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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20115: Manuscrito(s) (Luís Graça) (170): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte III: a vida são dois dias e a festa são três: o 6º encontro da família Ferreira...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Sitio da N. Sra. do Socorro > 31 de agosto de 2019 > Cerca de um centena de membros da família Ferreira participaram no seu 6º encontro anual (que se realiza desde 1985)... O próximo já está marcado para 29 de agosto de 2020.


A capela de Fandinhães, o que dela resta (o altar mor) (séc. XIII)






A capela de Fandinhães(séc. XIII); cachorro.apresentando um exibicionista, figura masculina representada nua e com a mão direita sobre os órgãos genitais.




Capela de Fandinhães (séc. XIII): o adro, uma das duas tampas sepulcrais, esta  com a representação de uma espada.


Marco de Canaveses > Penha Longa e Paços de Gaiolo > Fandinhães > Rota do Românico > 35. Capela de N. Sra. da Livração de Fandinhães (c. meados séc. XIII)




"Hoje titulada Capela da Senhora da Livração, a antiga Igreja de São Martinho de Fandinhães constitui um verdadeiro enigma. Quando o visitante se aproxima, vislumbra o que parece ser um edifício arruinado. 

"A tradição refere o seu desmantelamento e a documentação não o contradiz. As escavações arqueológicas (2016) confirmam-no por terem identificado os alicerces das paredes norte e sul da nave, na continuação do atualmente visível à superfície.


"Aqui se cruzam várias influências românicas. As figuras apoiadas em folhas salientes no portal encontram-se também nas Igrejas de Travanca (Amarante) e de Abragão (Penafiel). No adro veem-se vestígios de uma cornija sobre arquinhos, motivo comum no românico da bacia do Sousa, que a esta chegou via Coimbra. Os toros diédricos nas frestas evidenciam a influência portuense, provinda da região francesa de Limousin. As "beak-heads" [cabeça de animal com um bico proeminente] na fresta lateral sul lembram a influência do românico beneditino do eixo Braga-Rates.

"Embora a maior parte dos cachorros exiba motivos geométricos, um deles apresenta um exibicionista, figura masculina representada nua e com a mão direita sobre os órgãos genitais, motivo encontrado na Igreja de Tarouquela (Cinfães).

"No adro, duas tampas sepulcrais: uma com a representação de uma espada e outra com uma cruz inscrita." (Fonte: Rota do Românico > Capela de Nossa Senhora da livração de Fandinhães, com a devida vénia...)


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Pode vir a ter, talvez, no futuro,  algum interesse, documental, para a sociologia e a história da família em Portugal, as festas de família que se realizam anualmente, um pouco por toda a parte, no verão, no nosso país,em espaços públicos, ao ar livre, geralmente em parques de merendas.



Afinal, porque é que as famílias se encontram ? Para se conhecerem (os mais novos), para voltarem às "raízes" (os que vivem na cidade ou no estrangeiro), para matarem saudades (os que estão longe), para partilharem memórias e afetos, para recuperarem sabores e cheiros da infância / adolescência, para reforçarem laços de parentesco e aliança, para exercerem a arte do dom (a obrigação de dar, receber e retribuir), para dizerem bem e mal uns dos outros, para fazerem, nalguns casos, as pazes e enterrarem o machado de guerra, para conviverem, para se divertirem... enfim,  para celebrarem a vida e exorcizarem o medo da doença, da incapacidade, da dependência, da solidão,  da infelicidade e da morte...



É o caso da família Crispim & Crisóstomo (, que os nova-iorquinos João e Vilma Crisóstomo têm vindo a animar, no verão, em Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras, sempre que vêm a Portugal). Ou é o caso da família Ferreira, que tem o seu núcleo duro em Candoz, Tabanca de Candoz,  Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, a que o nosso editor, por casamento, com a Maria Alice Ferreira Carneiro (n. Candoz, 1945), se veio aliar em 1976, já lá vão mais de 4 décadas.



A família, alargada, da Alice (, que é Ferreira, do lado materno, e Carneiro, do lado paterno, ) reúe-se há 35 anos, no verão. Anteontem, dia 31 de agosto, juntaram-se  4ª gerações dos Ferreira e ficaram em comunhão espiritual com mais outras 4, que nasceram e cresceram nestas terras da bacia do Tâmega e Douro, pelo menos desde 1820.

O primeiro encontro foi a 29 de setembro de 1984, em Fandinhães, Paços de Gaiolo, terra antiquíssima, freguesia do extinto concelho de Bem-Viver, onde nasceu toda a 4ª geração, incluindo a Maria Ferreira, mãe da Alice e avó do João Graça, nossos grã-tabanqueiros.




Marco de Canaveses, Paços de Gaiolo, Fandinhães > 1984 > 1º encontro da família Ferreira > Ainda eram vivos os três casais dos quatro casais da 4ª geração: (i) António Ferreira ("Vitorino") e Amélia Rocha (com residência no Alto, Paredes de Viadores); (ii) Maria Ferreira e José Carneiro (residentes em Candoz, Paredes de Viadores); e (iii)  e Ana Ferreira e Joaquim Cardoso (residentes Cacia, Aveiro e, mais tarde, Leiria)...







O segundo encontro, no ano seguinte, em 1985, foi na serra de Montedeiras, no respetivo parque de merendes (, pertencente atualmente à freguesia de Sande e S. Lourenço do Douro, Marco de Canaveses). Enfim, perto de Fandinhães.



Por causa dos sucessivos "lutos" (, dos que morreram na sua idade, e dos que decidiram apressar a morte, e já foram três ou quatro!), os encontros interromperam-se, a partir desse ano, só se realizando o terceiro, em 10 de julho de 2011, em Paredes de Viadores, no parque de merendas da igreja de N. Sra. do Socorro. (Sim, que o luto é pesado, por estas bandas!)



O quarto encontro seria no mesmo local, dois anos depois, em 7 de setembro 2013; o quinto em 25 de agosto de 2018 e, agora, o sexto, em 31 de agosto de 2019. E o 7º já está marcado para 29 de agosto de 2020, sábado. 


35 anos depois do primeiro, parte da família (os mais novos...) ainda não tinha nascido.

Da geração nascida em Fandinhães, a 4ª (a contar de 1820), para além da Maria Ferreira (1913-1995), havia ainda os manos António Nunes Ferreira (1910-1990), Rosa Ferreira (1915-1960) e Ana Ferreira (1917-1995), todos filhos de Balbina Ferreira (1876-1938), casada com José Nunes Ferreira (,de alcunha ‘Vitorino’) (1875-1948).

O mais antigo Ferreira, até agora conhecido, é o avô da Balbina Ferreira, o João Ferreira(1821-1897), casado com Mariana Soares (1822-1895) (,considerada a 1ª geração), portanto:

(i) bisavô da Maria Ferreira;

(ii) trisavô do António Ferreira Carneiro;

(iii)  e tetravô das suas filhas (que são 4: Paula, Becas, Suzana, Romi);

(iv)  e pentavô dos filhos destas (que ainda não têm filhos);

(v) e  hexavô dos bisnetos da Rosa e do Quim [, Joaquim Barbosa,]  (um) e da Lena, viúva (dois)...




São estes as antepassados comuns, da família Ferreira, de Fandinhães, os conhecidos, por documentos escritos, os mais antigos, donos originalmente  das terras de Candoz e Leiroz: João e Mariana tiveram 6 filhos, 3 Ferreira e 3 Soares...

Enfim, quando se completar a árvore genealógica, ir-se-á descobrir que uma vulgaríssima família como os Ferreira é naturalmente muito mais velha, tão velha como qualquer outra família portuguesa aqui destas terras onde nasceu Portugal... (Não é por acaso que a rota do românico passa sobretudo pelos vales do Sousa e do Tâmega).
































Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Sitio da N. Sra. do Socorro > 31 de agosto de 2019 > 6º encontro da família Ferreira > Os elementos da festa...o pão, o vinho, a alegria, a música, a reinação, as cantigas à desgarrada, a dança, as crianças, oa adolescentes, os pais. os avós e os bisavós...Cada "família" trouxe o seu pestisco, que foi partilhado à mesa... Era já noitinha quando arrumou o trouxa e voltou às suas casas, uns mais perto, outros mais longe, com vontade de voltar no próximo ano, em 29 de agosto de 2020. Afinal, a vida são dois dias e a festa da vida deviam ser três... 




Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




No sábado passado, no, 6º encontro, marcaram presença cerca de uma centena de membros da família (, não couberam todos na fotografia que acima se publica, é praticamente impossível juntar todos para a "foto de família"):



(i) representantes da 5ª geração (a contar de 1820) (ou 4ª, a mais velha das gerações vivas), como o "mano mais velho", o António Ferreira Carneiro (n. 1939), o "brasileiro", filho de Maria Ferreira e José Carneiro (1910-1996); tudo gente na casa dos 70/80;  vários membros desta geração foram mobilizados para a guerra colonial / guerra do ultramar (Angola, Guiné, Moçambique): é o caso do "mano mais velho" da Tabanca de Candoz, o António, que esteve em Moçambique(1964/66), onde foi ferido com gravidade, sendo hoje DFA...

(ii) Representantes da 6ª geração (ou 3ª geração das 4 que estão vivas), como as filhas (quatro) do António e da Graça; tudo gente na casa dos 40/50;

(iii) Representantes da 7ª geração, a dos netos do António e da Graça; tudo gente na casa dos 10/20/30...

(iv) E já temos gente da 8ª geração: por exemplo, a matriarca Lena, prima da Alice,  trisnetas de João ferreira e Mariana Soares, sendo  a mais velha dos Ferreira vivos (n. 1935,  já é duas vezes bisavó);

Da 4ª geração, os pais da Alice, gente que hoje teria mais de 100 anos, não temos infelizmente já cá ninguém. Mas estão cá os seus descendentes:

(i) O mais velho era o António Nunes Ferreira, o ‘Vitorino’, o "brasileiro", que nasceu em 1910 e casou com Amélia Rocha, pais da Lena e outros;

(ii) A mais nova era a Ana Ferreira, nascida em 1917, e que casou com Joaquim Cardoso; tem netos e bisnetos no Brasil, que este ano não virão,mas também no Porto, em Aveiro, em Leiria...

(iii) As do meio eram a Maria Ferreira, que casou com José Carneiro; tiveram seis filhos, incluindo a Alice, que vive hoje na Lourinhã;




(iv) e a Rosa Ferreira, que casou com o José Vieira Mendes…

Em 2019, no 6º encontro, estava previsto publicar-se um livrinho com a árvore genealógica da família Ferreira, em edição revista e aumentada… Mais as receitas das nossas "comidinhas", as letras e as músicas das nossas "tunas rurais", bem como os "cantaréus"... Mas não tempo para tudo... Fica para o ano...




Este ano, como é habitual, não faltaram os comes e bebes, a música, a poesia, os afetos, a alegria, a dança, as paródias, as cantigas à desgarrada, a reinação...Sobretudo, elas, as "primas", são danadas para a brincadeira---



Por mera curiosidade, e para os eventuais leitores interessados, aqui ficam as quadras populares, encadeadas, que o poeta da Tabanca de Candoz, Luís Graça,  escreveu para a ocasião... 




1. 
Em Paredes de Viadores,
Temos encontro anual,
Os pequenos e os maiores
Da família Ferrei…ral!

2. 
Da família Ferrei…ral,
Vivos são quatro gerações,
Quem veio é bestial,

Quem não veio tem suas razões.

3.
Quem não veio tem suas razões,
Saúde, amores, dinheiro,
P’ra eles xicorações,
… Mas não dançam no terreiro.

4. 
Mas não dansam no terreiro,
Só dançam os qu’ aqui ‘stão, 
Os do Porto e os d’ Aveiro,
Mais os de cá do Marão.

5. 
Mais os de cá do Marão,
De Montemuro e da Abob’reira,
Do Brasil não virão,
E da Lour’nhã, a vez primeira.

6. 
E da Lour’nhã, a vez primeira,
Os tios Alice e Luís,
Ela é Carneiro e Ferreira,
E vai ser uma avó feliz.

7.
E vai ser uma avó feliz,
Entrando p’ró clube dos avós,
É a Rosa quem o diz,
Lá na Quinta de Candoz.

8. 
Lá na Quinta de Candoz,
Deu o bicho carpinteiro,
A notícia correu veloz,
Anda tudo muito foleiro.

9. 
Anda tudo muito foleiro,
Ai o meu braço, ai o meu joelho,
Queixam–se no cab’leireiro,
Ai que horrível ‘tou ao espelho.

10. 
Ai que horrível ‘tou ao espelho,
E já sou cinquentona,
A quem hei de pedir conselho ?
À ‘nha filha qu’ stá uma mocetona.

11. 
À ‘nha filha qu’ stá uma mocetona,
Quer casinha para casar,
E, como é uma valentona,
Muitos gajos p’ra namorar.

12. 
Muitos gajos p’ra namorar,
Ou só um, desde que rico,
Mas não sei como é que eu fico,
Longe de me poder reformar.

13. 
Longe de me poder reformar,
Queixam-se as nossas bonecas,
No duro, a trabalhar,
As sobrinhas Paula e Becas.

14. 
As sobrinhas Paula e Becas,
Da geração terceira,
Não são nada de panquecas,
Danadas p’rá brincadeira.

15. 
Danadas p’ra brincadeira,
Tal como os primos do Alto,
Tudo com costela Ferreira,
Para o baile, isto é um assalto.

16.
Para o baile, isto é um assalto,
Qu’a vida dois dias são só,
Diz, meio-soprano, contralto,
O nosso querido doutor Jó.

17. 
O nosso querido doutor Jó,
De filhas lindas escultor,
Mas do João não tenham dó,
Que a Catarina é um amor.

18. 
Que a Catarina é um amor,
Diz a Vera, a priminha,
P’ra vida ter mais sabor,
Vai-nos dar uma Clarinha.

19. 
Vai-nos dar uma Clarinha,
Que p’ro ano vem à festa,
Por ser também Ferreirinha,
E ter estrelinha na testa.

20. 
E ter estrelinha na testa,
É o Manel, neto da Zé,
Toda lampeira e lesta,
Que o batizo amanhã é.

21. 
Que o batizo amanhã é,
E até Deus ‘tá convidado,
Por ser um lindo bebé,
Diz o bisavô babado.

22.
Diz o bisavô babado,
O nosso Joaquim Barbosa,
Aos oitentas mais cansado,
Mas a vida é sempre gostosa.

23. 
Mas a vida é sempre gostosa,
Mais no Porto que em Barcelona,
Diz a Sofia, chorosa:
“Beijos, gato, da tua gatona.”

24. 
“Beijos, gato, da tua gatona”
Só pode ser p’ro Tiago
Anda ele numa fona
Só a mamã lhe dá afago.

25. 
Só a mamã lhe dá afago,
Que a coisa custa a passar,
Mas, ó homem cum carago,
Espanta os males, põe-te a tocar

26. 
Espanta os males, põe-te a tocar,
Viola ou acordeão,
Tua tristesa há de passar,
Diz-lhe o F’lipe, que é o irmão

27. 
Diz lhe o F’lipe, que é o irmão,
Outro dos nossos tocadores,
Primos são um batalhão,
E todos bons comedores.

28. 
E todos bem comedores,
Dos Mendes aos Cardoso,
Mão se acanhem, meus amores,
Que o arroz está gostoso.

29. 
Que o arroz está gostoso,
Parabéns à cozinheira,
E p’ra quem for mais guloso,
Temos o doce da Teixeira.

30. 
Temos o doce da Teixeira,
E nos versos deste poeta 
‘Tá a família toda inteira.
… Viva a festa, o resto é treta!

31. 
Viva a festa, o resto é tretas,
Viva a Lena, a matriarca,
Sortuda, tem duas bisnetas
E grande enxoval na arca.

32.
E grande enxoval na arca,
Já não têm gajas d’hoje,
Só querem roupas de marca,
Foge, moço, delas foge!

33. 
Foge, moço, delas foge,
Não é coisa que se diga,
Cada um tem o seu alforje,
Tanto rapaz como rapariga.

34. 
Tanto rapaz como rapariga
Cá da família Ferreira,
Não tem o rei na barriga,
Mas é gente de primeira.

35.
Mas é gente de primeira,
Qu’ honra seu antepassado,
E esta quadra é a derradeira,
A todos digo… obrigado!


Paredes de Viadores, sítio da Nª Srª do Socorro, parque de merendas, 31 de agosto de 2019


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Nota do editor:

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19085: A galeria dos meus heróis (10): o "Felgueiras", 1º cabo hortelão, empresário, autarca, padrinho... (1943-2017) - II (e última) Parte (Luís Graça)

Luís Graça, Contuboel, junho/julho de 1969
Segunda e última parte do texto elaborado para a "Galeria dos meus heróis", série literária da autoria do nosso editor Luís Graça.

O  "Felgueiras", 1º cabo hortelão, empresário, autarca, padrinho... (1943-2017) - II (e última) parte


Foi aqui, em pleno "chão manjaco", que o nosso cabo descobriu que tinha jeito para os negócios. E mais: que tinha a estrelinha da sorte a brilhar no seu céu… Um ano depois, voltou a Felgueiras e a Amarante, as suas "duas terras natais".

Vir de férias à metrópole era um luxo só reservado a alguns, aos oficiais e sargentos, milicianos ou do quadro. Raros eram as praças (soldados e cabos) que podiam desembolsar as seis notas de conto que custava a viagem de ida e volta na TAP. Alguns, coitados, faziam das tripas coração, só para poder estar um mês com a família, sendo já casados e com filhos (que mal conheciam ou não conheciam de todo).

Numa região com grande tradição de emigrantes de torna-viagem (Brasil, França…), o "Felgueiras" fez questão de voltar exibindo alguns sinais exteriores de riqueza… Até um carro alugou, no Porto, só para impressionar a família e os amigos que cá deixara. (Poucos, de resto, a maior parte deles espalharam-se pelo mundo fora: uns na Invicta ou em Lisboa, outros na França, outros ainda na guerra do ultramar).

− Sorte ao jogo, azar no amor ?!... Vamos lá testar a roleta da sorte…

De há muito que o "Felgueiras" tinha uma paixão, "assolapada", não correspondida, por um antiga colega do colégio de Amarante, a "morgadinha". A rapariga pertencia a uma família com pretensões a ter "origem fidalga"… Fizera o antigo 5º ano do liceu e o melhor que arranjou, por ali perto, foi um emprego na Câmara Municipal, como administrativa.

Durante o primeiro ano de comissão, o "Felgueiras" e ela trocaram algumas cartas e aerogramas, mas sempre na condição de "amigos, vizinhos e colegas de escola"… Não se namoravam, mas ela também teria um fraquinho por ele.  Aliás, os pais opunham-se, e tinham outros planos para a rapariga, que era filha única: ao que parece, o eleito era um professor primário, que andara a estudar para padre, e que também estava na tropa, em Moçambique, como alferes miliciano. Seguramente, um melhor partido do que o filho do "rendeiro da Lixa"…

Os pais da rapariga não tinham, alegadamente, "dinheiro para mandar cantar um cego" e, muito menos, para mandar restaurar a arruinada fachada da casa, "com brasão", onde viviam, nos arredores de Amarante, herança de um tio-bisavô, cónego da Sé de Braga.

O filho do rendeiro, operário da Tabopan, não era, na verdade, nessa época, um "bom partido", pelo que o "Felgueiras" voltou para a Guiné com um "amargo de boca"…

10. Convencido de que o dinheiro pode "comprar tudo (ou quase tudo), até o amor", acabada a comissão, o "Felgueiras" voltou com uma malota cheia de notas ("escudos", legítimos, da metrópole, trocados pelos "pesos", o patacão, sujo, sebento, da Guiné, lá no Banco Nacional Ultramarino e na "candonga", nos comerciantes de Bissau que cobravam uma taxa de 10%).

Depositou a malota aos pés da rapariga e pediu-a aos pais em casamento, assim, de chofre, à bruta, sem mais cerimónias. Os "fidalgos" nunca tinham visto na vida tanto nota de banco, em maços separados, atados por uma fita… Até desconfiaram que fosse produto de algum assalto…

Estranhamente, a rapariga levantou-se, lívida, sem pinga de sangue, para logo a seguir correr para o quarto, lavada em lágrimas, num pranto… Os pais esboçaram um pedido de desculpa, mais embaraçados e envergonhados que o pretendente à mão da filha. 

A partir deste dia, o "Felgueiras" esqueceu, para sempre, a sua "morgadinha"… 

No dia seguinte, rescindiu o contrato de trabalho que ainda o ligava à Tabopan, e decidiu comprar um bilhete da TAP para visitar Luanda,onde tinha um irmão estabelecido desde que terminara a tropa em 1963.

– Um homem das Arábias, o nosso "Felgueiras" – conclui eu.

− Não, um homem das Áfricas – emendou o Arlindo.− Partiu para Angola com o coração destroçado.

Ex-furriel, camarada do "Felgueiras", maquinista da CP reformado, pai do Jorge, meu vizinho do Marco de Canaveses, voltei a encontrá-lo, ao Arlindo, depois do casamento do filho, mais duas ou três vezes. E foi através dele que fui sabendo mais histórias do "Felgueiras" que, segundo os meus cálculos, terá regressado da Guiné logo em janeiro de 1969…

Sabemos que foi ter com um dos irmãos, o mais velho, o Tó, que se radicara em Angola: foi dos primeiros militares a ir para lá, em meados de 1961, tendo sido um dos bravos da Operação Pedra Verde. Em finais de 1963, terá rumado para a Lunda, e andado metido com "garimpeiros". Depois acabou por abrir um pequeno restaurante em Luanda, lá na Mutamba, na parte baixa da cidade. As coisas melhoraram quando o irmão mais novo, o "Felgueiras",  se tornou sócio. Trouxe dinheiro fresco e sobretudo o tal "jeito para o negócio", talento que tinha descoberto na região do Cacheu, na Guiné.

O início da década de 1970, antes da crise petrolífera de 1973, foi ouro sobre azul para quem tinha "porta aberta" em Luanda. O "dinheiro sujo" da guerra era ali "branqueado". O "ventre de Luanda" regurgitava, os "comes & bebes", a "diversão noturna" e a "indústria do sexo" deram muito "kumbú" (dinheiro, em calão de hoje) a ganhar a muita gente. Havia até um restaurante, o "Floresta", que servia sardinhas assadas de Peniche acabadas de chegar do avião da TAP... 

Inesperadamente, em princípios de 1973, seis meses antes da crise, o "Felgueiras" vendeu a sua quota ao "kota" do irmão Tó, just in time, na hora certa. Parece que adivinhava que o mundo ía ficar louco e que nada voltaria a ser como dantes...Alegava que "queria correr mundo e encontrar a futura mãe dos seus filhos"...

Em troca terá recebido do mano velho um saquinho de "vidrinhos", guardados no fundo de um bau, desde o tempo da Lunda, como uma espécie de pé de meia. O "kota" insistiu que estava ali uma pequena fortuna, mas ele nunca tentara sequer trocar as "pedrinhas" por dinheiro vivo. A Diamang, dizia-se, tinha um braço comprido e o contrabando de diamantes (a "kamanga", como se dizia em bom angolês...) era severamente reprimido. Era um Estado dentro de outro Estado, justificava-se o "kota, seguramente menos "atiradiço" (e "com mais escrúpulos"...)  que o caçula da família.

Por razões óbvias, por se tratar de um assunto "delicado, íntimo", eu nunca puxei a conversa para esse lado, das poucas vezes em que ainda estive (ou falei, ao telefone) com o "Felgueiras", nestes últimos anos, depois do casamento do Jorge e da Clara. Nunca saberei, pois, como é que ele conseguiu eventualmente aumentar a sua conta bancária, com o valor de um saquinho de "vidrinhos". Mesmo para o Arlindo, era uma "assunto-tabu".

− Por favor, camarada, quando voltares a estar (ou falar) com ele, nunca toques na história dos diamantes...Ele ficaria muito aborrecido, se não mesmo melindrado...

Quando conheci o "Felgueiras", ele tinha um passado de "empresário de sucesso", acionista do BPN ("pequena accionista", emendou ele), e chegara a ser inclusive uma "figura grada" da política local e regional. Recordo de me ter confidenciado:

− Nunca fui do reviralho, se é isso que queres saber. Antes do 25 de Abril não me interessava por política. Tocava a minha vidinha… No dia 26 de Abril, apanhei o comboio da democracia, como muito boa gente. E até viajei em 1ª classe. Fui dos primeiros a ter 'cartão partidário'...

− O "abre-te, Sésamo" do novo regime − ironizei eu... mas julgo que ele não percebeu a piada.

Numa região com grande tradição de caciquismo, é fácil, para quem tem o poder (económico e/ou político), tornar-se cacique. O "Felgueiras" não gostava da palavra... Como também não gostava nada de falar desses tempos nem da sua "pública e notória" participação nos acontecimentos do "verão quente de 75".

Considerava-se, antes de mais, "um português, patriota" (...), "com o coração talvez mais à esquerda e a razão seguramente mais à direita" (...), "mas hoje afastado das lides político-partidárias" (...) "onde quem manda é a canalha, que nunca foi à tropa e muito menos à guerra".

− Limito-me a ter as quotas em dia… Mas já ninguém me escreve, ou telefona, pede conselho, convida ou visita. Parece que tenho lepra...

Começou, "modestissimamente" (sic), como autarca, presidente da junta de freguesia da sua terra natal. Ajudou o partido a ganhar as eleições municipais. Foi eleito vereador municipal, e chegou inclusive a substituir, por uns tempos, o seu grander amigo e correligionário que iria depois ficar à frente dos destinos do município. 

"Os maiorais da distrital do Porto" chegaram a sondá-lo para aceitar um lugar, elegível, nas listas do partido, como candidato à Assembleia da República, mas ele recusou, com orgulho e desprezo:

− Lisboa ?!... Nem pensar!

Tocou os seus negócios, alargou o seu estaleiro de construção e obras públicas, ganhou uma fortuna (um "pequena fortuna", como gostava de precisar...) com os contratos de empreitada por adjudicação direta, "fez estradões, pontes, escolas, creches, lares de idosos, campos de futebol, redes de água e saneamento, rotundas, repuxos, viadutos,túneis, quartéis de bombeiros"…

− Levei o progresso a quase todo o lado, aqui no Vale do Tâmega, em vários concelhos... Ganhei e dei a ganhar muito graveto. Aliás, este sempre foi o meu lema de vida, ser grato e estimar sempre quem te quer bem… Perdi dinheiro, isso, sim, e muito, com o túnel do Marão. Veio a crise, vieram os tubarões do fisco e da segurança social, fechei a empresa, mandei mais de 100 homens para o desemprego, dezenas de máquinas e camiões foram parar à sucata… Mas estou vivo, graças a Deus!

− Lamento imenso, é uma vida de trabalho... E o futebol ?

− Ainda fui tentado, no início dos anos 90, nos meus anos de ouro, a meter-me no futebol. Por vaidade, ou por influência de falsos amigos, bajuladores, que gostam de te oferecer presentes envenenados.

− Mas era a tua "coroa de glória"! ?...

− Nem pensar, percebi logo que aquilo era um sorvedouro de dinheiro e um ninho de víboras… O futebol, camarada, é uma amante cara!... E às tantas, deixas de ter sossego, vida privada e corres o risco de teres de recorrer ao teu mealheiro para pagar os ordenados ou os prémios e as avenças dos técnicos e dos jogadores. Hoje é tudo uma canalha, essa rapaziada que gira à volta da bola… E já há não amor à camisola!... Como não há amor à Pátria!...

− E muita ingratidão também, não ?!

− Um gajo passa facilmente de bestial a besta. O povo hoje é ingrato. Tanto te põem-te no pedestal, erguem-te uma estátua, como no ano seguinte já estão a apear-te… Vê o que se passa com o homem da tua terra,  a quem o Marco tanto deve, perdeu as eleições, e já querem tirar-lhe o nome do estádio e da avenida principal… Ingratidão, é um dos nossos piores defeitos, podes escrever aí.

− Deixa-me ser franco contigo: não concordo que, em vida, se dê o nome a ruas, praças, avenidas, estádios, escolas, aeroportos, etc., a gente que ainda está viva. Hoje podes ser um herói, e amanhã um proscrito social. Vê o que aconteceu ao nosso Zé do Telhado, Torre e Espada, desterrado para Angola…

− O Zé do Telhado, o memso que limpou ao Zé Pequeno, e lhe cortou a língua, por traição, aqui na  Lixa!...

− Sim, isso mesmo. Vejo que estás por dentro da história da tua terra.

− Já o meu avô me contava essas peripécias... Eu também tenho um pouco esse jeito do Zé do Telhado, que roubava aos ricos para dar aos pobres...

− Exageros do Camilo Castelo Branco de quem foi amigo nba Cadeia da Relação, no Porto, por volta de 1860...

− Eu, por mim, gosto é de fazer o bem, e muitas vezes sem olhar a quem. Não é por acaso que me chamam (ou chamavam o "padrinho")… Tenho montes de afilhados na região, o Jorge é mesmo o último. Também já fechei este departamento, que me ficava caro, e trouxe-me dissabores.

− Padrinho... ?!

− Sim, padrinho, tenho muitos afilhados, de batismo, crisma, casamento. E no bom tempo, quando eu ainda mandava qualquer coisinha, meti muita cunha para muito boa gente, a começar pelos que tinham mais mérito e necessidades, para empregos nas autarquias, nas empresas, na banca, nas escolas, nos centros de dia, nos lares de idosos, eu sei lá. Até na tropa, quando ainda havia serviço militar obrigatório… Até ao bispo cheguei a ir...

−… Sem olhar a quem ?!

− Sim, sem olhar a quem!... As pessoas também fazem o favor de serem minhas amigas. E eu não me faço rogado quando me convidam para ser padrinho de casamento. Ainda para mais quando o pedido vem de um antigo camarada da Guiné… Neste caso, não foi um pedido, foi uma ordem!

− Sei que ainda voltaste à Guiné…

− Sim, há uns largos anos atrás, para "matar saudades". Fui com malta de uma ONGD, com trabalho realizado no setor de Canchungo, e para a qual eu fazia as minhas doações, em géneros e em dinheiro. Levaram um contentor com vestuário, material escolar, livros, mobiliário… Havia (não sei se ainda há) uma missão católica que fazia a distribuição. Mas, confesso, fiquei triste com o que vi...

O "Felgueiras" voltou, de facto, aos sítios por onde andara entre 1967 e 1968… Mas aí teve uma "experiência desagradável"… Uma mulher, na casa dos seus quarenta, abeirou-se do jipe dele e gritou: 

− Tu és o meu pai!

Na realidade, era filha de uma mulher manjaca, cristã, com quem o "Felgueiras" tivera um relacionamento, de apenas "dois ou três meses", no segundo ano da comissão. Ele ajudava a família com comida e dinheiro, mas nunca deu conta de que ela estivesse grávida, muito menos dele. Ambos tomavam "algumas precauções" (sic)... Feitas as contas, a mulher que dizia ser sua filha, tinha nascido em finais de 1972 ou princípios de 1973. Nunca poderia ser sua filha, já que ele estava a viver em Angola desde 1969…

− E se fosse minha filha, eu estaria disposto a reconhecê-la e a ajudá-la, inclusive a obter a nacionalidade portuguesa… O meu capitão, esse, ao que parece, é que lá deixou um filho, toda a gente sabia dessa história que, em boa verdade, me entristece.

O "Felgueiras" nunca me quis falar desse caso que manifestamente o incomodava. Foi o Arlindo quem, mais tarde, falou, com mais detalhe e à vontade, da história do capitão da companhia do "Felgueiras". Dizia-se que tinha feito um filho à lavadeira, mas nunca chegou a conhecer e a reconhecer a criança, que terá nascido ainda antes da comissão terminar, por volta do Natal de 1968. Um dos furriéis da CCS do batalhão, que editava o "jornal de caserna", até fez uma quadra popular, brejeira e satírica, alusiva ao “Santo António”… Toda a malta achou logo que assentava que nem uma luva na figura do comandante da companhia do "Felgueiras".

− Tornou-se popular no Batalhão, viemos a cantá-la no "Uíge", de regresso a casa, com música de fado e tudo… Nas costas do capitão, pois claro... Se bem me lembro, rezava assim:

Santo António foi à guerra,
Na Guiné perdeu os três,
Foi bajuda lá da terra
Quem o menino lhe fez.

Ao que parece, o "Felgueiras" achava a brincadeira de mau gosto, e mesmo ofensiva do bom nome do seu comandante, por quem tinha grande admiração e estima. O capitão era, de resto,  popular entre a rapaziada da companhia, mas motivo de chacota pelo resto do batalhão.

− O meu coração ficou na Guiné – disse-me um dia o Felgueiras", com alguma emoção no tom de voz... 

− E Angola ?...

− Em Angola até vivi mais anos, mas era outra gente. Enfim, Angola foi boa para os negócios.

Não lhe perguntei como nem porquê. Também nunca mais o vi. Também soube que casara, que tinha tido 2 filhos e 4 netos, e que entretanto enviuvara para, logo a seguir, no ano passado, morrer de cancro no pâncreas. Uma morte quase fulminante, em menos de três ou quatro meses. Um choque para todos, família, amigos e afilhados. E até para os seus inimigos, políticos, que ele também os tinha e não eram poucos.

− Os anos não perdoam. E os de África contam sempre a dobrar – lamentou-se o Arlindo, que perdeu "um bom amigo e um melhor camarada". O seu compadre não tinha completado ainda os 75 anos de idade.

E eu, por mim, só soube da notícia em agosto passado, quando estive no Norte, antes das vindimas. A minha homenagem, tardia, chega agora, sob a forma desta história de vida do "Felgueiras" (1943-2017). Lamento a sua morte precoce e tenho pena que ele não tenha chegado a reencontrar o "Paranhos", seu braço direito, nem a conhecer os régulos e demais camaradas da Tabanca de Matosinhos.

Talvez algum leitor conheça o "Paranhos" e ainda lhe possa dar, mesmo atrasada, a triste notícia da morte do seu amigo e camarada "Felgueiras". É de todo improvável que o "Paranhos" conheça este blogue... como a maior parte dos camaradas da Guiné, agora no ocaso da vida.

[Costuma-se prevenir o leitor de textos literários como este, de que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Por razões éticas e legais de proteção de dados, os nomes aqui referidos são fictícios, exceto os dos países, os dos lugares públicos e os das figuras públicas. Todos os factos aqui narrados podem ou não inspirar-se em factos reais. Se no final o leitor se sentir desconfortável, peço-lhe que volte para a cama e continue a dormir, descansado, como eu faço: afinal a guerra colonial nunca existiu, foi apenas um pesadelo, para alguns, como nós. Boa noite.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19084: A Galeria dos meus heróis (9): o "Felgueiras", 1º cabo hortelão, empresário, autarca, padrinho... (1943-2017) - Parte I (Luís Graça)

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19026: In Memoriam (322): Manuel Maria Veira Carneiro (27 jan 1952 - 11 set 2018), natural do Marco de Canaveses, ex-sold paraquedista, CCP 121 /BCP 12 (Bissalanca, 1972/74)... Nosso grã-tabanqueiro, a título póstumo, nº 777.


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Festa de Nossa Senhora do Socorro >  27 de julho de 2008 >    Manuel Carneiro, membro da Tabanca de Candoz e,  agora, a título póstumo, da Tabanca Grande, com o nº 777.





Tancos > Regimento de Caçadores Paraquedistas > BCP 12 > CCP 121 > 1971 > O Manuel Carneiro é o terceiro a contar da esquerda para a direita. Nascido em 1952, ainda não tinha 20 anos nesta data... Foto do Para Dias  Dias (o quarto), com a devida vénia).  [Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Soube, através da Alice Carneiro, que morreu no passado dia 11 o nosso camarada Manuel Maria Vieira Carneiro, que pertencia à Tabanca de Candoz... Fiquei triste. Falei com ele uma meia dúzia de vezes,  se tanto. E tem duas ou três referências no nosso blogue (*). Era amigo e camarada do Victor Tavares, de Águeda, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora.

O funeral foi a 12 do corrente, às 18h30, na igreja de Nª Senhora do Socorro, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses- Os seus restos mortais repousam agora no cemitério local, a última (e eterna) morada também dos meus sogros, José Carneiro e Maria Ferreira, fundadores da nossa Quinta de Candoz, pais da Alice Carneiro.

À esposa do nosso já saudoso camarada Manuel Carneiro, às suas filhas e aos seus netos, aos seus amigos e aos seus/nossos camaradas da CCP 121 / BCP 12, os editores deste blogue e os demais membros da Tabanca Grande manifestam a sua solidariedade na dor por esta perda precoce, aos 68 anos,  de mais um dos bravos da Guiné.



2. "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande": foi a expressão que  usei quando encontrei e conheci, pela primeira vez,  o Manuel Carneiro, ex-paraquedista da CCP 121/BCP 12, que esteve na Guiné entre 1972 e 1974.

Quem, primeiro, me tinha falado dele  fora o Victor Tavares, à mesa do Restaurante Vidal, em Aguada de Cima, Águeda, em 2 de março de 2007, tendo a nosso lado o Paulo Santiago, os dois membros, da primeira hora, da nossa Tabanca Grande.

Como então tive ocasião de escrever, o Victor Tavares é "um digno representante dessa escola de virtudes humanas e militares que foram (e são) os paraquedistas".

Valoroso elemento da CCP 121 /BCP 12, na Guiné, entre 1972 e 1974, 1º cabo, famoso apomtador da MG42, sofreu nove baixas mortais: seis na Operação Pato Azul (Gampará, Março de 1972) e três na heroica 5ª coluna que, entre 23 e 29 de maio de 1973, rompeu o cerco a Guidaje. Estes episódios já aqui foram evocados pelo Victor, com dramatismo, autenticidade e rigor (*).

À mesa, na conversa que tive com o Victor, ao almoço, à volta de um delicioso leitão,  deu também para perceber que ele é também um grande homem, um grande português e um grande camarada, que foi um notável operacional mas que não se envaidecia pelo seu brilhante currículo como combatente e pelo facto de ainda hoje privar com os seus antigos oficiais, incluindo aquele que foi seu comandante e que atingiu o posto de tenente-general (Manuel Bação da Costa Lemos, hoje na reforma, condecorado com a Medalha de Valor Militar, grau Prata com Palma), posto esse que é dificilmente alcançável entre as tropas paraquedistas...

O Victor, que tem conhecido as agruras da doença, foi e continua a ser muito respeitado pela família paraquedista, camaradas e superiores hierárquicos... Por isso, a  sua presença, na nossa Tabanca Grande, desde longa data,  só nos pode honrar, sobretudo pela sua grande experiência, camaradagem e lealdade. Não sei se ele já foi, entretanto, informado do camarada Manuel Carneiro.

3. Foi também nessa ocasião, em março de 2007, que eu vim a saber que um grande camarada e amigo do Victor era um tal Manuel Carneiro, conterrâneo e vizinho da minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro, natural de Paredes de Viadores, concelho do Marco de Canaveses… Não têm, porém,  qualquer parentesco, conhecido,  entre si, apesar do apelido Carneiro…

No dia 2 de Setembro de 2007, seis meses depois, acabei por conhecer, em carne e osso, o Manuel Carneiro. Estava eu a acabar as minhas férias de Verão, passando os últimos dias na pacatez e frescura da nossa Quinta de Candoz, com vista para a albufeira da barragem do Carrapatelo… No dia 2 era a festa do São Romão, orago da freguesia, Paredes de Viadores. Por volta das 16h, decidimos ir dar uma volta até ao sítio onde se realizava a festa do São Romão que não se compara, nem de longe nem de perto, com a grande festa anual da freguesia e do concelho, que é a Senhora do Socorro, na última semana do mês de Junho de cada ano…

São Romão resume-se, em boa verdade, a um pequena procissão e pouco mais. Mas nesse dia actuava o Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores… Assisti à (e filmei a) segunda parte deste simpático e jovem rancho, fundado em 1997. No final, entendi dever dar uma palavrinha reconhecimento e de estímulo ao respectivo director, que eu não sabia quem era…

Levaram-me até ele e, qual não é a minha surpresa, quando, lá chegado, ele dispara, rápido, a seguinte exclamação:
- Mas... é o Dr. Luís Graça!
- Já nos conhecemos de algum lado?
- Do blogue, pois, claro! Do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné! Sou camarada do Victor Tavares, paraquedista da 121…
- Podes então dispensar o doutor!… Dá-me cá um abraço, que os camaradas da Guiné tratam-se todos por tu!

Fiquei então a saber que o Manuel Carneiro, na altura com 55 anos, pai de três filhas, era nosso vizinho, conhecia muito bem a família da minha mulher, os Carneiro de Candoz, que era reformado da CP- Camainhos de Ferro, que residia no Juncal, mesmo junto à estação do Juncal (Linha do Douro, entre Marco de Canaveses e Mosteiró) e que assumira há pouco tempo funções de director do Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores

A conversa inevitavelmente foi parar ao blogue, à Guiné e aos paraquedistas. O Manuel Carneiro estava amiudadas vezes com o Victor, nos convívios periódicos da Companhia (CCP 121) e do Batalhão (BCP 12), nomeadamente em Tancos.

Prometi-lhe, logo ali,  apadrinhar a sua entrada na nossa Tabanca Grande. Disse-me que ainda não tinha endereço de email mas que ia com frequência visitar o nosso blogue, a partir do computador da filha mais nova.

Prometi-lhe também divulgar o rancho (por quem ele mostrava muito amor e carinho e a que dedicava um boa parte do seu tempo), tanto no nosso blogue como no blogue da Tabanca de Candoz, a Nossa Quinta de Candoz…

Um mês depois, hoje, cumpri uma parte do prometido…Carreguei, no You Toube, o vídeo que tinha gravado na festa de São. Romão  [Vd. A Nossa Quinta de Candoz, poste de 7 de outubro de 2007]... é A voz que, entretanto, se ouve no vídeo é a do Manuel Carneiro a quem eu saudei logo, na altura, como "novo membro da nossa tertúlia".

Na realidade, o Manuel Carneiro nunca chegou a ingressar, formalmente, na nossa Tabanca Grande, por falta de endereço de email e da foto da praxe, do tempo da CCP 121 / BCP 12 e da Guiné (1972/74), mais a história que faz parte da "joia de entrada"...

Infelizmente, esse lapso não foi corrigido "em vida"... Ao longo destes anos, fui vendo.o, mas com irregularidade, "lá na terra", na festa de Nª Sra. do Socorro ou no dia de finados...

Onze anos depois, e a agora que ele "da lei da morte já se libertou", o Manuel Carneiro entra diretamente para a nossa Tabanca Grande. É a nossa pequena homenagem a este homem,  bom e simples, amigo do seu amigo, camarada do seu camarada. (**)

 O Manuel Carneiro, cuja campa irei visitar na  próxima oportunidade,  não ficará, assim, na "vala comum do esquecimento". (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

6 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17939: Manuscrito(s) (Luís Graça) (127): O Dia de Fiéis Defuntos na Tabanca de Candoz: aqui a tradição ainda é o que era..

21 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10702: Tabanca de Candoz: Há a bazuca e a... mazurca; ou aqui não há festa sem música, sem dança no terreiro, sem contradança, valsa, fado, baile mandado..., ou seja, sem as velhas, novas, tunas rurais de Entre Douro e Minho...

(**) Último poste da série de 4 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18982: In Memoriam (321): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018): dois poemas, um de Josema (José Manuel Lopes) e outro, de Luís Graça

(***)  Último poste da série > 2 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 776.