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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15667: Agenda cultural (461): Na apresentação do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti Um Homem", de Juvenal Amado (José Brás)

1. Em mensagem de hoje, 25 de Janeiro de 2016, o nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68) enviou-nos este texto subordinado à sessão de lançamento do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti um Homem" da autoria do camarada Juvenal Amado, ocorrido no passado sábado, dia 23 de Janeiro.

  
NA APRESENTAÇÃO DO LIVRO DE JUVENAL AMADO 

Gostei muito de ver em forma de livro as recuperadas memórias de Juvenal Amado, a partir da sua experiência vivida na ex-colónia portuguesa da Guiné, por si próprio tornadas palavra escrita que nos serve como um rio que flui a nossos olhos plantados numa das margens, sem que importe muito considerar em qual dos lados da corrente desta água clara.

E uso aqui a imagem do rio, não por acaso, mas porque, lendo duma só vez as mais de trezentas páginas de caracteres em corpo pequeno e algumas fotografias a preto e branco, de rio é a sensação que me colhe pelo movimento das imagens que desfilam, ora em placidez panorâmica, descansada num olhar contemplativo e quase intimista, ora em torrente apertada e tumultuosa na velocidade do desfilar das histórias e das angústias e revoltas.

É certo que um rio tem sempre duas margens, como já se insinuou atrás sem ingenuidades inúteis entre nós que tão bem nos conhecemos já. E que poucas vezes coincidem, tim-tim por tim-tim, as verdades que cada observador abarca, estando cada qual em margens diferentes, ou mesmo na mesma margem e no mesmo exacto tempo.

Então, quando se trate de chamar a longínqua memória ao tempo presente, as diferenças de relato, no modo e mesmo no conteúdo, se diferenciam significativamente e às vezes mesmo antagonicamente, entre os contadores.

E, depois, um rio não tem apenas as duas margens que se avistam ou não entre si na hora do correr da água que passa, mas tem também uma montante, quer dizer, verdades que antecedem o lugar de observação, desde a nascente e pelo percurso variado e influenciador, e uma jusante, quer dizer, verdades que são consequência da realidade observada no lugar da margem de quem falou da água que viu correr e a marcou irremediavelmente com seus sinais.


Juvenal Amado tem pressa de contar. De contar muito. De contar tudo. Por sorte e por habilidade própria, nem essa pressa nem o desejo de falar tudo, prejudicam o seu contar, nem na forma, nem no estilo, nem no encadeado das histórias que nos serve.

Em primeiro lugar, talvez, porque nunca esteja sozinho na sua margem, ou porque nunca feche a sua margem aos que com ele calharam embarcar no Cais da Rocha e caminhado nos vinte e sete meses de mato, de bolanhas, de combates, de patusc de dores, de brincadeiras, de raivas e de esperanças, nem mesmo, aos que, na outra margem, lhe amarguravam os dias.

Em segundo lugar, talvez também porque a sua forma comovida de semear os contos que nos traz sobre os trambolhões e sobre a amizade, sejam o retrato chapado dele próprio, da sua tendência solidária, da sua franqueza, da sua descomplicada maneira de contar, da certeza dos amigos que conserva e lhe atestam a grandeza da alma e a inteligência humana.

O rio do Juvenal nasce em Alcobaça e faz-se de muitos afluentes que nele entraram após a escola primária. “Operário em construção” logo a seguir na indústria vidreira, moralmente amparado entre um pai republicano e o operariado da região, engrossando o caudal nos anos que separaram dos quartéis militares do puto e o mar no caminho da Guiné.

A Guiné em si própria, traçada de rios e de rias; de mares verdes de mato; de medos e de convicções; de águas que lhe emendam os erros, lhe confirmam algumas certezas, lhe ampliam a humanidade.

A jusante, a confirmação de que um rio nunca corre duas vezes no mesmo lugar. A perspectiva de voltar ao lugar da partida, aos amigos deixados dois anos e tal antes, ao convívio que o tinha construído durante quase vinte e dois anos, era uma ilusão que se esfumou. Os seus amigos tinham ficado no RALIS a entregar os farrapos da velha farda; tinham ficado no cais de desembarque, abraçados aos seus familiares; tinham ficado na viagem miserável no Niassa entre Bissau e Lisboa; tinham ficado nas matas da Guiné, uns de facto para sempre, e outros aparentemente inteiros no que lhes restava do que tinham quando haviam partido.

Na sessão de apresentação do livro do Juvenal, com uma sala muito composta por amigos e, em especial por antigos companheiros das matas e actuais da Tabanca Grande, no fim das intervenções, foi dada oportunidade para algumas perguntas. De imediato a questão que foi levantada e que constituiu a o tema único do período, foi sobre as dúvidas levantadas pelo título do livro “A TROPA VAI FAZER DE TI UM HOMEM”.


Já quase a fechar, porque tomei o título do livro como uma subtil provocação ao leitor, recurso bem esgalhado para suscitar o interesse da leitura, pareceu-me apropriado arredondar a conversa e fazer numa curta intervenção, uma abordagem ao tema, abordagem que reproduzo aqui de memória.

“O homem que alegadamente a tropa faria, não passa ao olhar de hoje, de uma falsa questão. O homem, e quem diz homem diz mulher, não é um exemplar padrão de que se fazem, por fora e por dentro, milhões de cópias espalhadas pelas sete partidas do mundo, Igual, o homem é apenas nas suas ânsias de ser feliz enquanto cá anda. Porém, nos modos de chegar a essa felicidade, cada um de nós tem um caminho e um agir diferentes. 
Como diz o poeta espanhol António Machado, não existe caminho. É andando que fazemos o nosso caminho. Também não existe um homem padrão e cada homem se faz crescendo nas realidades que cercam cada qual, nos condicionamentos, nas dúvidas e nas escolhas face às realidades diferentes. 
José Ortega y Gasset, para continuarmos em Espanha, diz “O homem é o homem e suas circunstancias”. Quer dizer, o homem não é em absoluto o produto exclusivo das circunstâncias em que se faz, mas é-o em grande percentagem do dele é público ou íntimo. O homem pode pela sua vontade, combater as circunstâncias que o envolvem e, por vezes traçar partes de si próprio. Contudo, na sua maior parte, vive como o rio apertado pelas margens das circunstancias. 
Portanto, a tropa condicionou o crescimento de cada soldado mas a cada um à sua maneira porque não viveram todos e ao mesmo tempo, nem os lugares, nem todos os acontecimentos. Portanto, da tropa e da guerra vieram milhares de homens, diferentes uns dos outros à vinda, como diferentes eram à ida, nenhum voltando, pode dizer-se, o mesmo homem que era quando partiu, influenciado pelas circunstâncias que o condicionaram sob o olhar particular de que era portador”.

José Brás
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 Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15666: Agenda cultural (460): Lançamento do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti Um Homem", da autoria de Juvenal Amado, levado a efeito no passado dia 23 de Janeiro no Chiado Clube Literário e Bar - Galeria Comercial Tivoli Fórum, em Lisboa (Miguel Pessoa)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14174: Humor de caserna (39): A minha primeira viagem no Batelão Anita (José Brás)

1. Em mensagem datada de 20 de Janeiro de 2015, o nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68) enviou-nos esta humorada história passada a bordo do Batelão Anita, aquando da sua ida para Meja após o regresso de férias da metrópole.

Uma pequena nota para saudar o nosso camarada José Brás que nos presenteia sempre com textos de elevada qualidade.


A MINHA PRIMEIRA VIAGEM NO ANITA

Bem!
E se teve uma primeira, terá de ter tido, pelo menos, uma segunda, dirão amigos que lerem isto.
E eu direi que talvez... que talvez tenha lógica o pensamento que os levará a reagir assim, ainda que também possam ser levados a erro de conclusão precipitada.

Imaginem que, fazendo uso do poder que tem sempre quem conta um conto, avance eu na conversa e esclareça que… “na minha primeira e última viagem no Anita”… e tal, uma espécie de xico-espertice despropositada, é certo, mas possível, e lá se vai a lógica da vossa conclusão borda-fora.
Mas não. Não será assim e estarão vocês certos, porque foram duas as viagens que fiz no batelão Anita, uma de Bissau a Gadamael-Porto, em Agosto de 67, e outra de Catió a Bissau, aí por fim de Abril ou início de Maio de 68.

Essa fotografia, aliás, foi tirada na primeira das viagens, no Rio Cacine, muito perto da localidade que dá o nome ao rio e antes de entrar no Rio Sapo um dos braços em que se multiplica e nos levava a Gadamael.

O Batelão Anita subindo o Rio Cacine
Foto: © José Brás

E tem uma história, esta foto, como de histórias estão cheias as duas viagens de que vos falo, picaresca esta, fonte de gargalhada, então, do pessoal que se vê esparramado nas tábuas do barco como se andasse ali por andar e sem pensar no Gadamael, nas emboscadas e nos fornilhos da estrada até Guiledje e Medjo, nas flagelações aos quartéis de cada um, nas bernardas no Corredor da Morte, no prato escasso à hora do almoço e do jantar… e mais picaresca ainda, uma outra história vivida em Catió, como se constatará se eu vier a contá-la aqui e vocês a lê-la… mais duras as outras histórias, sérias e bem sofridas mas sem fotos que as comprovem para além das que me restam na película da memória e juro serem tão verdadeiras e objectivas como eu próprio que aqui estou, ainda, não afiançando, contudo, que coincidissem tim-tim por tim-tim, se as ouvissem contadas por outros que também as viveram.

Mas peguemos nesta porque tem foto e que por tê-la e me ter chegado às mãos nas voltas que de vez em quando dou à caixa onde a guardo com outras, me reclamou o contar-vos.

Seguia eu de Bissau para Medjo na última etapa do meu mês de férias no puto, embarcado ao cair de uma noite no batelão Anita com companheiros de desditas, militares brancos de Gadamael, de Guiledje e de Medjo, talvez até de Cabedu, soldados locais de alguns desses lugares desse tempo como se vê na foto, não me lembro se algum civil também de regresso do Bissau.

Depois da partida, furando a noite já funda, desaba sobre o barquinho uma dessas bátegas habituais por ali em tal tempo. O barco tem apenas aquela espécie de barraca como protecção do piloto e o resto é campo aberto às grossas e intensas cordas da água que cai. O poço do porão vem carregado de farinha para os quartéis, tapada por um estrado de ripas e um encerado numa cobertura em duas águas.
No meio daquele quadro e já bem encharcados, chegou-nos à imaginação, a mim e ao Serra, de nos esgueirarmos para debaixo da cobertura e passar ali o tempo da bátega. Choveu noite dentro e quando saímos para a luz da manhã, toda a gente ria da figura que fazíamos. A farda, a cara e as mãos eram a imagem de um padeiro desajeitado depois de uma noite de amassar e tender. Sobre os sacos de farinha, com roupa molhada e secando no corpo, ganháramos farda nova na imaculada brancura marinheira, na pasta branca e já seca do calor do interior da protecção.

Tirámos a roupa, lavámo-la debruçados na amurada, estendemo-la a secar, mergulhámos para lavar, pele, cabelo, ouvidos, olhos… cueca e meias, e fizemos a última parte do trajecto para Gadamael no estado que se vê na foto, como lagartos esparramados ao Sol, beneficiando da benesse de um PAIGC ausente naquela vez nas curvas da água.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11875: Humor de caserna (38): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (11): As ovelhas e a cabra do senhor Aniceto

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13407: (In)citações (67): A Exposição Colonial Portuguesa de 1934 versus A literatura sobre os "impérios europeus" (Mário Beja Santos / Carlos Nery / José Brás)

O belo Palácio de Cristal do Porto (1865-1951) derrubado para dar lugar ao Pavilhão dos Desportos, rebaptizado mais tarde como Pavilhão Rosa Mota

Foto: Com a devida vénia a Skyscrapercity

A propósito da mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos, que encaminhei para a tertúlia, onde se incluía uma ligação ao sítio da Hemeroteca da Câmara Municipal de Lisboa, mais propriamente dito à Exposição Colonial Portuguesa de 1934, levada a efeito no Palácio de Cristal do Porto, salientamos estas duas reacções:



1. Do nosso camarada Carlos Nery, via facebook:

A propósito da chamada de atenção do camarada Beja Santos informo-te de que estive nessa exposição como se pode ver no Album junto...



Sou eu com um ano de idade... Quanto à moça africana ponho a hipótese de ser uma Bijagós. Os Bijagós são uma das mais antigas etnias da Guiné. Vivem ainda numa sociedade matriarcal, como outrora acontecia um pouco generalizadamente em África.

Para se ter uma ideia do que foi esta Exposição e avaliar a capacidade organizativa de Henrique Galvão (mais tarde opositor do regime e protagonista do assalto ao paquete Santa Maria) tem sentido "navegar" no blogue do porto e não só

Carlos Nery


2. Noutro sentido, talvez como contraponto, esta reacção do nosso camarada José Brás de quem não tínhamos notícias há algum tempo:

Carlos, meu amigo
É sempre de grande utilidade ter um documento destes ao nosso dispor como "Memoria" da História Oficia.
Entretanto, porque sabemos que a História Oficial é sempre um produto de homens, escrita pelos vencedores em cada contexto, coisa que a aproxima, no mínimo de verdadeira ficção, ainda que muito duvidoso de que camaradas em número significativo se venham a interessar por isto, aconselharia a dar nota também de pubicações como "Exterminem Todas as Bestas" de Sven Lindqvist, ou o próximo "Racisms: from the crusades to the twentieth century" (Princeton University Press), do português Francisco Bethencourt, radicado em Inglaterra como professor de história, a sair brevemente no Brasil e ainda sem editora em Portugal. A publicação da sua entrevista a Isabel Salema, acho que seria também um bom serviço ao Blogue no alargamento da visão sobre o nosso passado como povo.

Um abraço camarada
José Brás



3. Comentários de Carlos Vinhal

i) Ao camarada Carlos Nery o nosso obrigado por ter "representado", em 1934, no Porto, o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné no evento tão importante, para a época, que foi a Exposição Colonial Portuguesa.

ii) Ao nosso camarada José Brás o nosso obrigado por estar sempre atento ao nosso Blogue e pelas suas intervenções sempre oportunas e construtivas.
Seguindo a sua sugestão, e uma vez que se tinha em carteira, para reenvio à tertúlia, a entrevista que Francisco Bethencourt deu à jornalista Isabel Salema, chegada ao Blogue via Mário Beja Santos, a mesma foi de imediato difundida.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13275: (In)citações (66): Sobre o 10 de Junho, Dia da Raça (José Manuel Matos Dinis)

terça-feira, 17 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13298: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (36): Parabéns, Juvenal Amado, pelo dia de hoje em que fazes anos e pelo sábado, em que vais casar a tua filha... Que ela seja a noiva mais feliz do mundo e que tu sejas o pai mais babado... Lembrando aqui a nossa máxima segundo a qual "os filhos dos nossos camaradas... nossos filhos são".


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 >  .

"Não venhas tarde!... foi o pedido que fez a esposa do Juvenal Amado (em cima, na foto) quando ele deixou Fátima, ali ao lado, e veio para mais um encontro da malta do nosso blogue... É que o nosso camarada tem uma filha para casar, a sua Vanessa, no próximo dia 21... E se ele há coisa mais stressante para um pai (e uma mãe) são  os preparativos do casamento de um filho ou de uma filha...

Eu vim-me embora com a Alice, a caminho de Leiria onde pernoitei, já deviam passar das 22 horas... E o Juvenal ainda lá ficou com um grupinho simpático de hóspedes, a falar da guerra que, afinal, ainda não acabou... Na mesa, estavam o António Martins de Matos, o Miguel Pessoa, a Giselda, o J. Mexia Alves, ele, eu... E por ali perto, o Carlos Vinhal, o Francisco Batista, e outros participantes do encontro que pernoitavam  no hotel.

Falávamos da operação  Trampolim Mágico, em fevereiro de 1972, em que  as NT ( a malta de Bambadinca e de Galomaro, mais os páras da CCP 123, a FAP, a marinha...)  fizeram um operação conjunta, com desembarque anfíbio, percorrendo o Rio Corubal e a sua mítica margem direita, voltando a entrar, 3 anos depois da Op Lança Afiada,  em "santuários" do PAIGC como a mata do Fiofioli.

A gente perde-se quando  volta a evocar estes sítios da guerra onde todos demos e levámos porrada, o sector L1, o triângulo Xime-Bambadinca-Corubal, o Sector L5, Galomaro, Dulombi, Saltinho...

Desta vez mal tive tempo de falar com o nosso bom amigo e camarada Juvenal Amado que, ainda para mais, faz hoje anos. 145 cabeças a dividir por 540 minutos (que é no máximo o tempo útil que a gente tem num encontro como este para conversar com a malta) dão menos de 4 minutos de atenção a cada um...

Quero aqui, a talhe de foice, lembrar outros encontros em que o Juvenal Amado esteve presente,  com a sua simpatia,  bem, como outros camaradas, que nos são igualmente queridos, e que desta vez não quiseram ou não puderam estar presentes.  O Juvenal, se não é totalista, esteve em quase todos os nossos encontros, que se realizam já desde 2006.

Parabéns, camarada e amigo (*)... Desejo-te muita saúde, longa vida e algum patacão para os trocos. À tua patroa, direi que, à laia de pedido de desculpa, que  um camarada nunca chega tarde a casa quando está, sentado,  à sombra do poilão da Tabanca Grande, em amena conversa com os amigos e camaradas da Guiné, partilhando memórias e afetos, (Registo, com apreço, o facto de o Juvenal ter vindo ao nosso IX Encontro Nacional, a uma semana da  festa da sua filha!).

Desejo-te um dia e uma semana cheia de alegrias. E que no sábado, 21, tu e a tua esposa sejam os mais felizes do mundo, e que a tua Vanessa seja a noiva a mais bonita da Tabanca Grande... Estamos lá, em espírito contigo e a tua família, porque afinal os filhos dos nossos camaradas... nossos filhos são! (**)

Foto: ©  Manuel Resende (2014) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 >  O Juvenal Amado, ao centro, tendo à sua direita,o "comandante" Jorge Rosales, o "régulo" da Tabanca da Linha.

Foto: ©  Miguel Pessoa (2014). Todos os direitos reservados.



VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > O Juvenal Amado (Fátima / Ourém), em amena cavaqueira com o casal José Brás e esposa (Montemor-o-Novo)

Fotos: © Mário Bravo (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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(**) Último poste da série >  16 de junho de  2014 >  Guiné 63/74 - P13295: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (35): a missa celebrada na igreja de Monte Real, por intenção de todos os nossos camaradas já falecidos, incluindo o António Rebelo (1950-2014), vítima de morte súbita na véspera do nosso convívio (Fotos de Manuel Resende e Rui Silva)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12865: Blogpoesia (373): O Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2014, na nossa Tabanca Grande (IV): Revolta (José Brás)

José Brás [, ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosae Mejo, 1966/68; escritor]

No Portugal que temos 
só me apetece esta, caro Luís.
Abraço. José Brás

Revolta

Por dentro de mim circulam revoltas
circula um vento agreste
feito de revoltas
que me fecham tantas vezes o sorriso
a vontade de ouvir
e de dizer
que fui
que sou
só porque digo que serei o que nem sei…

Chegam-me ainda
o seco som dos tiros
cheiros de enxofre
e de carne morta
tantos sons de nomes que perdi
porque de mim se perderam
na viscosidade quente das matas…

Chegam sons de pragas
e de choros
a visão de olhos vazios
no apelo da desistência
o bafo quente
húmido e podre do tarrafo
as febres da malária e da cólera…

A trovoada tropical
racha-me por dentro
queima-me tronco e folhas
de onde haviam de brotar risos

José Brás

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Nota do editor:

Último poste da série >  21 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12863: Blogpoesia (372): O Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2014, na nossa Tabanca Grande (III): Dois poemas do último livro, "Entre margens", Lua de Marfim Editora, 2013 (Regina Gouveia)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10739: Memória dos lugares (198): A ponte do Saltinho e o ninho da metralhadora Breda (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53, 1970/72 / Luís Graça, CCAÇ 12, 1969/71)



Guiné > Zona leste > Setor L5 (Galomaro> Saltinho > 1972 > Pel Caç Nat 53 > Vista aérea da ponte e do Rio Corubal no Saltinho, antes da construção do reordenamento de Contabane, na margem esquerda (hoje, Sinchã Sambel).

Foto: © Paulo Santiago (2010). Todos os direitos reservados.[Editada por L.G.]


Fto nº 202 > Ponte do Saltinho... Militares da CCAÇ 12 que acabavam de chegar, em coluna logística, oriunda de Bambadinca... Presumo que a foto de seja do 3º ou 4º trimestre de 1969... Em primeiro plano, à esquerda, de costas, o Humberto Reis com 1º cabo, do seu 2º Gr Comb, o "Alfredo"... Mais à frente, à direita, também de costas, mas assinaldo com um círculo a vermelho, sou eu...Como se vê na foto, não havia na altura nem cavalos de frisa,. nem postos de sentinela, nem ninhos de metralhadora, nos topos da ponte...



Foto  > Arlindo Roda, fir mil da CCAÇ 12, fotigrafado, de no in´cio da ponte, do lado do Saltinho... Em primeiro plano, há duas inscrições que merecem ser descodificadas: dois números,  818, 1646... O primeiro deve um nº de identificação ou de inventário desta obra de arte; o segundo (, pintado à mão),
é mais provavelmente o nº da CART 1646 / BART 1904 (1967/68), que esteve no Xitole e Saltinho.

A lápide, em bronze, evoca a "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás).

Fotos: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Editada por L.G.]



Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1972 > Vista aérea do Rio Corubal, da ponte Craveiro Lopes , e 4 arcos (, construída em cimento armado e inaugurada em 1955), e do aquartelamento do Saltinho (na margem direita, instalações hoje transformadas em unidade hoteleira)... A montante da ponte, pode-se ver restos da "passagem submersível", em uso até 1955. Nesta foto de 1972 também é evidente a não existência,  nos topos, de quaisquer cavalos de friza ou postos de sentinela ou ninhos de metralhadora. Foto do nosso camarada Álvaro Basto, régulo da Tabanca Pequena (Matosinhos)

Foto: © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Paulo Santiago, com data de hoje:

Luís

A propósito do teu último comentário no poste P10730, anexo uma foto (está algures no blogue),  onde se vê nada existir na ponte [, a primeira foto acima publciada, neste poste]. Existiam apenas, na foto não se notam, dois cavalos de frisa, um em cada topo. Esta foto foi tirada antes de iniciada a construção do reordenamento na outra margem.

Ao fundo, à direita da ponte, está o abrigo do meu pelotão. Junto do abrigo, à sua esquerda, o ninho da Breda que ficava no enfiamento daquela obra de arte.

Abraço
P. Santiago.


2. Mensagem de L.G., enviada hoje ao Paulo Santigao, com conhecimento ao Humberto Reis e ao Tony Levezinho:

Paulo: Mando-te umas fotos do álbum do meu camarada Arlindo Roda, da CCAÇ 12.. São do Saltinho, e devem ter sido tiradas, as de mais baixa numeração (nº ) em meados de 1970, já no tempo do novo batalhão, o BART 2917... Há malta da CCS que foi connosco, o caso do fur mil enf Coelho (que vive hoje em Beja, e tinha a esposa em Bambadinca).

Não me parece que as fotos, que não trazem legenda, tenham sido todas tiradas na mesma altura... As da numeração mais alta (F1000200 e ss.) , parecm-me mais antigas (3º ou 4º trimestre de 1969)... A maior parte das vezes, as nossas colunas logísticas não iam s ao Saltinho, fazíamos a segurança até ao Xitole, e voltávamos... O Xitole depois encarregava-se de fazer chegar ao Saltinho os abastecimentos...

Eu apareço, de costas, numa ou duas fotos, na ponte (nº 202)... Aparentemente se não veem nem cavalos de frisa nem posto de sentinela nem "ninho" de metralhadora... Terá sido confusão minha ?

Provavelmente já existia o tal abrigo do teu pelotão, à direita, antes do início da ponte, e o tal da ninho da Breda, à esquerda do abrigo, que podia varrer todo o tabuleiro da ponte, em caso de ataque IN pela ponte... Deve ter sido ido que eu vi, na altura, emboar tu ainda estivesses lá...

Devo ter ido ao Saltinho ainda em 1969 (no tempo do BCAÇ 2852), e depois em meados de 1970 (no tempo do BART 2917)... Já não te posso garantir quantas vezes lá fui... Um das minhas idas está documentada, e na altura a ponte estava cheia de ervas, denotando pouco ou nenhum uso ...

Ofereço-te estas belíssimas fotos que vou publicar no blogue...Mando também para o Humberto e para o Tony, pode ser que eles se lembrem de mais pormenores... Fiz um aproveitamento da tua foto aérea da ponte...para veres melhor os pormenores... Tens também uma de 1972, do Álvaro Basto.

Queres fazer algum comentário para eu inserir no poste ?... A ponte não era iluminada à noite... Vocês iam para o lado de lá ? Era seguro ? Donde vinham os ataques ? Alguma vez foste de viatura até Contabane ? Ou mais longe, Mampatá ? Quando é que a estrada ficou interdita ?

O Arménio Estorninho ainda se lembra de ter feito uma "coluna auto de Aldeia Formosa-Saltinho-Aldeia Formosa, com passagem por Contabane, que encontrava-se incendiado e evacuado."... Isto, em agosto de 68, sendo a finalidade da coluna a entrega de "material sobressalente para viaturas auto" no Saltinho. Também nos diz que por volta 1970 a Ccaç.2701 estava aquartelada no Saltinho, sendo o Furriel Mec Auto o José Luís dos Reis.

Também o Zé Brás já comentou aqui que "a estrada Xitole-Aldeia Formosa cheguei a fazê-la sozinho com um condutor em jeep ainda em 67 e sem problemas"...

Em comentário ao mesmo poste, o P10730,  eu expliquei ao Arménio, no meu tempo (junho de 69/março de 1971) a estrada acabava na ponte do Saltinho, se não estou em erro... e que ainda timha "uma vaga ideia de lá no fim haver um ninho de metralhadores, montado para defesa da ponte e do aquartelamento do Saltinho"... Ou teria sido "miragem minha", interrogava-me eu ?

Nessa altura, o percurso até Quebo estava "interdito"... O mesmo aconteceu entre novembro de 1968 e agosto de 1969, em relação ao troço de estrada Mansambo-Xitole... Fomos nós, CCAÇ 12 e outras forças, que o (re)abrimos nessa altura... Foi uma época épica de colunas logísticas de Bambadinca para o Xitole e o Saltinho (que até então só podiam ser abastecidos via Galomaro).


Um abração. Luís
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10734: Memória dos lugares (197): Elvas, património mundial da humanidade - Forte de Nossa Senhora da Graça (ou Forte Lippe) - A barrilada (António José P. da Costa)

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10374: Notas de leitura (401): "A Viagem de Tangomau" de Mário Beja Santos - Entre o Relatório e a Ficção (2) (José Brás)

1. Segunda e última parte da apreciação do livro "À Viagem de Tangomau", a última obra do nosso camarada Mário Beja Santos, feita pelo outro nosso camarada José Brás, ele próprio um autor muito importante na bibliografia da Guerra do Ultramar (ou Colonial). 


ENTRE O RELATÓRIO E A FICÇÃO  (2)

"A VIAGEM DO TANGOMAU" - uma obra prima

Por José Brás

Deixando para trás comentários velhos e por provado que o pormenor levado a tal extremo, não é exagero mas virtude em Tangomau, volto à minha confirmando que tal Tangomau podia ser ou podia não ser eu, de facto, malgrado outra coisa ter dito no início desta conversa que aqui vim ter convosco sobre o livro do Mário, lembram-se, - a minha grande perplexidade perante este livro e perante as suas personagens, o sobretudo o Tangomau, vem da descoberta de um homem que, com alguns pontos de toque comigo próprio, visto assim, é um ser diametralmente diferente de mim, este leitor que agora escreve sobre o que leu e que, obviamente, vivendo por esta via o que viveu por outras e reais, o autor, se modifica também um pouco e ganha opinião, provavelmente diferente da que teria antes da leitura -.
Tangomau, aquele que morre ausente ou desterrado da pátria, não podia ser eu tal como fui na Guiné, não um Alferes atirador e Comandante de um Pelotão de Caçadores Nativos e de um outro de Milícias, numa zona de tudo desprovida menos de acção de combate, de sangue e de dor, sofridos ou infligidos, mas um Furriel de Transmissões de uma Companhia de Caçadores num outro lugar também vazio de referências e de conforto e também agitado pelo combate, pelas mortes e pela dor. Não podia porque foi diferente a abordagem que fiz à guerra, daquela que fez Tangomau.

Na obrigação de comandar muita gente e de cumprir a missão junto ao Geba, salvando o que fosse possível dos sinais de civilização que transportava e das vidas dos seus comandados sem faltar nem um dia ao cumprimento das obrigações que lhe atribuíram, Tangomau tem que mergulhar até ao fundo naquela transformação humana que detectamos na leitura do livro, tornando-se num homem diferente do que fora e até do que imaginara ser, tornando-se num N’Bakê, disponível para matar e morrer e também para abraçar os seus homens e com eles chorar o choro balanta, mandinga ou fula, regressando a Lisboa, aparentemente o mesmo que partira, mas na realidade outro.

Eu, aceitando a guerra porque recusava a fuga, embarquei como civil e tanto quanto pude vivi na Guiné como civil, rejeitando a vida local, sem farda por fora nem por dentro da pele que me cobria, e um claro sentimento de admiração pelos que lutavam, alegadamente pela liberdade do seu povo.
Com isto terei voltado o mesmo que partiu? Creio bem que não e ninguém poderia ter voltado o mesmo que partira para tal missão. Voltei outro, seguramente, porque combati, porque disparei, porque fiz emboscadas e embosquei a gente que admirava, vi os seus mortos e estropiados, as suas culturas e casas destruídas, e, pior, vi os meus próprios mortos e neles morri também um pouco para continuar vivo mas outro inevitável, diferente do que partira e também diferente do Tangomau na volta.
E sei que, mesmo eu, se tivesse tido uma experiência diferente na Guiné, seria ainda outro no regresso, igualmente diferente do que partira, mas diferente também do que regressou de facto.

Por exemplo!
Na recruta nas Caldas eu era sem dúvida o melhor instruendo dos sessenta do meu duplo pelotão, tanto no aspecto físico, como nos testes escritos. Toda a gente o sabia e toda a gente pensava que eu iria ser enviado para Mafra para graduação em Aspirante. Vinha de muito exercício físico, quer da vida de aldeia nas vinhas de Alenquer, quer no remo de competição no Tejo de Vila Franca, na corrida, na prática do boxe, na actividade taurina de forcado a quem “calhavam” sempre os toiros duros e grandes.
Fizera o Liceu a pulso, os dois primeiros ciclos, cada um num ano, e frequentava a alínea F do 3.º ciclo quando me enfiaram no quartel. Vinha com provas e o Comandante do Pelotão sempre me transmitiu a ideia de grande consideração. Porém, próximo do fim da recruta, o Cabo Miliciano que secundava o Alferes na condução da instrução, confidenciou-me que este hesitava muito porque tinha dois outros instruendos, professores da escola primária como os pais do Alferes que ele tinha de proteger.
Resultado! Não fui para Mafra onde seria atirador e fui para Transmissões. No dia em que o Alferes, excelente pessoa, digo, juntou o pelotão para comentar o futuro de cada um dos seus instruendos, desabafou que a única surpresa dele era eu que ia para Transmissões, podendo dar um grande Comando.
Disso recebeu o troco de um enorme grupo de instruendos que lhe fizeram notar que a culpa era dele, Alferes por não me ter enviado para Mafra.
Na altura fiquei chocado com a repetição na tropa dos mesmos tiques sociais do civil e porque o pré seria bem mais baixo, o que fazia toda a diferença para quem vivia apertado. Mais tarde pensei que afinal o homem me havia feito um favor pela diferença dos riscos, coisa que em Aldeia Formosa e em Medjo não se notava, uma vez que fazia todas as colunas a Buba e a Gadamael Porto e ainda ia algumas vezes às operações voluntariamente e apenas pela sede de adrenalina, pela curiosidade sobre as situações de combate, por solidariedade com amigos estoirados e mesmo por uma ou outra loucura.

Este trecho que aqui vem, aparentemente a despropósito, não tem apenas o objectivo de teorizar sobre as diferenças entre cada qual e comprovar o que disse atrás, mas mesmo de navegar na busca de diferenças que podem ocorrer mesmo com um só cidadão na possibilidade de pressupostos e vivências diferentes.
Que poderia ter-me acontecido, se em vez de Furriel de Transmissões me tivesse calhado ser Alferes atirador, muito provavelmente tropa especial, atirado para um sítio qualquer a comandar pelotões de Caçadores Nativos e intervindo em combate com as responsabilidades das missões e das vidas dos subordinados?
Hoje resta-me a lástima de reconhecer que me entreguei pouco àquela gente, a conhecer os seus costumes e culturas, a entender-lhes as aspirações e objectivos, as suas verdades e mentiras, a todos e cada um deles, e de não ter sido seu um amigo engajado. Trajando à civil a maior parte do tempo, recusando convívio com tropa profissional, perdido no afã da recusa, vivi apenas na ânsia de voltar à terra de onde saíra e de esquecer que aquele tempo tinha existido, coisa que, como se vê, não aconteceu a Tangomau.
O relatório...


Agora, a ficção!

A ficção que não pode desligar-se do clima que o relatório definiu, em lugares, em tempos e em modos. Em modos das gentes, já se vê, porque as gentes, e neste caso, principalmente o Tangomau, são o único e verdadeiro motivo de qualquer escrito, seja ele relatório, seja ele romance, partes, aliás, diferentes mas intrinsecamente ligadas à realidade real, num caso relato directo e sem arredondamentos psicológicos ou condicionantes possíveis mas não efectivas, e o outro, especulando, desenhando hipóteses outras e caracteres morais e intelectuais que podem explicar a realidade. E não se tenha o Relatório que atrás vem referido por mim na relação do que li, como peça menor na armadura do que aqui se pretende dizer da Ficção. Nenhum personagem de ficção, muito ou pouco realista, mesmo que muito romântica, terá grandes hipóteses de amar ou de odiar, de escrever ou de guerrear, de cavar terra de vinha ou de sonhar, se respirar outro ar que não seja nesta mistura de setenta e um por cento de ozono, vinte e um por cento de oxigénio e de um por cento de gases raros.
O Tangomau vai despejado de um ambiente citadino, só por acaso muito culto, dessa cultura que se tem como imagem, construída no S. Carlos, no Teatro Nacional, nos museus e galerias, nas tertúlias, nas grandes leituras, na missa da Sé ou da Basílica da Estrela, também com um fino pó de progresso que estas vidas podem ter, com podem ter o seu preciso contrário, e cai na floresta sub-tropical da Guiné a comandar soldados negros que haviam ficado de um lado da contenda como poderiam ter ficado na outra, obrigado, portanto, a instruí-los no combate contra os seus irmãos de sangue ou de vizinhança; obrigado a defender-lhes a vida; obrigado a sofrer-lhes as dores e sofrimentos e a partilhar o nada que tinham para viver ao tempo, nesses simulacros de acampamento, a calcorrear quilómetros de lama e de trilhos, a sofrer os mesmos mosquitos e a mesma febre palúdica; aprendendo com eles a raiva do combate, a ansiedade da espera, o regresso exausto da operação na felicidade dissimulada sob a pele, na certeza que se volta vivo e inteiro, por fora, ao menos. Dois anos desta partilha maltesa, desta quase certeza de uma bala perdida, um fornilho armado, uma noite sem jantar, uma fé que vacila.

E que faz um branco, militar, oficial subalterno nesta tropa fandanga, neste simulacro de vida, neste patriotismo de dúvida e com inimigo que se odeia e que se ama como só ama quem odeia e só odeia quem ama, sobretudo se Pátria aqui é uma abstracção diluída no calor abafado e no capim apodrecido de uma bolanha de mais sangue que arroz?
Transforma-se em ficção. Busca-se nos outros que tem em si e que não conhecia, nem em Lisboa nem em Mafra, nem em Ponta Delgada.
Tenta encontrar-se nos Sancó e nos Fodé, apurar os sentidos no cheiro de enxofre que lhes sobra das partes dos corpos com sua carne em falta.
Ficciona-se obrigatoriamente nesse tempo de transição de branco quase doutor nas calçadas de Lisboa, para esse M’Baké, soldado negro combatendo no lado errado da terra de ninguém na lalas do Cuor, e de novo branco no regresso do Uíge, aos baldões de uma vida nova para refazer no puto, sentindo a falta desses eus que deixou nas matas e nas mãos de seus soldados, tendo que reinventar-se, não a partir do que havia deixado mas do que restou do combate, sempre com um pé cá e outro lá, no eco das balas disparadas, das alegrias e das tristezas que lá deixou como bagagem a mais que sempre nos pesa nas mãos e na alma na ilusão de se possa recuperar.

E é dessa ilusão de recuperação que o herói (todo o herói) vive nas esquinas circunstanciais do tempo e do modo. Uma ilusão que dói e que une todos os que daqui partiram jovens e regressaram velhos, julgando-se todos os dias na possibilidade de regressar aos cheiros, aos trilhos, aos medos e à camaradagem.
O Tangomau regressa ao passado, antevendo a festa do reencontro e a euforia dos lugares e das memórias.
Mas nem os lugares são os mesmos nem as árvores escondem já inimigos.
As vidas mudaram, ainda que não para melhor ou para maior esperança. Tangomau espreme o limão do convívio e da festa até ao âmago, na generosidade e na imagem dessa gente acossada. Dentro de si o abraço vai até ao último fôlego, até às pontas dos dedos que resistem teimosos ao despegar, sentindo já a melancolia da separação que ainda não se deu, a saudade que lhe irá doer nos dias, nas semanas e nos meses seguintes, como se aquela terra e aquela gente lhe corresse nas artérias entre a boca e as células e se escoasse pelas veia abertas na hora da partida.
Só agora, na última viagem, se completa o herói, acabando o filme e o espectador saindo da sala na imaginação ainda do mistério depois do “the end”.

Aparentemente, as vidas que viveu entre Teilhard de Chardin e conversas com Ruy Cinatti, as viagens de lambreta de Mafra e Lisboa, o romance e “a primeira vez” com a prostituta Maria Luísa em S. Miguel, as patrulhas, as emboscadas, os golpes de mão, as flagelações, um casamento de malucos em Bissau entre duas operações de guerra, a psiquiatria simulada, estão fechadas.
Vendo bem, nem existiram nunca. Nem Finete nem Mato de Cão, nem Missirá nem Bambadinca, nem floresta de galeria, nem bolanhas de arroz, nem colónia, nem mandigas, nem balantas, nem guerra colonial.
Portanto, é falso o Alferes Lopes Ferreira, em Mafra dando instrução de ordem unida, de armamento, de batidas em linha ou em coluna, de guerra subversiva, de tática; São criação pura o Furriel Saiegh, o cozinheiro doutor Quebá Sissé, Infali Soncó avô de Malan, Mamadú Balde passeando na Feira Popular de braço decepado, a conversa com o padre Lâncana Sancó acompanhada de fatias de pão quente, talhadas de marmelada e chá de erva cidreira.
O Tangomau não podia ter passado dois anos da sua existência dormindo em tarimbas improvisadas em moranças de colmo, e quartéis/tabanca, entre dois ou três furriéis brancos, soldados negros e suas mulheres/criança, criançada da barriga empinada, armas prontas para o fogo, galinhas e porcos e cabras, porque o Tangomau nunca existiu, nem o PAIGC, nem a guerra, nem o regime que a forçou. Ninguém iria lembrar-se de se por a ler Simenon, Sartre, Steinbeck, Florbela, J. D. Salinger, Mickey Spillane, Camus, nos breves intervalos da instrução sobre granadas, sobre metralhadoras, sobe a eliminação de sentinelas a faca de mato, em Mafra. Ninguém se poria a ouvir Montverdi, ou Bach, ou Mahaler, ou Shostackovich, entre duas patrulhas nas margens do Geba.

Só uma imaginação muito livre poderá entender que balas tracejantes em ataque do PAIGC destrua parte de Missirá, morança a morança ardendo em labaredas altas, alimentos, livros, roupas civis de militares e fardas militares de civis em andanças de guerra, discos de música clássica, tudo ardendo inexoravelmente pelo meio dos tiros de lá e de cá, rebentamentos de morteirada, gritos de gente, deixando cada qual com a roupa do corpo, apenas, alguns em cueca velha e sem mais nada que os cubra além da santidade da situação, até que socorro de fora se arrime no fim do fogachal e reponha trastes, paparoca e algum ânimo.
Tangomau é uma abstracção.
“Tamgomau é um ser que quando chega a adulto passa a viver entre a civilização dos brancos e os mistérios mais profundos das culturas nativas, numa avenida ou rua qualquer da tal civilização dos brancos, sente cheiros tropicais, deslumbra-se com o arvoredo da floresta de galeria, não teme a cobra verde nem a surucucu, é capaz de ficar pasmado diante do poilão sagrado, está sempre a pedir papaia e água fresca da fonte…”

Tangomau é um tempo limite entre dois espaços geográficos e culturais separados por milhares de quilómetros de água de mar, por séculos de ocupação e de resistências, de muitos sinais do sangue que homens feitos inimigos colheram uns nos outros, deixando como marcas nos seus corações até que o oxigénio dos tempos purificou e tornando possível o abraço.

Tangomau, há quem chame a Beja Santos, hoje e aqui deste lado ainda vivo de uma guerra apodrecendo, como haviam chamado antes, outros e no outro lado da mesma guerra, N’Baké, alfero, irmão.

A partir deste livro, as cartas dos jogos que ainda se batem no pano incolor da memória imperial, ganham novas qualidades e enchem-se de trunfos em todos os naipes.

Espantoso Relatório sobre a praxis de uma guerra cheia de contradições que se iniciava nos quartéis do rectângulo entre coronéis de proeminentes barrigas mentais e jovens licenciados saídos da Universidade e da vida já com luzes mais evidentes sobre o homem e sobre o mundo; entre os velhos Manuais de Instrução Militar e uma realidade histórica que os negava; entre eucaliptais e caminhos velhos de um País esgotado onde se disparavam Mausers e se aprendia a escolher a zona de morte, e a floresta de galeria da Guiné.

Ficção habilmente montada sobre uma realidade que a ultrapassaria, não fora a mão cuidadosa do autor que a constrói num jogo de faz de conta que foi o que realmente foi, e nos retrata, a cada um que palmilhou matas e tarrafos; que contou todos os dias até ao seu regresso; que se julgou inteiro na volta e só depois se apercebeu das costelas que ficaram a faltar-lhe porque, não sabe porquê nem como, as deixou nas cartas militares do seu turismo de fogo na Guiné, e naquele gente negra que com ele ou contra ele se bateram de armas na mão em nome de um travão da história.

José Brás
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Notas de CV:

José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo (Guiné) entre 1966 e 1968

Mário Beja Santos foi Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca (Guiné) entre 1968 e 1970

 A não perder, a leitura da primeira parte deste texto no poste de 12 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10369: Notas de leitura (400): "A Viagem de Tangomau" de Mário Beja Santos - Entre o Relatório e a Ficção (José Brás)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10369: Notas de leitura (400): "A Viagem de Tangomau" de Mário Beja Santos - Entre o Relatório e a Ficção (José Brás)

1. Integrada na série Notas de leitura, vamos publicar, em dois postes, uma apreciação "À Viagem de Tangomau", a última obra do nosso camarada Mário Beja Santos, feita pelo outro nosso camarada José Brás, ele próprio um autor muito importante na bibliografia da Guerra do Ultramar (ou Colonial). Porque, sem dúvida, estamos mais uma vez perante uma excelente prosa do camarada José Brás, infelizmente para nós, às vezes um pouco arredado do Blogue, chamamos a especial atenção aos nossos leitores para esta forma diferente de abordagem a um livro.


ENTRE O RELATÓRIO E A FICÇÃO 
"A VIAGEM DO TANGOMAU" - uma obra prima

Por José Brás

Título danado, este que aqui ponho. Raios me partam!
De onde me virá esta desgraçada tendência para a secura e para a dureza, algumas vezes mais parecendo mesmo uma busca qualquer de desamor, ou pelo menos de incompreensões e animosidades variadas, quando entro na discussão do homem, da sua história conhecida, dos seus anseios, dos trambolhões que dá em cada dia do seu calvário, e também das suas supostas alegrias e vitórias, que a mim sempre me parecem pequenas, comparadas com o que deveriam ser no seu projecto de Deus?
Digo isto, indo nós ainda no princípio desta arenga, desta conversa de mesa de cabeceira, pode dizer-se porque o principal da leitura que fiz ao livro do Mário, a fiz na cama, noite fora varando o silêncio da mata de sobro que enreda o Monte Moinho do Meio.
Andando eu, ainda, às voltas com o título que lhe quero pôr, mais ou menos decidido que possa estar no que, encimando, se pode ler, e já aqui tenho o anúncio desta cagança velha, quase tão velha como eu, na aparência de patada inesperada.
É que as palavras têm peso, cada uma por si se estiver só mas variando quando se juntam a outras. Variando no significado, no sentido, na intenção de quem as junta, na música interior dos sentimentos de quem as lê, sobretudo se quem as lê ou ouve, as sente para si escritas ou para amigos próximos, queridos amigos ou apenas conhecidos de estórias bem ou mal contadas.

E até, diria mais, mesmo que não me abalance a profundidades teóricas, digo que as mesmas palavras postas no conjunto em posições diversas, podem verter-se em gritos de raiva ou em lamúrias, em casos fora deste, evidentemente, como uma equipa de futebol em que troquem as posições, os defesas, os médios e os avançados.
Experimentemos com as que constam do título e do subtítulo presentes, peguemos nelas, mudemos-lhe a posição no conjunto e avaliemos se o que se dizem é o mesmo! Então, por exemplo…


A VIAGEM DO TANGOMAU
- uma obra prima entre o relatório e a ficção

Podemos começar já a comparação desta hipótese com a da primeira escolha, e, de mão sobre o coração e cabeça limpa, neste fórum em que cada um vai ter que se defrontar consigo próprio, ponhamos prós e contras a ver se os eus que temos e nos têm, se se entendem nas variáveis do jogo proposto.
Por exemplo! A mim, ou a um dos de mim, me parece que estas duas propostas se encontram em extremos opostos na possível objectividade de uma interpretação asseada. Na primeira, até parece que, quem escreve, suponhamos que nem sou eu, quererá marcar desde logo uma cor de negativo na apreciação do que vier a produzir-se como opinião.

ENTRE O RELATÓRIO E A FICÇÃO, assim, sem mais nem menos, como marca inicial, sabendo como sabemos que a primeira imagem é quase sempre a que perdura na cabeça de quem vê, de quem sente, de quem guarda o que vê e o que sente, e que, por um lado, relatório traz consigo o ferrete de coisa menor como escrita, formal e sem ponta de liberdade criativa na forma, no estilo e no conteúdo, e que ficção é quase sempre coisa tida como fruto de imaginações fora do quadro de um real que nos cerca e esmaga à maioria, largas vezes resultado de um outro lado de uma extremada liberdade criativa.
Só depois aparece, em itálico e maiúsculas menores, o título da obra, A VIAGEM DO TANGOMAU a que se acrescenta a qualidade de obra prima, na verdade, qualidade já emparedada no espaço imaterial que fica entre um relato objectivo e uma ficção sem ferramentas de medida.
Mas experimentemos outras hipóteses, ainda que isto possa parecer um exercício meio-maluco de quem instalou na cabeça uma certeza a que agora quer sujeitar as variantes possíveis de forma a fazer a verdade única da coisa.


A VIAGEM DO TANGOMAU
Entre o relatório e a ficção - uma obra prima

E que dizer desta outra tentativa de busca de uma solução clara, rigorosa e justa, como imagem primeira, A VIAGEM DO TANGOMAU, de quem quer dar opinião honesta sobre o que leu; sobre as emoções que viveu, lendo; sobre a minúcia do relato do acontecimento objectivo, dos transes circunstanciais de situações extremas, dos personagens reais-quase-imaginação, dos sentimentos, das aflições, das carências absolutas, da paisagem avassaladora, da solidariedade, da fraternidade, da consciência de um humano profundo em cada homem-quase-deus?
E que dizer também da qualidade da escrita, do respeito pelas regras da construção literária no meio de tamanha exaltação de almas, do talento em que evolui a minúcia longa do descritivo, seja do armamento; seja da fisionomia dos homens e das suas qualidades intrínsecas ou aparentes; seja da paisagem espantosa; seja do risco e da iminência do perigo radical; seja da violência com que se enfrenta e elimina o inimigo a quem não se odeia?
Entre o relatório e a ficção, aparece, assim, atenuado pelo que tem atrás, o principal do bolo, e seguido da cereja definitiva que contrapõe e dilui os exageros de (pré)conceitos que carregam, em cada um que lê, de seu modo, relatório e ficção.


Uma obra prima - entre o relatório e a ficção A VIAGEM DO TANGOMAU

Aqui, já nem parece aconselhável continuar o jogo, tão evidente me aparece a possibilidade de diferenças nas minhas próprias leituras, e, mais ainda, nas leituras de cada qual, receptor do que aqui ler e, melhor, se comprou o livro e lhe deu a volta.
Pior ainda, é, querendo eu emendar a mão, arredondar, adoçar o título, fazer a experiência de tirar palavras que carreguem negativamente o que devo dizer, e ver-me na dificuldade de não ser capaz de o fazer.
Por exemplo, o título do livro, A VIAGEM DO TANGOMAU, tem, obrigatoriamente, de permanecer e ninguém discordará disso, aposto singelo contra dobrado.
Uma obra prima, dê lá por onde der e seja lá qual for a vossa opinião, não a tiraria daqui nem a tiro, porque é mesmo isto que penso do livro que acabo de ler, ainda que possa desconfiar da minha insipiência crítica, seja por falta de ferramentas teóricas de análise; seja por falta de distanciamento que a emoção da leitura roubou; seja, até, por alguma espécie de insanidade intelectual que me possa ocorrer nesta etapa da vida.
Entre o relatório e a ficção… se pudesse, seria talvez a parte que aceitaria apagar se a isso fosse obrigado em exigência incontornável.
Mas não tiro!

Primeiro, porque ninguém me obriga, e, segundeiro (sic), porque quando leio este livro de viagens, sinto-me um pouco, desculpem os que me julgarem exagerado, sinto-me um pouco como ao ler Fernão Mendes (ou Mentes?) Pinto na sua sublime “Peregrinação”. Quero eu dizer com isto que nunca sei se a quantidade, o rigor e minúcia das peripécias dramáticas das mil viagens e dos personagens delas, são realidades que ultrapassam a ficção ou se são ficção que, na ânsia da busca do mais fundo do humano, recua até se emaranhar na própria realidade, misturando o profano e o sagrado porque caminhando para Deus, ainda que Deus se unifique no ideal dos muitos deuses que conduzem as ânsias e os gestos dos humanos que se cruzam na paisagem, nas dores e nas alegrias e se prolongam e confundem uns nos outros.

E a minha grande perplexidade perante este grande livro e perante as suas personagens, o Tangomau, sobretudo, vem da descoberta de um homem que, com alguns pontos de toque comigo próprio - a preocupação com o mundo, a procura desse fio que haveria de ligar todos os seres sobre a Terra porque todos buscando a felicidade e o caminho para o Infinito; a sede de justiça social; a aflição pelos horrores do crime colectivo se não erguessem eles próprios os muros que os separam irremediavelmente -, e de um homem que ao mesmo tempo e em aparente independência de razões e de razão, se assume herói numa guerra cruenta e distante do seu passado individual, se adapta à ideia da morte e da aniquilação de um inimigo de quem desconhece quase tudo, e da aniquilação de si próprio, na consciência de que, quem mata, se mata a si também, um pouco em cada bala, um pouco em cada emboscada, um pouco em cada noite de espera pelo inimigo que é seu mister eliminar, ainda que possa renascer também um pouco de cada vez e sair da experiência um outro, se não no talhe da figura, pelo menos no olhar e na alma que o comanda.

E esse homem, visto assim, é um ser diametralmente diferente de mim, este leitor que agora escreve sobre o que leu e que, obviamente, vivendo por esta via o que viveu por outras e reais o autor, se modifica também um pouco e ganha opinião, provavelmente diferente da que teria antes da leitura.
Mas para entender tal diferença entre os dois, é necessário que deixe para trás a preocupação com o título do que aqui se escreve, e passar à releitura do livro, tentando conhecer um Tangomau que ainda o não é, distraído no quotidiano da urbe grande com suas representações de vida e de morte, nas letras, na música, nas artes em geral, na aquisição de algum saber científico, na preocupação do sustento, nas relações e nas convenções sociais que o ligam à família e aos amigos, em círculos que sempre se fecham mais facilmente do que abrem…

E passar à ideia da entrada no serviço militar, nessa altura já e o mesmo que a entrada na guerra em África, pela quase certeza de ter que a viver num futuro muito breve, e ter de a assumir no quotidiano de um mundo novo e também desconhecido até aí, nos tempos, nos lugares, nos modos; nas regras sociais internas, regulamentos, valores, práticas, aprendizagens intensivas que haviam de contrariar as do civil, cidadão e urbano culto que crescera homem exaltando a vida e o amor entre as gentes.
Há que acompanhar a sua transformação no seio de uma sociedade hierarquizada, potenciadora da submissão aquiescente e da prepotência dos poderes, que grassava nos quartéis de Lisboa e arredores, e nos quartéis do mundo inteiro, acho eu, geradora de uma cadeia de comando em que o de cima esmaga o de baixo e o de baixo se submete ao de cima em nome do RDM e dos altos desígnios pátrios das Forças Armadas como um dogma total e irrecusável.

E embarcar com ele para o calor da Guiné, sentir-lhe o espanto no mergulho vertiginoso da comodidade de Lisboa ou da pacatez de Ponta Delgada e da travessia marítima em primeira classe, para um Bissau ainda assim-assim, até ao aparente vazio do Cuor, no calor sufocante de uma viagem fluvial pela estranha e longa nomenclatura dos lugares que ladeiam o Geba, adentrando a mata e o risco, até Bambadinca, até à bolanha de Finete, avançando sempre como se às arrecuas nos sinais de civilização, de olhar espantado, a custo tomando nota, descobrindo o anúncio daquela guerra tonta, de milícias, de armamento tosco, de palavrear novo, de cumprimento gentílico, de desconforto absoluto, de andança permanente na lala, na floresta de galeria, na embosca, na armadilha, no combate inevitável e na inevitabilidade da raiva, da dor, do amor, do ânsia de aniquilar um inimigo escorregadio, na sua rápida progressão de branco em negro, na proximidade do caos e na consciência absoluta de o combater e de se salvar, ao mesmo tempo mandinga, balanta, fula, alferes e milícia, um negro de Missirá, de Finete, da aldeia do Cuor, de Mato de Cão, dos lugares onde matou, morreu e renasceu outro, e um branco das salas da cultura de Lisboa onde se salvou, de novo renascendo, não o mesmo que partira dois anos antes, nem o que renascera dos corpos decepados de seus soldados negros, mas um novo, na justificação plena de que Tangomau não é “aquele que morre ausente ou desterrado da pátria”, mas um outro que tendo-se da Pátria desterrado, a manteve sempre em si na provação, e a devolveu aos seus mais clara e justa.

Porquê, então, o RELATÓRIO do título desta abordagem?

Lembro-me de ter lido de um camarada do blogue, Henriques da Silva, um magnífico texto de abordagem ao livro do Mário que, entre muitas palavras de agrado e de positiva opinião sobre a leitura, tocava na questão da minúcia e do pormenor, considerando - Detecta-se uma certa "overdose" no que concerne as descrições exaustivas das armas e mecanismos das mesmas…” Mauser, G3, Dreise, Breda, Vigneron, bazooka, lança-granadas-foguete, morteiros, granadas ofensivas e defensivas, suas peças desmontadas e remontadas, limpeza, utilidades, performances, peso. As ferramentas de um suposto combatente, pás, machadas-picareta, artefactos antigos ou modernos de uma guerra que se teria de assumir por inteiro.
Lembro-me também de, em comentário, ter eu concordado com Henriques da Silva nessa abordagem, excepto na afirmação da “overdose” das descrições, comentando, então, “Partilho inteiramente a opinião de Henriques da Silva, quanto à qualidade da obra literária em apreço, seja qual for o ângulo porque a queiramos analisar, mesmo estando apenas acerca de metade da sua leitura.
Discordo da apreciação que faz a um alegado exagero de pormenor na descrição do armamento e de outros dados, episódios, paisagens e pessoas. Penso mesmo que tal "exagero", abordando numa riquíssima e dinâmica escrita, quase nos pondo nas mãos, nos olhos e na alma as coisas a que dá vida, é mesmo um achado imprescindível que eleva o livro a um nível muitíssimo elevado.”

E eu acrescento aqui e agora os exercícios e as manobras, a prática de patrulhar, de emboscar, de reagir ao fogo, de atacar em golpe de mão ou …
E acrescento ainda a paisagem, o envolvimento, o Convento, a Tapada, os itinerários de vinhas ou de mar-à-vista na Região Oeste, de tabancas de gente pobre da Guiné, de arrozal, de floresta quase virgem, de rios que serpenteiam paralelos ou se cruzam, se continuam, de tarrafo, de bolanhas.

E ponho mais ainda os teatros de Lisboa, as peças e os actores, os filmes, a música de Pucini e seus cantores, as bibliotecas, as tertúlias literárias. Ou Ponta Delgada com sua praxis, sua cultura às claras ou na sombra dos dias, a arquitetura da cidade e, de novo as salas de música, os museus, as famílias. E Bissau com seus edifícios, suas avenidas, Pidjiguiti, alguns museus e bibliotecas e restaurantes e hospital e hotel e QG, no Cuor os palmeirais, o poilão, as laranjeiras, a extensa lista de nomes de lugares como o Chicri, Sansão, os Nhajões, Malandim, Gambana, Amedalai, Xime, Madina Colhido, Colicumbel, Taibatá, Canturé, Buruntoni… trilhos e picadas, operações, as cenas de combate, a violência do fogo, as gentes do inimigo abatidas, moranças ardendo, armas apreendidas, e as minas anti-carro no efeito das suas explosões sob GMC’s e Unimogues, sob o corpo de gente nossa, e as fomes e sedes, os medos, o cansaço, o esgotamento físico e psicológico, o antagonismo tribal e religioso, os usos e os costumes, tudo entremeado por citações, pequenas e extensas passagens de obras filosóficas, de romances, de poesia, de evocações de obras de outras guerras, comparações, lembranças de ditos e sentenças, chamados a propósito e em consonância com o que se escreve sobre a vida, seja um chá no Chiado, uma leitura de poesia, uma emboscada em Samba Silate, uma flagelação em Finete.

Pode parecer exagerado o pormenor de tão abundante descrição dos gestos, das coisas, das urbes grandes e pequenas, dos actos, dos exemplos, dos pensamentos, dos sonhos, das raivas, das dores, das mãos que se dão ou se retiram, da busca de razões e das verdades, das descobertas, das confirmações, de Deus e de deuses, do mínimo, das partes e do todo, do outro e de si próprio, uno, múltiplo e repartível.
Pode parecer, sim um exagero.
A mim, contudo, o que parece é que sem isso, sem os pormenores e as minúcias, sem os odores e os sons, sem as texturas, as formas e os volumes, sem os tempos e os lugares exactos de cada peça, de cada arma, de cada casa, de cada livro lido, de cada concerto, de cada terreno que se pisa, de cada emboscada sofrida ou montada, de cada noite na humidade da mata, de cada patrulha, de cada choro, de cada praga, sem estas coisas descritas ao pormenor da realidade real, como um gigantesco e plural relatório sobre coisas, gente e animais, como, repito, se poderia, depois, garantir a sua recriação extrema em que o real se aproxima tanto da ficção, que se torna ficção o que é real e real parece ficção.

Como se poderia entender esse homem que de Lisboa parte para Mafra e para Ponta Delgada e para Bissau, cristão, humanista, homem pleno dessa cultura que se constrói pelo belo segundo padrões urbanos, e nessas viagens se vai transformando gradualmente no guerreiro que se completa comandando tropas negras e brancas, mais negras que brancas, diga-se, de tropas negras combatendo outras tropas negras e dela recebe combate total, a bem dizer, irmão contra irmão, em o ódio, em raivas, em juras de morte recíprocas, e também na certeza de que nenhum soldado pode evitar o jogo extremo da vida e da morte, mesmo que sem o amparo de grandes filosofias, de pátrias seguras ou de história longa e assumida?
Como poderia tal branco de Lisboa se tornar guerreiro negro do Cuor, N’Baké, sábio e corajoso irmão do negro com quem jogava a vida de mão dada?
Como, finalmente, se poderia aceitar que se colocasse no título disto a palavra ficção, ainda por cima envolta na afirmação da ideia de obra prima, sem se imaginar que cada leitor se vá envolver profundamente com o viver deste homem e destes homens, brancos e negros, por dentro e por fora brancos negros e negros brancos, com eles respirando os odores do capim apodrecido, sofrendo as picadas de mosquitos, delirando nas febres do mesmo paludismo, na pista do mais profundo que pode ter ser humano, tentando, cada um à sua medida, encontrar-lhe os resquícios dessa mesma humanidade que os pode levar a dizer – este podia ser eu.

Por isso, ainda muito cedo na leitura da obra, enviei ao Mário a peça seguinte que foi posteriormente editada no blogue: - “Acabei de participar na visita que o senhor General te fez em Missirá (1).
E se digo participar em vez de assistir, é apenas porque também lá estava quando descobriste os dois pontinhos que haviam de resolver-se na figura de helis, cavalos de Tróia que haveriam de abrir-se para despejar o homem e essa gente/sombra do do monóculo decorativo.
Aliás, cortava "cibo" convosco porque os cibos que vos davam jeito no reforço dos abrigos de Missirá, eram os mesmos cibos que eu cortava a Sul de Medjo, muito perto de Quebo, uma Tabanca abandonada junto a um dos braços em que o Rio Cacine capricha a Norte, ainda antes de caprichar a Gadamael Porto, mesmíssimos cibos que também nos faltavam em Medjo para os mesmos fins.

Saindo um pouco da tua lavra, meto aqui enxada para de dizer do caricato que foi, nessa tarefa, ter eu atravessado uma água não muito funda e dessa água ter saído cravadinho de sanguessugas, perdendo algum tempo de cigarro aceso numa mão e pauzinho fino na outra, para me livrar das bichas, uma a uma.
Voltando a Missirá (adiantando que outra Missirá tínhamos na estrada Aldeia Formosa (outro Quebo-Buba), Missirá, esta, abandonada também e lugar pouco abençoado para tropa branca, voltando a Missirá, digo, ao teu e não ao do Sul, também eu me espantei com os maus modos do homem, retrato exacto nas perguntas e nas questões que te colocou, desse militar antigo, feito na Academia deles, cheio de empáfia e de mando, mestres duma infalibilidade alejada do real da guerra em que andávamos e que por mais comissões feitas não entenderiam nunca, provando-se dito não sei de quem que eu li um dia "a guerra é coisa demasiado complexa para ser dirigida por militares".

Acabara há pouco de viver a tua revolta contra as parvoíces dessas operações volumosas em que te meteram para atacar Madina, porque também em Medjo se meteram um dia duas Companhias a dormir pelo chão para atacarem Salancaur.
Salancaur ficava a tão curta distância de Medjo que quase os ouvíamos falar na bolanha de arroz que cultivavam com esmero. Por isso, Bissau imaginou que saindo de madrugada, atacaríamos ao nascer do Sol e quase almoçaríamos de novo em Medjo. Afinal, três dias não deram para vencer aquela mata densa, aberta à faca para se poder avançar fora da picada. A fome e a sede começaram a fazer efeito e as evacuações por esgotamento, fome e sede. Acabaram com o plano de Bissau.
Sei que estranharás que afirme lá estar contigo mas confirmo isso a pés juntos, porque a ler-te, sinto o cheiro do capim podre e aquele bafo que dele sai a cada passo; sinto as picadas dos mosquitos que nos atacam nos olhos, no nariz, nos ouvidos e na boca; sinto a majestade daquela mata sub-tropical que nos esmaga e desorienta o passo e a vontade; sinto o sabor do sangue dos amigos estraçalhados pelas minas e basucadas.
E se sinto tudo isso, e muito mais que a insipiência da minha palavra não explica e esta mensagem curta não justifica explicação, apenas porque o dizes tão bem que me repões de pés e de alma no Sul da Guiné e num tempo que talvez fosse melhor esquecer.
Continuarei a caminhar nos meus trilhos de Guileje pela palavra que me falta ainda ler-te, e nem sei se hei-de agradecer-te, se lamentar o tempo e o modo que reviverei recuperando-me aqui como se fosse lá.
Obrigado, Mário”.

(Continua)
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Notas de CV:

José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo (Guiné) entre 1966 e 1968

Mário Beja Santos foi Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca (Guiné) entre 1968 e 1970

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10358: Notas de leitura (399): Guiné-Bissau - O Estado da Nação (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10194: Notas de leitura (384): "A Viagem do Tangomau, Memórias da Guerra Colonial que não se apagam" (José Brás)

1. Nota de leitura do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68) a propósito do último livro de Mário Beja Santos, "A Viagem do Tangomau, Memórias da Guerra Colonial que não se apagam":


Acabei de participar na visita que o senhor General te fez em Missirá(1).

E se digo participar em vez de assistir, é apenas porque também lá estava quando descobriste os dois pontinhos que haviam de resolver-se na figura de helis, cavalos de Tróia que haveriam de abrir-se para despejar o homem e essa gente/sombra do do monóculo decorativo.

Aliás, cortava "cibo" convosco porque os cibos que vos davam jeito no reforço dos abrigos de Missirá, eram os mesmos cibos que eu cortava a Sul de Medjo, muito perto de Quebo, uma Tabanca abandonada junto a um dos braços em que o Rio Cacine capricha a Norte, ainda antes de caprichar a Gadamael Porto, mesmíssimos cibos que também nos faltavam em Medjo para os mesmos fins.

Saindo um pouco da tua lavra, meto aqui enxada para de dizer do caricato que foi, nessa tarefa, ter eu atravessado uma água não muito funda e dessa água ter saído cravadinho de sanguessugas, perdendo algum tempo de cigarro aceso numa mão e pauzinho fino na outra, para me livrar das bichas, uma a uma.

Voltando a Missirá (adiantando que outra Missirá tínhamos na estrada Aldeia Formosa (outro Quebo-Buba), Missirá, esta, abandonada também e lugar pouco abençoado para tropa branca, voltando a Missirá, digo, ao teu e não ao do Sul, também eu me espantei com os maus modos do homem, retrato exacto nas perguntas e nas questões que te colocou, desse militar antigo, feito na Academia deles, cheio de empáfia e de mando, mestres duma infalibilidade alejada do real da guerra em que andávamos e que por mais comissões feitas não entenderiam nunca, provando-se dito não sei de quem que eu li um dia "a guerra é coisa demasiado complexa para ser dirigida por militares".

Acabara há pouco de viver a tua revolta contra as parvoíces dessas operações volumosas em que te meteram para atacar Madina, porque também em Medjo se meteram um dia duas Companhias a dormir pelo chão para atacarem Salancaur.

Salancaur ficava a tão curta distância de Medjo que quase os ouvíamos falar na bolanha de arroz que cultivavam com esmero. Por isso, Bissau imaginou que saindo de madrugada, atacaríamos ao nascer do Sol e quase almoçaríamos de novo em Medjo. Afinal, três dias não deram para vencer aquela mata densa, aberta à faca para se poder avançar fora da picada. A fome e a sede começaram a fazer efeito e as evacuações por esgotamento, fome e sede. Acabaram com o plano de Bissau.

Sei que estranharás que afirme lá estar contigo mas confirmo isso a pés juntos, porque a ler-te, sinto o cheiro do capim podre e aquele bafo que dele sai a cada passo; sinto as picadas dos mosquitos que nos atacam nos olhos, no nariz, nos ouvidos e na boca; sinto a magestade daquela mata sub-tropical que nos esmaga e desorienta o passo e a vontade; sinto o sabor do sangue dos amigos estraçalhados pelas minas e basucadas.

E se sinto tudo isso, e muito mais que a insipiência da minha palavra não explica e esta mensagem curta não justifica explicação, apenas porque o dizes tão bem que me repões de pés e de alma no Sul da Guiné e num tempo que talvez fosse melhor esquecer.

Continuarei a caminhar nos meus trilhos de Guileje pela palavra que me falta ainda ler-te, e nem sei se hei-de agradecer-te, se lamentar o tempo e o modo que reviverei recuperando-me aqui como se fosse lá.

Obrigado, Mário
José Brás


2. Nota do editor:

(1) - Da página 228 de "A Viagem do Tangomau":

[...] Pois bem, é no âmbito de todo este processo de crescimento, de inclusão no meio, que num princípio de tarde, estava o Tangomau nos palmares de Cancumba a acompanhar os derrubes de duas palmeiras para extrair rachas de cibe para reforço de dois abrigos, apareceram uns pontos a crescer no céu, ouviu-se o crescente zunir das pás dos helicópteros (eram dois), depois fizeram dança na pista improvisada em frente à porta de armas, lá se foi, prestes, ao encontro dos ilustres visitantes, era o comandante-chefe e versátil comitiva, incluía o comandante de Bafatá. [...]

Título: "A Viagem do Tangomau, Memórias da Guerra Colonial que não se apagam"
Autor: Mário Beja Santos
Edição: Temas e Debates/Círculo de Leitores
Páginas: 518
Imagem da capa: "Recordações de África", aguarela de José Antunes, 2010
1.ª edição: Junho de 2012
ISBN (temas e Debates): 978-989-644-198-2
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9471: Blogoterapia (198): À Tabanca Grande, em primeiro lugar e a todos os que se lembraram de mim e também aos outros que todos os dias se abraçam no blogue (José Brás)

Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10184: Notas de leitura (383): "No Percurso das Guerras Coloniais 1961-1969", de Mário Moutinho de Pádua (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9807: Tabanca Grande: oito anos a blogar (12): Este Blogue é uma grande família (Hélder Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72) com data de 24 de Abril de 2012:

Caros camaradas
Quis o destino (e a vontade dos camaradas, expressa pelos resultados da pesquisa da data mais 'aconselhável' para a realização do nosso convívio) que a data de aniversário do Blogue, o 8º, e a efectivação do nosso Encontro, o VII, ocorressem quase em simultâneo.

De tal modo que é também 'quase' impossível falar de um sem referenciar o outro, embora qualquer deles mereça palavras e reflexões próprias, o que pretendo fazer em breve. Neste momento o que mais importa salientar é que o Encontro, o VII, ocorreu, segundo a minha observação, muito bem. Não foi bem, foi muito bem.

E não falo quanto às coisas 'palpáveis' como os aperitivos, o repasto, o lanche ajantarado, etc., falo pelo que me apercebi (salvo um ou outro pequeno episódio, afinal também tão próprio de locais ou espaços partilhados por mais que uma pessoa...) de envolvimento, de companheirismo, de vontade de confraternização conseguida, de troca de opiniões, de experiências (passadas e actuais). Isto somado à presença de bastantes companheiras que não se intimidaram nem se enfastiaram pelas sempre presentes conversas com emboscadas, ataques, golpes-de-mão, más recordações, boas recordações, etc. Igualmente a presença (que já não é esporádica) de familiares de 'terceira geração' também ajuda a encontrar alguma parecença com o ambiente familiar, não fosse o Blogue uma grande família!

E esse acontecimento existiu porque o Blogue o possibilitou e potenciou. O Blogue que faz então 8 anos! É obra!

Porque neste tempo que vivemos em que o efémero dita a lei, que a vertiginosa corrida à procura do 'novo' é obsessiva, manter-se um espaço deste tipo durante 8 anos é também, por si só, um caso notável que talvez possa merecer o estudo de alguém que se interesse e saiba analisar este tipo de fenómenos. Fazer essa análise será 'descobrir' o que é que ele tem que faz a sua longevidade e, mais importante ainda, a sua ainda manifestada pujança, a avaliar pelo que já incentivou a produzir (por 'dentro' temos o livro de poemas do Maia, a inspiração para um livro do Zé Brás e agora o do Idálio com a saga de Gandembel) mas também sabemos como levou vários outros camaradas a 'passar a papel' as suas memórias, algumas das quais têm vindo a ver a luz do dia e ainda a possibilidade de alguns outros trabalhos tomarem também formato impresso (estou a lembrar-me, assim de repente, das "estórias cabralianas", por exemplo, entre outras).

Mas não se fica pela 'produção literária' a bondade do Blogue.

Esse será um aspecto visível mas, o mais importante, é o que tem possibilitado de pesquisa, de troca de informações, de apresentação de documentos inéditos, pelo menos para o comum cidadão, de reencontro de companheiros, de recuperação de auto-estima, enfim, são tantos os aspectos bons que só assim se pode explicar o fenómeno da longevidade.

E coisas menos boas, terá? Certamente que sim, mas isso fica para outro dia. Agora é para dar os parabéns, inequivocamente com grande satisfação, ao Blogue, pelo seu aniversário e ao seu criador e todos os que, pelas mais diversas formas, o permitem existir e ter a visibilidade que tem.

Um grande abraço!
Hélder Sousa


2. Comentário de CV:

Não é meu costume comentar directamente nos postes que edito, contudo, já que falamos em literatura "inspirada" ou "impulsionada" pelo ser, entenda-se existir, deste Blogue, não podemos esquecer os dois Diários da Guiné ("Na Terra dos Soncó 1968-1969" e "O Tigre Vadio 1969-1970") do nosso camarada Mário Beja Santos e o "Na Kontra Ka Kontra" do nosso camarada Fernando Gouveia, obras publicadas previamente no nosso Blogue e depois passadas a livro.

Outro exemplo muito recente é o último livro escrito, e já publicado, de autoria de Mário Beja Santos "Adeus até ao meu regresso" que é colectânea das muitas recensões aqui publicadas, que o Mário fez dos livros que lhe chegam à mão, referentes essencialmente à guerra na Guiné e a obras que à Guiné dizem respeito.

Aqui fica este apontamento, com a devida vénia ao camarada Hélder.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9805: Tabanca Grande: oito anos a blogar (11): Mensagem do nosso tertuliano Joaquim Mexia Alves