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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15810: (Ex)citações (304): Duas Actas e a mesma evidência: Não foram os soldados a falhar na Guerra da Guiné!... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)

1. Em mensagem de 28 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), afirma, após leitura da Ata da reunião do CEMGFA, Costa Gomes, com os comandos do CTIG, Bissau, em 8/6/1973, que não foram os soldados portugueses que falharam na Guerra da Guiné.


Duas Actas e a mesma evidência: 
Não foram os soldados a falhar na Guerra da Guiné!...



Coutinho e Lima (P15777) Oficial Superior do Exército, veterano de três comissões na Guiné e principal actor da famigerada “Retirada de Guileje” e José Matos (P15731), jovem civil, formado em Astronomia e investigador independente, enriqueceram o acervo histórico deste blogue com as duas actas das duas reuniões de Comandos, no Comando-Chefe das FA da Guiné, no Forte da Amura, que antecederam o colapso da Guiné, documentos eloquentes, de prova de que a sua “descolonização exemplar” não passa de publicidade enganosa: a Guiné não foi descolonizada; foi abandonada…

As guerras são normalmente dirigidas por um “alto comando”, que vai e permanece nos TO, como se desempenharam D. Afonso Henriques, D. Nuno Álvares Pereira, Hitler, Churchill, Marshall, De Gaulle, Giap, etc.

A guerra grande da grande África Portuguesa foi desde o início dirigida formalmente por uma “alta instância” em Lisboa, e finar-se-á sob a alta responsabilidade do Almirante Américo Tomas, marinheiro notabilizado na I e II Guerras Mundiais, seu Comandante Supremo, o Professor Marcelo Caetano, Chefe do Governo de Portugal pluricontinental e o General Costa Gomes, o seu mais alto chefe profissional, no desempenho de Primeiro Soldado de Portugal.

Os actores dos actos da Acta de 18 de Maio de 1973, foram: General António de Spínola, CCFA´s da Guiné; Brigadeiro Leitão Marques, CCAdjunto; Ten-Cor. Baptista Beirão, Chefe da REP/INFO; Ten-Cor. do CEM Pinto de Almeida, Chefe REP/OP e o Brigadeiro Luís Banasol, Comandante do CTIG – que passamos a referenciar pelas respectivas siglas.

Os actores da reunião de 8 de Junho de 1973 são os mesmos, mais o General Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Portuguesas (CEMGFA) e os Comandantes da Defesa Marítima e do Comando da Zona Aérea da Guiné e Cabo Verde.

A reunião de 18 de Maio aconteceu já as FARP do PAIGC tinham fechado o cerco a Guidage, após 10 dias de renhidos combates, tendo conseguido concretizar o corte das suas acessibilidades; a reunião de 8 de Junho aconteceu com o PAIGC a lamber as feridas da sua derrota militar em Guidaje, retirado para o Senegal pela calada da noite, no rescaldo da retirada de Guileje, Nino Vieira tinha tinha entrado no seu aquartelamento, a bordo do seu tanquezinho e bebido whisky “para uso exclusivo das FA Portuguesas” e já a batalha de Gadamael perdia vigor, a tender para fim idêntico ao de Guidaje – o PAIG a retirar, para onde podia lamber as feridas.

Na 1.ª reunião, circunscrita ao Exército, o CCh explanou: A nossa guerra da contra-subversão e da defesa das populações atingiu um patamar que impõe o reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios.

O CCAdj. informou que o IN preparava condições para a destruição e conquista das guarnições de Guidaje, Buruntuma, Guileje e Gadamael. Como maior receio focou a manobra psicológica da captura massiva de prisioneiros. Testemunhara os seus efeitos devastadores na retaguarda, que levaram os americanos a abandonar o Vietname.

O Chefe da REP/INFO do CCh acrescentou 6 guarnições-objectivo à referenciada manobra do IN, prevendo a intervenção dos seus carros de combate na zona Sul.

O Chefe da REP/OP do CCh expressou-se com objectividade, racionalmente e sem pessimismo, considerando que a maior fragilidade para o futuro da guerra residia na não reocupação do Boé.

O comandante do CTIG reiterou que o seu exército não tinha condições de reocupar o Boé, mas que, com mais algum apoio, nomeadamente da Marinha, poderia apoiar as guarnições objectivo da destruição pelo IN. E o CCh concluiu a expressar a sua preocupação política e diplomática: confrontavam-se com a manobra do IN pela ocupação com fins exclusivamente políticos e promocionais. Não alteraria o dispositivo de superfície e deu 48 horas para os Comandantes-Adjuntos apresentarem a estimativa dos meios necessários, que pediria às “instâncias superiores”.

A 2.ª reunião foi presidida pelo CEMGFA que começou por se mostrar preocupado com os efeitos desmoralizadores da retirada de Guileje, das baixas nas batalhas nos 3 G´s e a elogiar a actuação enérgica do CCh, por obviado em Gadamael o acontecido em Guileje.

O Chefe da REP/OP computou a força do IN em 9000 a 10 000 combatentes, evocou a superioridade do seu armamento, o apoio das FA dos países vizinhos e afirmou a incapacidade para enfrentar a força aérea do IN, estando-lhe referenciados 8 MIG 17 e 6 MIG 19.

O CCAdj. advogou a manobra militar global em profundidade, de acção retardadora organizada, susceptível de permitir uma solução política ao conflito – manobra materializada no retraimento do dispositivo ao longo da fronteira, livrando as suas guarnições da cobiça da sua desactivação.

O Comandante do CTIG corroborou o redimensionamento do dispositivo de superfície, pela economia de forças e realçou a extrema gravidade do previsível ataque aéreo a Bissau, dado que os órgãos vitais da retaguarda e da prossecução da guerra não tinham defesa.

O Comandante da Defesa Marítima corroborou a manobra referida ao dispositivo, manifestando algum receio pelo agravamento das ameaças vindas do mar.

O Comandante da Zona Aérea garantiu que os Strela apenas condicionaram a acção da FA mas que esta perderá a superioridade aérea se o IN estiver dotado de força aérea tão actualizada. Está a favor da remodelação do dispositivo, pela concentração.

Conclusão:
Sintetizada, ante a dimensão e profundidade do tema, muita documentação certamente por desclassificar, um desafio aos investigadores isentos da contaminação ideológica, um repto especial à Fundação Mário Soares (diz-se que respira com dinheiros públicos), para que sobreponha a informação na posse do nosso ex-inimigo, contornando a desculpa de que anda perdida, às suas continuadas ninharias.

Aquela guerra de “contra-subversão e defesa das populações” só podia ser domada, desorganizada e enfraquecida pelo Exército, se toda a sua cadeia de comando enformasse de hierarquias competentes e motivadas – a exemplo do PAIGC. Marinha e Força Aérea não ganham guerras – ajudam a ganhá-las. E que ajuda, sobre a terra e sobre o mar! Em contraposição, o pobre do PAIGC não tinha nem Marinha nem Aviação - e não perdeu…

Em dois momentos, os comandos do Exército evidenciam a mistura da preocupação com o pavor de “contra os canhões, marchar! marchar!” sustentados em notícias, não escrutinadas, a exorbitar o potencial do IN (plausivelmente da autoria do próprio…), que a realidade não se cansará de desmistificar.

- O objectivo a aniquilar era Buruntuma, sobre a linha de fronteira (vivi um ano aí, aboletado na casinha da Guarda Fiscal) e não os três G´s, que distavam alguns quilómetros dessa linha. O insuspeito e nosso grande tabanqueiro António Martins Matos escreveu, neste blogue, que a malta de Bissalanca ousara voar sobre o ninho do PAIGC em Koundara e espatifara-lhes a concentração com umas “bilhas”. O fogoso comandante do Leste, Bobo Quetá, só realizará essa missão, já depois do Acordo de cessar-fogo, ao escorraçar facilmente a maioria da guarnição de Buruntuma...

O Comandante do CTIG receava o ataque aéreo do IN a Bissau, aos órgãos vitais da retaguarda da guerra, apoiava o redimensionamento do dispositivo de superfície e descartou liminarmente a reocupação do Boé, de tão trágica memória. Abramos parêntesis de justiça histórica e ad homine ao Ten-Cor. Pinto de Almeida pela sua serena análise da situação global, sem alarmismos, e pela sua visão estratégica pela reocupação do Boé, como o calcanhar de Aquiles da situação, ante a fase que a guerra estava a atingir, confirmado pela declaração unilateral da independência, seis meses depois; e ao General António de Spínola, pela justeza das suas análises, condescendendo com a sua inversão posterior, consentânea com as fragilidades da idade e o insuperável desgaste físico e mental acumulado, dos 5 anos naquela vida.

- A avaliação do efectivo do IN, em 9000 a 10 000 combatentes acusa um “coeficiente de cagaço” na ordem do triplo, enquanto o aparelho combatente, político, diplomático e “funcionalismo público” do PAIGC nunca atingiu os 4000, no seu conjunto. Em 1973, o efectivo português cifrava-se em 32 035 militares, sendo 25 610 metropolitanos, 6425 naturais (in Guerra em África do Major-General Sérgio Bacelar) e chegava aos 45 000, se lhe acrescentarmos as forças militarizadas - milícias, polícias e em autodefesa.

- Para lançar os ataques aos três G´s, o PAIGC teve de reunir meios e reduzir em 70% a sua actividade bélica no restante território.

- O PAIGC disporia apenas de 2 carros blindados, do género de “chaimite” mais avantajada, um no Sul, utilizado por Nino Vieira e outro no Norte, para utilização de Luís Cabral. O do Sul serviu para Nino Vieira ir beber o seu copo a Guileje e o do Norte será o que mais tarde participou na manobra de cerco e tentativa de golpe-de-mão ao destacamento de Copá, em apoio à retirada dos seus feridos, que os seus 29 defensores rechaçaram, após a deserção dos elementos nativos, neutralizando-o a tiro de morteiro de 60, saga contada neste blogue pelo camarada António Rodrigues.

- Apesar das baixas sofridas no contexto dos 3 G´s, o seu nível atingido em 1973 foi igual ao de 1969, o ano de ouro da Spinolândia…

- A mesma estatística indica que a sua esmagadora maioria foi causada não pelos morteiros 120, os obuses 150, os Katiuskas, etc, mas pela infantaria e sapadores, em emboscadas e minas…

- O Comandante da Defesa Marítima concorda com a manobra referida ao dispositivo militar, sem alarmismo, manifestando algum receio das ameaças vindas do mar. A União Soviética havia dotado o PAIGC de 6 vedetas, rápidas e com autonomia marítima, mas Alpoim Calvão e a sua malta haviam esconjurado a sua perigosidade, afundando-as na Operação Mar Verde.

- O comandante da Zona Aérea diz que a FAP ultrapassara a ameaça dos Strela, as suas aeronaves “rastejariam” sobre a terra e sobre a água sempre que necessário, mas avisa que essa superioridade aérea será perdida, se tão actualizados MiG´s comparecessem a dar-lhes batalha.

Segundo Nino Vieira, Amílcar Cabral havia permanecido muitos dias em Moscovo, conseguido os Strela em desespero de causa, para finais de 1972, convencendo o general russo com a invocação:
- “A nossa luta tem sede e morrerá de sede, se não nos ajudarem; salvem-nos, dêem-nos água, essa água!”...

O PAIGC terá gasto 88 misseis, no contexto da crise dos 3G´s, para obter o proveito de abater 6 aeronaves e nenhum helicóptero, desperdício que o responsável da cooperação russa reportou a Moscovo, com a recomendação do corte de fornecimento.

- A força aérea do PAIGC era tão actualizada, que até foi invisível…

- O CEMGFA fechou a reunião: 

“A Guiné não teria reforços, além dos da lista anexa … A missão continuará a ser cumprida; o dispositivo de superfície reconvertido e adaptado à situação; a imperiosidade de impedir o isolamento de qualquer guarnição, não concedendo ao IN qualquer facilidade de destruição; economizar meios, em favor da dinamização das guarnições, do melhoramento da eficácia no apoio logístico; manter a iniciativa e liberdade de acção.

- E reportará aos pares da “alta instância”, em Lisboa: “A Guiné é defensável”.

Spínola desistirá da luta, em Agosto, não obstante pai nutrício do MFA (o seu embrião foi spinolista, mas perderá rapidamente Spínola), que a oficialidade marxista e comodista criará e engordará, iniciando o seu esplendor em 26 de Abril, no mesmo Forte da Amura, limbo dessas duas reuniões…

Manuel Luís Lomba
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Notas do editor

- Itálicos da responsabilidade do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15452: (Ex)citações (303): Eu e o marinheiro a bordo de um avião da TAP, a caminho de Lisboa... Um conto do vigário: o 'negócio chorudo' das fotografias do deserto do Sara... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15754: Fotos à procura de... uma legenda (71): Spínola e Costa Gomes no Cantanhez: fotos do livro de José Moura Calheiros, "A última missão" (1ª ed., Porto: Caminhos Romanos, 2010) (Rui Pedro Silva, ex-cap mil, CCV 8352, Caboxanque, 1972/74)


Foto nº 1 (p. 351)


Foto nº 2 (p. 336)



Fotp nº 3 (p. 337)


Três Fotos do livro de Jose Moura Calheiros [, 2º cmdt do BCP 12, Guiné, 1972/74, na altura major, hoje cor pára, reformado], "A Última Missão", 1ª ed. (Porto: Caminhos Romanos, 2010, 638 pp.). Digitalizadas por Rui Pedro Silva e reproduzidas aqui, com a devida vénia ao autor e editora.

Fotos: © José Moura Calheiros (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: Rui Pedro Silva / LG]


1. Mensagem de ontem, do Rui Pedro Silva, membro da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil, CCAÇ 3347 (Angola, 1971), ex-ten mil, BCAÇ 3840 (Angola, 1971/72), e ex- cap mil, CCAV 8352 (Guiné, Caboxanque, 1972/74): 


Olá, Luís: O prometido é devido. (*)

Junto envio três digitalizações de fotos do livro do cor pára ref Moura Calheiros. Mantive a legenda que acompanhava, no livro, cada uma das fotos.

Em duas das fotos ]nºs e 3] estão homens grandes da zona com o cap paraquedista Terras Marques [, cmdt da CCP 122 / BCP 12].

Numa das fotos de pé e de boina o cap Carvalho Bicho [, comandante da CCaç 4541/72, sediada em Caboxanque]. [Foto nº 3].

Estas reuniões eram frequentes e tanto aconteciam em Caboxanque como nas povoações da zona, umas mais orientadas para a acção psicossocial outras orientadas para obtenção de informações com algum valor operacional.

Na outra foto [n.º 1] veem-se os generais Costa Gomes e Spínola, o tenente-coronel Araújo e Sá, atrás do alferes que se encontra em primeiro plano e de costas o cap Carvalho Bicho e atrás do gen Spínola e entre este e o tenente coronel Araújo e Sá [, cdmt do BCP 12,] estou eu.

Um abraço, Rui




Capa do livro de José Moura Calheiros,  "A Última Missão" (Porto, Caminhos Romanos,
2ª edição, 2011). A 1ª edição de 2010.



2. Mail enviado ao Rui, a 13 do corrente:

Rui: Não tenho aqui o livro do Moura Calheiros, tenho-o no meu gabinete... Digitaliza-me essa foto,  onde tu apareces com o Costa Gomes e o Spínola, o José Moura Calheiros já me autorizou a reproduzir a parte do seu livro relativa à Guiné... Só tenho a 1ª edição (2010). Ele disse-me  que saiu,. em 2011, uma 2ª edição, revista e aumentada.

Fico feliz por teres dado "sinais de vida"!... Completa então a legenda desta e da outra foto (*)...

Um abraço fraterno... Luís

PS - Encontramo-nos em Monte Real, em 16 de abril ? Temos o XI Encontro Nacional da Tabanca Grande... A rapaziada está a ir-se abaixo das canetas, que a vida é uma picada cheia de minas e armadilhas...Como informático, preciso do teu bom conselho sobre este património riquíssimo, o blogue, que é de todos nós... Faço cópias de segurança, regularmente, mas o nosso servidor é o Blogger da Google, uma das mais poderosas e influentes megaempresas do mundo...

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 13 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15743: Fotos à procura de... uma legenda (70): Spínola e Costa Gomes em Caboxanque, com o Cap Cav Carvalho Bicho, outros oficiais, um milícia e o chefe da tabanca (Rui Pedro Silva, ex- cap mil, CCAV 8352, Caboxanque, Cantanhez, região de Tombali, 1972/74)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15752: Notas de leitura (808): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Na releitura desta obra de Luís Nuno Rodrigues fui agradavelmente surpreendido por um dado que já era óbvio na primeira leitura: o investigador deixa bem escarrapachado que Spínola nunca se furtou a informar os seus superiores sobre a evolução militar, em todas as fases críticas, nos cinco anos em que foi Comandante-Chefe. Se é facto que vai ziguezaguear em Maio de 1973, aceitando inicialmente a retração do dispositivo, prontamente se apercebeu que ficaria manietado no coração da Guiné, perdendo o controlo das franjas e desconhecendo inteiramente o que a guerrilha e a Organização da Unidade Africana preparavam depois da declaração unilateral de independência.
Spínola deixa a Guiné mas o mito ficara intocado e apresentar-se-á como o militar providencial no Largo do Carmo.

Um abraço do
Mário


Spínola e a evolução militar da Guiné (1968-1973) (2)

Beja Santos

A correspondência trocada entre Spínola e os seus superiores, no comando da Guiné, à luz do trabalho desenvolvido por Luís Nuno Rodrigues na biografia que escreveu sobre o mediático homem do monóculo, A Esfera dos Livros, 2010, torna claro, a despeito de certos excessos de pendor melodramático que a verificação que era transmitida sobre a evolução militar era fiável e baseada em dados fundamentados. 

Não cabe, neste tipo de apontamentos, explanar sobre o desenvolvimento económico e social que Spínola imprimiu à província. Terá certamente sentido ver como ele pretendeu encontrar soluções políticas confiando que Marcello Caetano apostasse numa política de “autonomia progressiva”. Os dois encontram-se no Buçaco no Verão de 1970, Caetano trabalha na proposta de revisão condicional. Spínola compromete-se a enviar um documento, envia-lhe em Outubro um relatório que servirá de base ao seu livro "Portugal e o Futuro"; relatório que ele intitulará “Algumas ideias sobre a estruturação política da Nação”

Sente-se animado pela tese federativa. Mas, inexoravelmente, caminhava-se para a deterioração das relações. Spínola aspirava a uma candidatura presidencial, Caetano aposta em manter Américo Tomás. A chamada Ala Liberal parecia entusiasmada com a eventual candidatura de Spínola à presidência da república. Depois Spínola é repreendido por Caetano quando concedeu uma entrevista ao Diário de Lisboa. E visando uma solução negocial para o problema guineense, Spínola pede a Caetano para se encontrar com Senghor. Sabemos como posteriormente Caetano desautorizou Spínola para novos encontros, na correspondência de ambos transparece um tom discordante onde outrora havia coloquialidade. 

Segundo Luís Nuno Rodrigues, em Outubro de 1972, Spínola, em férias no Luso, recebeu uma mensagem urgente do inspetor Fragoso Allas, o responsável pela PIDE da Guiné, dizendo que Amílcar Cabral estava na disposição de ir a Bissau conferenciar consigo e, inclusivamente, com o próprio Marcello Caetano. Este continua a rejeitar qualquer tipo de contactos. 

Spínola escreve-lhe em 24 de Outubro, reiterando as suas apreensões, seria “a última hipótese do Governador da Guiné dialogar com Amílcar Cabral em situação transitória de manifesta superioridade”. Caetano responde que “para a defesa global do ultramar é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra, do que por um acordo negociado com os terroristas, abrindo caminho a outras negociações”.

1973 é o ano crítico das suas relações. A 20 de Janeiro é assassinado Amílcar Cabral. Não vale a pena entrar na polémica sobre os labirintos deste assassinato, continua tudo por esclarecer, o importante são as grandes mudanças no terreno, ditadas pela chegada dos misseis antiaéreos Strela. Perdida a supremacia aérea, ocorre em Maio uma grande ofensiva militar do PAIGC que deixou marcas indeléveis. 

A 22 de Maio Spínola envia ao General Costa Gomes um conjunto de pareceres e propostas relativos à nova situação militar na Guiné, evocava uma reunião extraordinária de Comandos realizada a 15 de Maio. Impunha-se tomar decisões urgentes no âmbito da manobra militar, abriam-se três alternativas: redução da área a defender com vista à economia de forças; conservação do atual dispositivo sem qualquer reforço à luz de um espírito de defesa a todo o custo; e reforço do teatro de operações em meios, em ordem a manter a superioridade sobre o inimigo no quadro da manobra atual. 

Nesse mesmo dia Spínola escreve ao Ministro do Ultramar: “o governador apenas pode informar o Governo central sobre a gravidade do momento, em ordem a que as medidas adequadas sejam tomadas por quem tem competência para as adotar, nada mais restava fazer do que aguardar serenamente o desfecho que prevemos, o colapso militar"

Em Junho, poucos dias depois do ataque a Gadamael, Costa Gomes deslocou-se a Bissau. O centro das discussões passa pela adaptação do conceito de manobra. Spínola declara a necessidade do recuo de “muitas das guarnições de fronteira para posições previamente selecionadas mais no interior que, pelo seu menor número e adequada localização, minimizem os riscos a que atualmente estão expostas e permitam obviar quando possível à situação crítica que a escalada do inimigo nos criou”

Costa Gomes concorda com a análise de Spínola, a manutenção do dispositivo só seria possível com volumosos meios adicionais, absolutamente impossível de os fornecer. Anos mais tarde, numa fase litigiosa com Costa Gomes, Spínola dirá que foi este quem fizera semelhante proposta, o que é falso.

Mas Spínola acabaria por mudar de ideias, opondo-se à retração do dispositivo militar, pelo menos enquanto essa retração não fosse acompanhada de um reforço substancial dos meios à sua disposição. Volta a queixar-se amargamente ao Ministro do Ultramar, diz-lhe sem rebuço que a guerra na Guiné exigia medidas que iam frontalmente contra a linha política a que ele se considerava vinculado, a seu tempo propusera soluções para o problema da Guiné que tinham sido rejeitadas: 

“Agudiza-se o problema da minha substituição que peço a Vossa Excelência seja considerada a tempo de possibilitar a alteração do dispositivo militar que é mister fazer”.

E Luís Nuno Rodrigues finaliza dizendo que perante a impossibilidade na solução política e face a um cenário de eventual repetição da situação de Goa em 1961, Spínola decidia abandonar as suas funções na Guiné. Chegou a Lisboa em 6 de Agosto de 1973, e comunicou a sua decisão a Caetano: “Senhor Presidente do Conselho, venho dizer-lhe que regressei de vez”.

Um talentoso General, Bethencourt Rodrigues, aceita, depois de muito rogo de Caetano, substitui Spínola. Na aparência, a guerrilha não ganha intensidade, o PAIGC tinha preparado nova ofensiva para Maio de 1974, novamente no Norte. A situação política em Portugal decompunha-se no início do ano, Caetano, em desespero, procura negociações à revelia da sua matriz ideológica. É tarde, muito tarde, os militares, sobretudo aqueles que conheciam a Guiné, sabem que já não há solução militar possível para a Guiné e para Moçambique. Tudo acabará num quase sereno golpe militar, no Largo do Carmo, em meados da tarde de 25 de Abril, Caetano entrega simbolicamente a Spínola.
A descolonização vai começar.
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Nota do editor

Poste anterior de 12 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15738: Notas de leitura (807): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15743: Fotos à procura de... uma legenda (70): Spínola e Costa Gomes em Caboxanque, com o Cap Cav Carvalho Bicho, outros oficiais, um milícia e o chefe da tabanca (Rui Pedro Silva, ex- cap mil, CCAV 8352, Caboxanque, Cantanhez, região de Tombali, 1972/74)


Guiné > Algures > Maio de 1973 > Costa Gomes, CEMGFA (Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas), dá início, a 25 de maio de 1973, a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar com vista a garantir o espaço de manobra do poder político em Lisboa.

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Comentário, de 13 do corrente,  de Rui M. Silva ao poste P15734 (*)

[Foto à esquerda: Rui Pedro Silva, membro da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil, CCAÇ 3347 (Angola, 1971), ex-ten mil, BCAÇ 3840 (Angola, 1971/72), e ex- cap mil, CCAV 8352 (Guiné, Caboxanque, 1972/74)]


O Gen Costa Gomes visitou a Guiné por duas vezes em 1973 (Janeiro e Maio).

Estas fotos foram tiradas em Caboxanque, Cantanhez. Julgo que a foto é de Janeiro mas sendo assim entre estes oficiais deveria estar o Ten Cor Araújo e Sá, Cmdt do BCP 12 e do Cop 4,  e/ou o Major Moura Calheiros [, 2º comandante].

No livro "A Última Missão", do agora Cor  pára ref  Moura Calheiros (**),  verificarão que a páginas 351 se encontra uma foto desta visita em que se reconhecem muitos dos presentes nas fotos agora publicadas. E nessa foto vê-se parcialmente a minha cara atrás do Gen  Spínola.

Não reconheço o militar que está atrás do Gen Costa Gomes.

A carregar a papelada, meio encoberto,  julgo ser o Cap Matos,  ao tempo comandando o destacamento de Caboxanque.

O oficial à esquerda do Gen Spínola (de boina) é o Cap Cav Carvalho Bicho,  ao tempo comandando a CCaç 4541/72,  sediada em Caboxanque,  tendo participado na operação "Grande Empresa",  de ocupação do Cantanhez.

O outro oficial por estar parcialmente encoberto não consigo identificar.

Em primeiro plano temos um milícia de Cufar e o homem grande e chefe da tabanca de Caboxanque.

Tenho que recorrer aos papeis para me recordar do seu nome que merece ser referido.

Um abraço a todos,

Rui Pedro Silva
Ex-Cap Mil,  CCav 8352/72,
Caboxanque
(Dezembro de 1972 / Junho de 1974)



 Angola, Zemba >  Dezembro 1971 > Visita do Gen Costa Gomes (em segundo plano, á esquerda, de camuflado e óculos escuros). Em primeiro plano,do lado direito,  o oficial de dia, o então alf mil da CCAÇ 3347 (Angola, 1971), Rui Pedro Silva. (***)

Foto (e legenda): © Rui Pedro Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

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Notas do editor;

(**) Vd. poste de > 5 de dezembro de 2010 >  Guiné 63/74 - P7385: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (4): "A História, tal como a ficção, não pode ficar em suspenso sem um epílogo que a justifique e lhe dê um sentido" (António-Pedro de Vasconcelos)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15734: Fotos à procura de... uma legenda (69): o CEMGFA, gen Costa Gomes, no CTIG, em 25 de maio de 1973 (Foto de Pierre Fargeas / Jorge Félix)


Foto nº 1 A


Foto nº 1 B


Foto nº 1

Guiné > Algures > Maio  de 1973 > Costa Gomes, CEMGFA (Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas), dá início, a 25 de maio de 1973, a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar com vista a garantir o espaço de manobra do poder político em Lisboa. Creio que foi nesta visita que ele disse que a Guiné era defensável, se o PAIGC não viesse a utilizar os MiG que se dizia que tinha ou poderia vir a ter...

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Uns dias antes, a 22, Spínola tinha mandado um telegrama ao Ministro da Defesa,  gen Horácio José Sá Viana Rebelo (1910-1995), com o seguinte teor: 

"Conforme seu pedido telefónico informo que sob pressão IN comandante local mandou evacuar Guileje e destruir acampamento sem ordem deste comando. Trata-se de lamentável estado de pânico perante manifesta superioridade inimigo,  o que em caso algum justifica tal decisão. Esclareço Guileje estava sem comunicações Bissau virtude destruição antena pelo inimigo. Mandei levantar auto corpo de delito comandante responsável. Insisto pedido reforços" (Fonte: Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso - Os anos da guerra: volume 14: 1973: perder a guerra e as ilusões. Matosinhos: QuidNovi, 2009. p.46).

 Na foto (, por nós editada), vê-se o CEMGFA,  Gen Costa Gomes à direita de Spínola, falando com milícias guineenses (ou um mílicia e um civil). É a única foto que temos dos dois, juntos, Spínola e Costa Gomes, no CTIG... É a única foto, aliás, que temos do Costa Gomes no CTIG...

A foto é do francês Pierre Fargeas (técnico que fazia a manutenção dos helis AL III, na BA 12, Bissalanca, em representação do fabricante), gentilmente enviada pelo nosso camarada Jorge Félix (ex-alf mil pil heli, BA12, Bissalanca, 1968/70). Presumimos que o Pierre Fargeas tenha acompanhado, por razões de segurança, a comitiva militar...

2. De acordo com o documento do CEMGFA que reproduzimos no poste P15731, o gen Costa Gomes deslocou-se novamente à Guné, passados uns dias, numa visita de 4 dias, com início a 6 de junho de 1973, acompanhado do cor Ramires de Oliveira: "Durante os quatro dias que ali permanecemos, tivemos ocasião de observar, auscultar e conversar com muitas pessoas". No dia 8, teve  a tal renião com os comandos do CTIG...

Pergunta-se: não haverá aqui uma troca de datas ? Fazia sentido duas visitas do CEMGFA à Guiné no espaço de suas semanas (uma a 25 de maio e outra a 6 de junho) ?  É verdade que ele fez mais do que uma visita à Guiné...

3. De qualquer modo, fica aqui o desafio aos nossos leitores: para além do Spínola e do Costa Gomes, quem serão os outros oficiais ?

(i) Quem é oficial que está por detrás do Costa Gomes ? (Foto nº 1 A)

(ii) E o que carrega um coleção de papelada, provavelmente mapas, e que está entre o Costa Gomes e o Spínola ? (Foto nº 1 A)

(iii) Quem são os dois oficiais que estão  à esquerda de Spínola ? (Foto nº 1 B)

(iv) Quem seria este milícia e este civil ? (Foto nº 1)

(v) Onde é que a foto foi tirada ? (Foto nº 1)...

... Dão-se "alvíssaras" a quem responder e acertar!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15731: Documentos (29): Ata da reunião do CEMGFA, Costa Gomes, com os comandos do CTIG, Bissau, 8/6/1973 (José Matos, historiador independente)





Cópia de documento de 4 páginas, do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), de 15/6/1973, com o relato de uma reunião com os comandos militares do CTIG em 8 de junho de 1973.   Francisco da Costa Gomes (1914-2001) foi CEMGFA de 5/9/1972 a 13/3/1974.   Visitou o CTIG,  de 6 a 9 de junho de 1973.



1. Mensagem, com data de ontem, do José Matos, 

[ O nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos, formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central Lancashire, Preston, UK ), é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992, e faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro.

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74).]

Olá, Luís

Mando-te um documento [, de 4 pp.]  interessante sobre a reunião que Costa Gomes teve na Guiné, quando foi lá em Junho de 1973, de 6 a 9.

Ab, Zé

2. Comentário do editor:

Obrigado,  Zé. Os antigos combatentes da Guiné, e não apenas os investigadores, têm direito a conhecer estes "documentos para a história"...

 O documento que reproduzimos, com data de 15/6/1973, ontem "muito secreto, hoje "desclassificado", à guarda do Arquivo de Defea Nacional, para consulta dos estudiosos e historiadores,  fala por si, mas tu tens aqui no blogue vários postes teus  que ajudam o nosso leitor  a compreendê-lo melhor, a partir da sua  contextualização histórica, geoestratégica, política e militar.

Julgo que pode este documento pode (e deve) ser visto como complemento à série Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 no Quartel-general do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, aqui publicada há menos de 4 anos (*), da autoria do Luís Gonçalves Vaz [, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74, e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo]. (*)

Na realidade, em 8/6/1973, o que o CEMGFA fez, foi um "briefing" com os todos os comandos militares do CTIG. Recorde-se,  citando o poste P9639, do Luís Gonçalves Vaz (*), que três semanas antes,  “em 15 de Maio de 1973, pelas 10h30, no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, teve lugar, sob a presidência e mediante convocação do General Comandante-Chefe, General António de Spínola, uma reunião de Comandos na qual participaram os comandantes-adjuntos",  respectivamente:

(i) Comodoro António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante da Defesa Marítima da Guiné;

(ii) Brigadeiro Alberto da Silva Banazol, Comandante Territorial Independente da Guiné;

(iii) Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques, Comandante-Adjunto Operacional;

(iv) e Coronel Gualdino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné.

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Nota do editor: 

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15079: FAP (85): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte II





1. Continuação da publicação do artigo do José Matos, "A ameaça dos MiG na guerra da Guiné", Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352 > (*)

por José Matos

[Recorde-se que o José Matos é filho de um camarada nosso, o ex-fur mil José Matos, da CCav 677 (São João, 1964/66), já falecido em 1987, aos 45 anos; vive na região de Aveiro, é investigador independente, especialista em aviação militar; e é a partir de hoje o nosso mais recente grã-tabanqueiro, o  nº 701;L acaba de aceitar o nosso convite para se senta à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, honrando a memória do seu pai]


(Continuação)


O reforço da artilharia antiaérea

Entretanto, o Ministro da Defesa autoriza, por despacho de 14 de Agosto de 1970, o reforço do dispositivo antiaéreo na Guiné com uma bateria antiaérea, com comando em Bissau e um pelotão em Nova Lamego e outro em Aldeia Formosa [20]. Desta forma, é mobilizada a Bateria de Artilharia Anti-Aérea (Btr AAA) 3381, sob o comando do Capitão de Artilharia Victor Marçal Lourenço, que embarca para a Guiné em duas fases: a 1ª fase, em 13 Fevereiro de 1971, e a 2ª fase, em 26 de Maio do mesmo ano. Na Guiné, a bateria é fraccionada por Bissau, Nova Lamego, Aldeia Formosa e Nhacra. Estava equipada com metralhadoras quádruplas de 12,7 mm, peças de 40 mm e radar nº 4 Mark VI.

Também em 13 de Maio de 1971, embarcou uma bateria antiaérea pesada 3382 (peças de 94 mm), sob o comando do Capitão de Artilharia Joaquim Branco Evaristo para reforçar o dispositivo já existente em Bissau.

Finalmente, a 26 de Maio de 1971, embarca a Btr AAA 3434 sob o comando do Capitão de Artilharia Pereira da Costa, ficando a Guiné com três baterias de AAA [21]. No entanto, os voos não identificados continuam sobre a Guiné. Em 1970, os PERINTREP (relatórios periódicos de informação) do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (CCFAG) assinalam 38 voos não identificados, sendo que este número baixa ligeiramente no ano seguinte para 35 [22].

A caça aos MiG em Conakry

Em Novembro de 1970, as forças portuguesas na Guiné desencadeiam a operação “Mar Verde” contra a Guiné-Conakry, com o objectivo de derrubar o regime de Sékou Touré, capturar Amílcar Cabral e resgatar vários militares portugueses presos na capital guineana. Seis lanchas da Marinha são mobilizadas para esta operação, sendo constituída uma força embarcada de 400 combatentes formada por comandos e fuzileiros portugueses, além de elementos oposicionistas ao regime de Sékou Touré treinados pelas forças portuguesas.

A operação é desencadeada na madrugada de 22 de Novembro de 1970, sendo a força de ataque dividida em 15 grupos de assalto, tendo o grupo “Sierra”, comandado pelo Capitão Lopes Morais, a incumbência de atacar o aeroporto da capital e destruir os MiG da FAG, de forma a assegurar o domínio do ar durante o ataque.  Porém, Lopes Morais não encontra nenhum MiG no aeroporto e comunica o facto ao comandante da operação, o Capitão-Tenente Alpoim Calvão, que, perante a situação, dá ordem de retirada [23]. Segundo informações recolhidas no terreno, os MiG tinham sido enviados para Labé, no dia 20 de Novembro [24].

No palácio presidencial, depois da fuga de Sékou Touré para uma casa segura, o Secretário de Estado da Juventude, Alpha Abdoulaye Diallo, tenta organizar a resistência contra a força invasora e entra em contacto com o Capitão Sylla Ibrahima, responsável pela aviação militar, e pergunta por que razão os MiG não estão no ar, ao que Ibrahima responde que estão todos inoperacionais, mas compromete-se a tentar, pelo menos, pôr um a voar [25].

E é provavelmente esse caça que levanta voo de Labé para tentar interceptar as forças portuguesas ao início da manhã. Pilotado pelo Tenente Hady Canté, o MiG-17 sobrevoa a capital guineana a baixa altitude por volta das nove da manhã, quando as forças portuguesas já tinham embarcado, e detecta na baía de Conakry um barco que julga ser inimigo [26]. O piloto abre fogo de canhão sobre o navio que na verdade era o cargueiro cubano, Conrado Benitez, provocando ferimentos num membro da tripulação [27]. Depois deste episódio, o piloto ainda sobrevoa a grande altitude a força naval portuguesa, mas nada faz [28]. A acção do MiG mostra, no entanto, que a decisão de Calvão em retirar tinha sido acertada, pois as lanchas da Marinha não dispunham de qualquer defesa antiaérea e o raio de acção da aviação de caça portuguesa não permitia qualquer cobertura aérea sobre a capital guineana [29].

Os MiG sobre Bissau


Em Fevereiro de 1971, o próprio Comandante-Chefe da Guiné, General António Spínola, dá conta do sobrevoo de Bissau, a 13 de Fevereiro, por dois caças MiG-17. Em carta ao Ministro da Defesa, General Viana Rebelo, Spínola assinala que os dois MiG sobrevoaram a capital a baixa altitude, concluindo “que se tratava de um reconhecimento aéreo levado a efeito por pilotos altamente especializados, que, como é óbvio, devem ser russos”.

MiG 17F - Cortesia do portal Área Militar > Aviões e helicópteros....
[Edição: LG]
Spínola não identifica a origem dos aviões, nem a direcção dos mesmos, mas pede que sejam fornecidos “meios de detecção e alerta, e ainda material antiaéreo”, e pede também que a BA12 seja reforçada, no mínimo, “com um avião de bombardeamento de voo nocturno e que seja deslocada para a Guiné uma fragata equipada para luta antiaérea [30]. Estranhamente, o PERINTREP do CCFAG referente ao período em questão não faz qualquer referência a este voo.

Pouco tempo depois, a 30 de Março, Spínola emite uma directiva em que admite a possibilidade de ataques aéreos contra a capital guineense pelo país vizinho como retaliação pela operação “Mar Verde”, dando novamente conta do incidente ocorrido a 13 de Fevereiro com os dois MiG. Como medida de precaução, Spínola determina que a corveta “Jacinto Cândido”, já fundeada na Guiné, comece a ser usada na pesquisa de alvos aéreos que possam ameaçar Bissau [31].

Nesta altura, volta novamente a pensar-se na hipótese de enviar F-86 para a Guiné, depois destes terem sido retirados em 1964, em virtude de pressões americanas. Em Fevereiro de 1971, é decidido enviar seis caças destes para a Guiné, desmontados, sendo o transporte feito em aviões Noratlas [32]. A intenção é comunicada ao Comando da 1ª Região Aérea, que levanta problemas quanto à ida para Bissalanca de pilotos e mecânicos afectos à Esquadra 51, em Monte Real, e das consequências que essa deslocação podia ter na operação dos F-86 da unidade e na preparação de pilotos para o Fiat [33]. Uma preocupação que não é atendida pelo SGDN, que reforça a necessidade do destacamento, argumentado que o mesmo tinha merecido a concordância do ministro da Defesa [34].

Neste seguimento, dois pilotos qualificados em Sabre (Major Nazário Rodrigues e o Capitão Alberto Cruz) são destacados para embarcar para a BA12, e dois F-86 são desmontados, em Março, para seguir o mesmo caminho [35]. A Força Aérea envia mesmo a Bissalanca dois oficiais de Monte Real (Capitão José Nico e Tenente Jurado) para estudar as condições de apoio logístico que a base dispunha para operação do Sabre [36]. Mas, em Julho de 1971, o destacamento é cancelado, provavelmente, para não criar problemas com os EUA [37].

Em meados de Dezembro, Spínola volta a escrever a Viana Rebelo considerando, mais uma vez, que é possível um ataque aéreo a Bissalanca vindo da República da Guiné e que tal hipótese “exige que sejam efectuadas com a maior urgência obras de construção de abrigos para helicópteros e pontos de dispersão para os aviões Fiat G-91”, pedindo ao ministro que despache no sentido da adjudicação dos trabalhos [38]. Spínola revela ainda que irá ele próprio “autorizar a firma adjudicatária a iniciar desde já os trabalhos, antes de assinatura do contrato”. No seguimento desta carta, as obras arrancam na BA12 e são então construídos abrigos metálicos para o G-91, com paredes laterais de forte espessura cheias de terra, protegendo assim os aviões contra estilhaços e efeitos de sopro, ficando os aviões separados uns dos outros por estas paredes metálicas. Além de Bissalanca, são também construídos abrigos para o Fiat, em Nova Lamego.

Em busca de novos meios de defesa

Entretanto, em Dezembro de 1971, Viana Rebelo, desloca-se a Paris para tratar da renovação do acordo da estação de rastreio das Flores e dos problemas pendentes relativos ao fornecimento de material de guerra francês a Portugal. Rebelo encontra-se com o Ministro de Estado e da Defesa, Michel Debré, e manifesta a intenção de Portugal comprar mísseis antiaéreos Crotale [39].

Desenvolvido originalmente para a África do Sul, pela Thomson-CSF, o Crotale R440 era um sistema de defesa aérea contra ataques a baixa altitude e que, habitualmente, consistia em dois ou três veículos lançadores, equipados cada um com quatro mísseis, além de um radar de seguimento e um veículo de aquisição e vigilância, equipado com um radar de busca/designação de alvo.  Debré concorda que se iniciem as negociações preliminares sobre o Crotale, embora uma futura venda tenha sempre que ser analisada pela Comissão Interministerial de Estudos de Exportação de Material de Guerra (CIEEMG, na sigla francesa), uma comissão constituída por delegados de cinco ministérios e que decide a venda ou não de material bélico ao exterior.

Na mesma altura, a CIEEMG analisa também um pedido português para uma possível compra de dezoito caças Mirage III ou Mirage 5  [40]. A FAP não tem na Guiné qualquer avião interceptor capaz de fazer frente a uma ameaça aérea vinda do país vizinho e procura, por isso, um novo caça com capacidade de ataque e defesa aérea, embora a principal vantagem de um caça como o Mirage na Guiné seja a capacidade de retaliação sobre os países vizinhos.

A falha era óbvia e já tinha sido evidenciada em 1970, num relatório do comando militar em Bissau sobre a situação operacional e logística na Guiné e evolução prevista para o biénio 1970-71. Na parte da defesa antiaérea, o relatório exagerava na ameaça reportando, com elevada probabilidade, que a guerrilha já tinha “elementos treinados em pilotagem de aeronaves” e que dispunha “de meios aéreos ligeiros de transporte, nomeadamente helicópteros” e que, a breve prazo, poderia ter também “meios aéreos de outros países ou organizações internacionais intervindo abertamente no conflito”, o que nunca chegou a acontecer.  No entanto, assinalava de forma correcta a falta de um sistema de radar/caças interceptores capaz de garantir a defesa aérea do território e pedia a “construção de uma estação de radar e respectivo material electrónico”, além da “aquisição duma esquadra de interceptores Mirage 5 (mínimo de 16 aviões)”. O relatório defendia também uma rede de artilharia AA por vários pontos da Guiné, além do envio de mais radares AN/TPS-1D [41].

O documento chega ao conhecimento do Ministério da Defesa, em Lisboa, mas não tem qualquer consequência prática. A única decisão que o ministério toma, em 1972, é atribuir mais um radar AN/TPS-1D à Força Aérea, “com vista a uma melhor cobertura do território guineense e em reforço de um outro radar do mesmo tipo já em funcionamento,” contudo as fracas prestações deste equipamento fazem com que a FAP decline a cedência de novos radares AN/TPS-1D [42].


A visita de Costa Gomes


Em Janeiro de 1973, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), General Costa Gomes, visita a Guiné, com o objectivo de obter relatórios da situação dos diferentes sectores militares em todos os seus aspectos. A avaliação que faz da defesa aérea é negativa, pois considera que esta não existe e que “a precária operacionalidade dos meios de defesa aérea deixa a Guiné à mercê de um ataque aéreo inimigo” [43].

Um mês depois desta visita, Costa Gomes analisa a situação numa reunião da Comissão Conjunta dos Chefes de Estado-Maior, onde chama a atenção para o problema da defesa aérea e dos meios antiaéreos. Nas palavras do CEMGFA, o radar existente na BA12 “está inoperante e mesmo que esteja operacional não permite a referenciação em tempo oportuno. Os meios de defesa aérea só poderão actuar quando os objectivos estiverem já a ser sobrevoados. Quanto aos meios antiaéreos estamos a pretender adquirir mísseis Crotale para a Guiné e para Cabora-Bassa, mas sem radar de aviso este sistema é ineficiente.”

Em resposta, o CEMFA, General Tello Polleri, refere que para ele o problema é uma surpresa, pois nunca tinha sido apresentado ao EMFA. Menciona ainda que “nos estudos feitos não foram incluídos meios para a defesa aérea da Guiné. Foi prevista a aquisição de aviões Mirage – 12 para Angola, 12 para Moçambique e 8 para Metrópole”, mas nenhum para a Guiné. E, num comentário final, salienta que “seja qual for o avião e o radar utilizados não há possibilidade de interceptar os atacantes antes destes chegarem a Bissau. Para os interceptar antes era necessário os aviões estarem sempre em alerta no ar. Assim, julgava mais conveniente que a defesa dos objectivos principais fosse atribuída à artilharia antiaérea”  [44].


Os pilotos cubanos

Em Fevereiro de 1973, chegam os primeiros pilotos cubanos ao país vizinho e a actividade aérea sobre a Guiné aumenta de forma significativa ao longo do ano, embora não se possa estabelecer claramente uma relação de causa-efeito ente um facto e o outro. Os relatórios periódicos de informação registam 57 voos não identificados, nesse ano, enquanto, no ano anterior, tinham registado apenas quinze [45].

O apoio cubano à FAG surge depois da visita de Fidel Castro à Guiné-Conakry, em Maio de 1972. Consciente da importância estratégica que este país tem no apoio à luta da guerrilha na Guiné, Castro decide reforçar a assistência económica e militar ao regime guineano. Um dos receios de Cuba é que as forças portuguesas tentem novamente atacar Conakry para eliminar a retaguarda do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

De forma a precaver qualquer ataque, Havana decide então apoiar a FAG com pilotos e especialistas militares [46]. O primeiro grupo de quatro pilotos cubanos chega a Conakry na segunda quinzena de Fevereiro de 1973 [47]. Na altura, a FAG tinha apenas sete pilotos capazes de voar em jactos e uma taxa de operacionalidade muito baixa, estando os MiG praticamente parados [48]. Na verdade, os militares cubanos ficam surpreendidos com o desleixo que encontram na FAG. Vários dos equipamentos para a manutenção dos MiG não funcionam. O gerador de oxigénio para carregar a garrafa de oxigénio do piloto para voos a grande altitude foi levado para um hospital, os motores dos aviões apresentam problemas a nível dos injectores devido à má manutenção e metade dos MiG não tem os canhões a funcionar. Perante as dificuldades encontradas, os cubanos solicitam um reforço de pilotos e técnicos a Havana.

Um segundo grupo de quatro pilotos, acompanhados de vários técnicos, chega então a Conakry, a 8 de Maio de 1973 [49]. Os MiG-17F da FAG começam então a voar a partir da capital em missões de patrulha. Com a ajuda cubana, as instalações e a pista do aeroporto de Conakry são melhoradas para a operação dos caças e a FAG passa a ter dois MiG de prontidão com o objectivo de evitar incursões portuguesas em território guineano. Mesmo assim, a aviação portuguesa não se coíbe de atacar várias vezes Kandiafara, em meados de Setembro e ainda em Outubro, destruindo neste último ataque um batelão que fazia travessia do rio Kogon com armamento para o PAIGC, além de provocar outros estragos [50]. Estes ataques são realizados por aviões Fiat que actuam sem qualquer oposição, a não ser das antiaéreas de Simbeli e Kandiafara. Num destes ataques, a 20 de Setembro, é morto um oficial cubano, o Tenente Raúl Pérez Abad [51].

Além dos pilotos e técnicos militares, Cuba participa também na instalação de um radar de vigilância aérea P-37 e de um radar P-12, nos arredores de Conakry, com o objectivo de vigiar o espaço aéreo em torno da capital [52]. Posteriormente, um radar P-12 é deslocado para Kamsar, uma cidade industrial perto da fronteira com a Guiné, de forma a vigiar os voos da aviação portuguesa [53].

Outra ajuda importante de Havana é na ampliação dos aeroportos de Labé, no norte, e Kankan, no leste, de forma a permitir a operação de caças a jacto [54]. O aeroporto de Labé passa então a ser a base operacional dos MiG, que podem deslocar de Labé com carga máxima, depois da ampliação da pista. Os MiG passam, assim, a ser capazes de atacar Bissau a partir de Labé usando praticamente a sua carga máxima, o que representa um sério risco para a BA12 [55]. No quartel-general, em Bissau, as chefias militares temem um ataque aéreo inimigo. O que não sabem é que, do outro lado da fronteira, a grande preocupação das forças guineanas não é atacar a Guiné, mas sim defender-se de qualquer ataque que as forças portuguesas possam fazer.

Em Maio de 1973, a situação militar na Guiné agrava-se de forma significativa com fortes ataques da guerrilha a Guidage, Guileje e Gadamael e a questão da ameaça aérea volta novamente a ser discutida ao nível da hierarquia militar. Numa reunião de comandos militares em Bissau, a 15 de Maio, o comandante da ZACVG, Coronel Moura Pinto, salienta a “total inexistência de meios de detecção e intercepção, e a limitada eficácia da defesa com armas antiaéreas”. Moura Pinto considera que a Guiné necessita, no mínimo, de “um radar direccional de longo alcance que permita pelo menos detectar aeronaves que se dirijam ao espaço aéreo nacional, em ordem a evitar que sejamos colhidos de supressa”. O comandante da ZACVG julga também importante “o reforço das unidades terrestres de defesa antiaérea e ainda a disponibilidade de uma força suficientemente dimensionada de aviões” com grande capacidade de retaliação, que possa pesar na decisão dos países vizinhos de uma acção aérea contra a Guiné.

Por fim, Moura Pinto defende que o Exército deve ter mísseis terra-ar equivalentes ao Strela usados pela guerrilha, que possam defender as forças portuguesas de qualquer ataque aéreo [56]. Neste seguimento, reclama a compra de aviões Mirage para substituir os T-6 e os Fiat G-91, além de um radar de detecção, planimétrico e altimétrico, de longo alcance e de mísseis terra-ar do tipo Redeye [57].

Relativamente a esta última questão, as necessidades quantitativas calculadas para a Guiné apontavam para 205 mísseis a distribuir por várias unidades do Exército [58].

(Continua)
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Notas do autor:

[20] Informação n.º197/LM-5093 da 4ª Repartição do Estado-Maior do Exército (EME), Assunto: Defesa antiaérea da Guiné – Reforço de 1 Bat Art AA, 21 de Setembro de 1970, AHM/FO/029/1/351/51.


[21] Costa, António J. Pereira, Testemunho in Boletim da Artilharia Antiaérea Especial “60 anos da Artilharia Antiaérea em Portugal”, nº 3, II Série, Outubro de 2003, pp. 108-110.


[22] Diversos PERINTREP da Guiné, ADN/F2/SSR.002.


[23] Marinho, António Luís, Operação Mar Verde – Um documento para a história, Editora Temas e Debates, Lisboa, 2006, pp. 132-137.


[24] Calvão, Alpoim, De Conakry ao M.D.L.P., Editora Intervenção, Lisboa, 1976, p. 81.


[25] Marinho, op. cit., p. 136.


[26] Hernández, Humberto Trujillo, El Grito del Baobab, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2008, p. 95.


[27] Hernández, op. cit., p. 223.


[28] Marinho, op. cit., p. 142.


[29] Calvão, op. cit., p. 75.


[30] Carta do Governador da Guiné para o Ministro da Defesa Nacional, 14 de Fevereiro de 1971, ADN/F1/7/29/4.


[31] Directiva n.º 7/71 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, 31 de Março de 1971, AHM/DIV/2/4/161/9.


[32] Informação n.º 9/71 do Comando da 1ª Região Aérea, Assunto: Destacamento de F-86 para o Ultramar, 25 de Fevereiro de 1971, ADN Fundo Geral SGDN Cx.6292/2


[33] Informação nº 9/71 do Comando da 1ª Região Aérea, Assunto: Destacamento de F-86 para o Ultramar, 25 de Fevereiro de 1971, ADN Fundo Geral SGDN Cx. 6292/2.


[34] Nota n.º 555/RA da 1ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Constituição de destacamento de aviões F-86, 6 de Março de 1971, ADN Fundo Geral SGDN Cx. 6292/2.

[35] Informação fornecida ao autor pelo Capitão Alberto Cruz.


[36] Informação fornecida ao autor pelo Tenente-General José Nico.

[37] Verbete n.º 1597/RA da 1ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Constituição de destacamento de aviões F-86, 8 de Julho de 1971, ADN Fundo Geral SGDN Cx. 6861/3.


[38] Carta do Governador da Guiné para o Ministro da Defesa Nacional, 16 de Dezembro de 1971, ADN/F1/7/29/4.


[39] Memorando da Comissão Luso-Francesa, Assunto: Acordo Luso-Francês sobre os Açores e fornecimentos de material de guerra francês, 16 de Outubro de 1972, ADN/F1/7/31/19 e processo da visita do MDN a Paris, em 1971, ADN Fundo Geral Cx. 7093.


[40] Nota n.º 137 da Direcção da Europa para o Ministro, 18 de Dezembro de 1973, Archive du Ministère Affaires Étrangères, Europe 1971-1976 – Portugal – Caixa 3501.


[41] Estudo da situação operacional e logística do teatro de operações da Guiné e evolução prevista para 1970-1971, capítulo VI, Bissau, 1970, ADN/F3/17/36/28.


[42] Informação nº 187 da 3ª Repartição do EMFA, 19 de Julho de 1972, SDFA/AH, 1ª Região Aérea, Cx. 64.


[43] Relatório da visita do CEMGFA à Guiné, Janeiro de 1973, ADN/F3/17/37/59.


[44] Acta da reunião da Comissão Conjunta dos Chefes de Estado-Maior, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, 6 de Fevereiro de 1973, ADN/F3/10/23/38.


[45] Diversos PERINTREP da Guiné, ADN/F2/SSR.002.


[46] Gleijeses, Piero, Missões em Conflito. Havana, Washington e África, 1959-1976, Editorial Caminho, Lisboa, 2004, p. 309.


[47] Hernández, op. cit., p. 110.


[48] Hernández, op. cit., pp. 50-51.


[49] Hernández, op. cit., pp. 55-56.


[50] Carta do Comando-Chefe das Forças Armadas na Guiné para o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Assunto: Acção no exterior, Bissau, 14 de Outubro de 1973, ADN/F3/17/35/18.


[51] Hernández, op. cit., p. 237.


[52] Hernández, op. cit., p. 58.


[53] Hernández, op. cit., p. 191.


[54] Hernández, op. cit., p. 195.

[55] Informação nº 33931/GC do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Aeroporto de Labé (Guiné-Conakry), 5 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9.


[56] Acta da reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973, Bissau, AHM/DIV/2/4/314/2.


[57] Anexo D da acta da reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973, Bissau, AHM/DIV/2/4/314/2.


[58] Anexo C da acta da reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973, Bissau, AHM/DIV/2/4/314/2.

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Nota do editor:

Vd, poste anterior da série > 6  de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14080: O meu Natal no mato (42): 1971, em Zemba (Angola); 1972, em Caboxanque; 1973, em Cadique (Rui Pedro Silva, ex- cap mil, CCAV 8352, Cantanhez, 1972/74)

Foto nº 1 > Angola, Zemba – Dezembro 1971 - Jantar dos soldados do batalhão

Foto nº 2 > Angola, Zemba – Dezembro 1971 - almoço com Gen Costa Gomes, aqui de costas

Foto nº 3 > Angola, Zemba – Dezembro 1971 - Visita do Gen. Costa Gomes. Em primeiro plano o oficial de dia que agora vos relata este natal.

Foto nº 4 A

Foto nº 4 B

 Foto nº 4 > Angola, Zemba > Dezembro de 1971 > Almoço com o Gen. Costa Gomes.
Aqui estou de costas e em primeiro plano (foto nº 4 A) com a braçadeira da ordem.

Foto nº 5 > Guiné < região de Tombalia < Cantanhez > Caboxanque – Dezembro 1972 - Gen Spínola no perímetro defensivo nos primeiros dias da operação.

Foto nº 5 A > Spínola, de costas e pingalim

Foto nº 6


Foto nº  6A - Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Caboxanque >  Dezembro de 1972 - A minha primeira visão de Caboxanque. Futura placa dos helicópteros e campo de futebol.


Foto nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Caboxanque > Dezembro de 1972 - A “messe” de oficiais  e também a minha primeira “secretária” . Da esquerda  para a direita Alf Pratas e Sousa, Furriel Urbano,  Alf Nobre Almeida e Alf Santos. Ao fundo as tendas  que nos “abrigaram” durante os primeiros meses.  O Alf Duarte deveria estar numa operação.  No centro da mesa o “remédio” para alguns males de  que íamos padecendo por lá.

Foto nº 8 > Guiné > Regiãod e Tombali > Cantanhez > Caboxanque – Dezembro de 1972 – Distribuição da refeição pelos grupos de combate, secção por secção. O primeiro da fila a organizar a distribuição é o Alf Duarte.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Caboxanque > Perímetro defensivo, em esquema  aproximado, sobre imagem actual, do Google Earth (com a devida venia...)

Fotos (e legendas): © Rui Pedro Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda, Cufar e Caboxanque (na margem direita do Rio Bixanque, afluente do Rio Cumbijã) 

Infografia:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné   (2014).

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1. Mensagem do Rui Pedro Silva, com data de 22 do corrente:

[Foto à esquerda; Rui Pedro Silva, ex-alf mil, CCAÇ 3347 (Angola, 1971), ex-ten mil, BCAÇ 3840 (Angola, 1971/72), e ex- cap mil, CCAV 8352 (Guiné, Caboxanque, 1972/74)]

Meu Caro Luis Graça:

Junto te envio o relato dos meus três Natais em tempo de guerra. Publicarás se e quando achares conveniente.

Por coincidência em Dezembro de 1972 estávamos a iniciar a operação de reocupação do Cantanhez fazendo agora 42 anos que entrámos em Caboxanque.

Espero que já tenhas recuperado do “percalço” que sofreste e estejas totalmente operacional.

Prometo ser mais assíduo na cooperação com o blog.

Um grande abraço para ti,  para o Carlos Vinhal, o Magalhães Ribeiro e para todos os Homens Grandes da Tabanca.

Boas Festas e Bom Ano de 2015.


2. Três Natais em tempos de guerra

por Rui Pedro Silva

A 21 de Dezembro de 1972 a CCav 8352, que eu comandava, desembarcou em Caboxanque, no âmbito da operação “Grande Empresa”, iniciada a 12 de Dezembro, a qual tinha como objectivo a ocupação do Cantanhez.

O IAO no Cumeré durou 15 dias e logo marchámos para Cufar,  divididos em dois grupos. O primeiro grupo deslocou-se de Noratlas a 19-11-1972 e o segundo de LDG a 21-11-1972 e com ele todo o equipamento para a instalação de uma companhia: do equipamento de cozinha às tendas e colchões pneumáticos, das viaturas ao gerador, das armas e munições às rações de combate, etc.

Para todos nós era seguro que não íamos render uma outra companhia e, ao chegar a Cufar, desde logo ficou claro que não seria aquele o nosso destino. Logo no desembarque recebi instruções para conservar o material carregado nas viaturas e tudo o resto guardado num improvisado “armazém”.

Nesse momento ainda não sabíamos da operação a que estávamos destinados. Nas quatro semanas que estivemos em Cufar realizámos operações de patrulhamento da zona, segurança à pista e ao porto e à construção da estrada Cufar - Catió. Da sede do batalhão, em Catió, vinham insistentes recomendações para nos concentrarmos na segurança da estrada. Havia um claro desentendimento entre os responsáveis em Cufar e a sede do Batalhão. A segurança na estrada mantinha-se 24 horas por dia,  rodando por todos os grupos de combate da companhia de Cufar e da minha e portanto não se percebia a insistência.

A preocupação de Catio resultava do facto de estar em curso uma manobra de diversão procurando atrair o PAIGC para aquela zona,  levando-o a mobilizar os seus efectivos para Cufar e assim garantir uma menor resistência à entrada das nossas tropas no Cantanhez. Esta manobra teve pleno êxito. O PAIGC foi surpreendido com a entrada das nossas tropas em Cadique e Caboxanque,  não oferecendo qualquer resistência nos primeiros dias.

A operação “Grande Empresa” foi muito bem descrita no livro “A Última Missão” do Sr. Coronel Moura Calheiros. Como tive oportunidade de lhe dizer na altura da publicação:

“A sua narrativa permite ao leitor ter uma visão mais abrangente da guerra na Guiné e, ao mesmo tempo, navegar consigo no seu PCA, progredir com os seus bigrupos nas missões mais arriscadas, partilhar a angústia das decisões mais difíceis, confrontar-se com a orientação estratégica do Comando-Chefe, conhecer a actuação da guerrilha, viver a vida de um militar naqueles duros tempos e cumprir a nobre missão de resgate dos militares portugueses falecidos e sepultados na Guiné. Ao ler as paginas deste seu livro revejo e identifico pessoas com quem partilhei uma parte importante da minha vida e situações em que a minha companhia esteve também envolvida e que constituem pedaços da história dos pára-quedistas, das forças armadas portuguesas e do nosso país.”

Recomendo vivamente a leitura deste livro a quem ainda não o fez porque nele revemos, cada um de nós, ex-combatentes, uma parte da nossa história. Cerca de seis meses depois e em resultado da operação “Grande Empresa” existiam 7 novos aquartelamentos:

Cadique,
Caboxanque,
Cafal,
Cafine,
Jemberem,
Chugué
e Cobumba.

O COP 4 comandado pelo Sr. Tenente-Coronel pára-quedista Araújo e Sá, comandante do BCP 12, coadjuvado pelo seu segundo comandante e oficial de operações Major Moura Calheiros,  foi a unidade operacional responsável pela operação.

Mas fiz esta longa introdução para abordar o tema do Natal.

Os quatro dias que mediaram desde a nossa entrada em Caboxanque até ao Natal de 1972, foram preenchidos em ciclópicas tarefas de instalação da companhia, segurança no perímetro defensivo e reconhecimento da zona operacional.

O perímetro tinha cerca de 3,5 Km e só foi possível garantir a segurança de Caboxanque instalando os grupos de combate e cada uma das suas secções ao longo da linha de defesa, ficando a CCav 8352 instalada em metade do perímetro virado a norte e a CCaç 4541 na metade virada a sul. Instalados em valas cavadas em contra relógio, sem arame farpado e apenas separados da mata do Cantanhez por um largo espaço que as maquinas da engenharia terraplanaram, com a ração de combate a alimentar a nossa fome, a noite escura a servir de cobertor e a angústia de podermos ser surpreendidos pelo PAIGC nessa nossa tão frágil posição, assim se encontravam os militares sob meu comando, carregando sob os meus ombros a enorme responsabilidade do que lhes pudesse acontecer naquelas difíceis circunstancias.

No dia de Natal a companhia estava dispersa pelo perímetro de Caboxanque, um grupo de combate tinha saído com um bigrupo paraquedista, em patrulhamento, e em Cufar ainda permaneciam alguns militares da companhia, guardando todo o material que lá tinha ficado. Sem meios frio a funcionar e portanto sem géneros frescos,  as refeições limitaram-se às rações de combate e a uma sopa improvisada com o pouco que diariamente se trazia de Cufar.

Estes foram dias muito difíceis para todos. Numa fotografia que aqui junto podem verificar como eram feitas as distribuições das refeições ao longo do perímetro. Quando o unimog que fazia este serviço chegava junto da última secção já a refeição que transportava estava fria.

Um ano antes, no Natal de 1971, estava em Angola, nos Dembos, na sede do Batalhão Caçadores 3840 sediado em Zemba e na escala de serviço coube-me ser o oficial de dia. Nesse dia o General Costa Gomes decidiu fazer, uma visita ao batalhão. Cumpridas as formalidades da praxe e depois de uma revista ao aquartelamento o General reuniu-se com o comando do batalhão, após o que confraternizou com os oficiais do batalhão num almoço.

Na pista onde o recebi o General Costa Gomes surpreendeu-me indagando se eu não era um dos militares em estágio para o CCC [, Curso Complementar para Capitães]. Dois meses antes alguns dos estagiários que foram enviados para Angola, entre os quais eu me encontrava, foram chamados ao quartel-general onde o General Costa Gomes nos recebeu. Depois de uma breve intervenção sobre a situação em Angola e de nos desejar que o estágio corresse bem,  quis saber de onde éramos e que expectativas tínhamos para o estágio. Quando chegou a minha vez,  disse-lhe que era angolano, nascido no Lobito e que esperava ser colocado nessa cidade. Depois de uma sonora gargalhada, afirmou que no Lobito não havia guerra.

Naquele ambiente que me pareceu de uma certa descontracção, tive o atrevimento de dizer que mais valia prevenir do que remediar, nomeadamente na defesa das zonas onde a guerra ainda não tinha chegado. Com um sorriso bonacheirão deu por findo o diálogo e despediu-se.

Na pista relembrei-lhe então a apresentação que ocorreu dois meses antes. Com um aceno de cabeça, indicando recordar-se do episódio, sorriu e avançou para a visita ao aquartelamento. À tarde terminou a visita mas não as minhas dores de cabeça. Nessa noite, o álcool, nas suas variantes ingeríveis e com os mais variados paladares, bebido com imoderação, fez o seu serviço e eu lá andei, madrugada dentro, numa roda-viva, a apagar fogos que ânimos mais exaltados iam ateando. O problema no dia seguinte foi evitar um relatório muito detalhado do sucedido para evitar um castigo mais pesado para alguns. Foi o meu primeiro Natal na guerra colonial. As três fotografias que envio testemunham esse dia.

O Natal de 1973 foi passado em Cadique para onde a CCav 8352 tinha sido enviada, por um mês, no âmbito da operação “Estrela Telúrica” que envolveu entre outras forças o Batalhão de Comandos. Instalados em condições muito precárias, sempre com grupos de combate em acção, principalmente junto à estrada Jemberem – Cadique, este foi o terceiro e o nosso pior Natal em guerra.

Dois dias antes do Natal um grupo de combate da minha companhia e outro da companhia de Cadique foram emboscados quando vinham render outros 2 grupos de combate da CCav 8352 que eu naquele dia comandava. Em resultado da emboscada houve mortos e feridos entre os militares da companhia de Cadique. A moral do pessoal de Cadique estava a um nível muito baixo e assistimos a alguns actos de desespero, como a recusa a sair para operações ou tentativas de accionar uma granada defensiva junto do comando.

Mas porque este poste já vai longo voltarei a escrever sobre Cadique bem como sobre a operação “Grande Empresa”,  mais tarde.

Sendo o Natal geralmente assumido como uma festa de família,  as circunstâncias em que o celebrámos na guerra retiraram-lhe muito do seu sentido de paz , apesar de sentirmos como nossa família todos os militares com quem estávamos.

Foram assim estes meus três Natais em tempo de guerra.

Boas Festas a todos os tabanqueiros e bom ano de 2015.

Um abraço
Rui Pedro Silva

PS. Com mais tempo identificarei os militares das fotografias.
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13712: O meu Natal no mato (41): Natal de 1972 – CART 3494 (Jorge Araújo)