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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11817: (Ex)citações (223): As lágrimas amargas do brig António de Spínola e do cor Hélio Felgas... "Presenciei-as no fim da Op Lança Afiada"... (António Azevedo Rodrigues, ex-1º cabo, Cmd Agrup 2957, Bafatá, 1968/70)... Ou não terá sido antes, na sequência do desastre do Rio Corubal, em Cheche, na retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969 (Op Mabecos Bravios) ? No dia seguinte, Spínola deslocou-se a Nova Lamego, onde falou, às 12h00, aos sobreviventes da Op Mabecos Bravios...


Guiné > Zona leste > Comando de Agrupamento 2957 (Bafatá, 1968/70) > Guião. O Cmd Agr 2957 esteve em Bafatá, no período de Novembro de 1968 a Setembro de 1970. Os seus elementos metropolitanos sairam do ex-RAL 1 e embarcaram no T/T Uíge, em 9 de Novembro de 1968. O comandante do Cmd Agrup 2957 era o então cor Hélio Felgas [ 1920-2008], mais tarde substituído pelo cor Neves Cardoso. Na Tabanca Grande, temos dois camaradas que pertenceram ao Cmd Agr 2957: o António Azevedo Rodrigues e o Fernando Gouveia.

Foto: © António Azevedo Rodrtigues (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem dirigida ao nosso camarada António Rodrigues:

De: Luís Graça
Data: 26 de Junho de 2013 às 18:44
Assunto:  Ex-1º.Cabo Rodrigues, Comando de  Agrupamento 2957, Bafatá, 1968/70 [, foto à esquerda]

António, camarada de Bafatá:

Como vai essa saúde ? Espero que bem... Tenho aqui uma questão a esclarecer contigo. Em 1/12/2010, publicaste na 1ª série do nosso blogue o seguinte comentário [,poste CXXXIII, ou seja, 133, de 2/8/2005]

Um dúvida minha: presenciaste esta cena no regresso da Op Lança Afiada (8 a 19 de março de 1969) ou da Op Mabecos Bravios (desastre no Cheche, Rio Corubal, na retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969)...

O relatório da Op Lança Afiada foi escrito pelo então cor Hélio felgas e datilografado por ti... Confirmas ? Tens mais lembranças desta operação e da reação do coronel ? Tens mais fotos do teu Cmd Agrup 2957 ? Queria publicar um poste que estes teus pequenos comentários... Um abraço. Luis

No dia 27 de Maio de 2008,. o António Rodrigues mandara-nos uma primeira mensagem, entrando depois para a Tabanca Grande... Nessa mensagem apresentava-se como 1º cabo do Cmd Agrup 2958, que trabalhou "na parte de operações e informaçoes", e que "privou de perto" com o gen Spinola, cap (e mais tarde gen) Almeida Bruno, maj Carlos Saraiva (do batalhão de Lamego), cor Teixeira da Silva bem como o seu "grande amigo" cor (e mais tarde maj gen) Helio Felgas, na altura ainda vivo..,

"Tive a felicidade de no ano passado [, 2007,] ter uma conversa com ele ao telefone, e hoje lembrei-me dele mas como não sei da sude dele, até tenho receio de voltar a ligar e já não o encontrar, mas para agora, gostava de poder fazer parte desta terulia, pois só agora disporei de algum tempo que gostava de falar convosco se isso me for permitido, pois também tenho algumas boas/más recordações da Guiné, como por exemplo a operação Lança Afiada, que foi por mim escrita, e reescrita., não sei quantas vezes, mas isso fica para mais tarde, pois vi o Spinola a chorar em Bafatá com a barba por cortar de cinco dias e o Helio Felgas abraçado ao Teixeira da Silva, também a chorar" (...).

2. Resposta do António Rodrigues,  que vive em Vila Nova de Famalião, com data de  28 de Junho de 2013:

Eu estive nos preparativos da Operação Lança Afiada, fui eu e o 1º cabo Correia a dactilografar todos os documentos de toda a operação quer o antes, durante e depois da mesma. Essa operação marcou-me, e de que maneira, pois, como se pode imaginar, são 44 anos passados, e para quem chega em 15 de novembro de 1968 a Bafatá, ao Comando de Agrupamento nº 2957, designado CAGRUP 2957, e logo passados 4 meses ter de levar com uma operação deste calibre, depois de todos os dias receber na altura msg urg imediato confid e por aí, fora a descrever o que se passava na zona de Madina de Boé...

E a forma detalhada como foi planeada, num gabinete onde sempre marcava presença o brig Spinola, o cor Helio Felgas, o ten cor Teixeira da Silva, o major Carlos Saraiva, o cap Almeida Bruno, o tal do pingalim e óculos rayban à piloto, o alferes Fernando Gouveia, o alf Martins das transmissões, o fur Carlos Cocho e eu próprio 1º cabo escriturario para tudo tomar nota e datilografar e depois passar a stencil para policopiar em séries de 10/20 folhas para distribuir pelos chefes intervenientes na tal Op Lança Afiada...

É certo que datilografei mais uma série de operações mas esta foi a minha maior e mais marcante, pois esta nunca me passou vista fora, ficou me marcada para sempre e aqui e agora estou a viver 45º à sombra que ao sol não dá para imaginar o que la passei e saber ao minuto o que se estava a passar com uma série de rapazes da minha terra, Vila Nova de Famalicão, que comigo foram no Uíge. metidos como carne p'ra canhão, a 9 de novembro de 1968 e depois ter de escrever reescrever a história, viver e saber que morreu o soldado tal e tal e depois já do meu regresso, em 1973 no dia seguinte ao meu casamento saber que o meu irmão morreu em Moçambique... Fico por aqui, agora...

3. Comentário de L.G.:

Meu caro camarada de Bafatá, antes de mais um abraço solidário na dor, por teres perdido um mano, em em Moçambique, em 1973... Nunca nos tinhas dito nada sobre esta tragédia familiar.

Mas, voltando à Guiné do nosso tempo e à zona leste onde estivemos os dois... Continuo a pensar que a cena das lágrimas que tu descreves ocorreu no âmbito da Op Mabecos Bravios, já no final, em Nova Lamego, no dia 7/2/1969, e não no final da Op Lança Afiada, em 19/3/1969... Parece-me muito mais verosímil, e só prova que estes dois bravos guerreiros, António de Spínola e Hélio Felgas, eram afinal homens de carne e osso como nós, com emoções, com sentimentos, e independentemente do juízo que a História fizer deles...

Se calhar está na altura de reproduzirmos alguns postes, da I Série, sobre a Op Mabecos Bravios, Iniciada em 1 de Fevereiro de 1969, com a duração de 8 dias, tinha por missão retirar as nossas tropas de Madina do Boé. Tudo correu bem, até ao último dia, no regresso, na travessia, em jangada, do Rio Corubal, em
Cheche...

Talvez o Fernando Gouveia nos posso ajudar, com as suas memórias desse tempo.

PS - Recorde-se que Op Mabecos Bravios (destinada a cobrir a retirada das forças estacionadas em Madina do Boé) teve um desfecho trágico para 46 camaradas nossos, da CCAÇ 2405 (Galomaro) e da CCAÇ 1790 (Madina do Boé), mais um civil, guineense Na história do BCAÇ 2852 (Bambadinca,19768/70), lê-se resumida e cruamente, no final do rekatório da Op Mabecos Bravios (parte relatava ao Destacamento F, que era constituído pela CCAÇ 2405, sediada em Galomaro, e que pertencia ao BCAÇ 2852):

(...) "Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb [da CCAÇ 2405 e da CCAÇ 1790], respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F  [, CCAÇ 2405,] e grandes quantidades de material perdido.

"Por voltas das 10.00h de D+ 4 [6 de Fevereiro] saímos de Cheche para Canjadude  que atingimos por volta das 16.30h com o pessoal deste Dest embarcado.

"Descansou-se e em D + 5 [7 de Fevereiro] às primeiras horas a coluna pôs-se em movimento para Nova Lamego que foi atingida por volta das 11.00h. Às 12.00h as tropas ouviram uma mensagem do Exmo. Comandante-Chefe que se deslocou propositadamente para a fazer.

"Permaneci em Nova Lamego para organizar a coluna do dia seguinte. Às primeiras horas de D + 6 [8 de Fevereiro] iniciei o movimento para Galomaro onde cheguei cerca das 10.30h." (...)
_____________

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11740: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): IV (e última) Parte: Quando o bravo soldado Spínola também dansa a valsa do Corubal azul. Ensinamentos colhidos e críticas do cor Hélio Felgas, comandante da operação, à falta de articulação dos 3 ramos das Forças Armadas


Guiné  > Zona leste > Setor L1  (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > c. 1968/60 > Uma das raras foto do ten cor inf Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1969/71). É o segundo militar, a contar da esquerda para a direita. Aqui, em visita ao aquartelamento de Mansambo, em construção, c. 1968/69. Na Op Lança Afiada, ele foi o comandante do Agrupamento Tático Norte. Depois do ataque a Bambadinca, sede do BCAÇ 2852, em 28 de maio de 1969, foi punido disciplinarmente pelo Com-Chefe.

Dele disse o António Vaz, o cap mil do Xime, à epoca da Lança Afiada:

"Chamo-me Antonio Vaz tenho 73 anos e fui capitão mil comandante da Cart 1746,  no Xime,  de janeiro de 1968 até ao fim da comissão, em  junho de 1969. Como companhia  independente conheci vários comandantes  de batalhão, primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o comdt do BART 1904 , ten cor  Branco,  o Fontoura e o Pimentel Bastos.Todos diferentes,  todos iguais. Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espirito,  a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama.Eu estimei-o,"

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> c. Março / maio de 1969 > Milhares de nativos são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 Km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 50 a a 100 metros.

(...) "A foto e a legenda referem-se à Operação Cabeça Rapada I, iniciada em 25 de Março de 69, com duração de 2 dias e envolvendo cerca de 7000 nativos. Em 8 de Março tinha havido a Operação Lança Afiada… Era necessário dizer ao PAIGC: A população está connosco…

"Em 9 de Abril houve a Cabeça Rapada II, com duração de um dia. Ver escrito do Carlos Marques dos Santos (*). O itinerário escolhido foi Mansambo/Ponte dos Fulas. Em 30 de Abril e até 2 de Maio, teve lugar a Cabeça Rapada III, já de maior envergadura, quer pelas nossas forças e nativos envolvidos, duração e itinerários escolhidos – Samba Juli / Mansambo; Bambadinca, Candamã, Galomaro e Samba Cumbera. (Fonte: Historial da Cart 2339).

"A população envolvida era Fulas e Mandingas. Os Balantas estiveram e muito bem, como carregadores, integrados na minha Companhia na Op Lança Afiada. Um dia contarei…Tanta estória." (...) 

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.



Cópia da caderneta de voo do Jorge Félix (ex-alf mil, pilav heli AL III, BA 12, Bissalanca, 1968/70):


Nota de Jorge Félix (**) :

(...) "dias em que estive envolvido na operação Lança Afiada, (...) o que lá está  [na minha caderneta de voo}:

Dia 12 de Março de 1969 Hel Al III nº 9279 Desp- Bs-Buba-Bambadinca 2 ater 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca. 5 Aterragens 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragens 35 minutos.
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Mansambo-Zops 10 aterragens 1:20 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragem 30 minutos
Dia 12/3/09 Desp- Bambadinca- Bafata 1 aterragem 15 minutos

Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9275 Desp Bambadinca -Bissau 1 aterrag 50 minutos
Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9279 Desp Bafata Bambadinca 1 aterrag 15 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Tevs-Bambadinca- Zops (3x) 10 aterrag 1:45 Horas
Dia 13/3/69 Tger-Bambadinca-Zops- Bambadinca 2 aterrag 30 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Bambadinca Zops-Bambadinca 2 aterragens 25 minutos
Dia 13/3/69 Tger Bambadinca-Zops-Bafatá 10 aterragens 1:50 horas

Dia 14/3/69 Hel AlIII 9276 Aesc Bafatá-Bambadinca-Zops 4 aterragens 2:10 Horas

Dia 15/3/69 Hel AlIII 9279 Tevs- Bafatá-Bambadinca-BS 3 aterrag 1:25 Hora
Dia 15/3/69 Desp-Bs- Bambadinca 1 aterrag 45 mint
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 16 aterragens 2:20 Horas
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 10 aterrag 2:00 horas
Dia 15/3/69 Desp Bambadinca-Bafatá 1 aterrag 15 minutos

Dia 16/3/69 Desp Bambadinca Bafatá Bambadinca 2 aterrag 2:00 Horas
Dia 16/3/69 Av DO27 3470 Desp Bamb-Bafatá-Bambadinca 2 aterragens 30 minutos

Dia 18/3/69 AlIII 9276 Tman BS Zops (2x) BS 5 aterg 45. (...)

(Esta operação no dia 18 já não é em Bambadinca, e o voo em DO27 foi talvez de apoio às Forças terrestres, navegação, orientação pelo ar.)

Entre os dias 12 e 16 de Março voei 23:00 Horas na Zops da operação Lança Afiada." (...)

[Observ.: TEVS= Transporte Evacuações; TGER= Transporte Geral; ZOPS= Zona Operacional. L.G.]

 Fotos: © Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados


A. Publica-se a quarta e última do extenso relatório da Op Lança Afiada, que decorreu entre 8 e 18 de Março de 1969, na região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, até então considerada como um "santuário do IN". (***)

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano, e depois no final da guerra CAOP 2), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano do consulado de  Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime).

Apesar dos elevados meios humanos e materiais envolvidos, a correlação de forças não se modificou e, depois de um rápido processo de reorganização, a guerrilha voltava a obrigar as NT a acantonarem-se nos seus aquartelamentos onde flutuava a bandeira verde-rubra no setor L1 (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e destacamentos dispersos. A população civil, sob o controlo  do PAIGC, foi a grande vítima desta algo megalómana e provavelmente mal planeada e pior coordenada operação.

Os soldados portugueses serviram, por sua vez, de cobaia num teste de resistência, a que o autor do relatório, sem despudor, chama processo de "selecção natural" (sic)... Num total de 700 e tal militares, de origem  metropolitanos (o resto eram milícias e carregadores, habituados às duras condições do terreno e ao clima do leste da Guiné), conclui-se que um sétimo fora mal selecionado para o TO da Guiné, já que no decorrer da operação teve de ser evacuado, de helicóptero, por "insolação, ataque de abelhas e doença" (sic).

É o próprio relatório a reconhecer que, na época em que se realizou a operação  (março, tempo seco), as temperaturas andavam entre os 39 e os 44 graus, à sombra, e entre os 55 e os 70º ao sol, e que nessas condições, (i) a guerra tinha que parar das 10 da manhã às 16h da tarde, (ii) precisando um soldado metropolitano de 8 a 10 litros de água (!)...

Nesta operação em que os guerrilheiros e a população por eles controlada passaram simplesmente para o outro lado do Rio Corubal (com os cães, os porcos, as galinhas, etc., não havendo  paras, comandos nem fuzos do outro lado, para os "encurralar"), o verdadeiro inimigo das NT foi, de facto, a desidratação e a resistência física e psicológica, além dos problemas alimentares: o tipo de rações que deram aos nossos soldados (a ração dita normal) era tão má que provocava uma sede horrível; ao segundo dia, já não se comia; ao terceiro, começava a haver problemas... (Veja-se, por exemplo, o número de TEVS, ou transportes de evacuação, que o Jorge Félix teve que fazer, nos dia  12 e 13 de março, para Bambadinca e para Mansambo. Sabemos que durante o tempo em que decorreu a Op Lança Afiada, havia 4 médicos em alerta (Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole), conforme se pode ler no relatório:

(...) "O médico de Bambadinca [, David Payne,]  foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário" (...) 

Tratou-se de uma operação onde se foi a lugares míticos (ou mitificados desde o início da guerra, como a mata do Fiofioli, junto ao Corubal), mas ninguém encontrou médicos e enfermeiras cubanas... Hospitais (?) de campanha, sim, mas já abandonados, uns meses antes. Destruíram-se muitas toneladas de arroz, mataram-se milhares de animais, queimou-se tudo o que era tabanca... Em contrapartida, houve 24 flagelações do IN, mas os guerrilheiros seguiram a regra básica da guerrilha: primeiro, retirar quando o inimigo, ataca: segundo, e quando possível, atacar, quando o inimigo retira... O autor do relatório, irritado, queria que os tipos do PAIGC se apresentasse de peito feito às balas e dessem luta...

O mais caricato (e hilariante, se fosse caso para rir) desta operação é que o pessoal deitou fora... as intragáveis rações de combate e desatou a comer... leitão assado no espeto!

Este é um cínico relato da dura condição da guerra da Guiné, vista pelo lado da hierarquia militar. O relatório tem a chancela do então Cor Hélio Felgas, já falecido como Maj Gen Ref. Tem  críticas veladas, se não mesmo picardias,  ao Comandante-Chefe, ao Quartel General, à Marinha e à Força Aérea...

Há coisas, que se passaram nesta operação, sobre as quais  n ão faço qualquer comentário crítico, deixando isso à atenção e consideração dos poucos camaradas do blogue que estiveram nesta operação: estou-me a lembrar do Jorge Félix, do Paulo Raposo, do Torcato Mendonça, do Hilário Peixeiro...

Cada um dossos nossos leitores que faça a sua leitura, se possível distanciada e desapaixonada... Aqueles de nós, que foram operacionais, rever-se-ão mais facilmente no cenário que foi o da Op Lança Afiada (e que eu e outros camaradas da CCAÇ 12 conhecemos bem entre julho de 1969 e março de 1971).

Seria interessante ouvir, entretanto, o depoimento de camaradas do BCAÇ 2852 e doutras unidades que participaram na Op Lança Afiada (***).  Para uma correcta localização das povoações ao longo da margem direita do Rio Corubal, consulte-se o mapa, dos Serviços Cartográficos do Exército, relativo ao Xime, disponibilizado,  logo em 2005, pelo nosso amigo e camarada Humberto Reis, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). O mapa do Xime deve ser complementado por outros como Fulacunda, Xitole e Bambadinca, também disponíveis on line.

Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFog, morteiros... Esse ataque ficou célebre, pelo menos a nível do humor de caserna: provavelmente. sem qualquer fundamente, dizia-se em Bissau, na 5ª Rep, no Café Bento,  e em Contuboel, "longe do Vietname", que "os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS"...

Eu e o resto da malta da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 estava a chegar a Bissau, no Niassa, quando se deu o ataque a Bambadinca, na noite de 28 de maio de 1969. E passámos por Bambadinca, a caminho de Contuboel, dias depois, a 2 de junho, a tempo ainda de ver e ouvir relatos na primeira pessoa dos camaradas da CCS/BCAÇ 2852...

Ainda há pouco tempo o fur mil reabast José Carlos Lopes (que conserva em casa o lençol da sua cama, todo crivado de estilhaços, na sequência de uma granada de morteiro que explodiu nos quartos dos sargentos) me dizia, ao telefone que "a sorte da malata foi os canhões s/r dos gajos terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha"...

Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, secas,  em estilo telegráfico:

"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros".  (L.G.)


B. Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - IV (e última) parte

(...) Áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (IV e última parte) (*)


5. Desenrolar da acção [, o ocorrido]: (Continuação)


Dia D + 8 (16 de Março de 1969)

Os Dest A, B e C actuaram entre Queroane e Mangai destruindo tudo à sua passagem. O que sobrara de Mangai ficou reduzido a cinzas. Foram ainda capturados 3 nativos e feitos 2 mortos confirmados.

Os Dest F, G e I voltaram a bater a mata do Fiofioli mas agora no sentido Leste-Oeste. Inicialmente, porém, deslocaram-se por indicação do guia à zona (C8-71) e aí do lado de lá da bolanha, e portanto já fora da mata do Fiofioli, encontraram espalhado pelo mato, além de novos documentos, importante e valioso material de guerra que deu para encher mais de dois helis.

Os Dest E e H bateram também no sentido Oeste-Leste e Sul da mata e foram acabar de destruir a tabanca de Fiofioli, capturando ainda muitas munições.

Nesse dia, às 10h30 houve nova reunião em Bambadinca com Sua Excia o Comandante-Chefe. Sua Excia informou que em virtude de ter de realizar uma operação noutro Sector, determinava a suspensão do apoio aéreo em 17 [de Março] e o embarque dos Dest A, B e C em Ponta Luís Dias nesse dia com destino ao Xime. Os outros Dest do Agrupamento Sul não seriam reabastecidos em 17. Que o seriam em 18 mas compreendeu-se mal pois, segundo Sua Excia, em 17 o esforço aéreo não poderia ser mantido e só seria deixado o heli de evacuações. No entanto, os Dest do Agrupamento somavam nessa altura mais de 750 homens que seria necessário reabastecer de água e alimentação (os Dest A, B e C somavam entre 450 e 500 homens).

Nessa reunião foram também alteradas as instruções acerca do arroz IN: devia passar a ser todo destruído. Na véspera, porém, de acordo com a ordem recebida, comunicara-se aos Dest que deviam recolher todo o arroz possível, prevendo-se até o seu transporte por meio de colunas de carregadores a serem novamente recrutados. Havia até sido distribuído mais algumas centenas de sacos de linhagem.

Em face desta nova ordem, os helis passaram no regresso do reabastecimento a trazer homens em vez de arroz, afim de aliviar o esforço de reabastecimento. Mas foi só em 16 [de março]. Neste dia fizeram quase reabastecimento e meio, pois sabia-se que não seriam feitos reabastecimentos alguns em 17.

Foi recebida uma mensagem que dizia: “Confirmação ordens verbais Com-Chefe cessa 17MAR Op ‘Lança Afiada’ Agr Norte (.) Tropas Agr. Norte em Ponta Luís Dias 170600Mar69 (.) Comandante Agr Norte coordena Oper embarque atingido cerca 1000 (.) Com-Chefe desloca-se local partir 170900(.)”.

Dia D + 9 (17 de Março de 1969)

O PCV com o comandante do Agrupamento Táctico Norte sobrevoou os Dest A, B e C cerca das 07H00, verificando que estavam no local que a carta indica como sendo o “Porto” de Ponta Luís Dias. Não conseguiu entrar em contacto rádio com a FN [ Força Naval] , apesar desta força ter indicativo e frequência marcados no Anexo de Transmissões da OOP.

O PCV regressou depois a Bambadinca para se reabastecer. Cerca das 09H20 chegou a Bambadinca o heli de Sua Excia o Comandante-Chefe que deixara Sua Excia junto dos Dest A, B e C. Aparentemente o embarque não podia ser feito onde as NT se encontravam pois via-se uma grande língua de areia. O heli levantou para escolher um local onde a língua de areia fosse mais estreita, o que ocorreu cerca de 1,5 quilómetros a Norte.

Quando a maré subiu, verificou-se que a água cobria toda a língua de areia e que as LDM [lanças de desembarque médias ] e a BOR [, embarcação civil,]  podiam ter abicado no local onde as NT se encontravam inicialmente. O esforço que a estas foi exigido de caminhar quilómetro e meio pelo lodo podia ter sido poupado se a bordo do PCV tivesse ido um oficial de marinha.

Foi nessa altura que Sua Excia o Comandante-Chefe informou que, por uma questão de marés, as NT não seriam transportadas ao Xime como ficara combinado na véspera mas sim apenas a Ponta do Inglês. A CART 1743, no entanto, seguiria para Bissau. Os Dest A e B, desembarcados em Ponta do Inglês, seguiriam depois a pé para o Xime, o que aconteceu.

A avaria de uma das LDM obrigou a outra a ficar-lhe ao pé e levou a BOR a transportar 300, isto é, mais do que a sua lotação permite. Como o heli do COMCHEFE não chegou a tempo, Sua Excia tomou também lugar na BOR, com o Comandante da Operação e com o Delegado do QG [ Quartel General ] que viera coordenar o embarque.

Cerca do meio dia as LDM e a BOR abicaram a Ponta do Inglês. Sua Excia tomou o seu heli para Bissau e o Comandante da Operação tomou o das evacuações que entretanto mandar vir para fazer duas evacuações para Bambadinca.

Os Dest A e B chegaram ao Xime cerca das 15h30 depois de terem sofrido novo ataque de abelhas que, tal como em Ponta Luís Dias, de manhã, ocasionou desorganização e levou os carregadores a abandonarem material, recuperado mais tarde.

Ao compreender-se que apenas era deixado o heli de evacuações, deu-se ordem aos Dest E, F, G, H e I para se aproximarem dos respectivos aquartelamentos [ Mansambo e Xitole]. Não se podiam abandonar sem alimentação nem água garantidos. Aliás aqueles Dest haviam saído às 03H30 da tabanca do Fiofioli onde se haviam reunido e, uns por Cancodea Balanta e por outros por Cancodea Beafada, completaram a destruição de todos os meios de vida IN da região. Encontraram vacas que mataram, levando outras consigo. Em Cancodea Beafada capturaram 2 homens, 3 mulheres e 3 crianças.

Estes Dest passaram depois por Mina e por Gã Júlio, utilizando sempre trilhos diferentes dos de ida. Quando, ao fim da tarde, foram sobrevoados pelo PCV, encontravam-se próximos da foz do Rio Bissari, tendo já percorrido nesse dia uns 30 quilómetros. Foram-lhes recomendadas todas as cautelas e autorização para prosseguirem quando quisessem pois não se poderiam reabastecer.

Mal o PCV saiu da área, o IN flagelou o Dest com 2 morteiradas e rajadas, de longe, procedimento este que afinal utilizou durante toda a operação e que revelou impotência [no original, importância] e falta de agressividade.


Dia D + 10 (18 de Março de 1969)

Na [noite] de 17 para 18 os Dest H e I chegaram ao Xitole transportando consigo 4 vacas que em certos pontos tiveram quase que ser levadas ao colo para passarem troncos estendidos sobre os ribeiros. As outras capturadas tiveram que ser abatidas.

Por seu lado, os Dest E, F e G passaram pela margem esquerda do Rio Bissari, atingiram a estrada e chegaram a Mansambo cerca das 08H30. Durante a noite, enquanto pernoitavam, um dos nativos capturados tentou fugir, sendo abatido.

6. Resultados obtidos

a) Baixas infligidas ao IN

O IN sofreu 5 mortos confirmados (contando com o que tentou fugir na última noite) e cerca de 20 feridos.

b) Inimigos capturados

Foram capturados 17 nativos, na sua maioria mulheres.

c) Material e documentos capturados ao IN

1 Carabina “Mosin Nagant”, 7,62 m/m modelo 1944

1 Espingarda “Mauser”, 7,92 m/mm, K98K

Idem 7,9 modelo 904

1 Espingarda sdemi-automática “Simonov” (SKS), 7,62 m/m

2 Metralhadoras pesadas “Goryonov", 7,62 m/m

2 Pistolas metralhadoras “Shpagin”, 7,62 (PPSH)

1 Granada para LG P-27 “Pancerovka”

12 Granadas para LG RPG-7

85 Granadas para LG RPG-2

1 Granada de Mort 60

19 Granadas de Mort 82

1 Mina A/P de salto e fragmentação (Bailarina)

1 Mina A/P de fragmentação PPMI

1 Mina TMB

2 Petardos de trotil de 1,2 kg

24 Cargas suplementares para morteiro (caixas)

42 Espoletas de granada Mort 82

3 Bolsas para carregadores PPZSH

1 Bolsa para carregadores Degtyarev

Cerca de 10 mil cartuchos 7,62 e 7,9 (60% dos quais impróprios)

E ainda outro material diversos bem como livros, cartas, cadernos e objectos de uso pessoal.´

d) Baixas sofridas pelas NT

AS NT não tiveram mortos. Sofreram 22 feridos, quase todos ligeiros. Tiveram ainda cerca de 110 elementos evacuados por insolação, ataque de abelhas e doença

7. Serviços

a. Rações de combate

As R/C especiais agradaram de uma forma geral. As normais (nº 20, E) são absolutamente intragáveis e mais se tornam em operações tão prolongadas como esta.

b. Recursos locais

Só muito raramente foi encontrada água bebível. Alguns poços foram atulhados pelo IN ou estavam já secos. Outros continham água negra ou meia salgada que só os carregadores conseguiram beber. Quando, junto de Gã Júlio, por exemplo, os soldados metropolitanos quiseram seguir o exemplo dos carregadores tiveram que ser evacuados uns 16 com febre alta.

Centenas de galináceos e cabritos ou leitões foram capturados e comidos em tabancas abandonadas, compensando assim um reabastecimento alimentar que se revelou algo deficiente quer em qualidade quer em quantidade.

c. Pessoal do Serviço de Saúde

As forças levavam o seu pessoal orgânico.

O médico de Bambadinca foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário.

d. Evacuações

Os feridos e os doentes foram evacuados por heli.

8. Apoio aéreo

a. Ligação Ar-Terra

Foi relativamente boa.

b. Resultados da acção aérea

Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento.

Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo.

c. Apoio aéreo

Inicialmente o apoio aéreo, no que respeita a reabastecimentos, revelou-se deficiente. O facto de não ter sido cedido o heli ao Comandante da operação [, cor inf Hélio Felgas], dificultou a acção de comando e influiu nos rendimentos dos meios à disposição, pois previra-se que esse heli colaboraria com o das evacuações e com o dos reabastecimentos.

Além disso, a coordenação levou o seu tempo a rodar, o que é naturalíssimo pois não tem havido muitas operações como esta.

Em terceiro lugar, os meios aéreos não deram inicialmente o rendimento que se esperava, uns por avarias, outros por serem desviados para outras missões e outros por estarem na altura das inspecções e revisões.

A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;

- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;

- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;

- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);

- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;

Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações.

No dia 13 a actividade dos meios aéreos fornecidos para a operação foi a seguinte:

- A DO levantou de Bafatá para a área 9 [ Mina – Gã Júlio ] às 07H20 com o Comandante do Agrupamento Táctico Sul, o Major Negrão da FA e o Cap Lopes que ia assumir o comando do Dest G e ficou no Xitole; à tarde foi para Bissau;

- Os 2 helis levantaram às 07H30 com o comandante da operação para Bambadinca (serviço normal);

- O helicanhão, saído da zona de operações em 11 de Março, às 10H30, e regressado a 12, às 11H00, fez escolta ao heli de Sexa Comandante-Chefe; não prestou serviço à operação, que se tivesse conhecimento;

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

Em 14 os helis chegaram a Bambadinca às 08H30 e só aqui é que se abasteceram (pelo menos um). Podiam tê-lo feito em Bafatá. No entanto, a situação melhorou por vários motivos. Primeiro, porque se acabou com os recomplementos. Segundo, porque a selecção natural fez baixar o número de evacuações. Terceiro, porque os meios aéreos ficaram mais tempo na zona da operação. Quarto, porque a coordenação ar-terra ganhou experiência e tornou-se por isso mais eficiente.

9. Ensinamentos colhidos

Dentro do espírito das NEP, este parágrafo “não é uma crítica mas uma análise objectiva que permite obter ensinamentos”. [Itálico e bold, do editor]

a) Torna-se evidente que a Op Lança Afiada foi bem sucedida, tendo sido alcançados todos os objectivos e cumprida integralmente a Missão.

Não há dúvida porém que o IN podia ter sofrido muito mais baixas e que as NT podiam ter capturado muito mais população se simultaneamente tivessem sido montadas emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal, conforme pedido. Esta margem fica fora dos limites do Agrupamento Leste e, concordo, é difícil de alcançar a partir de Buba. Mas uma companhia de paraquedistas ou de comandos teria operado maravilhas nela e evitado que a maior parte do IN e da população da margem Norte fugisse para a margem Sul como se sabe que fugiu durante as noites.

b) O facto de o IN nunca ter tentado resistir pode levar-nos à conclusão de que ele não era tão forte como se julgava. 

No entanto, não se tirou desta Operação um tal ensinamento. O que ele se viu foi varrido por todos os lados. Ao descobrir o “furo” da margem oposta passou-se para ela. Mas se tivéssemos podido tapar esse furo, ele teria sido talvez obrigado a resistir e mostraria então uma força que agora não mostrou porque achou inconveniente fazê-lo.

As 24 flagelações sofridas e os documentos apreendidos mostram porém que não devemos subestimar precipitadamente o IN. Nem sobre-estimá-lo, é claro.

c) A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade.

Concordamos que o heli é uma arma cara (15 contos por hora). Mas é indispensável neste tipo de guerra.

d) As rações de combate normais voltaram a ser um elemento destruidor do moral das NT. Provocando a sede quando menos água há.

Temendo a sede, os homens deixam simplesmente de comer e ficam rapidamente exaustos.

e) A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. 

Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra.


10. Não será talvez exagerado afirmar que o IN ficou desorganizado e que as destruições operadas pelas NT vão criar-lhe grandes problemas.


Fonte: Extratos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 64-71. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).

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Notas do editor:

(*) 22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIX: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques dos Santos)


(...) Depois de comparar o registrado na minha caderneta tenho que concluir que o relatorio "Batalhão de Caçadores nº 2852" [Bambadinca, 1968/70], acerca da Operação Lança Afiada, tem muitas inverdade que desta vez não vou destacar. Julgo que basta o testemunho da minha participação para verificar quanto de exagero há na apreciação à prestação das FAP naquela operação.

Quando se falar da Operação Lança Afiada, gostaria que juntasses as informações que te enviei, e estou convencido que não fui o único co a voar para a Lança Afiada. A FAP não necessita da minha defesa, mas sinto necessidade de a defender.

 (...) Quando reli o email passei os olhos pela foto junta e lembrei que no dia 7 de Março com base em Catió fui alombar ao Quitafine ond haviam quatro anti-aéreas. No dia 5 passei por Buba e Zops, e para terminar, entre dois whiskies fui no dia 1 a Aldeia Formosa fazer uma Tevs. Hoje vou sonhar com Fiofioli em cor de rosa) (...)

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III


(***) Vd. postes anteriores da série > 


24 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11621: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): II Parte: Desenrolar da ação: o planeado e o realizado. As primeiras dificuldades da ação: dias D, D+1, D+2, D+3

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11665: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): III Parte: Dias D+4, D+5, D+6, D+7: Pânico entre os carregadores devido aos ataques de abelhas, muitas helievacuações por desidratação e esgotamento, muitas toneladas de arroz destruído, muitas centenas de animais apanhados e consumidos, várias grandes tabancas (como Mangai, Ponta Luís Dias e Fiofioli), escolas, dois hospitais de campanha e outras instalações queimadas...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > A chegada, em LDG, ao cais do Xime, em meados de 1968...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O "pão nosso de cada dia": despiste de viaturas, por um razão ou outra: excesso de carga, mina A/C, erro de condução, falha mecânicas...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > No setor  L1 havia uma intensa atividade de colunas logísticas: era a partir de Bambadinca que se abasteciam as companhias aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho (que pertenciam já ao Setor L5 - Galomaro).
Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > A rua principal de Bambadinca,s e não erro, dando saída para o leste: Bafatá.


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Aspeto parcial de Bambadinca, se não erro, mas não sei bem de que ângulo...

Fotos: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - III parte

(...) Áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.

5. Desenrolar da acção [, o ocorrido]: (Continuação)



Dia D + 4 (12 de Março de 1969)


Os Dest A e B continuaram batendo a área 6 sem nada encontrarem.

Na área 4 [Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João,], o Dest B foi flagelado às 10h10 tendo sofrido um ferido ligeiro mas feito baixas confirmadas. Combinando a manobra com o Dest C, capturou 3 nativos e queimou diversas tabancas na área. O Dest C foi flagelado às 11h00 tendo 3 feridos ligeiros que não evacuou e fez um morto confirmado ao IN.

Quanto ao Dest E, dera a volta próximo da margem esquerda do Rio Buruntoni, queimara 2 toneladas de arroz numas casas junto ao caminho para Ponta do Inglês, capturara inúmeros animais domésticos e tivera contacto com o IN às 13h00, sofrendo um ferido que fora evacuado. Apreendera material ao IN.

O Dest F, agora reforçado por um Gr Comb do Dest G, devido às numerosas evacuações que tivera que fazer, mantinha-se emboscado a Norte da Foz do Rio Bissari. O resto do Dest G continuava emboscado a Norte do Galo Corubal. E os Dest H e I bateram a área 10, tendo a sua actuação sido prejudicada pela demora dos reabastecimentos e evacuações.

O milícia ferido em 11 [de março ]as] 16h30 (gravemente, segundo o parecer do enfermeiro) só foi evacuado em 12 [, às} 13h15 embora os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico tivessem sido largados no local cerca das 9h00. Por razões desconhecidas, porém, o piloto não quis evacuar o ferido em nenhum das 2 vezes que lá foi deixar água.

Na margem oposta [, esquerda,] do Rio Corubal viam-se elementos IN que foram metralhados pelo helicanhão. A tabanca de Inchandanga Balanta ficou a arder.

Durante o incêndio de uma das tabancas entre Galo Corubal e Dando rebentaram inúmeras munições que provavelmente estavam escondidas no colmo dos tectos.

Os ataques das abelhas continuavam a mostrar-se mais perigosos que as flagelações IN pois o pessoal carregador tudo abandonava para fugir aos enxames que, nesta época, são extremamente agressivas.

Cerca das 13h15, num helicóptero insistentemente pedido, os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico foram transportados a Bambadinca juntamente com o milícia ferido, o qual seguiu para Bissau.

A deficiência do apoio aéreo em reabastecimentos, evacuações e recomplementos levou a fazer mensagens e a focar o assunto no RELIM [Relatório de Informações sobre a Actividade Operacional].


Dia D + 5 (13 de Março de 1969)


Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19h00 do dia 12 e as 4h00 do dia 13.

Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos. Por seu lado, o Dest C, às 7h30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite. Todos estes Dest apanharam e consumiram centenas de animais domésticos. Cerca das 19H30 o Dest E sofreu nova flagelação, tendo nove evacuados no dia seguinte.

Os Dest H e I detectaram e destruíram o acampamento IN de Gã Júlio, enquanto os F e G faziam o mesmo ao de Mina. Ambos estes acampamentos haviam sido recentemente abandonados. Tais como outros, ainda tinham comida quente. Este facto constou do comentário ao RELIM deste dia, no qual pedia o estabelecimento de emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal.

Neste dia houve uma reunião em Bambadinca com Sua Excia. o Comandante-Chefe e o Exmo. Comandante da Zona Aérea que disseram ao Comandamte da Operação estar a ser excessivo o esforço pedido à FA [Força Aérea]. Expondo-se como esses meios estavam a ser empregues.

Por outro lado Sua Excia. deu Directivas sobre a recolha do arroz IN. Ficou ainda estabelecido não proceder a quaisquer recompletamentos, excepto de oficiais e sargentos, a fim de aliviar os meios aéreos.


Dia D + 6 (14 de Março de 1969)


Às 8h50, os Dest A e B detectaram e destruíram o acampamento de Tubacutá, recém abandonado. Fugiu um pequeno grupo IN após uma flagelação às NT.

Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas).

Os Dest E continuou a preocupar-se com o tarrafo da margem do Rio Corubal voltar a encontrar indícios de fuga para a margem oposta. Seguiu para Leste, atravessando à noite a bolanha do Rio Bedana e indo instalar-se na orla oeste da bolanha que limita a mata do Fiofioli, orla em que se emboscou.

Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Beafada. Todos capturaram e consumiram centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz).

O Dest H e I capturaram munições e 2 mulheres que informaram ter o IN fugido para a outra margem do Rio Corubal com a maior parte da população. Disseram ainda que o Novo Hospital de Fiofioli fora mudado para a região de Queroane (área 5). O Dest F destruiu 2 canoas, uma delas com cerca de 16 metros de comprimento.

O Dest D foi nesta data dividido pelos C e E, pois ficara reduzido a 69 homens.

Dia D + 7 (15 de Março de 1969)

Em face da informação dada pelas 2 mulheres capturadas em Cancodea Beafada, os Dest A, B e C atacaram Queroane à tarde, tendo destruído a tabanca e sido flagelados por um grupo IN que sofreu baixas confirmadas.

Cerca das 2h30, os Dest F, G, H e I iniciaram a sua marcha sobre a mata do Fiofioli. Só havia uma guia mais ou menos seguro, o Brima Dico (1) capturado pelos paraquedistas em Mina, em Dezembro de 1968. O outro guia, de Mansambo, apenas conhecia a região mas não os trilhos. Decidiu-se por isso seguir com os Dest em bicha, a fim de deixar um ou mais emboscados em bifurcações que aparecessem.

O Dest H, antes do alvorecer, penetrava na mata. Às 16h00 houve uma flagelação ao Dest H, tendo o IN sofrido baixas confirmadas. O Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc. O guia esclareceu tudo mas o hospital devia ter sido abandonada cerca de 2 meses antes. Todos os novos trilhos que apareciam eram cuidadosamente batidos. Descobriu-se um outro Hospital recentemente abandonado. O primeiro estava em (Xime ID5-56 ) o segundo (encontrado ás 8h00) estava em Xime 1D6-52). Ambos foram queimados e o PCV deu a sua localização.

Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos. Próximo estava uma pequena arrecadação onde se capturou material de guerra IN. Novamente foram apanhadas centenas de animais domésticos. A destruição da tabanca foi apenas começada pois no dia seguinte seria completada. Encontraram-se documentos comprovativos da presença IN na área.

Voltou-se a penetrar na mata para bater a zona Oeste e acabou-se por ir ter à bolanha a Oeste eram cerca das 12h000. Contactou-se o Dest E que às 6h10 fizera fogo sobre elementos IN fugidos da mata de Fiofioli (onde deveriam ter sido os autores da flagelação ao Dest H), tendo-lhes causado baixas.

A mata foi batida durante cerca de 10 horas em todos os sentidos. Previa-se no entanto voltar a batê-la no dia seguinte na direcção Oeste-Leste. Mas o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel.


(Continua)

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(1) Julgo tratar-se de gralha do escriturário-dactilógrafo ou erro de leitura do original, manuscrito. Brima Dico não é nome de guinéu. Deve ser Braima Seco. ( L.G.)

Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 61-64. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf, além da versão em papel).

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Nota do editor:

Postes anteriores da série > 


16 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11575: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca8 a 19 de Março de 1969): I Parte: Cerca de 1300 efetivos: 36 oficiais, 71 sargentos, 699 praças, 106 milícias e 379 carregadores

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11622: (Ex)citações (221): O comandante do Comando de Agrupamento nº 2957, cor inf Hélio Felgas, o cérebro da Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969) (Fernando Gouveia)


Guiné > Zona leste > Comando de Agrupamento 2957 (Bafatá, 1968/70) > Guião. O Cmd Agr 2957 esteve em Bafatá, no período de Novembro de 1968 a Setembro de 1970. Os seus elementos metropolitanos sairam do ex-RAL 1 e embarcaram no T/T Uíge, em 9 de Novembro de 1968. O comandante do Cmd Agrup 2957 era o então Cor Hélio Felgas [, 1920-2008], mais tarde substituído pelo Cor Neves Cardoso. Na Tabanca Grande, temos pelo menios dois camaradas que pertenceram ao Cmd Agr 2957: António Azevedo Rodrigues e o Fernando Gouveia.

Foto: © António Azevedo Rodrtigues (2011). Todos os direitos reservados

1. Comentário do Fernando Gouveia ao poste P11575:

Caro Luís Graça, caros camaradas:

Sobre a nossa Guiné gosto muito de contar estórias mas não histórias. Sobre a Op Lança Afiada, no entanto, como a vivi intensamente, na retaguarda, vou contar algumas coisas.

As minhas funções no Comando de Agrupamento de Bafata [, Cmd Agr 2957]  eram de oficial de informações, mas como o major que tinha as funções de oficial de operações esteve de baixa muitos meses, acabei por acumular as duas valências. 

Foi assim que “ajudei” o cor  {Hélio] Felgas  [, foto à direita,] a planear a operação. A minha ajuda resumiu-se a estar sempre com ele, normalmente sentados em frente ao grande mapa escala 1/50000, ele a congeminar as posições a assumir pelas NT e suas movimentações e eu praticamente a chegar-lhe os lápis dermatográficos com que ele ia marcando na mica, que cobria os mapas, setas e ovais, que depois eram copiadas e posteriormente enviadas para as tropas intervenientes.

O cor Felgas era 100% militarista mas demasiado individualista. Com ou sem razão só acreditava nele próprio. Talvez tenha sido por isso que o major de operações [, do Cmd Agr 2957,] tenha apanhado uma depressão, pois o coronel nunca o incumbiu de qualquer assunto ligado a operações. O senhor major andou por lá muitos meses só a organizar os arquivos.

Sentado à sua beira, aquando da programação da operação, seria impensável sugerir ao cor Felgas que, sem uma operação em simultâneo na margem sul do Corubal,  a Lança Afiada não teria sucesso. Lembro-me, a propósito, que um camarada que esteve na operação me contou que, durante a operação, se ouvia toda a noite o barulho de motores de barcos a cambar o Corubal.

De qualquer maneira o cor Felgas demonstrou sempre muita preocupação com o bem estar dos soldados durante a operação. Recordo de o ter ajudado (sem aspas) a conceber uma rede mosquiteira individual para ser distribuída a cada soldado. 

Recordo ainda que andou dias a magicar um substituto para as tradicionais rações de combate e aí também ele me veio perguntar se achava que a inclusão de fruta em calda estaria correcta em vez de outros produtos que faziam parte das rações mas muito mais açucarados.

Para terminar, penso que foi nesta altura que o cor Felgas ficou com uma Kalash novinha, a estrear. Nas paredes da minha casa tenho várias peças desse espólio, mas de menor importância.

Um grande abraço a todos.

Fernando Gouveia

[ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; 
foto à esquerda, na LDG que o levou de regresso a Bissau, 
no final da comissão]

Guiné 63/74 - P11621: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): II Parte: Desenrolar da ação: o planeado e o realizado. As primeiras dificuldades da ação: dias D, D+1, D+2, D+3



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Fotos do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pelotãod e  Manutenção (, que era comandado pelo alf mil Ismael Augusto, membro da nossa Tabanca Grande)  >  Foto nº 185 > O dono das fotos...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Fotos do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pel Manut > Foto nº 197 > O espaldão do morteiro 81...



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Fotos do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pel Manut  > Foto nº 266 > O morteiro 81... Estva então em Bambadinca o Pel Mort 2106, comandando pelo fur mil ap armas pes Lopes, com secções ou esquadras espalhadas por Xime, Mansambo e Xitole, Saltinho (abril de 1969). [O que será feito de ti, camarada e amigo Lopes, três meses mais velho do que a malta da CCAÇ 12 ?].



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Fotos do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pel Manut > Foto nº 196 > Uma Daimler destruída... (possivelmente por mina; deveria pertencer ao Pel Rec Daimler 2046, que era comandando pelo Jaime Machado, nosso tabanqueiro).



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Fotos do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pel Manut > Foto nº 260 > A autometralhadora Daimler, vista de outro ângulo...

Fotos: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


A. A Op Lança Afiada foi talvez uma das maiores e mais dramáticas operações terrestres que se realizou na Guiné, ou pelo menos na Zona Leste, quer pelo número de efectivos envolvidos (cerca de 1300 homens, sendo cerca de 800 militares mais 380 carregadores, enquadrados por 100 milícias), quer pelo número elevado de heli-evacuações (cerca de 120), devido não tanto a baixas provocadas pelo IN como sobretudo a casos de fadiga extrema, insolação, doença e ataque de abelhas.

Esta operação, em que as NT varreram toda a região da margem direita do Rio Corubal, entre este rio e a linha Xime-Xitole, durante 11 dias (de 8 a 19 de Março de 1969), teve um impacto mais psicológico do que militar, apesar da destruição de importantes meios de vida e infraestruturas, necessários à guerrilha e às populações sob o seu controlo (animais domésticos, arroz, casas, escolas, instalações sanitárias...).

Esta operação pôs à prova (e revelou) os limites de resistência, física e psicológica, dos militares portugueses, num terreno e num clima duríssimos. Basta citar uma das conclusões do relatório, que temos vindo a publicar:

"A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra".

O próprio autor do relatório não se coíbe de comentar:

"(...) processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar".

Damos continuação à publicação do respetivo relatório. (*)

Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - II parte

(...) Áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


Guiné > Zona Leste > Croquis do Sector L1 (Bambadinca) > 1969/71 (vd. Sinais e legendas).


4. Desenrolar da Acção [, segundo o planeamento]










5. Desenrolar da acção [, o occorrido]:

A acção desenrolou-se durante cerca de 11 dias, mais ou menos como fora planeada. Para o final houve algumas alterações determinadas superiormente.

Dia D (8 de Março de 1968)

Neste dia e no seguinte actuaram apenas os Dest do Agrupamento Tático Norte. Fizeram-no de acordo com as Directivas do Anexo H da OOP.

Os Destacamentos [abrevidadamente, Dest] A e B atacaram a área 1 (Poindon) e os seus acampamentos. Um dos destacamentos ficou emboscado enquanto o outro procurava acampamentos. Havia vestígios de a área ter sido bombardeada pela aviação várias semanas antes.

Cerca das 7h30 o Dest B foi emboscado por grupo IN, de 15 a 20 elementos. Da reacção resultaram baixas para o IN [inimigo]que perdeu também diverso material. As NT [nossas tropas] capturaram ainda três nativos que depois foram indicar vários acampamentos onde foi apreendido mais material e muito arroz. A área foi depois batida pelos dois Dest das 8h00 às 12h00, tendo o IN realizado duas flagelações às 10h00 e às 10h30.

Os Dest C e D, partindo também do Xime, passaram o Rio Buruntoni mas, em vez de baterem a área 2 (Baio-Buruntoni), desorientaram-se por ela e indo bater a área 3 (Gã Garnes). Com o PCV [posto de comando móvel] foram orientados para a área 2 quando se encontravam no extremo Oeste da área 3 e quando o Dest C já desembarcara em Ponta do Inglês (às 1h20).

Ao fim da tarde pernoitaram próximos uns dos outros, no extremo Oeste da área 2. Os Dest C e D tiveram diversos contactos ligeiros, em especial na área de Buruntoni e um na orla Oeste da área 3, tendo destruído acampamentos IN e completada a destruição de alguns anteriormente atingidos pela FA [Força Aérea].

Dia D + 1 (9 de Março de 1969)


Os Dest A e B deslocaram-se de manhã da área 1 para a 2 sendo protegidos durante a travessia da larga bolanha do Rio Buruntoni pelos Dest C, D e E instalados na orla da mata oposta (área 2).

A primeira alteração consistiu em reforçar os Dest A e B com o Dest E. Assim, a área 2 passou a ser batida simultaneamente por 3 Dest em vez de 2. A área 3 (que os Dest C e D haviam achado com pouco interesse) voltou a ser batida por aqueles Dest.

As batidas foram iniciadas ainda esta tarde. Às 16h00 os Dest E e B foram à procura do acampamento de Baio (que se julgava próximo), detectando e destruindo um, com 13 casas, recentemente abandonado. Regressaram depois ao local de reabastecimento (junto à bolanha do Rio Buruntoni), onde ficara o Dest A. Às 17h30, o Dest B saiu novamente e detectou mais dois acampamentos, um deles com escola.

O IN continuou a aparecer disseminado em pequenos grupos, um dos quais às 07h00 flagelou os Dest C, D e E com LGRFog e Mort 82, de longe e sem consequências.


Dia D + 2 (10 de Março de 1969)


Os Dest A, B e E bateram minuciosamente a área 2 enquanto os C e D batiam a área 3. Ao fim da tarde o Dest E largou os A e B, guiado pelo PCV, voltou a juntar-se aos C e D conforme fora previsto inicialmente.

A batida da área 2 pareceu bastante eficiente tendo todos os Dest destruído diversos acampamentos e uma grande escola, denominada "escola do Baio". Os B e E capturaram também material de guerra IN.

Começou nesse dia a actuação dos Dest F e G (saídos de Mansambo) e H e I (saídos do Xitole), todos pertencentes ao Agrupamento Táctico Sul.  Esta actuação foi feita de acordo com a Directiva do Anexo H da OOP.

Os Dest F e G bateram a área 11 (Galoiel-Bissari), descendo pela margem direita do Rio Samba Uriel sem nada detectarem. Dirigiram-se para junto da foz do Rio Bissari tendo o Dest F ficado emboscado enquanto o G passava à área 10 (Galo Corubal – Satecuta) em reforço dos Dest H e I que batiam a zona de Galo-Corubal.

A missão do Dest F era, por um lado, impedir qualquer reforço do IN vindo de Mina e Gã Júlio e, por outro, impedir a fuga do IN ou de população da área 10 para a área 9 (Mina-Gã Júlio).

Neste dia o IN fez uma pequena flagelação ao Dest F, cerca das 20H00, em (XIME 5D1) (margem do Rio Samba Uriel).

Dia D+3 (11 de Março de 1969)

Partidos da área 2, os Dest A e B chegaram a Madina Tenhegi (área 6) às 13h00, sem novidade e sem nada terem encontrado.

Os Dest C, D e E, partidos da área 3, chegaram à área 4 (Ponta Luís Dias), à mesma hora. O Dest D teve dois contactos ligeiros com pequenos grupos IN, fazendo 1 prisioneiro. Juntamente com o C, destruíram um acampamento IN em (Xime 3B6) com cerca de 100 casas, além de muito arroz.

Outros dois acampamentos forma destruídos em (Fulacunda 8I5) e (Fulacunda 8I6), um deles dotado de abrigos acimentados recém-iniciados. O Dest D capturou material de guerra IN.

Às 9h00, o Dest F foi emboscado junto à foz do Rio Bissari, sofrendo seis feridos mas fazendo baixas confirmadas ao IN. Durante a evacuação dos feridos, pelas 11H25, o IN fez uma morteirada sem consequências.

Os Dest G, H e I continuaram a batida à área 10. O Dest H que seguia junto ao tarrafo do Corubal capturou uns 1500 sacos com material de guerra que o IN se preparava para passar para a outra margem durante a noite (ou lá deixara na noite anterior). Este Dest e o I foram flagelados às 16h30 próximo de Dando sofrendo um ferido grave (milícia).

Tornou-se evidente neste dia que, tal como se previra, o IN estava aproveitando as noites para passar o [Rio] Corubal com armas, bagagens e população válida.

A inexistência de tropas nossas montando emboscadas na outra margem facilitava esta manobra do IN, manobra que foi objecto de um comentário especial no RELIM deste dia.

Também neste dia o número de evacuações das NT atingia o auge pois só o Agrupamento Sul evacuou 24 homens, na maior parte insolados e doentes. Por um lado, processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado, a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar.

Verificava-se também um deficiente apoio aéreo pois os reabastecimentos não se faziam e obrigavam as FT [Forças Terrestres] a aguardar horas seguidas. Além disso os meios aéreos existentes não davam vazão aos recomplementos, tornados frequentes dado o grande número de evacuados. Notava-se também falta de "rodagem" e coordenação, como depois se verificou. Estas demoras fizeram com que se previsse que a Operação tivesse que demorar mais um dia do que o planeado.

(Continua)

Fonte: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 55-61. Classificação: Reservado [Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em papel e em formato.pdf].

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11575: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): I Parte: Cerca de 1300 efetivos: 36 oficiais, 71 sargentos, 699 praças, 106 milícias e 379 carregadores

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11575: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): I Parte: Cerca de 1300 efetivos: 36 oficiais, 71 sargentos, 699 praças, 106 milícias e 379 carregadores

Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Ilustração de António Levezinho para a capa da História da CCAÇ 12 (1969/71).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2005)

Foto nº 41 >



 Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 45 >  Reabastecimento de um heli, provavelmente por ocasião da Op Lança Afiada (8 a 19 de março de 1969). Durante semana e meia, Bambadinca foi um correpio de helis, T6 e DO-27.



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 42 >   A presença do ainda brig António de Spínola, que acompanhou pessoalmente a Op Lança Afiada.


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 45 >  Invólucros de granadas de canhão s/r 82, usados pelo PAIGC na noite de 28 de maio de 1969, no ataque de 40 minutos a Bambadinca, menos de dois meses e meio depois da Op Lança Afiada. O PAIGC utilizou dois brugrupos e 3 canhões s/r, aém de morteiros, RPG, metralhadores ligeiras e pesadas, e armas automáticas de assalto. Fotos do álbum do José Carlos Lopes, fur mil reabast, CCS/BCAÇ 2852 (1968/70).


Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)
A. Iniciada em 8 de Março de 1969 com a duração de 11 dias, a Op Lança Afiada foi uma das grandes operações que se realizaram na época, ainda no início do consulado do brigadeiro António Spínola (1968-73), um mês depois da trágica retirada de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios).

A Op Lança Afiada envolveu cerca de 1300 homens, entre militares, milícias e carregadores: 36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; 106 milícias; 379 carregadores Houve cerca de duas dúzias e meia de flagelações das NT por parte dos guerrilheiros, os quais no entanto se furtaram ao contacto direto.

As populações sob controlo do IN (balanats e beafadas) passaram, com alguma segurança, para o lado do rio Corubal, margem esquerda. Os fuzileiros não puderam ou quiseram participar nesta operação, que também não envolveu outras tropas especiais (comandos e páras). Foi, pois, uma operação só com tropa macaca, embora a nível de comando de agrupamento (nº 2957), sendo comandada pelo cor inf Hélio Felgas [1920-2008]. Quase um terço dos efectivos eram carregadores.

Pensava-se que em Mina, junto ao Rio Corubal, na margem  estaria sedeado o Comando do Sector 2, da estrutura político-militar do PAIGC. Pensava-se também que havia, na mata do Fiofioli, um grande hospital, com médicos e enfermeiras... cubanos!

Do ponto de vista militar, a operação foi, senão propriamente um fiasco, uma frustração para as NT. Em contrapartida, houve inúmeras evacuações (n=110) dos nossos combatentes, devido a problemas de desidratação, desnutrição, esgotamento físico e stresse psicológico... É interessante a análise do autor do relatório sobre os sucessos e os insucessos desta megaoperação de...limpeza.

Damos hoje início à publicação do relatório da Op Lança Afiada (Na I Série do nosso blogue já publicámos alguns excertos substanciaos). Tratando-se de uma fotocópia de um documento dactilografado e  policopiado a stencil, com data de 1970, há erros e omissões que eu procurei colmatar ou corrigir, sempre que possível. Também substituímos algumas abreviaturas para tornar o texto mais legível para os nossos leitores, os  paisanos ou os que não fizeram tropa nem estiveram na Guiné.

É importante esta operação no seu contexto. Estava-se então em plena época seca: o capinzal já não resiste às granadas incendiárias e as clareiras, abertas pelas queimadas na savana arbustiva, deixam entrever a imensa mole de vegetação tropical para além da qual fica tabanca di bandido, em florestas sombrias onde coabitam dginé & najoré, e que na algaraviada dos meus queridos fulas  (da CCAÇ 12) queria  dizer irãs, diabos, diabretes, duendes e toda a espécie de espíritos (bons e maus)…

O objectivo da operação é, como sempre, aniquilar, capturar ou, no mínimo, expulsar o IN, destruir todos os seus meios de vida e recuperar a população sob o seu controlo... (À força, se a dita população não quiser voltar a viver sob a nossa bandeira e a nossa soberania).

A ideia de manobra é simples: da Ponta do Inglês (antigo destacamento da CART 1746, evacaudo em 7/8 de outubro de 1968) à mata do Fiofioli, da estrada Mansambo-Xitole à Ponta Luís Dias (outrora um florescente entreposto comercial à beira rio) um enorme cilindro compressor irá empurrando tudo o que for balanta, beafada e bicho do mato para o Rio Corubal onde os esperam os pássaros de fogo dos tugas, os hipopótamos, os jacarés, as formigas carnívoras, os jagudis...

Oficialmente o dispositivo do IN na área compreendida entre a linha geral Xime-Xitole e a margem direita do Rio Gorubal foi desarticulado — um eufemismo, de resto, muito utilizado nos nossos relatórios militares para justificar resultados mais morais e psicológicos do que materiais em operações desta envergadura, e que quando muito só se realizam de dois em dois anos (Na verdade, não era todos os dias que nós podíamos, no TO da Guiné,  dar ao luxo de mobilizar o equivalente a um agrupamento, ou seja, 8 companhias, fora os carregadores civis).

Na prática, os roncos não foram espectaculares: para além de algumas toneladas de arroz destruídas e de umas tantas casas de mato ou cubatas queimadas, enfim, para além de alguns contactos com o IN, sempre à distância, “o que contou sobretudo foi termos penetrado em santuários do IN tão míticos como a mata do Fiofioli” (dizia-me um furriel da velhice com quem gostava de conversar do passado recente, em Contuboel, em junho de 1969).

B. Em Contuboel, verdinho que nem um periquito, fiquei a saber que o Fiofioli era um sítio tão temível para os tugas da Zona Leste como, noutros sectores, o Boé, o Cantanhez, o Morès, o Choquemone, o Caresse ou a ilha do Como.
— Afinal, nem hospital nem enfermeiras cubanas nem sequer o fantasma do Nino vestido à cowboy — comentava, entre irónico e desapontado, à mesa da lerpa, um outro furriel da velhice de Contuboel — Foi só por dizer que estivemos na mata do Fiofioli… Nem sequer fiz o gosto ao dedo!

O que eu na altura, pira,  pude concluir destas conversas entre velhinhos de barba rija, no meio de rodadas de cerveja e de uísque, é que depois do inferno de Madina do Boé (em 6 de fevereiro de 1969), a Lança Afiada teve um certo sabor a vitória para as NT.

0 que se passara, entretanto, é que, na impossibilidade de resistir abertamente à contrapenetração das NT, a guerrilha ensaiara algumas manobras de diversão pelo fogo, enquanto as populações sob o seu controlo, previamente alertadas, se metiam na arca de Noé (quiçá com alguma a bicharada do mato, os porcos, as galinhas, que puderam salvar), cambando o Rio Corubal e pondo-se a salvo na outra margem... Em suma a velha táctica do conhecido mestre escola chinês, Mao Tsé Tung: “dispersar quando o inimigo ataca, reagrupar quando o inimigo retira”…

Um mês depois, e quando os tugas voltavam a dormir de cu para o ar, preparando-se para hibernar nos seus campos fortificados durante a estação das chuvas, os diabos negros da floresta desencadeavam uma série de acções que culminariam no ataque em força, inesperado e espectacular, a Bambadinca, a sede do comando do setor L1 até então inviolável...

Foi a 28 de Maio de 1969, à noite, estávamos nós a chegar a Bissau. Quando passámos por Bambadinca, oito dias depois, a caminho de Contuboel, não se falava de outra coisa…
— Podíamos ter sido todos mortos ou apanhados à unha, tal era a bandalheira em que estava o quartel  — confidenciava-me o meu conterrâneo e amigo, o Agnelo Ferreira, 1º cabo telegraf inf da CCS.

Ao que parece, a tranquilidade era tanta que se faziam quartos de sentinela... sem armas! Era o que se dizia, nunca apurei a verdade... Ao que soube mais tarde (e confirmei na história da unidade), o comandante do batalhão (ten cor inf Pimentel Bastos), o major de op e inf  Viriato Amílcar Pires da Silva, o comdante da CCS (cap inf Eugénio Batista Neves)   e o comandante da CCAÇ 2405 (cap mil inf António Dias Lopes) serão, pouco tempo depois,  transferidos por ordem do Com-Chefe, "por motivos disciplinares". Era o tempo em que o ainda brigadeiro António de Spínola se tornou o terror dos comandos de batalhão. (LG)

Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - I parte

1. Situação: Inimigo



1.1. Desde há anos que a região da margem direita do Rio Corubal até à linha Xime-Xitole, é considerada uma zona de refúgio e preparação do IN [inimigo]. A profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), tudo isto são características que convidam o IN a permanecer na Zona, em relativa tranquilidade.

O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Cã Júlio, foi considerado uma área que devia ser batida pelas NT [Nossas Tropas] em operação conjunta de meios navais e helitransportados.

A deficiência destes meios contribuiu para o quase completo sossego em que o IN tem vivido na área, controlando uma população de balantas e beafadas que o alimenta e que se reputa numerosa. E determinou a realização da Op Lança Afiada com o emprego exclusivo de forças terrestres.


1.2. O reconhecimento aéreo e as poucas operações realizadas não dão uma ideia muito clara acerca do IN na região considerada. Admite-se no entanto que existam na região pelo menos 5 bigrupos e um grupo de artilharia.

As acções ofensivas do IN tem sido relativamente espaçadas e dirigidas contra o Xime, Mansambo e Xitole, além de emboscadas nas estradas Xime-Bambadinca e Mansambo-Xitole e de penetrações contra tabancas fiéis na direcção do [regulado do] Cossé e na área entre o Xitole e Saltinho.

Embora apresentando bom potencial de fogo (canhão s/r, mort 82 e 60, LGFog, etc.), o IN continua a mostrar uma execução deficiente. As reacções à actividade das NT não têm sido muito fortes. Mas os poucos trilhos de acesso estão normalmente armadilhados. O IN embosca por vezes as NT quando regressam a quartéis. Além disso tem tiro de Mort 82 preparados sobre os seus próprios acampamentos, executando-os quando as NT os ocupam. E as arrecadações de material e armamento encontram-se em geral afastados dos acampamentos.

De uma maneira geral podem considerar-se as seguintes áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


1.3 [Vd. cartas do Xime, Fulacunda e Xitole]

a) Área de Poindon:

Localização aproximada – (1500 1155 B2). RVIS efectuado em Novembro de 1968 revelou que toda a área se encontrava muito povoada tendo sido referenciadas mais de 15 casas de mato,  distribuídas por 2 núcleos. As bolanhas estavam cultivadas.

b) Área de Baio-Buruntoni:

Baio – Localização aproximada: (1500 1150 G7); deve ser uns dois a três km a Oeste. Chefe: Mário Mendes. Efectivo aproximado: 1 bigrupo dividido com Varela.

Burontoni – Localização aproximada: (1500 1150 G7) e (1455 1150 A 7). Efectivo aproximado: 100 homens: Armamento: MP, Mort 82 e 650, LGRFog.





c) Área de Gã Garnes (Ponta do Inglês):

Localização aproximada – (1500 11540 B5-5) com trilhos de acesso a Baio e à Ponta João da Silva. O itinerário a seguir quando se vem da Ponta do Inglês atravessa o Rio Buruntoni em (1500 1150 A2 -82). Efectivos e armamento: mais de 15 homens com Mort, LGFog, etc.




d) Área de Ponta Luís Dias – Gã João:

Ponta Luís Dias – Localização: (1505 11?3 F3 ou G2 G0-44). O itinerário mais fácil parece ser pela margem do Rio Corubal mas na época seca pode ir-se partindo de Gã Garnes. Efectivos: Cerca de 25 (?) elementos, armados de MP, ML, Mort 82 e 60, LGFog., etc. Consta talvez (?) 1 Canhão s/r em Ponta Luís Dias, apontando para o Corubal.

Gã João - Localização: (1505 1150 H5 ou I6 ou 13-55).Acessos idênticos ao acampamento de Ponta Luís Dias. Pode ficar à direita da picada Ponta Luís Dias – Ponta do Inglês sobre um trilho que parte desta. Foi localizado um grupo de casa em 1505 1150 G9-2.





e) Área de Mangai – Tubacuta:

Mangai – Localização: (1505 1145 G8). O acesso é mais fácil pela margem do Corubal. Por terra o acesso mais fácil parece ser por Madina Tenhegi (1500 1150 E2). Efectivos: 1 Gr Artilharia, parte em Tubacuta.

Tubacuta – Localização: (1500 1145 B9 B6 ? ), entre a tabanca e a Casa Gouveia, ao pé da bolanha. O acesso é mais fácil pela margem do Rio Corubal ou partir de Madina Tenhegi. Efectivos: mais de 100 homens com cubanos.

f) Área de Madina Tenhegi:

Não há referências sobre acampamentos IN.

g) Área de Fiofioli:

Localização: (1500 1145 E4 ou D5). Não são conhecidos os acessos à área. A mata do Fiofioli é muito [ densa ? ] e está praticamente cercada por bolanhas que o IN provavelmente baterá. Efectivos: talvez 1 bigrupo. Consta existir um hospital, com médicos cubanos.

h) Área de Cancodeas:

Cancodea Balanta – Localização: (1500 1145 E3). Efectivos: 50 homens armados.

Cancodea Beafada – Localização: (1500 1145 G2)




i) Área de Mina – Gã Júlio:

Mina – Localização: Em (1500 1145 h6 ou I6), na mata próxima da tabanca, dividida em dois núcleos, afastados cerca de 400 metros. Um núcleo é formado pelas instalações de pessoal e pelo posto de rádio. Parece ser aqui o comando do Sector 2 do IN. Consta haver uma enfermaria com cubanos. Há quem diga existir 200 elementos IN. Mas há quem diga serem poucos. A reacção à operação dos páras em 16 de Dezembro de 1968 foi nula. Em Novembro de 1968 foi indicada a existência de canhão s/r, 10 LGFog, 5 metralhadoras Degtyarev, 1 morteiro 60, etc.

Gã Júlio – Localização: (1500 1145 D4 ou E4). Não há outras indicações.


j) Área de Galo Corubal – Satecuta:

Galo Corubal – Localização (1455 1145 D4 ou E4), no fundo do palmar e a cerca de 300 m do Rio Corubal. O acesso tem sido feito pelo Norte do Rio Pulon desde a estrada Xitole-Mansambo, mas as NT têm-se perdido por vezes. O acesso, através do Rio Pulon, próximo da foz, por Seco Braima, pode ser efito na época seca. Efectivos e armamento: Considerados poucos, mas com MP, ML, Mort LGRFog.

Satecuta – Localização (1455 1145 D2 ou E2 ou F2), a oeste de Seco Braima. Acesso idêntic o ao de Galo Corubal. Em meados de 67, apresentava grande actividade IN. O acampamento foi detsruído em Maio de 68, baixando a actividade IN. Efectivos: ignoram-se mas parecem dispor de MP, ML, Mort LGRFog.



l) Área de Galoiel:

Localização (1455 1150 F1) próximo de Galoiel. Ataque das NT em 28 de Novembro de 1968 repelido pelo IN. Novo ataque em 23 de Dezembro não tendo o IN oferecido quase resistência. Efectivos entre 20 a 30 elementos, armados com LGRFog, Mort 82, ML, etc.


Guiné > Zona Leste > Croquis do Sector L1 (Bambadinca) > 1969/71 (vd. Sinais e legendas).



1.4. Admite-se que, sendo a Op Lança Afiada, uma operação demorada, o IN tenha possibilidade de reforçar os seus bigrupos, exercendo um esforço sobre este ou aquele dos nossos destacamentos. Admite-se também que quer as populações civis sob controlo In quer o próprio IN atravessem de noite o Rio Corubal, furtando-se assim ao contacto com as NT.


2. Missão:

- Atacar e destruir ou capturar o IN em toda a região da margem direita do Rio Corubal, entre este rio e a linha Xime-Xitole;

- Nomadizar na região procurando trilhos que serão imediatamente explorados;

- Capturar a população civil;

- Destruir todos os meios de vida encontrados e que não possam ser oportunamente transportados.


Carregadores do PAIGC. Fonte: Regiões Libertadas da Guiné (Bissau). Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras. Agência de Notícias Xinhua. 1972.© Agência de Notícias Xinhua (1972).


3. Força executante

a. Comandante: Coronel Hélio Felgas.

b. Comandantes das sub-unidades:

[Vd. Caixa a seguir]



[Observações: O ten cor inf Pimentel Bastos era o cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70; Dest A: CART 2338: Não temos ninguém que a represente no blogue: é contemporânea da CART 2339, passou por Fá Mandinga, Nova Lamego, Buruntuma e Pirada, 1968/69; Dest B: CART 1746, Xime; Dest C: CART 1743, passou por Tite, Bissássema, Jabadá, Nova Sintra, Bissau, 1967/69; Dest D: CCAÇ 2403, passou por Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga,  Olossato, Mansabá, Bissau, 1968/70; era comandada pelo cap inf Hilário Peixeiro, nosso tabanqueiro] (LG)





[Observações: Agrupamento tático sul: Ten Cor Jaime Tavares Banazol; Dest F &gt: CART 2339 (Mansambo): um  dos oficiais listados é o nosso camarada Torcato Mendonça;  Dest G: CCAÇ 2405 (Galomaro): os dois alf mil referidos são membros da nossa Tabanca Grande: Paulo Raposo e Victor David.:Dest H: CART 2413 (Xitole); Dest I: CCAÇ 2406 (Saltinho).] (LG)



c. Meios



d. Organização

Foram constituídos 2 agrupamentps táticos, o do Norte e o do Sul, cada qual com 4 Dest. O Dest E reforçou sucessivamente os 2 Agerupamentos Táticos,

e. Alterações feitas à organização regulamentar

(1) Pessoal - [Omisso]
(2) Armamentio - Nada
(3) Equipamentp - Nada
(4) Munições - Nada
(5) Material especial distribuído - Potes fumo, redes mosquiteiras e pomada repelente, tudo contra ataques de abelhas. Sacos de linhagem para o arroz capturado.
(6) Material de transmissões - Utilizados  postos ANPRC (Ar-Terra), DHS (Terra-Terra e Ar-Terra), AVF ou AVP. OS postos ANGRC-9 com que se inicvou a Operação  froam recolhidos ao segundo u terceiro dia por inúteis.

(continua)


Fonte: Extratos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap II. 48-54. Classificação: Reservado  [Agradeço ao Humberto Reis ter-me também facultado uma cópia deste documento em formato.pdf e em papel]

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Nota do editor:

(*) I Série > poste de 15 de outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli