e material.

● Em 18Out63, 6.ª feira, a emissora rádio de Conacri informou ter havido, na região de Catió, encontro de nacionalistas com o Exército (NT), tendo morrido vinte e sete nacionalistas, dois dos quais não eram da Guiné Portuguesa.

● Em 04Nov63, 2.ª feira, a CART 494, reforçada com a CCAÇ 414, actuando na região de Gansana, estabeleceram contacto com o In que deixou no terreno mais três mortos, sofrendo as NT três feridos.

● Em 19Nov63, 3.ª feira, a CCAÇ 414 iniciou a limpeza da estrada Catió-Batambali e no dia seguinte o BCAÇ 513 a limpeza da estrada Buba-Aldeia Formosa.



Foto 2 - 1963. Grupo de Sargentos da CCAÇ 414 regressados de uma operação. Foto do camarada Manuel Castro (ex-Fur Enf da CCAÇ 414) – P12687, com a devida vénia.


Passado um mês, em 23Dez63, através da Directiva n.º 8, o Comandante-Chefe anunciava a preparação da «Operação Tridente».

2.4 - RECONHECIMENTO DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414



Corolário da intensa e bem-sucedida actividade operacional da CCAÇ 414 foram condecorados com a Cruz de Guerra de 2.ª classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento de Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, três oficiais da Companhia de Caçadores 414, a saber:

● Capitão de Infantaria Manuel Dias Freixo.
● Alferes Mil Infantaria Alberto Marques da Costa Lobo.
● Alferes Mil Infantaria Joaquim Teixeira de Sousa.

Cada condecoração teve origem em louvor individual, publicado na OS n.º 3, de 07 de Janeiro de 1964, do CTIG, cujos conteúdos abaixo reproduzimos.











2.5 - BAIXAS DA CCAÇ 414 DURANTE CATORZE MESES NO CTIG (1963/1964)

Da leitura do quadro abaixo, verifica-se que a CCAÇ 414 registou três baixas durante a sua comissão de catorze meses no CTIG (27Mar63-28Jul64; por ter sido transferida para a Ilha do Sal, Cabo Verde), sendo um em "combate" e dois por "acidente".

Destas três "baixas", a primeira foi "em combate", ocorrência verificada em 25Maio63, 3.ª feira, na sequência de uma emboscada montada pelo In, entre Timbó e Catió. A segunda, em 26Dez63, 5.ª feira, por "acidente" provocado por queda de árvore, e a terceira, em 26Mar64, 5.ª feira, no HM 241, em Bissau, devido a um "acidente de viação".



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Fontes Consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra (1962-1965); Lisboa; (1991); pp 323-328.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2014); pp 99-110.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p 316.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 27-42-60.

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço (virtual) e desejos de muitos sucessos na luta contra o COVID-19.
Jorge Araújo.