Mostrar mensagens com a etiqueta Mocidade Portuguesa. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mocidade Portuguesa. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 18 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11272: Notas de leitura (466): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2012:

Queridos amigos,
Estamos quase a chegar ao fim desta coletânea de textos sobre a história dos Mandingas, suas lendas e canções, no fundo reproduz-se um conjunto de textos que foram editados pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa.
E esta canção de Cherno Rachide é uma pequena joia de que a Guiné se deve orgulhar.

Um abraço do
Mário


A canção de Cherno Rachide

Beja Santos

Foi minha primeira intenção limitar este pequeno trabalho às 15 lendas que antecedem. Elas tentam esclarecer algumas facetas da mentalidade dos povos Fula e Mandinga na época das lutas tribais.

O símbolo mais válido dessa época era o “judeu”, o trovar que cantava o heroísmo, a valentia e a fidelidade, ao mesmo tempo que vituperava a traição, a cobardia e a fraqueza.
O trovador, na véspera das batalhas, tocava as canções dedicadas a cada um dos guerreiros, convidando-os a declararem as proezas que se propunham cometer no dia seguinte. No momento dos combates, elogiava os intemeratos e insultava os indecisos, sempre tocando, sempre cantando, e levava assim os combatentes à morte, quase diríamos alegremente, arrebatando-os e enlouquecendo-os.

Os tempos mudaram.

O “judeu” cedeu o seu lugar ao educador e, como se trata de povos islamizados, em que a religião domina todos os aspetos da vida das sociedades, o económico como o político, o social como o educativo, o educador é simultaneamente o teólogo.

Se procura dar uma ideia da mentalidade antiga, dominada pelo trovador, é natural que pretenda agora mostrar a mentalidade nova, plasmada pelo “cherno”, o Fula, ou pelo “caramó” Mandinga.

Por isso achei necessário reproduzir aqui um artigo intitulado “A canção de Cherno Rachide”, que publiquei em 10 de Dezembro de 1961, num simpático jornalzinho de Bissau, “O Arauto”.

Ei-lo:

- “Tive há dias ocasião de conhecer uma das mais interessantes personalidades africanas desta Província. O meu colega de Fulacunda falara-me em termos de muito interesse de um educador Fula cuja fama e influência, dizia ele, seriam imensas em todo o Sul da Guiné portuguesa e muito para além da nossa fronteira.

Fomos a Aldeia Formosa, onde reside Cherno Rachide, o nosso homem, e confesso que no primeiro contacto ele me desconcertou.
No físico não tem nada da debilidade ascética de certos letrados muçulmanos nem da obesidade de alguns outros, originada aquela nos exagerados jejuns e esta por uma vida demasiado sedentária. Ele, pelo contrário, tem mais o aspeto do trabalhador manual. Robusto sem ser gordo, realiza o equilíbrio de uma mente sã habitando um corpo são.
Nas maneiras e no vestuário, foge igualmente à regra.

Nenhuma pose nas atitudes nem presunção no trajar. A longa cabaia era já bastante usada e enquanto durou a nossa conversa manteve-se descalço. Aliás, preparava-se para ir com os seus alunos cultivar o campo que os sustenta a todos. Este facto mostra que não se entrega a um marabutismo parasitário, que é algo corrente. Dias depois, disse-me em Empada um saracolé nada pronto a elogiar os Fulas que o Cherno, contra a opinião dos seus familiares, que o desejariam ver confinado ao ensino religioso e literário, persiste em trabalhar pessoalmente a terra para que os alunos nunca tenham a falsa noção de que o labor físico é degradante e só é nobre a atividade intelectual.

Nos primeiros momentos da conversa, sente-se que Cherno Rachide se entrega cautelosamente a estudar as intenções e o caráter do seu interlocutor. Depois de ganhar certa confiança, anima-se e é então extraordinariamente vivo e simpático.
Mostrou conhecimentos profundos da história e da etnografia dos povos sudaneses e citou muitas das suas máximas favoritas.
Uma delas explica a reserva que habitualmente usa ao fazer um novo conhecimento.

Há três coisas – diz ele – de que um homem reto se arrepende imediatamente: praticar uma ação indigna, dar consideração a quem não a merece e conversar com um tolo.

Quando nos despedimos, manifestei-lhe o desejo de levar comigo, e como recordação da nossa conversa, algumas conversas por si escritas sobre o tema que preferisse.
Recebeu com visível satisfação o meu pedido e escreveu em carateres árabes (o que é vulgar entre Fulas e Mandigas) e em língua árabe (o que já não é comum) a letra de uma canção que compôs para os seus alunos.

É esta canção que vou reproduzir e peço ao leitor desculpa de o fazer em maus versos. Há, porém, uma razão que me leva a cometer semelhante imprudência.
A composição de Cherno Rachide tem ritmo na língua original e eu gostaria que ele, ao ouvi-la ler, notasse também na versão portuguesa alguma musicalidade.

Esperando que esta boa intenção me absolva inteiramente de meter foice numa seara que nunca foi minha, aqui deixo a canção:

Filhos amados, vosso pai Rachide
Uma regra de vida vos vai dar
Segui-a com rigor e não tereis
Nada que lastimar.

Raparigas, sabei que um homem espera
Encontrar na mulher três qualidades:
Respeito aos seus segredos, ao seu leito
E a todas as vontades.

A vós, rapazes, dou-vos um conselho
Que todo o sábio para si tomou
De outro, ainda mais sábio, Logomane,
Que outrora assim falou:

— Deves ter fé em Deus que tudo vê
E tudo pode acerca dos mortais
Trabalha com ardor e serás útil
A ti e aos demais.

— Estuda e elevarás a tua alma
Que os livros bons te podem ensinar
Muitas coisas formosas deste mundo
E a Deus agradar

— A palavra, o alimento e o sono
Como remédio deverás tomar:
O bastante p’ra que o corpo não sofra
Mas sem nunca abusar.

— A boca é uma e as orelhas duas
Isso te indica como proceder
Usa o ouvido mais do que o falar
E saberás viver.

— Em três partes o estômago divide
P’ra comida só uma reservar
As outras hão de ser bem necessárias
P’ra água e para o ar.

— A noite é grande e não deve ser gasta,
Do sol-posto à manhã, toda a dormir,
Destina parte dela à oração
Terás feliz porvir

— Deves casar p’ra nunca cobiçares
Mulher de outro. Não nego, o casamento
Traz desgosto profundo.
Mas se a fêmea procuras fora dele,
Em vez desse desgosto terás dois.
Neste e noutro mundo.

Meus filhos, quem seguir estes conselhos
No decurso da vida há de contar
Satisfações a esmo.
E maiores triunfos que o atleta
Que vença toda a gente nos torneios,
Pois vence-se a si mesmo.

Esta canção entoada diariamente pelos seus alunos define Cherno Rachide, o homem que se confessa profundamente grato ao governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho da sua vida: a peregrinação a Meca.

Como português e como cristão, só me regozijo que lhe tenhamos dado tal alegria”

Bilhete postal da era colonial, mostra os pais de Braima Galissá

____________

Nota do editor:

Vd. postes anteriores da série de:

1 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11174: Notas de leitura (460): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (1) (Mário Beja Santos)

4 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11190: Notas de leitura (461): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (2) (Mário Beja Santos)
e
15 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11255: Notas de leitura (465): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (3) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2268: A falsificação da história da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)(Benito Neves)

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket

Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Quartel > 1968> Foto 2-A > Identificação dos edifícios do quartel, existentes e em serviço em Janeiro de 1968:


1 - Porta de Armas
2 - Parada
3 - Edifício do Comando
4 - Camarata de Oficiais
5 - Antiga messe de Sargentos
6 - Camarata de Sargentos
7 - Camarata de Sargentos
8 - Nova messe e bar de Oficiais
9 - Parque Daimler
10 - Caserna nº 3
11 - Caserna nº 2
12 - Balneários
13 - Prisão
14 - Geradores
15 - Caserna nº 1
16 - Refeitório
17 - Padaria
18 - Quartos
19 - Quartos do 7,5
20 - Antiga messe de Oficiais
21 - Posto de socorros e enfermaria
22 - Zona Obuses 8.8cm [e depois 14 cm]
23 - Zona Morteiros 10,7cm e 81
24 – Paiol Velho


Foto e legenda: © Vítor Condeço (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Benito Neves, membro da nossa Tabanca Grande, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) (*):


Assunto - Crónica de um Palmeirim de Catió, de Joaquim Luís Mendes Gomes

Caro Luís, os meus cumprimentos extensivos a toda a equipa de colaboradores.

Em 8 de Janeiro p. p., foi publicada no blogue o post P1411, uma crónica do Joaquim Luís Mendes Gomes, onde ele descrevia a cidade de Catió de uma forma ímpar (**).

Está lá tudo... e de que maneira!!!

Já dele tenho a necessária autorização para utilizar o referido texto num trabalho que estou a elaborar e que não é mais que o reescrever a história da CCAV 1484 que, em Catió, rendeu a CCAÇ 728 há 40 anos.

A CCAV 1484 esteve em intervenção no sector de Catió de Junho de 1966 a finais de Julho de 1967.

Por bem ou por mal, como sabia escrever à máquina e trabalhar com um duplicador de tinta, fui encarregado pelo comandante da Companhia, Cap Pessoa de Amorim, de escrever a história da Companhia. Fiz rascunhos (que ainda guardo) que foram analisados, alterados, cortados e recortados e acrescentados pelo comandante até que finalmente saiu a que foi chamada de versão oficial. E tão oficial foi que nela consta que, "aos domingos, as viaturas da Unidade saíam do aquartelamento e passavam pelas tabancas para recolher os jovens que vinham a Catió participar na missa dominical e participar nas actividades da Mocidade Portuguesa."

Isto não corresponde minimamente à verdade e, portanto, entendo que a verdade deve ser reposta.

Da história oficial não foram tiradas mais do que umas 10 cópias, no máximo, distribuídas pelos alferes (4), pelo capitão (1), pelo Batalhão a que estávamos adidos (1), pelo Sector (1) e julgo que foi enviada uma cópia para o CTIG. Obviamente que tirei uma cópia para mim.

Ao fim de 39 anos (em 2006) conseguiu-se fazer um primeiro encontro dos militares da Companhia e, no ano em curso, foi feito um segundo encontro, mas ainda não conseguimos todos os contactos dos elementos da Companhia.

É meu entender que todos os militares que ajudaram a fazer a história da Unidade deverão possuir um exemplar. E como tenho as datas de aniversários de quase todos, é meu propósito, nesses dias, ofertar a cada um essa "prenda" de aniversário.

Não tenho qualquer propósito comercial.

Assim, uma vez que o texto do Joaquim Mendes Gomes foi publicado no blogue, venho pedir a necessária autorização para o poder utilizar, fazendo, na sua transcrição, como é natural, referência quer ao autor, quer ao blogue que o publicou.

E prometo que logo que o trabalho esteja pronto, vo-lo farei chegar. Será um modesto contributo de quem se atascou e bebeu água nas bolanhas do Tombali.

Desde já grato, envio um abraço e felicitações pelo trabalho que vós tendes disponibilizado a quantos passaram por aquela Guiné inesquecível.

Benito Neves
Ex-furriel mil CCAV 1484
1965/67

2. Comentário do L.G.:

Benito: A quem, como tu, bebeu a água do Tombali, nunca se poderia negar a satisfação dum pedido como teu... O Joaquim já o deu OK, nós também... O teu pedido é uma ordem... Venha de lá esse trabalho, com a honestidade intelectual e a autoridade moral que a gente te reconhece.

A verdade dos factos, acima de tudo: somos absolutamente contra a falsificação da histórica, mesmo que isso muito nos doa... Nenhum povo, nenhuma sociedade, nenhum grupo, nenhum indivíduo pode viver sob uma ficção construída na base da mentira... Sem o querer desculpar, direi que o teu capitão não fez mais do que tentar dourar a pílula!... Eu também fiz a história da minha unidade: face ao resultado final, o meu capitão ficou atrapalhado, porque eu usara informação classificada e os testemunhos dos operacionais, incluindo eu próprio...

No final, fiz como tu: distribuí, à revelia dele, cópias tiradas a stencil do documento que eu acabara de elaborar, sem qualquer censura, e distribuí a todos os milicianos... Esse é, de resto, um dos sinais premonitórios da crise das sociedades, dos regimes, das instituições: quando os seus dirigentes, a sua elite, não consegue mais enfrentar a realidade... Todos mentíamos na Guiné: o soldado aldrabava o cabo, o cabo aldabrava o furriel, este aldrabava o alferes, que por sua vez aldrabava o capitão, e por aí acima,até ao general...

No meu tempo, o Spínola tinha por hábito aparecer, sem se fazer anunciar, em muitos quartéis e destacamentos... Essa era, de resto, uma das razões por que os soldados o admiravam... O Spínola sabia que a hierarquia militar era, com honrosas excepções, uma cadeia de mentiras e de figuras de opereta...

Um Alfa Bravo dos três editores, Luís, Vinhal e Briote.

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)


(2) Vd. post de 8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo