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quinta-feira, 29 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18466: História de vida (45): O meu saudoso mano mais novo, Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014) (João Schwarz da Silva) - Parte II


Alcobaça > São Martinho do Porto > 13 de Agosto de 2011 > Convívio da Tabanca de São Martinho do Porto > Os facebook..eiros Isabel, Pepito e Alice...

Foto (e legenda):© Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados [ Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O anfitrião do encontro e régulo da Tabanca, Pepito,  diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, de férias em Portugal. Sempre otimista (mesmo em relação ao futuro do seu país, onde nada funcionava até então, a nível da administração pública...), falou-me com grande entusiasmo do novo projecto em que a AD estava envolvida, "Cacheu, caminho de escravos"...

Foto (e legenda): © Luis Graça (2012). Todos os direitos reservados. [ Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do texto do João Schwarz da Silva sobre o seu malogrado mano mais novo, membro da nossa Tabanca Grande, que nos deixou há 4 anos atrás. e que tem por título Carlos Schwarz (Pipito), 

Revisão / Fixação de texto / Subtítulos / Fotos: LG (*)


O meu saudoso mano mais novo, Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014) (João Schwarz da Silva) - Parte II



Entrada para o Instituto Superior de Agronomia, 
em Lisboa, em 1966

No período 1961-1967, passei pelo Técnico e pela faculdade de Ciências mas o que mais me divertia era o processo de contestação em vigor. Os dias de luto estudante seguiam-se a outros dias de manifestações e a corridas a fugir da polícia de choque. O Pipito entrou para Agronomia em 1966 e antes só o víamos nas férias em São Martinho.

No verão de 1967, depois de ter sido convocado a apresentar-me no quartel onde me esperava uma carreira de paraquedista militar na Guiné, desapareci calmamente para o Canadá,  tendo assim deixado Portugal, como país de vida, para sempre.

Em fins de 1973 fomos passar uns dias a Ayamonte (Espanha) onde os meus pais dispunham de uma apartamento emprestado na Isla Canela. O Carlos, a Isabel e a pequena Pepas [,Cristina,] lá apareceram. Lembro-me de passeios na praia apesar do frio natalício.

Mais tarde e ainda como residente no Canadá, respondendo a um anóncio da UIT [, União Internacional de Telecomunicações,] fiz um pedido para trabalhar na Guiné como perito em radiodifusão. Passei seis meses em Bissau em 1976, em condições de sonho, pois tinha um carro posto à disposição pelas Nações Unidas, vivia em casa do Pipito, tinha um local de trabalho no edifício dos correios onde estava situada a rádio e vivia um período de renascimento da Guiné onde tudo parecia possível.

Grande admirador dos filmes do Charlot

Foi um época extraordinária com a Guiné a atravessar um período revolucionário onde tudo ou quase tudo resultava do contributo de cada um. As barreiras sociais caíram, éramos todos camaradas. Assim quando era preciso descarregar um barco apelava-se à presença de voluntários. Nessa altura as lojas pouco ou nada vendiam e, quando chegava uma remessa de um bem qualquer, ele desaparecia imediatamente dos Armazéns do Povo. Foi assim que um dia vi alguém sair dos Armazéns do Povo tendo, à cabeça, dezenas de rolos de papel higiénico, ou seja todo o stock do que estava disponível.

No cinema da UDIB,  e graças a acordos com outros países revolucionários, havia festivais de cinema nomeadamente argelino, com a projecção de filmes tais como “Chronique des années de braise” e “Le vent des Aurès”.

A propósito de cinema, o Pipito grande admirador de Charlie Chaplin,  tinha uma colecção de filmes do Charlot muito completa. Na casa onde ele vivia, na Rua Vitorino Costa, assisti a numerosas sessões de projecção de filmes do Charlot com o projector instalado em cima do muro exterior da casa e com o ecrã na varanda da casa. Os miúdos que viviam ali ao pé, vinham aos montes assistir às sessões de cinema a tal ponto que começaram a aparecer miúdos que aproveitavam a sessão de cinema para vender mancarra. Lembro-me que o filme mais apreciado pela miudagem era o Charlot Policia que fazia as delicias de todos.

As ilusões revolucionárias perdidas...
mas não a necessidade de continuar a lutar
por uma sociedade mais justa

Ao jantar em casa do Pipito tínhamos muitas vezes discussões de natureza politica. Ele nessa altura continuava a ser um marxista-leninista convicto, guiado que era pela necessidade de resolver com iniciativa, trabalho e abnegação os problemas sociais e económicos do país. Lembro-me nomeadamente de discussões épicas sobre o papel de Mao na China e sobre os resultados a que se tinha chegado neste país. As vezes eu tinha a audácia de mencionar os “ilustres feitos” do camarada Enver Hodja, da Albânia revolucionária, mas o Pipito não admitia que se pudesse pôr em causa a utopia na qual ele acreditava. Eu tentava proclamar que o marxismo-leninismo era obsoleto, e o Carlos afirmava que eu era um adversário e inimigo do proletariado e da revolução.

Penso que mais tarde perdeu as ilusões revolucionárias sem no entanto perder o fundamental, ou seja,  a necessidade de lutar para uma sociedade justa, sem prepotências, sem abusos, sem uma dominação financeira. Acreditava no esforço próprio, na liberdade, na necessidade de evoluir experimentando e na disciplina individual e colectiva. Era um radical determinado mas praticava uma radicalidade sem prepotência.

Anos mais tarde, ainda eu estava no Canadá, penso que devia ter sido em 1980, voltei no Natal à Guiné e fomos todos com os meus pais acampar em Varela. O Pipito levou o material de campismo, os mantimentos, o frigorífico e o gerador eléctrico pois em Varela já não havia hotel e luz eléctrica muito menos. Passámos um fim do ano formidável e até houve fogo de artificio.

Em 1981 apareceu uma oportunidade de trabalho nas Nações Unidas em Genebra. Candidatei-me sem muitas esperanças e, em 1982, deixei o Canadá para sempre. Passei nove anos em Genebra. O Carlos aparecia de vez em quando, pois ia a Genebra tratar de vários assuntos com o Conselho Ecuménico das Igrejas que financiava as múltiplas iniciativas do Carlos na Guiné.


As férias em São Martinho do Porto...
e as suas últimas horas de vida na casa da nossa mãe 

Quando íamos de férias a Portugal, passávamos uma parte do verão em São Martinho do Porto sempre na mesma casa que pouco a pouco se foi tornando muito pequena, pois as crianças iam crescendo. A casa tinha sido oferecida aos meus pais pelo meu avô [, Samuel,] quando os meus pais se casaram. A barafunda quando lá estávamos todos era gigantesca a tal ponto que,  depois da morte do nosso pai, em 1983, decidi mandar construir uma casa ao lado da casa dos meus pais.

A partir dai a nossa relação sofreu uma distanciação que nunca aceitei. O Carlos por razões que era difícil explicar, era capaz de pôr um termo a uma relação de um dia para o outro. Ainda durante a vida do nosso pai,  o Carlos deixou de lhe falar durante uns tempos, muito simplesmente o Carlos não aceitava, nem a brincar, que se pudesse criticar, mesmo a sorrir, o comportamento dele. Eu cometi o erro de lhe falar da “valise en carton” [, "mala de cartão",] que ele levava quando ia a Paris. Não gostou da piada e a partir dai nunca mais teve uma conversa aberta comigo.

Em 2014, horas antes da morte do Carlos, ainda ele estava em casa da minha mãe, fui vê-lo deitado na cama. Todos sabíamos que a partida do Carlos estava para breve. Falei-lhe nas cassetes dos cursos de direito do nosso pai na escola de Direito de Bissau, que eu tinha descoberto. No fim perguntei-lhe se precisava de alguma coisa. Sorriu com tristeza e baixou a cabeça de cansaço ou de dor. Repousa hoje no cemitério de Bissau na mesma campa que os meus pais e o meu irmão Henrique [, o Ica].

6 dez 2017 14:28

Texto: © Joao Schwarz da Silva (2017). Todos os direitos reservados
__________

Nota do editor:


quarta-feira, 28 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18463: História de vida (44): O meu saudoso mano mais novo, Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014) (João Schwarz da Silva) - Parte I


Lisboa > São Sebastião da Pedreira (ou S. Martinho do Porto?) > 1950 > Em primeiro plano, o Carlos, ainda bebé de meses,  mais os irmãos Henrique (Iko) e João.  Foto do amigo de família, António Lopes. (*)

Foto: © António Lopes (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Portugal >  Lisboa >  s/d > Anos 50 > Clara Schwarz com os filhos, da esquerda para a direita, João, Carlos (1949-2014) (**) e Iko [Henrique] , também já falecido recentemente. (**)

Foto: © João Schwarz da Silva (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 



Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente do Quelelé > 18 de março de 2014 > Homenagem da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento ao Pepito > Homenagem ao Pepito, Carlos Augusto Schwarz da Silva (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), por parte dos funcionários e parceiros da AD, bem como dos seus muitos amigos e admiradores. É no bairro do Quelelé que fica a sede da AD e a casa do Pepito e da Isabel bem como de outros amigos próximos (por ex., o Nelson Gomes).. Na foto, da esquerda para a direita, a filha mais velha, Cristina ("Pepas), a outra filha,  Catarina, a  viúva, Isabel Levy Ribeiro e o Henrique Schwarz da Silva, o irmão mais velho do Pepito.


Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente do Quelelé > 18 de março de 2014 > Homenagem da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento ao Pepito > Em primeiro plano, o irmão, Henrique Schwarz  da Silva, o Ika (que vivia em Lisboa, enquanto o irmão João vivia e vive em Paris). O Ika, infelizmente, também já nos deixou o ano passado,

Fotos da AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2014).[Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]  (***)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1 de Março de 2008 > Visita ao antigo aquartelamento e tabanca de Guileje, no âmbito do Seminário Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > Pepito, um dos fundadores e então director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau. Integrou a Tabanca Grande em finais de 2005. Era o único dos três irmãos que ficara a trabalhar em Bissau. Tinha apenas a nacionalidade guineense e vinha regularmente a Lisboa.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Luís Graça, com data de 5 do corrente, enviada ao João Schwarz da Silva, que vive em Paris, e administra e edita a página Des Gens Intéressants [, em francês, Pessoas Interessantes ou Notáveis].

Só agora li o seu depoimento sobre o Carlos, na página, que tem vindo a construir com tanta ternura, cumplicidade, labor, rigor e saudade... 

E confesso que me emocionei... Conheço mal o João, passei a conhecê-lo um pouco melhor... E gostei de ler o seu escrito, as suas (in)confidências sobre a vossa relação de uma vida, com todos os pequenos grandes problemas que há em todas as famílias do mundo...

Eu tive o privilégio de ser amigo (infelizmente, da 23ª hora...) do seu mano e da sua mãe, dois seres humanos de eleição, daqueles que precisamos de ter e manter no olimpo dos deuses, porque são mais do que homens, menos do que deuses... Quero eu dizer: precisamos dos seus exemplos, das suas histórias de vida, as suas memórias... 

Conhecemo-nos em 2006, como sabe, e a Guiné foi o nosso traço de união... Tornámo-nos bons amigos, nós e as nossas famílias.

O Carlos tem mais amigos e admiradores no nosso blogue da Tabanca Grande... E eu gostaria de poder partilhar com eles (e com um público mais vasto: o nosso blogue tem cerca de um milhão de visualizações de página por ano) a "petite histoire de vida" do Carlos, contada pelo mano João. 

Como podemos fazê-lo ? Através de um simples link para a sua página ? Ou da reprodução de alguns excertos, ao meu critério ?

O João logo me dirá o que é mais confortável para si e para a memória da família que eu prezo acima de tudo.

Uma boa noite, um "alfabravo" (ABraço) do Luís.

2. Amável resposta do João Schwarz da Silva, com data de 6 do corrente:

Caro Luís,

Obrigado pelos comentários. Utilize como bem entender o conteúdo do meu site. Não tenho preferências nenhumas. Tudo que possa contribuir para manter a memória do Pipito será sempre bem-vindo.

Um grande abraço, João


3. Damos início à reprodução do texto do João Schwarz da Silva sobre o seu malogrado mano mais novo, membro da nossa Tabanca Grande, e que tem por título Carlos Schwarz (Pipito), que nos deixou há 4 anos atrás.

Revisão / Fixação de texto / Subtítulos / Fotos: LG (****)


O meu  saudoso mano mais novo, Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014)  (João Schwarz da Silva) - Parte I


O nascimento do Carlos Schwarz da Silva 
 em 1 de dezembro de 1949


Não me lembro bem que horas eram, mas sei que foi no dia 1 de Dezembro de 1949, à noite pois tanto o Ica como eu estávamos a dormir, quando o nosso pai Artur, nos acordou para anunciar com muita satisfação o nascimento do novo irmão. Tinha eu nessa altura 5 anos feitos e o meu irmão Ica (Henrique) 8.

Perguntei como se chamava, Carlos disse o meu pai que nos deixou voltar a dormir. Vivíamos nessa altura numa casa alugada na actual rua Marien N’Gouabi [, em Bissau,] que tinha a particularidade de ter uma enorme varanda que partilhávamos com os nossos vizinhos Osório e Isilda Flamengo, os pais do Fananeca que viria a ser grande amigo do Carlos.

Da varanda da casa podíamos ver do outro lado da rua, um descampado com um enorme poilão. À esquerda desse descampado havia uma casa que devia estar alugada a uma associação de músicos que se reuniam regularmente, penso eu, aos sábados para tocar musica. Para nós era uma atracção enorme pois eles conseguiam fazer uma barulheira incrível com trombetas e saxofones.

Depois do nascimento do Carlos, ficamos em Bissau mais uns meses pois entretanto a nossa avó Agatha tinha morrido em Lisboa em Agosto de 1950.

Clara, a nossa mãe, que adorava o pai Samuel, quando da morte de Ágata, não quis deixar o pai sozinho e pensou que seria uma boa ideia mandar-me a mim e ao Ica para Lisboa onde o avô Samuel se encarregaria da nossa educação. O Carlos ficou a viver em Bissau por ser pequeno demais e só voltamos a viver juntos depois da morte de Samuel que teve lugar em Junho de 1953.

No entanto nas férias do verão de 1951, os nossos pais vieram até Lisboa. Enquanto eu andava na escola primária ali mesmo, ao lado, na qual fiz a segunda e terceira classe, o Ica entrou para o Liceu Camões onde foi até ao 2° ano do liceu (terminou o primeiro ciclo).

Lembro-me particularmente do meu pai trazer latas de chocolate Cadbury-Mackintosh que tinha quilos de bombons que infelizmente tínhamos que partilhar com a numerosa primalhada que aparecia em casa do meu avô.

Em Lisboa vivíamos no 118, 1°,  na Av António Augusto Aguiar em frente ao que é hoje o Corte Inglês. Era um apartamento enorme com um corredor todo à volta e com tantos quartos que alguns estavam sempre fechados. Havia também uma sala dedicada à biblioteca do meu avô na qual se entrava em silêncio.


Lisboa, c. 1920 > Clara Schwarz (1915-2016), com os pais, Samuel e Ágata. 
Foto: cortesia de João Schwarz

A origem do 'nick-name', Pepito 
[ou Pipito]

Depois da morte de Samuel, em princípios de Outubro de 1953, regressamos a Bissau no navio Ana Mafalda que tinha algumas cabines de passageiros. A viagem durava sete dias e passamos pela Madeira e por Cabo Verde. A chegada a Bissau, como não havia ainda uma ponte cais, o navio ancorava no meio do rio e os passageiros iam para terra num barco a motor. O Ica tinha entretanto ido para Montreal no Canadá onde passou um ano em casa do tio Oles e da tia Sónia.

De regresso a Bissau em 1953, fui para a escola primária que nessa altura estava mesmo atrás do tribunal e lá fiz a quarta classe. Numa carta que escrevi ao Ica em Fevereiro de 1954 queixava-me de não ter ninguém com quem brincar pois o Pepito só queria andar de triciclo. Lembro-me que nessa altura tínhamos uma empregada doméstica, a Vitoria (Toia), que levava o Carlos a passear até à ponte cais do Pidgiguiti. Passando um dia em frente do tribunal, tentei explicar ao Carlos que era ali que o nosso pai trabalhava

As únicas revistas de banda desenhada para jovens que se podiam comprar em Bissau eram o Mundo de Aventuras e o Cavaleiro Andante que apresentavam heróis como o Sitting Bull, o Beau Geste ou o capitão Hadock. Numa das múltiplas histórias contadas no Cavaleiro Andante aparecia um herói que se chamava Agapito. Não sei porque razão pensei em atribuir ao Carlos o nome de Agapito, o facto é que ele não conseguia dizer Agapito e dizia em vez Pipito. Ficou-lhe o nome para a vida inteira, pelo menos na Guiné.

Continuamos a viver na mesma casa com o Fananeca ao lado. O Pipito durante esse tempo mostrou-se sempre extremamente irrequieto, passando a vida a aparecer debaixo das cadeiras ou surgindo debaixo da mesa, a tal ponto que usávamos a expressão “lagartixa eléctrica” para nos referirmos a ele.

Frequência do liceu Honório Barreto 
e férias em Varela


Entrei para o primeiro ano do liceu, na altura colégio-liceu Honório Barreto, no Outono de 1954. Situado na praça do Império à direita do palácio do governador, era um liceu muito pequeno com um número muito reduzido de alunos, que mais tarde foi convertido em museu. Fiz neste edifício o primeiro ciclo.

Durante a minha estadia na Guiné, de Outubro 1953 ao verão de 1962, íamos todos os anos pelos menos na altura do Natal e na Páscoa até Varela, onde ficávamos hospedados no hotel do Sr. Pireza. Nos primeiros tempos a ida de Bissau para Varela era uma verdadeira expedição que levava quase 8 horas com a travessia de dois rios (e duas jangadas) e com múltiplos percalços no percurso (pontes de madeira sem traves, vacas a passear, jiboias a atravessar a estrada) passando por Mansoa, Bissorã, Barro, Ingoré, Sedengal, São Domingos , Susana e finalmente Varela.

Em Varela, o Pipito quando não íamos à praia, passava o tempo a jogar pingue-pongue com os amigos, e a brincar com o chimpanzé do Sr. Pireza que passeava em liberdade pelo restaurante no terraço a pique sobre o mar.

Ao fim de um certo tempo o meu pai decidiu mandar fazer uma casa que hoje é uma ruína.

A diferença de idades entre o Pipito e os irmãos mais velhos (8 anos e 5 anos) levou a que ele fosse sempre tratado pelos irmãos com uma certa condescendência. Aproveitávamos o facto de sermos mais velhos para lhe dar ordens, às vezes com atitudes muito despóticas. Uma vez em Bissau consegui levar o Pipito a tal extremidade de desespero que ele me atirou uma faca de cozinha que veio a voar até se espetar na porta que eu tive tempo de fechar.

Em Lisboa no apartamento da rua Augusto Gil, alugado pelos meus pais (Setembro 1961) em preparação da nossa vinda para a universidade, lembro-me de duas histórias que levavam o Pipito ao auge da revolta contra o despotismo. Uma delas fazia alusão ao facto de a certa altura o Pipito ter engordado mais do que seria de esperar. Deveria ter ele 11 ou 12 anos. O meu irmão Ica começava o gozo com um anúncio radiofónico da extracção da lotaria Santa Casa da Misericórdia. O Ica ia dando os números sorteados e eu respondia, 10 contos, 20 contos etc., e o Pipito começava a espumar. O anúncio dos números sorteados continuava até que finalmente saía o primeiro prémio. Nessa altura o locutor da Santa Casa gritava que nem um possesso “Saiu a Gorda” e o Pipito entrava em transe pois o Ica e eu começávamos a dançar à volta dele uivando “A Gorda”, “A Gorda”.

Mais tarde e não sei porque razão se não a de colocar o Pipito em transe, uma nova história foi inventada. Dizia o Ica num tom muito solene “O general saiu a dar o seu passeio matinal, selem o minhoca” . Nessa altura eu obrigava o Pipito a agachar-se para que o general pudesse montar a cavalo. O Ica exibia uma chibata fictícia para acelerar o processo e o Pipito perdia totalmente as estribeiras.

Talvez tenha sido por este motivos que o Pipito durante toda a vida deu provas de irritação quando confrontado com o abuso de poder. Manifestava uma aversão total em relação à arrogância de uns, ao despotismo de outros e à imbecilidade de muitos.  Neste último caso reagia contra, com um humor acérrimo herdado do pai,  o que penso deve ter contribuído para um certo número de inimizades.

No verão vínhamos quase sempre a Portugal e passávamos as férias em São Martinho do Porto, com toda a primalhada. No verão de 1958, fomos todos, em dois carros, até Bruxelas para ver a Exposição Universal. Quatro anos mais tarde fomos a Marrocos de carro,  passando por Algeciras, Ceuta Tetuão e Tânger.

(Continua)

___________

Nota do editor - Leituras adicionais: vd. página de João Schwarz:

(i) Sobre o avô materno Samuel Schwarz (Zgierz, Polónia, 1880 - Lisboa, 1953) > Des Gents Intéressants > Samuel Schwarz (em francês);

(ii) Sobre o avô paterno Artor Augusto da Silva (Nova Sintra, Ilha da Brava, Cabo Verde, 1912 . Bissau, 1983) > Des Gents Intéressants > Artur Augusto Silva

(iii) Vd. também, no nosso blogue, o texto autobiográfico do Pepito > 31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: História de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)

(***) 27 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12904: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (35): Grande e sentida homenagem ao Pepito (1949-2014), no bairro do Quelelé, em Bissau, onde fica a sede da ONDG e a casa de família

(****) Último poste da série > 4 de dezembro de 2015 >  Guiné 63/74 - P15445: História de vida (43): Anda(va) meio mundo a enganar o outro... Ou o conto do vigário em que caiu a minha pobre mãe quando eu estava em Galomaro e lhe apareceu à porta de casa um falso camarada meu... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem", Lisboa, Chiado, Editora, 2015, 308 pp.)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16856: (De)Caras (59): Na despedida de Clara Schwarz da Silva (1915-2016), a decana da Tabanca Grande: um adeus da família e amigos, e um trecho de música klezmer, por João Graça


Vídeo (1' 41'').- Alojado em You Tube > Luís Graça

São Martinho do Porto > "Casa do Cruzeiro" na estrada do Facho >  Almoço-convívio. 7 de Agosto de 2008.> Anfiriões  Clara Schwarz da Silva (1915-2016) e seu filho  Carlos Schwarz  da Silva, "Pepito" (1949-2014)...   Violinista: João Graça, executando um, "freylach".  Homenagem às raízes judaicas, polacas e russas, da anfitriã (que nasceu em Lisboa, em 1915)... Tratou-se de um trecho de música klzemer, a música tradicional dos judeus da Europa de leste, os asquenazes. Na imagem,  o Pepito aparece à esquerda, de pé, e a sua mãe, então com 93 anos, à direita, sentada.

Vídeo carregado no You Tube em 07/08/2008, com a devida autorização ao artista...que é membro da nossa Tabanca Grande desde pelo menos 2011 (, tendo, cerca de uma centena de referências no nosso blogue). É cofundador e membro, desde 2006, do grupo Melech Mechaya.

O João Graça,  que por razões profissionais não pôde despedir-se da sua amiga, por quem tinha grande estima e admiração, pede-nos para publicar este vídeo, mesmo antigo e gravado ao ar livre, em condições precárias,  como homenagem derradeira,  por sua parte, à dona Clara que, também ela cursara, como ele,   o Conservatório Nacional de Música de Lisboa e tocava violino, o seu instrumento preferido.  (LG)



Foto nº 1


Foto nº 1A> > Crematório de Barcarena, Oeiras > 14 de dezembro de 2016 > 15h32 > Funeral de Clara Schwarz (1915-2016) > O arco-íris e o seu forte simbolismo para os seres humanos: na foto nº 1, é difícil distinguir a sequência das 7  cores do espectro solar, mas aqui (foto nº 1A) pode identificar-se melhor ou pior o vermelho, o   laranja, o amarelo, o verde, o azul, o índigo (ou anil) e o violeta (ou roxo).

É um arco-íris de homenagem à nossa amiga e decana da Tabanca Grande, uma homenagem a um vida que atravessou dois séculos e que, por onde passou, deixou luz, amor, humor, felicidade, beleza, conhecimento, simpatia, tolerância, amizade...


Foto nº 2 > Crematório de Barcarena, Oeiras > 14 de dezembro de 2016 > Funeral de Clara Schwarz (1915-2016) > A urna, os cravos, a caixinha para as cinzas...Uma imagem que nos vem lembrar a nossa condição humana: "Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris" [Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te tornarás. Fonte: Antigo Testamento, Génesis, 3, 19].


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foi uma cerimómia singela: não éramos mais de meia centena, mas os familiares e amigos vieram de vários pontos, de Bissau, de Paris, de Lisboa (*)...

O João Schwarz da Silva foi o "mestre de cerimónias", discreto, comedido, num ambiente que ainda é estranho para muitos de nós, a antecmara do forno crematório (neste caso, o de Barcarena, Oeiras).

Por vontade expressa da nossa decana, Clara Schwarz, foi uma cerimónia simples, em cima da urna, vários ramos de cravos vermelhos (como a Clara gostava), além da caixa de madeira para guardar as cinzas... Houve depois quatro ou cinco intervenções de familiares e amigos, que quiseram tomar a palavra: 

(i) o filho João, e a seu lado, o Henrique; 

(ii) a neta Mariana (filha do João, que vive em Paris e que estava emocionadíssima, era também uma neta muito ligada à avó); 

(iii) uma afilhada da Clara, cujo nome não retive; 

(iv) o antigo primeiro ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior, velho amigo do Pepito, conhecido por Cadogo Júnior (enquanto o pai, Carlos Domingos Gomes é conhecido como Cadogo Pai, e é nosso grã-tabanqueiro); no fim, o político e empresário guineense deu-me um cartão de visita, seu; 

e por fim (v) o editor do nosso blogue, amigo da família...

Alguém fez questão de passar, muito apropriadamente, dois trechos de música, sinfónica e klezmer, de que a Clara muito gostava... E no final depois batemos palmas... à nossa heroína (que ultrapassou a fasquia dos 100 anos),  à vida, à saudade, à amizade, ao amor, ao futuro (representado pelas novas gerações a quem compete pegar no "testemunho" dos que partem...)

A família, que não é numerosa, estava lá: os filhos João e Henrique, os netos (a Pepas, o Ivan, a Catarina, do lado do Pepito e da Isabel), a Marina e o Martin (?), do lado do João... Até a última bisneta, a Lara, com escassos meses, filha da Catarina... e a avó Isabel Levy Ribeiro (que regressa, coma a filha e a neta, a Bissau, no princípio de janeiro... porque "a vida continua"!)...

Do lado da Tabanca Grande, além de mim e da Alice, vi (e estive com) o Carlos Silva, o António Estácio, o Eduardo Costa Dias... Conheci mais algumas camaradas, nascidos ou crescidos na Guiné, e que foram alunos da prof Clara Schwarz, no liceu Honório Barrreto (um dos que fixei o nome tem por calcunha o "Manuel Balanta" e é hoje colega, na EDP,  do nosso colega Eduardo Magalhães Ribeiro) (**).

A prof Clara Schwarz tinha fama de disciplinadora e os alunos respeitavam-na e temiam-na, mas todos asseguram que foi graças a ela que aprenderam a dominar o francês. Todos me têm falado dela com saudade. Por ocasião do seu 100º aniversário, o nosso camarada Manuel Amante da Rosa, então  embaixador de Cabo Verde em Roma,  evocava-a nestes termos:

(...) "Cincoenta anos passados e ainda me lembro de como entrou pela primeira vez, altiva e austera, no nosso 1º ano B, com o Bonjour da ordem, pasta em cima da mesa, livro de ponto aberto e caderneta nova, com as nossas fotos, ainda por preencher nos recantos das notas e chamadas orais. Iniciar ela própria a chamada da praxe para nos ir identificando pelo primeiro nome, um sorriso e olhar maternal ocasional para os mais amedrontados dissiparem o respeito que nos incutia.

Não me lembro nunca de ter visto algum aluno a ser expulso das suas aulas ou levar falta de material. Ela teria o dom da disciplina sem ter que castigar. Uma admoestação verbal dela caía fundo porque era dada de frente para o aluno, olhando-lhe bem nos olhos. Muito preocupada sempre com aqueles que sabia serem os mais carenciados e carentes de locais para estudo. Poucos olhares se mantinham fixos nela quando por detrás das lentes procurava um de nós para as chamadas orais.

Durante quatro anos tive o privilégio de a ter como minha Professora de Francês e ao mesmo tempo educadora. Como eram os Professores antigamente. Fui expulso algumas vezes de outras aulas. Éramos irrequietos, jovens e sempre à procura de algo diferente mas nas classes da Clara Silva e mais um ou outro Professor imperava a atenção e a disciplina." (...)

Reencontrei o Rui Miranda e a esposa Isabel Miranda, que trabalham na AD, e que eu conheci em 2008, em Bissau... (Desejo ao Rui boa continuação do tratamento hospitalar a que está a ser sujeito e Lisboa!... Lembro-me do Pepito sempre o tratar, com graça, por "furriel Miranda", já que ele havia servido o... exército colonial!...Também ele foi aluno da prof Clara Schwarz).

Estranha coincidência ou não, foi o mesmo crematório, o de Barcarena, onde o nosso Pepito foi incinerado. N a altura, estranhei, eu e a Alice,  ninguém quer dizer uma palavar de despedida, antes da entrada da urna no forno crematório... Provavelmente a família não estava, ali, preparada para dar a palavra a quem que fosse... Aliás, a morte, repentina, do Pepito tinha-nos deixado a todos consternados e sem palavra... Fiquei agora a saber que as suas cinzas foram levadas para Bissau onde o pai, Artur Augusto Silva, morrera, em 1983 e onde fora sepultado.

Transmiti aos presentes, e nomeadamente à família Schwarz, os votos de pesar de toda a Tabanca Grande, pela morte da nossa decana, uma grande senhora que soube viver e morrer com toda a dignidade. E relembrei dois ou três (quadras populares) das que publicámos no nosso blogue por ocasião dos seus aniversários:

(...) Fazer anos, que maçada,
Já não tenho, p’ra isso, idade,
Mas estou-vos muito obrigada,
P'los votos… de eternidade!

Decana, eu ? Ah, pois sou,
Com muita honra e prazer!
E ao blogue ainda vou,
Mesmo sem poder escrever.

Nesta terra querida,
Tive mundo, e tive amor,
Não me posso queixar da vida,
Tive tudo, e também dor. (...)

(...) Há festa no Tabancal,
Os seus anos celebramos
De Lisboa ao Corubal,
Nossa decana saudamos.

Fez da vida maratona,
A nossa grã-tabanqueira,
Clara, senhora e dona,
É atleta de primeira.

É um mix de culturas
A nossa aniversariante,
Passou por muitas agruras,
Mas foi sempre adiante.

De polaco pai e russa mãe,
Tem alma rubra e verde,
Apaixonou-se também
Por um filho de Cabo Verde.

Artur foi o seu 'cretcheu',
Que lhe deu três belos filhos,
Pepito é o guinéu,
Sempre metido… em sarilhos!

Quem anda, tropeça e cai,
Parte braço, mas recomeça,
Mais vale dizer ai!,
Do que perder… a cabeça! (...)


 PS - Ah!, esqueci-me de mencionar a presença da na nossa querida e amiga tabanqueira Júlia Neto, a viúva do nosso saudoso capitão Zé Neto (1929-2007), que me deu notícias das filhas e dos netos...  Reencontrei-os na Tabanca de São Martinho do Porto, depois de os ter conhecido no funeral do pai e avô. Fiquei a saber que a Júlia é bisavó... Lembram-se da conversa, aqui, do Zé Neto, o capitão José Neto, o primeiro dos nossos grã-tabanqueiros a deixar-nos  ?

Na altura, em 2006, ele era o "patriarca" da nossa tertúlia (ainda não dizíamos Tabanca Grande...). Chegou ao nosso blogue com a seguinte mensagem, que eu adorei, porque vi logo que era um homem de palavra e com sentido de humor, um excelente camarada, para além de amigo do Pepito:

(...) "Meu caro Luis: depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte 'muito significativa' das memórias da minha vida militar. São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só 'a matar pretos' enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família" (...).

Pois é, o nosso Afonso é hoje um respeitável chefe de família e já deu à Júlia um bisneto... A nossa querida, Leonor, a mana do Afonso, por sua vez, tirou comunicação social, trabalhou na TVI, está agora fazer outras coisas e faz companhia à avó...

Uma bela família,  também... Gostei de rever a Júlia, mesmo que o sítio e a ocasião não fossem os mais adequados...A Júlia soube da notícia da morte da Clara através do Facebook da Tabanca Grande.

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

14 de dezenbro de 2016 > Guiné 63/74 - P16834: In Memoriam (273): Clara Schwarz da Silva (1915-2016): hoje, 4ª feira, dia 14 de dezembro de 2016, às 15h30, vamos despedir-nos, no crematório de Barcarena, Oeiras, da nossa querida amiga, a decana da Tabanca Grande

11 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16825: In Memoriam (272): dra. Clara Schwarz da Silva (1915-2016), mãe dos nossos amigos Henrique, João e Pepito (1949-2014), cofundadora e professora do Liceu Honório Barreto, em Bissau, decana da Tabanca Grande. Dia 14, 4ª feira, haverá uma 
pequena cerimónia de despedida, no crematório de Barcarena, Oeiras

(**) Último poste da série > 10 de dezembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16820:(De)Caras (66): Fotos da sessão de lançamento, em Lisboa, no passado dia 6, do novo livro de Mário Beja Santos, "História(s) da Guiné-Bissau"

domingo, 11 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16825: In Memoriam (272): dra. Clara Schwarz da Silva (1915-2016), mãe dos nossos amigos Henrique, João e Pepito (1949-2014), cofundadora e professora do Liceu Honório Barreto, em Bissau, decana da Tabanca Grande. Dia 14, 4ª feira, haverá uma pequena cerimónia de despedida, no crematório de Barcarena, Oeiras


Clara Schwarz da Silva (1915-2016) > Por volta dos. anos 40 do séc. XX > Pintura (pormenor) de Luciano Santos (com ateliê em Alcobaça). Clara Schwarz casara em 14 de outubro de 1940 com o advogado Artur Augusto Silva (1912-1983), natural da Brava, Cabo Verde. O casal foi viver em Alcobaça, e mais tarde,no final da década, em Bissau (até 1966). Em São Martinho do Porto, a Clara Scchwarz já tinha uma casa de praia, do tempo de solteira.

Morreu hoje, de manhã,  na véspera dos seus 102 anos, que iria perfazer em 14/2/2017. (*)


Cortesia de João Schwarz da Silva > Des gents intéressants > Artur Augusto da Silva



Guiné > s/d > "Durante a estadia na Guiné [, 1948-1966], Artur [Augusto Silva] viveu feliz tanto em Bissau onde trabalhava como em Varela onde ia em geral passar as férias do Natal".  [Foto da página do filho do casal, João Schwarz da Silva, que vive em Paris: Des Gens Interessants],

[Artur Augusto Silva, advogado, e Clara Schwarz da Silva, professora, pais do nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014),  foram dois dos fundadores do Colégio Liceu de Bissau (mais tarde, Liceu Honório Barreto). Eram amigos de Amícal Cabral e de Maria Helena, casal com quem conviveram em Bissau, na primeira metade da década de 1950. Sobre Artur Augusto Silva temos duas dezenas e meia e meia de referências no blogue]

Foto (e legenda): © João Schwarz da Silva (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]




Portugal > Lisboa > s/d > Anos 50 > Clara Schwarz com os filhos, da esquerda para a direita, João, Carlos (1949-2014)  (**) e Iko [Henrique] .

Foto: © João Schwarz da Silva (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] [com a devida vénia]



Alcobaça > São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010 > "Casa do Cruzeiro", no Facho  > A nossa anfitriã, numa casa cheia de memórias, de que rapidamente nos apropriávamos, um dia por ano, nas férias de praia da família, passando a ser a Tabanca de São  Martinho do Porto.

Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados


1. A notíca chegou-nos por mensagem da sua neta  Catarina Schwarz, de hoje, às 13h02 (A Catarina, membro da nossa Tabanca Grande, filha do Pepito e da Isabel Levy Ribeiro, foi mãe pela primeira vez há poucos meses: "a pequenita é a Lara que veio a tempo de dar alguns miminhos à bisavó"]

Olá,  Luís

Venho trazer uma triste notícia. A minha avó, mãe do meu pai, [Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito', 1949-2014],  deixou-nos esta manhã.

Dia 14 de dezembro,  às 15h30,  faremos uma pequena cerimónia de despedida no crematório de Barcarena, Oeiras.

Beijinhos, Catarina Schwarz  [Página no Facebook, disponível aqui, com uma lindíssima foto de despedida da avó, de quem era muito próxima]


2. Comentário do nosso editor LG:

Catarina, as notícias tristes vêm "a cavalo" (como a doença, parafraseando um advérbio popular) e vão "a pé" (leia-se: as nossas reações, os nossos sentimentos de tristeza e de pesar, as manifestações do nosso luto quando se trata da notícia da morte de  alguém que amávamos)...

Clara Schwarz da Silva é nossa grã-tabanqueira desde 2010 e tem mais de 40 referências no nosso blogue... Entrou para a Tabanca Grande, mais precisamente, em, 14 de fevereiro de 2010, aos 95 anos. Passou então a ser a "Mulher Grande" da nossa Tabanca Grande, com o nº de entrada 397. Depois dela, ingressaram na nossa comunidade virtual  mais 334 amigos/as e camaradas da Guiné...  

Pepito, Guileje, 1/3/2008. Foto: LG
Durante estes anos todos  em que com ela tivemos o prazer de conviver de tempos a tempos, ela foi a nossa decana, e também a "mulher grande" da Tabanca de São Martinho do Porto (que se reunia todos os anos em agosto, quando o Pepito vinha de férias, de 2008 a 2012). Alguns de nós tiveram  o privilégio de a conhecer um pouco melhor  e de ter privado com ela e a sua família, na famosa "casa do Cruzeiro", em São Martinho do Porto, uma casa que o seu pai lhe comprara quando ainda solteira...

Foi sempre um mulher independente, inteligente, culta, frontal  e cosmopolita. Fez a licenciatura em letras na Universidade de Lisboa e estudou violino no conservatório nacional de música de Lisboa, Até tarde era muito autónoma, usando com desenvoltura o telefone, o skype, o mail, a internet, e visitando o nosso blogue…  Ainda conduzia aos 90 anos. Tinha uma memória prodigiosa,  era poliglota, e nutria  um grande orgulho das suas origens, da sua família, dos seus filhos e netos, do seu marido, e claro de seu pai, engenheiro de minas, de origem polaca e judaica,

É da mais elementar justiça invocar aqui o seu papel como cofundadora, juntamenete com o marido e outros, do Liceu Honório Barreto, hoje Liceu Nacional Kwame N' Krumah. Mais: foi professora de francês (e creio que também de português) de inúmeros guineenses, incluindo dirigentes do PAIGC...Era um gosto ouvi-la falar das qualidades e defeitos dos seus antigos alunos, muitos dos quais ela lembrava-se, de cor,  do seu nom...

Falava, sempre, com muita ternura do seu marido, Artur, como um homem que "conhecia e amava a África" como poucos...  A sua perda, em 1983, e depois a perda do seu filho mais novo, Pepito, em 2014, foram dois golpes bem duros para ela...Teve ainda a alegria de conhecer a sua bisneta mais nova, a filha da Catarina.

Tabanca de S. Martinho do Porto, 11/8/2012 >
Clara Schwarz com um CD dos Melech Mechaya,
ofertda do João Graça
 Porcasião dos 100 anos (que ela não quis festejar, por estar ainda a fazer o luto da morte recente do seu filho Carlos), escrevemos aqui que a nossa amiga e grã-tabanqueira Clara  não cabia  apenas numa vida, ela viveu e representou várias vidas, atravessando dois séculos e muitos lugares do mundo... Mais de metade da sua família, da Europa de leste, que ela  visitara,  na Polónia,  em 1938,  viria a desaparecer com a II Guerra Mundial..

A Clara Schwarz era, por todas as razões,  uma mãe coragem. E foi, seguramente para alguns de nós, seus amigos, um exemplo de vida, inspirador.   Era um daqueles seres humanos que honravam a humanidade, e cuja amizade era para nós uma honra e um motivo de orgulho... Apesar dos inevitáveis problemas de saúde que a idade lhe vinha trazendo,  sempre manifestou um grande interesse e carinho pelo nosso blogue. E gostava de falar com a gente mais nova...

Cá em casa, eu, a Alice, a Joana e o João sentimos a sua morte como a de alguém por quem tínhamos uma grande ternura e admiração, por ser quem era e não apenas por ser a mãe do Pepito.

Chega agora ao fim a sua caminhada pela dura "picada da vida"... Recordo-me de ela uma vez de me dizer ao telefone que "já não tinha idade para fazer anos" (sic)...Era uma pessoa com sentido de humor... Espero que tenha morrido em paz consigo, com os seus e com o seu passado, Fiz-lhe uns versinhos, por ocasião do 101º aniversário, que rezavam assim, a última quadra:

Nesta terra querida,
Tive mundo, e tive amor,
Não me posso queixar da vida,
Tive tudo, e também dor.


... Dor que hoje partilhamos, em nome de toda a Tabanca Grande,  com os seus filhos Henrique e João, e demais família, sem esquecer os filhos (Catarina, Ivan, Cristina), os  netos e a viúva, Isabel Levy Ribeiro,  do nosso querido Pepito (1949-2014).  Estamos todos mais pobres, a sua família, os seus amigos e  a nossa Tabanca Grande.

Mais fotos: Ver aqui Google > Imagens = "Tabanca de São Martinho do Porto"
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:



14 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15747: Manuscrito(s) (Luís Graça) (77): "Nesta terra querida, / Tive mundo, e tive amor, / Não me posso queixar da vida, / Tive tudo, e também dor"... Viva a nossa decana, a dona Clara Schwarz da Silva


(...) Fazer anos, que maçada,
Já não tenho, p’ra isso, idade,
Mas estou-vos muito obrigada,
P'los votos… de eternidade!

Decana, eu ? Ah, pois sou,
Com muita honra e prazer!
E ao blogue ainda vou,
Mesmo sem poder escrever.

Nesta terra querida,
Tive mundo, e tive amor,
Não me posso queixar da vida,
Tive tudo, e também dor. (...)



14 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14256: Homenagem da Tabanca Grande à nossa decana: a "mindjer grande" faz hoje 100 anos... Clara Schwarz da Silva, mãe do Pepito (8): Mensagens da Tertúlia


(**) Vd. postes de:


18 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12738: In Memoriam (178): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Luís Graça)

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15747: Manuscrito(s) (Luís Graça) (77): "Nesta terra querida, / Tive mundo, e tive amor, / Não me posso queixar da vida, / Tive tudo, e também dor"... Viva a nossa decana, a dona Clara Schwarz da Silva


Algures na Polónia, antes da II Guerra Mundial, c. 1938... Julgo que tenha sido o último encontro da
família Schwarz... Do lado esquerdo,  Clara, o pai Samuel e a mãe Agata... Clara deveria ter cerca de 23 anos... Depois desta data, o mundo não haveria de ser mais o mesmo...  Clara Schwarz atravessou todo o século XX, e chegou até hoje,  ao dia de hoje,  com uma memória prodigiosa... Acabei de falar com ela esta manhã, pelo telefone,  e desejar-lhe os nossos melhores votos de saúde, em nome de toda a Tabanca Grande!...



Lisboa, c. 1920 > Clara, com os pais, Samuel e Ágata





Samuel Schwarz (1880-1953)... Bilhete de cidadão nacional... 25/1/1941 > Assinatura




Requerimento de Samuel Schwarz dirigido ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros  [António de Oliveira Salazar], com data de 16 de novembro de 1939.  O pedido de visto para o cidadão polaco Aleksander Schwarz, irmão de Samuel,  foi indeferido. Ver despacho a vermelho, no canto superior esquerdo, que diz o seguinte: "Não. Ver ofício da da Polícia de Vigilância e Defesa de Estado, nº 16080, de 7-12-39" (Assinatura ilegível). 



Aleksander (Oles) Schwarz, sua esposa Sonia, os seus dois filhos Violusia e Georges com Clara  Schwarz, aquando da sua estadia  em Lisboa, em 1940.  O engº químico Aleksander Schwarz , diretor de uma conhecida fábrica de produtos químicos, tinha conseguido refugiar-se na Suécia, passando pela Lituânia.


Em 1939 Samuel Schwarz naturalizou-se português. E em novembro desse ano  pediu a Salazar un visto para o seu irmão Aleksander que tinha conseguido fugir, depois de ter sido feito prisioneiro pelos soviéticos, refugiando-se em Estocolmo, Suécia. Esse visto foi recusado, face a uma informação da Polícia de Vigilância e Defesa de Estado (PVDE), antecessora da PIDE/DGS, o que não impediu Aleksander e sua  família de chegar a Portugal em maio de 1940, na vaga de refugiados a quem Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português de Bordéus, concedeu um visto, contrariando ordens de Salazar.

Durante a II Guerra Mundial, Samuel Schwarz foi incansável na ajuda solidária ao gueto de Varsóvia, enviando nomeadamente géneros alimentícios (café, sardinhas, etc.).


Fotos acima: Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Samuel Schwarz 



Clara Schwarz, c. anos 40 do séc. XX >  Pintura de Luciao Santos (com ateliê em Alcobaça). Clara casou em 14 de outubro de 1940 com o advogado Artur Augusto Silva. O casl foi viver em Alcobaça-

Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Artur Augusto da Silva



Clara Schwarz da Silva, aos 31 anos, 1946... Fotografia no passaporte do marido, Artur Augusto da Silva.

Fotos acima: Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Artur Augusto da Silva



Em Martinho d Porto, os avós Ágata e Samuel com os netos, por volta dos  finais dos anos 40, Henrique à esquerda,  João à direita.... Carlos (Pepito), o mais novo, nasceria, em 1949, em Bissau, para onde o pai foi em 1948, e a quem se juntaria depois a famílía.  Samuel viria a falecer em 1953. Em Lisboa a família vivia na  Av António Augusto de Aguiar, 118-1º.

Foto: Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Samuel Schwarz 



Mapa (francês) da Guiné, de 1760


Foto: Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Artur Augusto da Silva



1. Mandei, em meu nome e da minha fmília, uns versinhos de parabéns à dona Clara que faz hoje 101 anos:

Uma "gracinha" do Luís Graça para a nossa amiga, 
muito querida, 
Clara Schwarz da Silva,
neste dia muito especial em que celebra 101 aninhos!

Já não são anos, são aninos!...
Dona Clara, nossa "mindjer grandi",
temos muito orgulho e ternura por si,
e estamos muito honrados por ser 
e continuar a ser por muitos anos
a decana da nossa Tabanca Grande!... 

Um xicoração muito fofo do Luís Graça, da Alice, da Joana e do João (em viagem).


Fazer anos, que maçada,
Já não tenho,  p’ra isso,  idade,
Mas estou-vos muito obrigada,
P'los votos… de eternidade!

Decana, eu ? Ah, pois sou,
Com muita honra e prazer!
E ao blogue ainda vou,
Mesmo sem poder escrever.

Nesta terra querida,
Tive mundo, e tive amor,
Não me posso queixar da vida,
Tive tudo, e também dor.

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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15740: Agenda cultural (464): Lançamento, em Paris, no Museu de Arte e História do Judaísmo (MAHJ), dia 18, 5ª feira, da edição francesa do livro de Samuel Schwarz (1880-1953), "Os cristãos-novos em Portugal no séc. XX" (1ª ed, 1925) (João Schwarz)



Cartaz de promoção do encontro Os Marranos [os descendentes dos judeus, sefarditas, que viviam na Penínsual Ibérica e que,  tendo sido obrigados a  converter-se ao cristianism - daí o nome cristãos-novos- ,  não abandonaram a sua fé judaica]. 5ª feira, dia 18 do corrente, às 19h30, em Paris, no Museu de Arte e História do Judaísmo (MAHJ). nº 71, da Rua do Templo [Rue du Temple], 750'03 Paris.


Os cristãos-novos em Portugal
no século XX

Autor: Samuel Schwarz
Editora: Cotovia, Lisboa
Colecção: Judaica
Ano de Edição: 2010
N.º de Páginas: 200
ISBN: 978-972-795-309-7
O pretexto é o lançamento do livro de Samuel Schwarz, "La Découverte des Marranes, les crypto-juifs du Portugal" [A descoberta dos marranos, os cripto-judeus de Portugal"], publicado em 2015 sob a chancela da editora Chandeigne.

O encontro terá a participação de: (i) Nathan Wachtel,, professor do Colégio de França; (ii) João Shcwarz, neto do autor;  (iii) Livia Parnes, historiadora; (iv) Anne Limma, editora; e (v) Anny Dayan Rosenman, Universidade de Paris-Diderot, moderadora.

Nota sobre o autor: Samuel Schwarz (1880-1953), judeu polaco, chega a Portugal em finais de 1914; engenheiro de minas no nordeste do país, fez a descoberta, em 1917, de comunidades marranas. Ao fim de oito anos de observação, publica em 1925 um livro, que fez história, e onde se traça o retrato destas comunidades marranas. Ao descrever os seus ritos e os seus hábitos culinários, e ao transcrever as suas orações,  Samuel Schwarz estabelece as bases em que assenta hoje a investigação e o estudo dos marranos. Este livro é publicado pela primeira vez em francês. [Tradução e adptação livre de LG]




1. Mensagem que nos acaba de enviar o doutor João Schwarz,  engenheiro, investigador, a viver em França, neto de Samuel Schwarz, filho da nossa decana Clara Schwarz (n. 1015), e irmão do nosso sempre lembrado e chorado Pepito (1949-2014): 

Caro Luís

Obrigado a si e ao Mário Beja Santos pelos postes sobre Tomar e a Sinagoga (*). Junto envio um anuncio de uma palestra que terá lugar em Paris na semana que vem e que celebra a publicação do livro do meu avô em Francês. Se estiver em Paris é bem-vindo.

Abraços, João


2. Comentário do editor LG:

Samuel Schwarz, aos 20 anos.
Foto do neto,
João Schwarz (com a devida vénia...) 
João, filho de Artur Augusto Silva e de Clara Schwarz, irmão de Henrique e de Carlos (Pepito), neto de Samuel, bisneto de Isuchaar... É um prazer receber notícias do meu amigo. Obrigado pelo convite, mas estou longe em Paris, por esta Lisboa que o viu nascer... Vou, com todo o gosto, dar a notícia no nosso blogue, na nossa agenda cultural.(**)

Sobre o seu avõ, recordo ainda, para os nossos leitores, que ele se instalou em Lisboa com a I Guerra Mundial, já então casado com uma jovem russa, de Odessa (hoje, na Ucrânia). 

Samuel Schwarz, em 1952, em Lisbia,
um ano antes de morrer, com o neto João, Cortesia de
João Schwarz





Samuel Schwarz (1880-1953) será, em Portugal.  um engenheiro de minas e um homem de negócios de sucesso. Mas ficará sobretudo conhecido pela sua erudição, e pelo seu interesse pela história e cultura dos judeus sefarditas (que viviam na Península Ibérica), e em particular pelos marranos, Foi ele que identificou (e salvou do abandono, do esquecimento, da discriminação) a comunidade cripto-judaica de Belmonte.

Foi também ele quem comprou, salvou da ruina  e doou ao Estado Português a antiga sinagoga de Tomar...

A filha (única) de Samuel, Clara Schwarz, foi casada com o advogado e escritor, de origem caboverdiana, Artur Augusto Silva. O casal viveu em Bissau duas décadas, de  1948 a 1966. Formada em letras pela Universidade de Lisboa, Clara Schwarz pertenceu ao núcleo dos fundadores e dos primeiros professores do Liceu Honório Barreto, ao tempo do Governador-Geral da Guiné, Sarmento Rodrigues (1946/49). Vai fazer 101 anos, no domingo, dia 14, dia dos namorados. 

Leituras suplementares:  

(i) Página de João Schwarz (em francês) > Des Gents Intéressants > Samuel Schwarz

(ii) Wkipédia > Samuel Schwarz

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

10 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15732: Os nossos seres, saberes e lazeres (140): O ventre de Tomar (4) (Mário Beja Santos)


14 de fevereiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14249: Homenagem da Tabanca Grande à nossa decana: a "mindjer grande" faz hoje 100 anos... Clara Schwarz da Silva, mãe do Pepito (1): 100 anos não é apenas uma vida, são muitas vidas, que atravessam dois séculos e muitos lugares do mundo (Luís Graça)

23 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13788: Da Suécia com saudade (39): A estrela de David, os Torquemada de Burgos, os marranos de Belmonte... Olhares desde a Lapónia...(Joseph Belo)

19 de fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5841: Controvérsias (67): Como diria o meu avô Samuel, há orações que os lábios murmuram, mas o coração não sente (Carlos Schwarz)

1 de dezembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5386: Parabéns a você (46): Carlos Schwarz Silva, simplesmente Pepito, para os felupes, os nalus, os fulas, os companheiros da AD e os tugas... do nosso blogue (Luís Graça)


(**) Último poste da série >  5 de fevereiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15709: Agenda cultural (463): Apresentação dos livros "Por Chanas do Leste de Angola", da autoria de Ernesto Fonseca e "Desbravando as Silenciosas Picadas dos Dembos, MX-11-26", da autoria de Aniceto Pires, dia 11 de Fevereiro de 2016, pelas 15 horas, na Messe do Militar do Porto, Praça da Batalha (Manuel Barão da Cunha)

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14249: Homenagem da Tabanca Grande à nossa decana: a "mindjer grande" faz hoje 100 anos... Clara Schwarz da Silva, mãe do Pepito (1): 100 anos não é apenas uma vida, são muitas vidas, que atravessam dois séculos e muitos lugares do mundo (Luís Graça)







Guiné > s/d > "Durante a  estadia na Guiné [, 1948-1966], Artur [Augusto Silva] viveu feliz tanto em Bissau onde trabalhava como em Varela onde ia em geral passar as férias do Natal. Aqui vão  fotografias desses tempos".

[As fotos são da página do filho do casal, João Schwarz da Silva, que vive em Paris: Des Gens Interessants. Temos a sua amável autorização para utilizar a documentação inserida na sua página sobre pessoas que tiveram vidas "interessantes", basicamente amigos e família, a começar pelos seus pais, Artur Augusto Silva e Clara Schwarz da Silva, nascidos respetivamente em 1912 e 1915]

Fotos (e legendas):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]



Portugal > Alcobaça > São Martinho do Porto > Estrada do Facho > Casa do Cruzeiro  > c. 1957 > O pai, Artur Augusto Silva (1912-1983), com os filhos, da esquerda para a direita, João, Iko [Henrique] e Carlos (1949-2014).

Cortesia de João Schwarz da Silva, que nos diz que a data deve ser "provavelmente 1957"... Teria então o Pepito (, nascido em Bissau, em 1949) os seus oito anitos... Que matulão, para a idade!  Nessa altura, a família vivia em Bissau e vinha passar férias à metrópole, mais concretamente na "Casa do Cruzeiro"...

Foto (e legenda): © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG, com a devida vénia]



Da esquerda para a direita, Clara Schwarz, Maria Helena  e Amílcar Cabral, na estrada de regresso de Dakar para Bissau em 1954.

Foto do arquivo pessoal de Clara Schwarz. O seu marido, o escritor e jurista Artur Augusto Silva, é que conviveu mais com Amílcar  Cabral. Clara, que foi professora no Liceu de Bissau, traduziu textos (técnicos, não políticos) de Cabral para francês.  Pepito, o filho mais novo, nasceu em Bissau, em 1949.

 Foi o nosso saudoso amigo Pepito (Bissau, 1949-Lisboa, 2014) quem nos cedeu esta foto, na altura em que aqui publicámos um notável texto seu sobre "Amílca Cabral, um agrónomo antes do seu tempo"...

Amílcar Cabral, casado com Maria Helena, regressou a Bissau, em setembro de 1952, tinha então 28 anos. Em entrevista dada, em Bissau, ao Diário de Lisboa, em 27/5/1980, três anos antes de morrer, Artur confidenciou que "privou bastante" com  Amílcar Cabral.  Ambos eram membros do Centro de Estudos da Guiné. A última vez que o viu,  foi em setembro de 1956, dias antes de fundar o PAI [mais tarde, PAIGC]. Uns meses antes, tinham-se encontrado em Angola e combinado um jantar em Bissau. Amílcar passou à clandestinidade, e o jantar nunca mais se realizou.

Foto; © Carlos Schwarz (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: LG, com a devida vénia].


 Guiné > Bissau > 1953 > Vista aérea da cidade, tirada na direcção sul-norte. Ao centro, a avenida principal, a Av República (hoje Av Amílcar Cabral) onde já se erguia, à direita, a sé catedral (arquiteto João Simões / Gabinete de Urbanização Colonial, 1945).  Ao fundo da avenida, do lado esquerdo já se erguia o cinema UDIB, o melhor edifício da cidade (arquiteto Jorge Chaves, 1949-52), de iniciativa privada. Em Bissau, com cerca de 5 mil habitantes, era lá que se reunia a elite local...

Ao fundo, à direita, o bairro de Santa Luzia  (1948), com uma estrutura reticulada: foi a primeira experiência de alojamento para populações nativas. Em primeiro plano o cais do Pidjiguiti, e parte da zona portuária ainda em obras...

Quando Artur e Clara chegaram a Bissau, no final dos anos 40, a cidade estava em plena fase de densolvimento, graças ao dinamismo e *a visão do governador Sarmento Rodrigues. Vários edifícios públicos estavam a construir-se,  havia ruas por asfaltar, espaços para ajardinar e alindar...


Foto (e legenda): © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG, com a devida vénia]


1. Mensagem do nosso editor LG:

Camaradas, amigos/as: hoje, sábado, 14, a nossa amiga Clara Schwarz faz 100 anos. Nasceu em Lisboa em 1915. De origem judia (pai polaco e mãe russa), casou com o escritor e advogado Artur Augusto Silva (, nascido na Ilha da Brava, Cabo Verde, em 1912).  Teve 3 filhos, o mais novo dos quais o nosso saudoso Pepito (1949-2014). Clara viveu na Guiné em dois períodos: 1949-1966 e depois da independência, até ao ano da morte do marido, em 1983.

Licenciou-se em letras pela Universidade de Lisboa e frequentou o Conservatório Nacional de Música (onde tirou o curso de violino). Foi professora no liceu Honório Barreto, em Bissau. Tem gente, no nosso blogue, que foram seus alunos: estou-me a lembrar do António Estácio, do Manuel Amante da Rosa... (Ambos escreveram um pequeno depoimento para esta ocasião, que publicaremos a seguir.) Foi amiga ou pelo menos privou com o casal Cabral, Helena e Amílcar. No início dos anos 50, fez inclusive traduções, para francês, de trabalhos técnicos do engº agrº Amílcar Cabral.

O  pai de Artur Augusto Silva  havia falecido 1925 em Lisboa,  onde se encontrava para tratamentos. Deixava a esposa de 50 anos de idade e dois filhos ainda menores, João e Artur, que foram viver para casa da irmã Cristina, em Lisboa. Esta irmã mais velha (n. 1904)  tinha casado com o médico Augusto Pereira Brandão que na altura trabalhava em Farim, na Guiné.



S/d > S/d/ > "Da esquerda para a direita,  Cristina (nasceu em 1904), Artur (nasceu em 1912), Henrique e Margarida (os pais) e João (nasceu em 1910)."

Foto (e legenda):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]

Por sua vez, já aqui falámos do seu irmão, e tio do Pepito, o João Augusto Silva. Sobre ele escreveu Mário Beja  Santos:

(...) João Augusto Silva (1910-1990) foi funcionário da Administração Colonial na Guiné, em Angola e Moçambique. Desenhador, naturalista, decorador e escritor, foi galardoado em 1936 com o Prémio de Literatura Colonial da Agência Geral das Colónias. Foi também caçador, tendo abandonado a espingarda em troca da máquina fotográfica, com a qual se dedicou a capturar imagens de uma
das suas paixões: os animais. Nasceu em Cabo Verde, passou parte da infância na Guiné, terra a que regressará entre 1928 e 1936. As suas obras maiores são: “África: Da Vida e Amor da Selva” e “Animais Selvagens: Contribuição para o Estudo da Fauna de Moçambique”. Administrador do Parque da Gorongosa, será mais tarde Curador do Jardim Zoológico de Lisboa. Sobre a Gorongosa deixou um livro da maior importância “Gorongosa: Experiências de um Caçador de Imagens”. Foi recentemente homenageado pela Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi irmão de Artur Augusto Silva, um investigador e poeta luso-guineense, aqui já várias vezes auferido, e tio do nosso confrade Pepito." (...)




Belíssima xilogravura de João Augusto Silva, publicada na revista "Momento", de fevereiro de 1936.


Foto (e legenda):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]


Desiludido com a vida do pós-guerra em Portugal, Artur decide partir, em finais de 1948, para a Guiné. Chega ao território em 6/11/1948. A família (Clara, João e Henrique) ir-se-á juntar-lhe no ano seguinte. Carlos ("Pepito") nasce em 1949.

Artur, até 1966, exerce naquele território a sua profissão de advogado, mas também fez de notário e até substituto do Delegado do Procurador da República. [Sobre Artur Augusto Silva temos duas dezenas e meia e meia de referências no blogue]

Escreve o seu filho João: "Em 1948, partiu para a Guiné (Bissau) para ali continuar a advocacia, com um sentimento pesado de frustração pela derrota politica, deixando para trás o Movimento de Unidade Democrática [MUD,] , desfeito, Leiria e Alcobaça, a mulher e dois filhos que em 1949 se juntaram a ele". (...). Depois da guerra, em 1945, o dr. Artur Augusto, como era conhecido, tinham esperanças na mudança democrática e pacífica do regime de Salazar.  Em 1947, o MUD foi ilegalizado e o o seu nome continuou debaixo do olho da política política... até ao 25 de abril.

Na Guiné, "foi um dos fundadores do Colégio Liceu de Bissau (Liceu Honório Barreto) que no inicio a partir de 1949 ocupava umas salas do Museu da Guiné que tinha sido criado em 1947 num edifício junto do Palácio do Governador". Em julho de 1952 era  governador Raimundo Serrão... "De 1949 a 1956, o liceu ocupou algumas salas do Museu. Só a partir do inicio do ano lectivo 1956 é que o Instituto Liceal Honório Barreto passou a poder contar com instalações próprias." 

Foi também membro do Centro de Estudos da Guiné. Licenciado em Direito, Artur havia estado, de 1939 a 1941, em Angola, como secretário particular do Governador Geral, dr. Manuel Marques Mano; de regresso a Portugal exerceu advocacia em Lisboa, Alcobaça e Porto de Mós. O casal viveu em Alcobaça e tinha casa de praia em São Martinho do Porto. Diz o filho João: "Depois de se casar, Artur Augusto exerceu a advocacia em Lisboa, mas a convite de Luciano Santos, um amigo pintor, decidiu mudar-se para Alcobaça onde havia falta de advogados".


Lisboa > s/d > c. 1930/40 > Artur Augusto Silva, numa festa,  com a Clara (à direita) e uma amiga.



Lisboa > 1935  > "Foi como director da revista Momento que Artur Augusto acompanhou o funeral de Fernando Pessoa em 1935, Possivelmente a única fotografia tirada nessa altura, mostra Artur à direita da fotografia ligeiramente encoberto por outro participante"

Fotos (e legendas):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]

Ainda como estudante (, passou pelo Liceu Camões, foi colega de faculdade de Álvaro Cunhal), e depois como recém-licencidado, Artur  Augusto participou intensamente da vida cultural e literária de Lisboa dos anos 30. Foi director da revista "Momento" e, nessa qualidade, acompanhou o funeral de Fernando Pessoa,  em 1935.

"Publicou vários livros, fez reportagens, dirigiu saraus literários, organizou exposições de arte moderna, promoveu conferências culturais na Casa da Imprensa, na Sociedade Nacional de Belas Artes e em vários outros locais de Portugal nomeadamente no Grémio Alentejano e no Porto", escreve o seu filho João Schwarz da Silva, que vive em Paris, numa sentida e bela homenagem que faz ao seu pai, na sua página "Des Gens Intéressants" [, Pessoas Interessantews].

Em 1953, morre o pai de Clara, Samuel Schwarz (, nascido em Zgierz, Polónia, Rússia, em 1880). Havia-se formado, em 1904, aos 24 anos, como engenheiro civil de minas, na École National Supérieure de Mines de Paris.




Bilhete de identidade de cidadão português de Samuel Schwarz, emitido em 25 de janeiro de 1941.



Autorização de residência, emitida em 19/2/11927, para a mãe de Clara, Agata Schwarz


Fotos (e legendas):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]


Samuel trabalhou em diversos países na indústria petrolífera (Baku, Cáucaso Russo) e na indústria mineira (Polónia, Inglaterra, Espanha, Itália e, por fim, Portugal). Em 1914, casa em Odessa com  Agatha Barbash,  filha de um banqueiro. (Nascida em 1884, em Tulczyn, Ucrânia, virá a morrer em 1950, em Lisboa)

Na altura em que eclodiu a I Guerra Mundial, em  1914, com 34 anos de idade, Samuel estava em viagem de núpcias em Portugal. Decidiu cá ficar. Começa a trabalhar em 1915 numa mina de volfrâmio, em Vilar Formoso, e noutra de estanho, em Belomonte, Na época vivia em Lisboa. Em 14 de fevereiro de 1915 nasce a sua filha, Clara.

Os cristãos-novos em Portugal no século XX
Autor: Samuel Schwarz
Editora: Livros Cotovia
Local: Lisboa
Colecção: Judaica
Ano de Edição: 2010
N.º de Páginas: 200
ISBN: 978-972-795-309-7

Sobre a vida fascinante deste homem Samuel Schwarz (1880-1953), vd. aqui o artigo escrito pelo seu neto João Schwarz da Silva:  judeu asquenaze,  era fluente em nove línguas,incluindo o hebreu. Foi um conceituado estudioso do judaísmo em Portugal, arqueólogo, historiador, autor da descoberta e da revelação pública, em 1925, da comunidade cripto-judaica de Belmonte, e .  bem como da antiga sinagoga de Tomar que comprou e efereceu ao Estado Português. Em 2010,  os Livros Cotiva reeditaram, em livro, o seu trabalho, de 1925, sobre os cristãos-.novos da Beira Baixa e, em especial,  de Belmonte, os rituais do Babatm do Kiopur e da Páscoa, orações ditas em português arcaico misturadas com palavras hebraicas, e que foram transmidas, sempre pelas mulheres, ao longo de quatro séculos e meio, pro sucessivas gerações.

Fotografia e assinatura no passporte do marido, emitido em
23 de agosto de 1946. Cortesia de João Schwarz da Silva 
Clara Schwarz da Silva é  nossa grã-tabanqueira desde 2010... Entrou para a Tabanca Grande, mais precisamente,  em, 14 de fevereiro de 2010, aos 95 anos.  Passou então a ser a Mulher Grande da nossa Tabanca Grande, com o nº de entrada 397. Hoje temos mais de 675 membros. É a nossa decana, e também a "mulher grande" da Tabanca de São Martinho do Porto (que se reuniu todos os todos os anos em agosto, quando o Pepito vinha de férias, de 2008 a 2012). Alguns de nós têm o privilégio de a conhecer e de ter privado com ela e a sua família, na famosa "casa do Cruzeiro", em São Martinho do Porto.

Foi sempre um mulher independente e cosmopolita. Até há bem pouco tempo era muito autónoma, usando com desenvoltura o telefone, o skype, o mail, a internet, e visitando o nosso  blogue… Ainda ontem telefonou à Maria Alice Carneiro, mamtendo com ela uma conversa perfeitamente normnal... Conduziu até tarde, com mais de 90 anos. Tem uma memória prodigiosa, é culta, é poliglota, e tem um grande  orgulho de seu pai, engenheiro de minas, de origem polaca,

Se outras não fossem válidas, bastaria invocar aqui o seu papel como co-fundadora, juntamenete com o marido e outros,  do Liceu Honório Barreto, hoje Liceu Nacional Kwame N' Krumah. Mais: foi professora de francês (e creio que também de português) de inúmeros guineenses, incluindo  dirigentes do PAIGC... (É capaz ainda de os citar de cor, e avaliar um a um!)...

Fala, sempre e ainda hoje, com muita ternura do seu marido, Artur, como um homem que "conhecia e amava a África" como poucos... Recordo-me de ela ter.me oferecido com dedicatória um pequena brochura dele, "Pequena Viagem Através de África"... Foi uma conferência que ele pronunciou na Associação Comercial da Guiné, em 1963, no 46.º aniversário da sua fundação. É uma admirável lição de sapiência e de sabedoria.

Três anos depois, em 1966, a PIDE prendia-o no aeroporto de Lisboa. O seu único crime era o de ser defensor de presos políticos... Libertado graças à intervenção pessoal, ao que se soube,  de Marcelo Caetano, seu professor de direito, após quatro ou cinco meses de Caxias, sem culpa formada, seria impedido de voltar à sua querida Guiné, agora a ferro e fogo... Sabe-se que o governador Schulz considerou-o "persona non grata" no território.




"Foi preso no aeroporto de Lisboa à chegada de Bissau [, em 26 de agosto de 1966,]  já em plena luta de libertação da Guiné, e foi detido na prisão de Caxias durante 4 meses sem julgamento. Foi libertado a 23 de Dezembro de 1966, por influência de alguns amigos que lhe conheciam e admiravam o carácter, mas foi-lhe fixada residência na capital . Escassos dias antes da libertação de Artur da prisão de Caxias, o Governador da Guiné (Arnaldo Schulz) mostra-se preocupado com a sua eventual libertação. [Sua Excelência o Governador é de opinião que aquele senhor não deve voltar à Guiné, pelo menos enquanto se mantiver o terrorismo".]

Foto (e legenda):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]


Clara falou-me uma vez deste episódio triste e do cinismo do governador, Schulz, que era visita da casa dos Silva, em Bissau, e que inclusive acompanhou o Artur, até ao aeroporto, nessa triste viagem sem regresso... Só depois da independência é que Artur (e a Clara) voltaria, a convite de Luís Cabral, para desempenhar o lugar de juiz do Supremo Tribunal de Justiça... E lá morreria, em Bissau, em 1983. Era especialista em direito consuetudinário. Publicou livros sobre os usos e costumes jurídicos dos felupes, mandingas e fulas.

É também com a mesma frontalidade e coragem que a Clara vem protestar, em 2005, junto do Presidente da Câmara de Belmonte pela imperdoável omissão do nome do seu pai, Samuel, no recém-inaugurado Museu Judaico de Belmonte. Embora tarde, a injustiça foi reparada em 2007.

(...) "S. Schwarz está na origem da descoberta dos cristãos novos de Belmonte. Graças à sua enorme sabedoria ele revelou os ritos e costumes destes cristãos novos, em numerosos livros dos quais o principal, publicado em 1925, 'Os cristãos novos em Portugal no Século XX' , livros esses que são uma referência incontestável tanto para historiadores portugueses como estrangeiros." (...)

Hoje, sábado, 14 de fevereiro de 2015, os filhos, netos e bisnetos vão fazer-lhe uma festinha íntima. Ela fez questão de dizer "não queria nada", porque ainda não ultrapassou a profunda dor causada pela morte, inesperada, do seu querido Carlos... E não era seguramente esta a festa dos 100 anos que a gente tinha imaginado para ela...

À distância (, ela mora em Paço de Arcos, Oeiras), e respeitando a sua intimidade, queremos apenas levar-lhe uma palavra de afeto, apreço, conforto, amizade e homenagem... 100 anos não é apenas uma vida, são muitas vidas, que atravessam dois séculos e muitos lugares do mundo... Mais de metade da sua família, da Europa de leste, desapareceu com a II Guerra Mundial. E ela conheceu uma boa parte dela quando visitou a Polónia em 1938 (*)...

Clara Schwarz é uma mãe coragem. E um exemplo de vida, inspirador, para todos nós. Alguns/algumas de nós fizeram questão de  escrever duas linhas sobre esta mulher e nossa amiga, que sempre manifestou um grande interesse e carinho pelo nosso blogue. São esses testemunhos que publicamos a seguir, a par deste pequena resenha biográfica, que só possível graças à amável e afetuosa cumplicidade do João (que veio ontem de Paris se juntar à festa de família). Também sei que, pelo menos os filhos do Pepito, Ivan e Catarina, vai estar hoje a cantar os parabéns à avó, a "mindjer grande" que nos orgulha a todos/as. (**)

O editor Luís Graça (em nome pessoal e da Tabanca Grande)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4863: Agenda cultural (24): A História de Cristina, por Mikael Levin, no CCB, de 31/8 a 8/11 (Carlos Schwarz, 'Pepito' / Luís Graça)

(**) Vd. poste anterior de 14 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14248: Parabéns a você (860): Senhora Dona Clara Schwarz, Amiga Centenária, Grã-Tabanqueira