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quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a I Parte. 


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I 

Manuel Luís Lomba

O blogue Luís Graça &Camaradas da Guiné constituiu-se o maior e o depositário mais fiel da história da Guerra da Guiné e os milhares de posts e de comentários a sua maior biblioteca e fonte. 

A chamada à colação pelo Jorge Araújo e pelo Luís Graça, no P21421, do livro “Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalú”, metáfora aplicada às sucessivas operações contra essa mata, redacção, revisão e edição da minha autoria (inclusive os erros ortográficos, gramaticais e outros), na evocação dos enfermeiros condecorados, incitou-me a evocar esse nosso passado. 

 A “Operação Tridente”, acontecida há quase 60 anos, foi a primeira grande manobra da Guerra da Guiné, o BCav 490 os seus actores principais, as ilhas do Como, Caiar e Catunco o seu palco, foram 72 dias de combates na mata e em campo aberto; a segunda grande manobra foram as Operações “Campo”, Alicate I e II”, a CCav 703 os seus actores principais, o eu palco foi Cufar, a sua malta escavou abrigos em todo o perímetro da sua desmantelada fábrica de descasque de arroz e viveu 63 dias como toupeiras, mais sob a terra que sobre a terra. 

 A “Operação Tridente”, entre Janeiro e Março de 1964, foi a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre aquelas três ilhas, então a “República Independente do Como” proclamada por Nino Vieira, abandonadas em 1962 pelo fazendeiro Manuel Pinho Brandão, originário de Arouca (constava que passara a fornecedor do PAIGC); as operações “ Campo”, “Alicate I, II,´” e “Razia”, entre Dezembro de 1964 e Maio de 1965, foram a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre a “área libertada” de Cufar, começada com a ocupação da tabanca e das ruínas da fábrica de descasque de arroz, abandonada pelo fazendeiro Álvaro Boaventura Camacho, madeirense originário de Cabo Verde (patrão e o “passador” para Conacry do então alfaiate e futebolista Bobo Quetá), continuada com a expugnação da base da mata de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino Costa, ora aumentada e reforçada com a força retirada do Como, consolidada em 15 de Junho pelas CCaç 763, 764 e 728 (Operação Satan?). 

Ilha do Como (Jan1964) - «Operação Tridente». Desembarque das forças do BCAV 490.
Foto do camarada Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 498 (1963/1965) - P12386, com a devida vénia.

Chãos de balantas e nalus, gente laboriosa e guerreira, essas ilhas e a região continental de Catió eram terras úberes da produção de arroz e óleo de palma, a alimentação base dos guineenses, o “Celeiro da Guiné” e o garante da magra ração de combate dos seus combatentes da libertação, antes de o “espírito filantrópico” do governo do reino da Suécia lha ter melhorado. 

Amílcar Cabral tinha engravidado a Guiné Portuguesa com o sémen da “libertação”, nos mais de 10 anos da diacronia dessa luta armada, outras grandes manobras aconteceram, refiro apenas a “Operação Mar Verde” a Conacry e a escalada da “crise dos 3 G´s”, e o seu aborto terá falhado, mercê da miopia política, militar e diplomática do governo de Lisboa. 

Não se podia fazer nas bolanhas e matas da Guiné o que só poderia ser feito em S. Bento e no Terreiro do Paço, em Lisboa. 

De escalada em escalada a matarmo-nos e a estropiarmo-nos uns outros, a aniquilação mútua não aconteceu, mercê de uma deriva das FA Portuguesas, gerada, nascida e nutrida pela tradicional insatisfação corporativa da classe dos capitães, sob o “manto diáfano” do acrónimo MFA, que, para não a abandonar a Guiné nem como derrotados nem como vitoriosos, passou a aliado do PAIGC, tendo cometido dois pecados originais: primeiro, criou a situação de inferioridade, depois, avançou para as negociações, querendo resolver em Bissau o que só deveria ser resolvido em Lisboa. A política ultramarina foi, mas as FA Portuguesas não saíram derrotadas pelo PAIGC; portugueses houve que se derrotaram a si mesmos… 

Mas as maiores manobras da Guerra do Ultramar são activo do MFA: as aceleradas retracções dos dispositivos, retiradas militares para a Metrópole e a “ponte aérea” da materialização da “Descolonização exemplar” de Angola e Moçambique, que evacuou centenas de milhares de gente multirracial, a força criadora da sua riqueza estruturante, muitos com a roupa do corpo como único bem - os Retornados, para a insurreição/revolução ou os Devolvidos, para os outros. E, por ter degenerado em PREC e endossado a sua guerra ultramarina a outrem (Cuba, etc), o MFA não fez uma “Descolonização exemplar” e protagonizou a maior deslocalização mundial de gente, desde a II Guerra Mundial, só ultrapassada mais de 40 anos depois, pelos fenómenos dos refugiados, vítimas dos “prec´s” degenerescentes da Venezuela e da “Primavera árabe”. 

A par da sua revelação como estratega de alto nível, a partir de 1963, Amílcar Cabral (ora alçado a segundo maior líder mundial de todos os tempos, por um grupo de historiadores (?) a soldo da BBC), revelou também um talentoso criador de fake news militares, a base de sustentação do seu markting de que o PAIGC “libertara” e exercia a soberania em 2/3 da Guiné Portuguesa. Vontade e saber muito, mas verdade pouca… 

Passados 4 meses sobre o fim da “Operação Tridente”, o nosso BCav 705 chegou a Bissau estivado no cargueiro “Benguela”, concebido e equipado para o transporte de gado, e não no paquete “Índia”, erro piedoso da CECA. Entre meados de 1964 e meados de 1965, penamos em duras, demoradas e penosas “operações de intervenção”, por terra, água e ar, nas matas do norte, do sul da Guiné e colhemos duas evidências: a dinâmica doutrinal ou subversão cabralista irradiava por esses quadrantes, mas sem o domínio das suas dimensões territorial e social. A tropa andava (e nomadizava) em todo o lado e era a ela que generalidade das populações recorria. PAIGC significava sofrimento e problemas, a tropa significava segurança e soluções. 

Por que os revolucionários desse jaez são avessos ao sufrágio universal e livre? Porque o Povo não vota em organizações violentas! 

Os 2/3 de “áreas libertadas” não passavam de atoada propagandística. Tal dimensão corresponderia à totalidade das suas massas de água e florestais, isentas da colonização, condomínios da bicharada aquática e terrestre, a sua densidade humana era muito baixa, em crescimento com a instalação de bases revolucionárias e pelo êxodo das populações rurais (a relação da densidade populacional na Guiné seria de 15hab/km2). Teria fiabilidade, muito relativa, se se referisse às áreas colonizadas e habitadas, onde um ou dois dos seus guerrilheiros/sapadores infiltrados iam acrescentando valor de “libertação”, sabotando acessibilidades, equipamentos sociais, aterrorizando as tabancas com chefes hostis e indecisos, flagelando patrulhas e escoltas militares - actividades revolucionárias suficientes para condicionar autoridades, mobilizar meios militares, exponenciais em regra, confinar e condicionar a normalidade da vida a toda a gente. 

Província da Guiné. © Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

A partir da “Operação Tridente”, as FA portuguesas passaram a garante da soberania em toda a Guiné, desassossegando os revolucionários por todo o lado, por terra, água e ar, embargando-lhes a conquista e fixação em qualquer tabanca tradicional, sempre vencedoras - menos por combates, umas vezes pela desistência a meio do jogo, outras pela sua falta de comparência. A Guerra da Guiné foi paradoxal. As FA portuguesas nunca derrotadas, mas nunca vencedoras; o PAIGC sempre derrotado, mas nunca vencido. E o vencedor foi o derrotado!... 

A relação do PAIGC com a verdade tornara-se tão impudica que até descuidava o encobrimento das suas grandes mentiras. A sua publicitação do cerimonial da Declaração da Independência ao mundo foi quase fiel: a inospitalidade do local, a hospedagem dos convidados internacionais não com 5 estrelas, mas com todas constelações da abobada celeste, a visibilidade da temeridade e improvisação do evento, ao ar livre, num outeiro periférico à tabanca de Lugajole (a Montanha de Cabral era expressão de caserna e situa-se na Guiné-Conacry), no pico da pluviosidade da estação das chuvas, – a “manobra” para embargar as manobras da tropa, por terra e ar. Mais tarde, o embaixador soviético escreveu que apresentara as suas credenciais ao Presidente Luís Cabral, não sabe onde, num “palácio presidencial” que era uma cabana, a estrutura de troncos de cibes, as ramagens das suas copas a fazer de telhado e paredes… 

O PAIGC agendara a Declaração da Independência para 24 de Setembro de 1973, mês da efeméride do nascimento de Amílcar Cabral, da sua fundação, o Dia Internacional da Paz, e, também, do fim da II Guerra Mundial. A sua logística estava montada na zona de Cubucaré, bem conhecida dos bastidores da ONU, onde, ente 1 e 8 de Abril de 1972, a sua “Quarta Comissão” se hospedara e dependurara a sua bandeira no galho duma árvore, para conceber o relatório probatório de que o PAIGC exercia todas as funções estatais e administrativas na Guiné-Bissau, com base no qual a ONU pronunciou Portugal de seu ocupante ilegal, com 500 anos de efeito retroactivo. Mas, na antevéspera a Força Aérea de Biassalanca foi destruir-lhe a festa…

Assim, os 2/3 de “área libertada” não era apenas retórica, era sofisma de justiça, instrumental à manobra da ONU. “Se possuis, assim possuirás”, jurisprudência do Tratado de Utreque, subscrita por Portugal, em 1713, da Conferência de Berlim, subscrita por Portugal, em 1886, da Sociedade das Nações, subscrita por Portugal, em 1919, em St. Germain-en-Laye, da Carta da ONU, subscrita por Portugal, em 1955. 

Redigido em Conacry e avalizado pela OUA (Organização da Unidade Africana), foi com base nesse relatório que a ONU expendeu a jurisprudência de que, considerando que havia uma dúzia de anos que o PAIGC era o Estado da Gguiné-Bissau, considerando que o domínio português estava de facto limitado a uma estreita faixa litoral da ilha de Bissau, do Geba a Safim (à margem esquerda do canal Impernal), a soberania de Portugal era considerada prescrita, de Facto e de Direito. E Cabral tornou-se um assíduo queixoso à ONU, queixas que nunca domiciliou nos ora mais de 2/3 de “áreas libertadas”, mas em Conacry, de que o Estado exercido a partir de Bissau e presente nos quatro cantos da Guiné, as milícias armadas de autodefesa e os militares portugueses da sua guarnição, porque “iam até o Estado fosse”, eram agressores, ocupantes estrangeiros da Guiné e ameaça à paz mundial (maestria do líder bissau-guineense e nódoa à “terceiro-mundista”, caída no melhor pano do que é a Comunidade das Nações). 

À data da Declaração de Independência, o PAIGC fizera zero de equipamentos sociais e mais não destruíra porque não conseguira, nesses 2/3 de “áreas libertadas”, ao passo que as FA portuguesas faziam guerra, mas também tinham expandido e requalificado a sua rede de estradas, construído cerca de 16 000 casas, 160 escolas, 40 postos médico-sanitários, 56 fontanários, 3 mesquitas e feito 145 furos de água potável… 

Na verdade, as ilhas do Como, Caiar e Catunco, dada a sua condição estratégica de encostadas à Guiné-Conacry, a adesão massiva das suas populações e por necessárias, como celeiro da alimentação dos seus combatentes, terão sido as únicas “áreas libertadas” pelo PAIGC, de curta duração, entre finais de 1962 e princípios de 1964, também porque, naquele tempo, a representação regional da autoridade do Estado sediado em Bissau residia em Catió e o administrador dessa circunscrição militava clandestinamente no PAIGC. 

Tendo provocado o abandono pelos colonos, Amílcar Cabral fez da ilha do Como a mãe de todas as bases no interior sul (a de Koundara, a sua primeira, e as em instalação em Cadigné, Boké e Sansalé situavam-se no estrangeiro), dotou as três ilhas com o efectivo de 400 combatentes, muitos recrutados no seu adversário político MLG (que iniciara a Guerra da Guiné, em Susana e Varela), equipado de armamento ligeiro e pesado de Infantaria, reforçou-os com cooperantes especialistas estrangeiros, protegeu o “espaço aéreo” com metralhadoras antiaéreas Goryunov 7,62 e Degtyarev 12,7, os aviões de pistão e a jacto vindos da Base de Bissalanca passaram a ser atingidos e afugentados, e, no relativo à problemática das acessibilidades marítimas, estava confiante da sua protecção – Sekou Touré acabara de decretar unilateralmente a dilatação das águas internacionais do seu país em 130 léguas. 

Reforçou o comando de Nino Vieira, um dos seus primeiros 12 “discípulos” e o seu mais importante comandante de campo, que tirocinara guerra revolucionária na China e armamento na União Soviética. O governo de Lisboa mandava os seus capitães tirocinar guerra contra-revolucionária em França, tendo por mestres os perdedores no Vietname e na Argélia; Amílcar Cabral mandava os seus básicos tirocinar guerra revolucionária na China, tendo por mestres os vencedores Mao Tse-Tung e generalíssimo Vô Neguyen Giap. 

Resultado: o PAIGC concebeu e executou uma guerra total, a partir das matas e dos campos sobre as povoações rurais e urbanas – e ganhou; as FA portuguesas conceberam uma guerra contra-revolucionária de orgânica convencional, a partir dos povoados sobre campos e matas – e não ganharam. 

A braços com a crise de Angola, o governo de Lisboa deu uma ajuda por omissão, não levantou ondas no relativo à dilatação unilateral das águas, o problema era o PAIGC não a Guiné-Conacry; confiante na utopia do ministro Franco Nogueira da negociação de um tratado de paz e cooperação com a Guiné-Conacry, Salazar deu luz verde à “Operação Tridente”, mas proibiu a violação das suas fronteiras e o exercício do “direito de perseguição”. 

O líder da Guiné-Conacry nem se dignou responder. A “Operação Tridente” afundou nessas águas uma embarcação que transportava militares do exército regular guinéu (seria o União, para o PAIGC e Mirandela, para o seu dono, a Sociedade Ultramarina?) e Sekou Touré absteve-se de se meter com a Armada portuguesa. Saberia que, na batalha do Como, a derrota do PAIGC vinha pelo mar. 

Considerando que essas três ilhas somam pouco mais de 300 Km2 de superfície, a sua efémera “área libertada” estava muito longe dos 2/3, apenas significava 1 % da superfície territorial da Guiné. A verdade que o “polígrafo” da história poderá apurar: a limitação da soberania portuguesa a Bissau e Safim foi uma descarada mentira do PAIGC (a encomenda da ONU?). 

Excerto de uma infografia, relativa à Operação Tridente. Reproduzida com a devida vénia. In: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso: Os Anos da Guerra Colonial, Volumne 5: 1964 - Três teatros de operações. Lisboa Quidnovi. 2009. 17.

Derrota para o cabo de guerra Nino Vieira, o revolucionário Amílcar Cabral fez do fim da “República Independente do Como” um sucesso, a fazer jus às lições que, em 1960, recebera de Mao e do genial generalíssimo Giap (tinha derrotado o poderoso exército francês estava à beira de derrotar a poderosíssima América). Como não podia realizar o I Congresso na Cassacá da ilha do Como - “Operação Tridente” estava no auge -, mas salvou a face: realizou-o em Cassacá, na plataforma continental, entre 15 e 18 de Fevereiro, e ordenou a Nino Vieira a retirada e o acantonamento do remanescente dos 400 combatentes e famílias do Como para as bases das matas do Cantanhez e de Cufar Nalu.

Nino Vieira saiu com os seus companheiros para o Cantanhez, mas deixou no Como meia dúzia de guerrilheiros m/f, como chama residual da sua “libertação”, comandados pelo desenvolto e cabeludo jovem de 20 anos, Pansau Na Isna de nome, e pela amadurecida mulher balanta de “pistola na liga”, Sona Camará de nome, ambos heróis nacionais bissau-guineenses póstumos, que, cumprindo o “flagela e foge”, muito desassossegaram e desgastaram a malta da CCaç 557, subunidade que ficou na quadrícula em Cachile, comandada pelo Capitão João Ares (apelido do deus da guerra da mitologia grega).

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20322: Historiografia da presença portuguesa em África (184): Roteiro de Bissau: ainda as velhas e as novas toponímias, depois de 21/1/1975



Fonte: António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,). Com a devida vénia...


Guiné > Bissau > c. 1960/70 > Vista aérea de Bissau. Ao centro, o Palácio do Governo e a a Praça do Império. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 118". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL). Coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019).

 Legenda:  1=Av República (depois de 1975, Av Amílcar Cabral); 2=Av Alm Américo Tomás (hoje, Av Pansau Na Isna); 3= Av Governador Carvalho Viegas (hoje, Av Domingos Ramos); 4=Praça do Império (hoje. Praça dos Heróis Nacionais)




Guiné > Bissau > c. 1969/70 > "Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa").  Coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar.

O monumento é da autoria do arquiteto Ponce de Castro. A primeira pedra foi lançada em 1934.  O monumento foi inaugurado em 1941. O granito veio do foram  Porto.  Enquanto a estatuária colonial foi derrubada, a seguir à independência, este monumento, colonialista por excelência, foi o  o único que resistiu às fúria do camartelo do PAIGC.  Ainda lá está, agora encimado com a  a estrela de cinco pontas, que faz parte da bandeira da República da Guiné-Bissau.

Há, na Foz do Douro, Porto, um monumento, datado de 1934,  que terá inspirado o de Bissau, o "Monumento ao Esforço Colonizador Português", da autoria dos escultores Alferes Alberto Ponce de Castro (? - ?) e de José de Sousa Caldas (1894-1965). "Foi construído expressamente para a Exposição Colonial, inaugurada em Junho de 1934 no Palácio de Cristal. Compõe-se de um obelisco encimado com as armas nacionais; na base, seis esculturas estilizadas simbolizam as figuras a quem se deve o esforço colonizador: a mulher, o militar, o missionário, o comerciante, o agricultor e o médico!. (Fonte: Turismo do Porto).

O arquitecto e escultor Alberto Ponce de Castro era natural de Tavira, é o autor do Monumento aos Mortos da Grande Guerra, situado defronte dos Paços do Concelho de Tavira. Em 1922 o alferes de cavalria Alberto Ponce de Castro era reformado e fez um requerimento, à Câmara dos Deputados, ao abrigo da Lei nº 1244. O requerimento seguiu para a Comissãod e Guerra (Fonte: Debates Parlamentares > 1ª Reoública > Câmara dos Deputados > VI Legislatura > Sessão legislatuiva 01 > Número 101 > 1922-07-12 > Página 4)



Guiné > Bissau > c. 1960/70 > "Av Carvalho Viegas"... Bilhete postal, nº 129, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa"). Coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar.

A antiga Av Carvalho Viegas, um governador da província em 1932-40 (Luís António Carvalho Viegas, 1887-1965), chama.se agora (depois de 1975) Av Domingos Ramos. Terminava na Praça Honório Barreto (hoje, Praça Che Guevara).


1. Saudosistas, camaradas ? Parece que o termo não é "politicamente correto"... Nem este blogue é "politicamente correto"... Pois sejamos saudosistas... das coisas boas. O vocábulo não devia incomodar ninguém. Há outros "ismos" bem piores, que mexem com a nossa liberdade e a liberdade dos outros, como por exemplo racismo.

Toda a gente sabe que o nosso blogue é um sítio onde os amigos e camaradas da Guiné partilham memórias (e, em muitos casos, afetos). Os "tugas" que lá estiveram, em 1961/74, a fazer a guerra e a paz,  continuam a amar aquela gente e aquela terra, que era "verde-rubra" (sem segundo sentido)... Cultivam amizades e solidariedades. Vários guineenses são membros da Tabanca Grande, e parte dos documentos (textos, fotos, vídeos) que aqui publicamos, desde há 15 anos e tal, têm interesse para a história comum dos nossos dois países, Portugal e a Guiné-Bissau.

Como já o dissemos, as paisagens e os lugares não têm dono, não pertencem a ninguém. E muito menos as memórias dessas paisagens e desses lugares. Lisboa não é só dos lisboetas. Bissau não é só dos bissauenses. São também, estas duas cidades lusófonas,  dos seus visitantes, dos que por lá passam ou passaram, ou que lá vivem ou lá viveram, mesmo sendo "estrangeiros"...

Bissau faz parte das nossas geografias emocionais... como muitos outros lugares da Guiné, do Cacheu a Cacine, de Bolama a Buruntuma... O António Estácio, filho de pais transmontanos, nascido em Chão de Papel, em Bissau, e também morador em Bolama, em Angola, em Macau e agora no país dos seus progenitores..., é tão bissauense como tantos outros. Pode até exceder a maior parte dos bissauenses em paixão pela sua terra e suas gentes...

Saudosista, o Estácio ? Pois que o seja... Isto para dizer que ele é tão dono do Chão de Papel como da terra onde eu nasci, Lourinhã, ou como o Cherno Baldé, que veio ao mundo em Fajonquito, mas casou com uma  bissauense, nalu, vive e trabalha em Bissau, os seus filhos são bissauenses como os meus filhos são lisboetas...

As imagens dos lugares vão-nos sobreviver, mesmo dos lugares arruinados como as velhas artérias  e os velhos sobrados  de Bissau Velha. As imagens vão sobreviver, nas nossas memórias, enquanto formos vivos, e depois nos suportes em formato digital que deixamos com o blogue... (Ou em papel, se não forem parar ao caixote do lixo.)

Claro que, para os nossos filhos, netos e bisnetos,  estas imagens já não dizem nada ou muito pouco. Mesmo para os nossos contemporâneos que não conheceram a Guiné, nem antes nem depois da Independência, não dizem nada ou muito pouco. E até os nossos amigos e familiares nos chamam "saudosistas"...

Mas quem nos ler, quem nos visitar (... e já vamos a caminho dos 12 milhões de visualizações),  que faça o melhor uso desta informação e conhecimento que aqui recolhemos, analisamos,  tratamentos e divulgamos.

[Nostalgias de outono, Parque das Conchas e dos Lilases, Lisboa, 5 de novembro de 2019. LG]
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20320: Historiografia da presença portuguesa em África (183): o desenvovimento urbano de Bissau, no período em que viveu Leopodina Ferreira Pontes, "Nha Bijagó" (1871-1959)

terça-feira, 6 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18384: (In)citações (117): Devaneios com sustentação na História (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)

Península Ibérica
Com a devida vénia a Infoescola


1. Em mensagem datada de 5 de Março de 2018, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos este artigo de opinião para publicação:


Devaneios com sustentação na História

Amílcar Cabral teria sido um líder bem-aventurado, se tivesse começado por pugnar, junto da ONU e das instituições da Comunidade Internacional, a agregação da Galiza a Portugal, em troca da independência da Guiné!...

Pela facilidade com que pôs todas essas instituições do seu lado, fez da guerra o seu caminho.
A principal razão avocada: Portugal era ocupante ilegal da Guiné, havia mais de 500 anos!
Nem de facto nem de direito, senhor PAIGC (antigo), meu e nosso IN, antes de 1974.

A Guiné, abrangendo os futuros Senegal, Casamansa, Guiné-Conacri, Gâmbia e Serra Leoa, tornaram-se portugueses de direito, entre 1445-1974, pela Bula Manifestis Pontifex, de 8 de Janeiro de 1445, do Papa Nicolau V.
A Santa Sé foi detentora e geriu os poderes de Direito Internacional, até à Sociedade das Nações e à actual ONU, terminados com a fundação desta, após a II Guerra Mundial.

Continuemos a evocar a História.

Andava o nosso rei Afonso V, o Africano, a marchar por Castela com o Exército Português, encorajado a dar batalha aos “reis católicos” Isabel e Fernando, na sua ânsia pela dilatação do Portugal europeu, mas teve de pedir reforços ao filho, Príncipe João (futuro rei D. João II), para se poder apurar o vencedor da Batalha do Toro. O príncipe foi resolver habilmente a batalha a seu favor, os beligerantes chegaram a “capítulos” e o Rei Fernando permutou a Galiza com a desistência de Afonso V do seu expansionismo.

A Rainha Isabel não concordou, desautorizou o marido, mandou defender a Galiza e mandou os seus melhores capitães fazer guerra de corso aos interesses portugueses nos mares da Guiné, objectivada ao seu enfraquecimento.
Em reacção, D. Afonso V reiterou o pedido de reforços ao príncipe que, em vez de mandar tropas, mandou uma lição política e estratégica ao pai: “Desista da Galiza; o futuro de Portugal está traçado no mar”.

O Príncipe D. João desempenhava a regência e assumia a gestão dos assuntos da Guiné, desde os 19 anos. O PAIGC teve o Nino Vieira, o Arafan Mané, o Pansau Na Isna, etc. mas não teve o exclusivo dos iniciados aos 19 anos…

E, para pôr termo a essa guerra de corso e ficar com a Guiné, Portugal teve de deixar a Galiza e de reiterar a desistência da sua expansão à Espanha.

A independência da Guiné seria ética, justa, se Portugal recebesse a Galiza em troca. Mas o prejuízo sobrou só para Portugal.

Assim, se houvesse moral nas relações internacionais ou se ela não estivesse sujeita a tantas contingências e avarias, Amílcar Cabral sentir-se-ia obrigado a aplicar o seu talento diplomático e o seu poder de sedução junto da ONU e das instituições da Comunidade Internacional, nesse sentido.

Se Cabral tivesse de recorrer à guerra, seria um justum bellum, segundo o Luís Graça, o seu teatro seria a Galiza e não a Guiné. Teria os mais de 300 km da linha de fronteira no Minho e Trás-os-Montes, para dar largas à sua eficiência em corredores e infiltrações, e teria contado com os comandos, fusos, páras e pilav's tugas, sobre a terra e sobre o mar galegos, que não teve do seu lado, sobre a terra e sobre os rios da Guiné; poderia ter mantido o casamento com uma portuguesa e uma casa em Chaves. A Guiné seria uma Suíça africana, com lei e ordem e, ao invés dos guineenses, os galegos, os portugueses e os guineenses retribuíam-lhe o feito, com gratidão e estima e os próprios independentistas da Catalunha lhe reconheceriam o seu meio caminho andado.

A imitação por aqueles da Declaração independentista do PAIGC no Boé correu bem, mas com consequências – dos seus promotores, o principal fugiu e alguns foram hospedados na cadeia.

Moral da história: os veteranos da sua guerra, de ambos os campos, andam com a imagem churcilliana de uma Guiné de sangue, suor e lágrimas, colada às suas almas; e por que não a ver por outros prismas?…
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18295: (In)citações (116): A 'mindjer grandi' Anabela Pires, de visita a Iemberém, até 2ª feira... Vai ser confrontada com uma série de memórias dolorosas: as perdas sucessivas dos nossos amigos comuns Cadi, Pepito, Alicinha... Esperemos que tenha notícias do nosso grã-tabanqueiro António Baldé, que voltou de mãos vazias, de Alfragide para Caboxanque, com o sonho desfeito de ser apicultor e dar um futuro melhor à Cadi e à Alicinha

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2737: Dando a mão à palmatória (8): Erros factuais nas notas biográficas sobre Osvaldo Vieira (1938/74) e Pansau Na Isna (1938/70)

Pansau Na Isna (1938-1970) e Osvaldo Máximo Vieira (1938-1974): Lápidas funerárias, em Bissau, na Fortaleza da Amura, onde repousam os respectivos restos mortais. Osvaldo Veira, de origem caboverdiana, não morreu em combate, mas sim de doença, no hospital de Boké, Guiné-Conacri, nas vésperas da independência, conforme reparo que nos faz o Nelson Herbert... Pansau Na Isna, por sua vez, também não morreu em 1964, mas sim em 1970... As nossas desculpas, antes de mais aos nossos amigos guineenses e a todos os que nos visitam e lêem... A história, em geral, e a história dos nossos dois povos, em particular, devem ser tratadas com respeito, dignidade, isenção e rigor (LG).

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso amigo Nelson Herbert, da Voz da América (1) 

 Apenas um reparo a uma das legendas das fotografias publicadas (*)... Osvaldo Vieira, comandante da guerrilha, morreu não em combate mas vítima de complicações decorrentes do agravamento do seu estado de saúde, num hospital em Boké, Guiné-Conacri. Só que a causa da "morte por doença" nunca foi esclarecida pelo próprio PAIGC (fala-se de uma cirrose). Bom fim de semana Nelson Herbert Washingto, DC,USA 


(...) "Osvaldo Vieira foi um dos últimos comandantes a tombar em combate... Os antigos guerrilheiros do Cantanhez quiseram dar a esta barraca (acampamento temporário) o seu nome... Tentaram reconstruir as condições em que se vivia e lutava... Não sei se alguma vez foi identificado, atacado e destruído pelas NT..."

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Nelson, pela tua achega. Lutamos, no nosso blogue, com uma enorme falta de conhecimento dos detalhes biográficos de quase todos os dirigentes do PAIGC, e nomeadamente dos que já morreram (2). Já não falo em registos fotográficos...

Na Guiné-Bissau, aquando da visita, no dia 7 de Março de 2008, ao mausoléu do Amílcar Cabral e de outros heróis da luta da independência, na Fortaleza da Amura, alguém me tinha dado esta dica, que eu fixei. Seguramente, como guineense e jornalista, tu estás melhor imformado do que eu sobre a história recente da tua terra, incluindo o período da luta de libertação nacional...

Aqui fica a correcção, com as minhas desculpas a todos os visitantes do nosso blogue. Aproveito também para corrigir a data e o local em que morreu Pansau Na Isna: não foi na Ilha do Como, em 1964, mas em Nhacra (?), em 1970, como erradamente consta do poste de 12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2435: PAIGC - Quem foi quem (6): Pansau Na Isna, herói do Como (Luís Graça)
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Notas de L.G.:


(2) Vd. outros postes com notas biográficas de dirigentes do PAIGC:





sábado, 12 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2435: PAIGC - Quem foi quem (6): Pansau Na Isna, herói do Como (Luís Graça)

1. Texto do editor L.G.:

PAIGC - Quem foi quem > Pansau Na Isna, herói do Como (1)

- Pansau Na Isna… Sabe quem foi ? – pergunto eu a um médico, guineense, meu aluno, filho de um antigo comandante da guerrilha, que actuou no Morés, entre 1963 e 1974.
- Sim, sei que é um dos nossos heróis nacionalistas.
- Sabe quando e onde morreu ? E em que circunstâncias ?
- Infelizmente, não sei…

Para a população, fracamente escolarizada da Guiné-Bissau (que tem quase 50 % de analfabetos) e sobretudo para os mais jovens (mais de 40% da população tem menos de 15 anos e apenas 3% tem mais de 65), população essa que já não têm quaisquer memórias da luta de libertação, Pansau Na Isna é apenas o nome de uma das principais avenidas da capital, Bissau (onde, por exemplo, a OMS tem a sua representação e onde fica o Hospital Nacional Simão Mendes, e a sede de diversas organizações nacionais e estrangeiras).

Eu também não sabia responder à pergunta, para vergonha minha… (Nunca ouvi o nome dele, no meu tempo de Guiné, 1969/71; também nunca estive no sul, do outro lado do do Rio Corubal). Só soube, há dias, através do episódio da série A Guerra, que passou na RTP 1, no dia 18 de Dezembro de 2007, que o Pansau Na Isna era um dos três comandantes do PAIGG que combateram os portugueses, na Ilha do Como, durante a Op Tridente.

De origem camponesa e de etnia balanta, lá encontrou a morte. Ele e outro comandante. Percebi isso do depoimento do único sobrevivente dos três, cujo nome não retive (Agostinho ?). Pansau Na Isna terá sido morto pelos fuzileiros navais. Os seus restos mortais repousam hoje, no Forte da Amura, ao lado de outros heróis da luta de libertação como Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Titinha Silá.

A seguir à independência, Pansau Na Isna foi efígie de uma nota de 50 pesos (de que reproduzimos uma parte), moeda que hoje já não circula, substituída pelo CFA, uma moeda regional…

Foi também título de canção, criada e interpretada pelo popular conjunto musical, dos anos 70/80, Super Mama Djombo, no seu álbum Super Mama Djombo (2003, etiqueta: Cobiana). Este grupo musical, sob a liderança de Adriano Atchutchi, estilizou a música tradicional e deu ao conhecer ao mundo (e às gerações mais novas da população guiense), ao ritmo do estilo Gumbé, o que foi o sonho de Amílcar Cabral, a luta de libertação e a esperança dos guineenses no futuro... A origem do grupo remonta a 1973...

Diga-se, de passagem, que é (ou foi) um grupo carismático, mítico, cuja música merece ser conhecida por nós, ex-combatentes, cotas... Aqui fica uma cheirinho desse fabuloso grupo e do seu mítico álbum de 2003 (gravado em Portugal em 1979), que é obrigatório comprar e ouvir muitas vezes... Na canção sobre sobre Pansau Na Isna diz-se que ele foi um um homem grande... Sobre a importância do grupo pode ler-se aqui:

One of the great West African electric roots bands of the 70's and early 80's. With five interlocking electric guitars and several-part vocal harmonies, this fifteen-person orchestra blazes through fresh interpretations of traditional rhythms (...).

Retomando o 9º e último episódio da 1ª Série do programa A Guerra (1):

Do lado português, bem gostaria de ter ouvido o testemunho do meu querido amigo e nosso camarada Mário Dias, que tem três notáveis textos, na 1ª série do nosso blogue, sobre a Op Tridente (e que merece ser reproduzido, novamente, nesta 2ª série: como eu já escrevi na altura, o Mário Dias é o único dos membros da nossa Tabanca Grande que pode dizer "Eu estava lá") (2). Mas não, não ouvi. Joaquim Furtado e a sua equipa privilegiou os depoimentos dos militares portugueses de alta patente, a começar pelo homem, que comandou as nossas forças terrestres, o tenente-coronel Fernando Cavaleiro, hoje coronel de cavalaria na reforma. Na altura era também o comandante do BCAÇ 490.

A justificação para a mobilização de vastos meios terrestres, aéreos e marítimos, numa operação de dois meses e tal (14 de Janeiro de 1964 a 24 de Março de 1964) teria a ver com a necessidade de impedir, ao PAIGC, a autoproclamação da República Independente do Como

A ilha, o melhor, o conjunto de ilhas (Caiar, Como, Cantungo), era um intrincado puzzle de rias, braços de mar, bolanhas, lalas, ilhotas, floresta-galeria, tarrafo, de cerca de 200 Km, onde o PAIGC não teria mais do que 400 homens armados (300, segundo o Mário DIAS), controlando no entanto uma vasta população e os seus recursos.

A ilha do Como era farta em gado e arroz, como muito bem frisou o Almirante Ribeiro Pacheco. Talvez ainda mais importante, o Como era um ponto vital para as linhas de reabastecimento do PAIGC, dada a sua proximidade com a Guiné-Conacri. E o seu controlo afectava seriamente o reabastecimento das posições portuguesas na região de Tombali.

Outro oficial da Marinha entrevistado foi o comandante (?) José Luís Gouveia, dos Fuzileiros, que também participou na batalha do Como. Um dos mitos que caiu por terra era existência de bunkers, de cimento armado, onde os guerrilheiros do PAIGC se entrincheiravam e resistiam aos bombardeamentos da aviação e da marinha portuguesea. Não havia bunkers nenhuns… Dos meios navais, retive que eram compostos por uma Fragata (Nuno Tristão), 4 Lancha de Fiscalização, 4 LDP e 2 LDM.

Nino Vieira, que também é entrevistado, era o comandante militar da Região da Sul, mas não participou directamente na batalha do Como, por se encontrar hospitalizado, na Guiné-Conacri, segundo percebi. Ora, ele é muitas vezes apresentado como o herói do Como, o que não corresponde à verdade histórica... A haver um herói - e os movimentos nacionalistas e os povos que lutam pela sua identidade, emancipação e liberdade precisam, historicamente, de heróis e de mitos - foi o Pansau Na Isna e os seus guerrilheiros-camponeses... Nino Vieira, de qualquer modo, terá sido, à distância, o principal responsável pela estratégia de defesa da Ilha do Como. Enfim, os louros da vitória (a havê-la, para um lado ou para o outro) terão que ser analisados e discutidos, com objectividade e rigor, pelos historiadores.

Ao que parece, em balanta, Pansau Na Isna (ou N'Isna) quererá dizer a tabanca que está a morrer. Pansau era muito próximo de Amílcar Cabral, mas analfabeto. Também li algures que ele não morreu no Como, mas mais tarde, em Nhacra, num bombardeamento da aviação portuguesa. A ter morrido em Nhacra, morreu como ele teria gostado de morrer: vestido de maneira excêntrica, cheio de roncos, de cores garridas, muito ao gosto dos balantas... Enfim, provavelmente mais um lenda... De qualquer modo, a versão da morte do Pansau Na Isna em Nhacra, posteriormente à batalha do Como, não bate certo com o depoimento que ouvi no 9º episódio do programa da RTP...

Na batalha do Como, o grande inimigo dos portugueses foi a falta de água potável, as dificuldades de reabastecimento, as rações de combate, os mosquitos, o terreno… Muitos militares portugueses já não podiam com a intragável carne de vaca à jardineira, que faziam parte da invariável ementa das NT... Valeu-lhes, de alguma maneira, o suplemento de carne de vaca, porco e cabrito que abundava pela ilha, deixada para trás pelas populações em fuga estratégica...

A G3, que fez a sua estreia em combate, também não se portou muito bem: era muito sensível, às poeira, à areia, etc. ... A densa floresta-galeria com árvores de grande porte, seculares, frondosas, tornou praticamente inofensivos os bombardeamentos da aviação portuguesa, à parte o terror que as nossas bombas inspiravam, sobretudo nas mulheres, crianças e velhos…

Por outro lado, os guerrilheiros cedo aprenderam a defender-se dos bombardementos, escondendo-se atrás de bagas-bagas. Alguém confirmou que foram utilizados aviões da NATO (F86 e PV2 e 2-5), operando a partir de Cabo Verde. Não ficou claro o uso de napalm. A FAP fez cerca de 850 missões, largou mais de mil bombas.

O PAIGC terá perdido 150 homens e 6 armas. O Mário Dias fala apenas em 7 dezenas de mortos confirmados. Os mais de 1200 militares regressaram a Bissau, depois da mais cara e mais longa operação, levada a cabo na Guiné-Bissau. Os oficiais portugueses entrevistadaos consideram a um operação um sucesso absoluto.

O PAIGC, por sua vez, transformou em mito a batalha do Como. Luís Cabral considerou a Ilha do Como como a primeira região libertada (4). Usando as clássicas tácticas da guerrilha, o PAIGC evitou o confronto directo com as NT, pondo a sua população a recato.

Pelo lado do PAIGC também foi entrevistado o Comandante Gazela, recentemente falecido em Portugal. Também foi dado o testemunho do médico da CCAÇ 557, Rogério Leitão.

2. Comentário de Pezarat Correia a este último episódio, o nono, da 1ª série do programa RTP sobre a guerra colonial:

Creio que chegou ao fim a 1.ª série do programa “A Guerra”, de Joaquim Furtado, na RTP 1. Estamos já em condições de fazer um primeiro balanço e penso que a “expectativa positiva” que registei no meu “Giro do Horizonte 6” de 17 Out, se justificou. O programa, no conjunto dos 9 episódios, merece-me um julgamento favorável.

Encerrou bem com a “Operação Tridente” na ilha do Como, T.O. da Guiné, em que o confronto entre opiniões dos responsáveis portugueses e do PAIGC puseram em destaque um paradigma da guerra colonial. Tinham razão os primeiros quando, na sua perspectiva, diziam que a operação tinha sido um sucesso, pois cumpriram as missões atribuídas, apesar dos insignificantes resultados em baixas ao IN e material capturado. Mas foram ao objectivo e, naquelas operações, os objectivos não eram para se conquistarem, eram para se ir lá. Tinham também razão os segundos quando se congratulavam por, afinal, depois da operação as tropas portuguesas terem retirado e os guerrilheiros reinstalado no terreno, tornando insustentável a vida da reduzida guarnição portuguesa que lá ficou num extremo da ilha, sem poder sair do seu buraco.

Esta controversa foi paradigmática da guerra, disse eu, porque, de facto, esta foi, para nós, militares portugueses, um somatório de sucessos de operação em operação, até ao inevitável insucesso final.

Os sucessos que os responsáveis pelas três maiores operações nos três T.O. reclamaram, “Tridente” na Guiné, “Quissonde” em Angola e “Nó Górdio” em Moçambique, às quais poderemos acrescentar a “Mar Verde” na Guiné com a particularidade de esta ter ocorrido em território da Guiné-Conakri, foram, afinal, rotundos fracassos estratégicos.

Aqui reside o fulcro da questão guerra ganha/guerra perdida, que me parece que este programa ajuda a esclarecer. Este será um dos seus méritos.


Extractos de: Blog a A25A > Pezarat Correia > 19 de dezembro de 2007 > Giro do Horizonte 17 - Guerra Colonial 2 (com a devida vénia...)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série:

30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2142: PAIGC - Quem foi quem (1): Amílcar Cabral (1924-1973)

30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2143: PAIGC - Quem foi quem (2): Abílio Duarte (1931-1996)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2159: PAIGC - Quem foi quem (3): Nino Vieira (n. 1939)

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC - Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)

12 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)


(2) Vd. post de 23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2375: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (8): A Batalha do Como (Mário Dias / Santos Oliveira)

(3) Vd. o dossiê sobre a Operação Tridente, da autoria do Mário Dias, que participou nessa famosa operação:

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

17 de Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVI: Antologia (25): Depoimento sobre a batalha da Ilha do Como

(4) Vd. post de 1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

Vd. também outros postes do Mário Dias sobre a Ilha do Como e a Op Tridente:

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

sábado, 15 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P961: No dia em que fui ferido pelos homens de Pansau Na Ina (João Parreira, Gr Cmds Fantasmas, Catungo, Maio de 1965)

Lisboa > Terreiro do Paço > 10 de Junho de 1965 > O Almirante Américo Tomás a condecorar o Ten Saraiva, comandante do Grupo de Comandos Fantasmas, com a Medalha de Valor Militar com Palma.

Guiné > Brá > 1965 > Guião do Grupo de Comandos Fantasmas.



Guiné > 1965 > Tita Sambo (Camjambari) > O Grupo Fantasmas. Final da operação Ebro, em 26 de Março. Para completar os intervenientes da Ciao, falta apenas a presença
do Cap Nuno Rubim que acompanhou o Grupo. Em pé: Cmdt Grupo Ten Saraiva, 5º da esq. e eu o 9º. O Fur Mil Morais está em frente do Saraiva e o Soldado Amadú à minha frente
(JP)


Guiné > Bissau > 1965 > Foto tirada no dia 11 de Junho, em frente ao Hotel Portugal, e por várias razões: Era o dia dos meus anos; fui a Bissau buscar o 2º Sgt. José Cabedo e Lencastre que vinha para o Centro de Instrução de Comandos; foi um dia depois da condecoração e promoção do Saraiva; os sapatos de pala castanhos que calçava atravessaram algumas bolanhas; de tarde saímos para instrução e à noite fui ai cinema UDIB ver o filme “Noites de Casablanca”, com a Sara Montiel (JP)

Texto e fotos: © João Parreira (2006) (ex-Furriel Miliciano Comando, Brá, 1964/66) (1)

Julgo que vale a pena deixar escrito alguns eventos, durante o período de 6 de Maio a 11 de Junho 1965, alguns deles relacionados com a operação Ciao na mata de Catungo, em Maio de 1965.

Na carreira de tiro dos paraquedistas, alguns dias antes tinha perdido uma aposta com o Morais, pelo que me competia em qualquer altura pagar-lhe um almoço no Grande Hotel.

Como alvo, daquela vez, foram escolhidas 3 garrafas distanciadas umas das outras (também havia quem preferisse latas e até granadas). A aposta consistia em, virados de costas para cada uma delas, e por 3 vezes consecutivas, dar um salto, enfrentá-las e, instintivamente com a
G-3 em patilha automática, dar apenas uma rajada de 3 tiros e, por sequência, acertar nas que ainda se encontrassem intactas.

Como não me foi dito que havia saída para o mato nesse dia, resolvi então convidá-lo para ir almoçar uma vez que faltavam poucos dias para ele regressar à Metróple.

Depois do almoço num ambiente calmo e agradável encontravámo-nos a beber whisky, a observar o que nos rodeava e a falar de coisas triviais, quando vimos o Tenente Saraiva dirigir-se para nós pelo que pensámos que se ia sentar connosco.

Desde o meu primeiro dia que senti que iria ter boas relações com o Ten Saraiva e assim aconteceu quer em Brá quer nas nossas deambulações por Bissau ou em operações. No mato admirava o seu empenhamento, a sua descontração e o seu à-vontade.


Guiné > Brá > O 1º Guião dos comandos em 1965 cujo lema, retirado da Eneida, de Virgílio, é Audaces Fortuna Juvat (2)
Afinal tinha acabado de chegar do Gabinete do Governador e Comandante-Chefe, onde tinha ido receber informações sobre uma operação e sabendo por alguém que me encontrava com o Morais no Grande Hotel, foi ter connosco e disse-me para regressar a Brá o mais depressa possível a fim de me equipar para dentro de poucas horas partir para uma operação no Sul da Província, tendo o Morais, que já tinha acabado a comissão de serviço, dito que também ia.

Então, foi-nos comunicado nessa altura que, dado o pouco tempo disponível, nos daria pormenores durante o trajecto.

Já em Brá vários camaradas dos outros dois grupos, ao saberem que o nosso grupo ía sair, insistiram com o Morais para não ir mas ele foi peremptório e disse:
- Já fiz tantas operações com o grupo que uma a mais não me faz qualquer diferença.

Progredindo silenciosamente por aqueles trilhos do mato naquela noite, escura como breu, em que à distância de um braço já não se via o camarada da frente, G-3 na mão e dedo no gatilho, 4 carregadores à cintura e nenhuma granada... (Aqui abro um parêntesis, para confessar que fiquei com uma certa aversão ao lançamento de granadas, que aliás todos nós as sabemos lançar, alguns porém só em teoria, desde que durante um tiroteio, numa das operação da CART 730 em que, para não largar a arma, resolvi utilizar só uma mão, pegando assim na granada com a mão esquerda e, sem pensar, uma vez que quer em treinos no CIOE, quer num dos combates já as tinha utilizado, daquela vez não sei o que é que me passou pela cabeça, o certo é que tentei imitar, talvez em desespero, o que via fazer em filmes de guerra, pelo que tentei puxar a argola com os dentes e o resultado foi óbvio, não só não consegui como fiquei com a ponta de um dente partido, tendo depois, como é natural, achado prudente ficar caladinho).


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > O João Parreira, antes de ingressar nos comandos, era furriel miliciano da CART 730... Ei-lo aqui com o Furriel enfermeiro Zaupa da Silva junto à tabuleta Olossato-Farim. Distâncias: Olossato: 11 km; Farim: 43 km.

Continuando a progressão, e com todos os sentidos em alerta para aquela operação que se afigurava espinhosa e tentando não perder o camarada da frente, dois pensamentos iam-me constantemente martelando a cabeça:
- o que é que eu ando para aqui a fazer no meio do mato nesta noite tão escura, sujeito a perder-me, levar com um balázio que me pode deixar incapacitado para toda a vida ou matar-me, quando ainda não há muito tempo me encontrava bem instalado e livre de perigo ?

E o outro:
- Anda para aqui um gajo a dar o corpo ao manifesto enquanto muita malta nova na Metrópole anda neste momento a divertir-se em bares e em boites, e outros mais expeditos piraram-se do país, quando...

Já estávamos tão perto do acampamento que quase de repente esbarrámos com um sentinela que foi mais lesto a detectar-nos, pelo que começou a fazer fogo, seguindo-se logo fogo cerrado dos seus camaradas.

Reagimos ao fogo até conseguirmos calar as armas do IN tendo depois entrado no acampamento que, segundo as informações que nos tinham sido dadas, era ocupado por cerca de 80 homens comandados por Pansau Na Ina.

Excitados com o êxito do golpe de mão em que não sofremos feridos e em que foram causadas baixas que não foi possível estimar, depois da debandada e a subsquente destruição do acampamento, seguimos carregados com todo o material abandonado pelo IN para junto de 1 Pelotão que nos aguardava a alguns quilóemtros de distância.

Ao alvorecer foi possível olharmos com mais atenção para esse material, que a seguir descrevo:

Pist Met PPSH >3 ;
Carregadores p/ Met PPSH > 10;
Bolsas lona p/ carregadores PPSH > 8;
Espingarda semiautomática M-52 > 1;
Esp Mosin-Nagant > 1;
Pistola CESKA > 2;
Carregador p/Pist. Ceska > 1;
Aparelho pontaria p/Mort. 60 > 1;
Granada Mort. 60 > 4 ;
Capas lona p/Mort. > 3;
Mina A/P PMD-7 > 3;
Granada de mão defensiva DEF F-1 > 7;
Granada de mão ofebsiva RG-4 > 4;
Cunhetos p/Gr Mão Of RG-4 > 1;
Sabre p/esp. Mauser > 1;
Carr. p/ ML RPD > 4;
Carr. p/PM 25 > 2;
Cunhetos metálicos p/mun. > 2;
Lâminas carregadores p/esp. Simonov > 23;
Estojo limpeza p/esp. Simonov > 1;
Cartuchos cal. 7,62 > 1.262;
Cartuchos cal. 7,65 > 39;
Cartuchos cal. 7,9 > 773;
Cartucheiras diversas > 13;
Detonadores pirotécnicos > 27;
Disparadores para minas > 11;
Disparadores tipo MUV > 10;
Petardos > 4;
Cordão neutro > 4 mts.;
Bornais lona > 15;
Suspensórios lona > 23;
Bolsas lona p/carr. Degtyarev > 3;
Bolsas lona p/acessórios > 3;
Almotolias > 3;
Capecetes aço > 1;
Calças caqui > 8;
Camisas caqui > 7

Outro material: Vários livros e documentos. Material sanitário diverso: pensos individuais; ligaduras; algodão; comprimidos de sulfamidas; embalagens de penicilina; frascos de Sanergina; pinças; tesouras; tesouras de laquear; seringas; agulhas para injecções e ligaduras elásticas.

Pela razão já anteriormente descrita, foi dito ao Morais e ao Amadú para, a título voluntário, regressarem ao acampamento juntamente com outros que os quizessem acompanhar.

Andávamos descontraídos dentro do acampamento à procura de mais material, tendo por isso substimado a estratégia do IN, pelo que passado não muito tempo fomos todos nós (eramos 10) repentinamente atingidos por aquela bem orientada e por isso maldita granada de LGFog, ao que se seguiram durante algum tempo rajadas de várias armas.

(Em suma: O grupo que devido às circunstâncias foi muito sacrificado, era composto no início por 30 homens. Em 28 de Novembro de 1964 uma explosão no regresso de uma operação causou 8 mortos e 2 feridos que foram evacuados para o HMP, em Lisboa. Tendo sido interveniente em mais operações, só no início de Fevereiro de 1965 foi recompletado com um Furriel (!!!). Em 20 de Abril de 1965, na região do Inscassol ficámos 4 feridos com estilhaços de granada.)

Não sei como, mas o certo é que apesar de feridos em Catungo ripostámos e aguentámo-nos como pudémos até que com alívio vimos a chegada dos restantes elementos do Grupo que, ouvindo o tiroteio e pensando que estávamos em apuros, foram em nosso socorro e assim afastaram o perigo.

Depois de se certificarem que o IN tinha desaparecido ajudaram-nos a chegar até junto do Pelotão que nos aguardava, onde foram então feitos tratamentos sumários aos feridos, tendo o Grupo regressado a Cacine e daí para Bissau, com excepção de dois que de Cacine foram directamente de heli para o Hospital (3).

No Hospital durante uma visita da D. Beatriz Sá Carneiro, ela perguntou-me o que é que eu precisava e lembrei-me então de lhe pedir um Monopólio para a caserna dos nossos praças, tendo ela satisfeito o solicitado.

Por ironia do destino, em 22 do mesmo mês de Maio o Ten Maurício Saraiva, deslocou-se a Lisboa a fim de no dia 10 de Junho, no Terreiro do Paço, ser promovido a Capitão por distinção e condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma.

No dia em que o Ten Saraiva estava a ser agraciado fomos para terrenos perto da Base Aérea fazer treinos de saltos de helicópteros e um dos instruendos que ia no meu atrapalhou-se de tal maneira que ao saltar bateu com toda a força com a G-3 num dos vidros que o partiu.

Passados vários meses, o Alf Rainha (4) para se vingar dos danos infligidos aos seus camaradas do Grupo extinto, foi, estòicamente, com o seu recém-formado grupo Centuriões, no qual tinham sido integrados dois ou três dos feridos da Op Ciao atacar o mesmo acampamento.

No jornal Os Centuriões, oferecido em 21 de Agosto de 1965 pela Centuria em Brá
ao Centro de Instrução de Comandos cuja abertura foi dedicada aos velhos Fantasmas pode ler-se.

"Nós os Centuriões, sucessores dos famosos Fantasmas, dedicamos-lhes este terceiro número do jornal como prova de admiração pelos seus feitos e faremos o possível para os igualar e superar se a isso, como diz Camões, “não nos faltar engenho e arte” (ser comando é uma arte).

"Queremos aqui deixar também a nossa homenagem aos nobres soldados de Os Fantasmas, caídos no campo da luta em defesa do torrão Pátria e garantir aos vivos que faremos todo o possível para vingar as suas mortes" (...)


E a seguir, do Jornal dos Comandos do Grupo Fantasmas no Asilo em Brá, de 19 de Outubro de 1964:

HERÓIS DA NOSSA HISTÓRIA

Relato da estória passada com o 2º. Cabo indígena BARO BALDÉ em 1935-1936 nas operações militares que se realizavam nessa altura nos Bijagós:
Nas operações militares de Canhabaque (Guiné) em 1935-1936, foi louvado pelo Governador, Major CARVALHO VIEGAS, que as dirigiu, o 2º cabo africano BARO BALDÉ, do Corpo de Polícia, “pela forma disciplinada e corajosa como se portou durante as operações, principalmente no combate de Inhoda, onde, vendo cair ferido, inanimado, o 1º. Cabo europeu FARIA VENTURA, cobriu-o com o seu corpo, tomando conta da metralhadora que este manejava, e não deixando o inimigo aproximar-se, quando tentou apoderar-se do referido cabo europeu para o levar como troféu, segundo o costume gentílico”.
A Cruz de Guerra, cuja concessão o mesmo Governador propôs para BARO BALDÉ, teria assentado bem no peito deste bravo e dedicado Soldado da Guiné, cujas virtudes militares fariam inveja a muitos soldados europeus.
____________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts anteriores do autor (ou a ele referentes):

3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

6 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLI: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66)

13 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIII: O baile dos finalistas do Liceu de Bissau de 1965 (João Parreira)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXI: Comandos: a equipa dos Fantasmas (1964)

20 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLIII: Com a CART 730 em Bissorã e Olossato (1965) (João Parreira)

06 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P868: Diabruras dos comandos (João Parreira)

13 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P872: A minitertúlia do 10 de Junho de 2006

19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)

30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P929: Felizmente falharam os tiros no heli (João Parreira)
(2) Expressão latina que quer dizer: A sorte (fortuna) protege (juvat) os audazes (audaces)

(3) Vd também o blogue do nosso camarada Virgínio Briote > Tantas Vidas > post de 18 de Fevereiro de 2006 > Nino ? Sentido > 14. Capitão Manilha

(4) O Rainha já uma vez nos contactou mas agora reparo que o seu nome não consta na lista dos membros da nossa tertúlia... Reproduzo aqui o post de 4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVII: Com imensas saudades daquela terra maravilhosa (Luis Rainha)

1. Recebi um e-mail de mais outro camarada dos velhos comandos de 1964/66: trata-se do Luis Manuel Nobreza D'Almeida Rainha, hoje com sessenta e quatro anos:"Serve esta para vos dar a conhecer um ex-comando da Guiné e que foi comandante do Grupo de Comandos Centuriões. Fui camarada de Virginio Briote que já é vosso conhecido. Tenho imensas saudades daquela Terra maravilhosa onde passei bons e maus momentos, mas nos quais sobressaem os bons.

"A minha presença naquelas paragens foi um amealhar de recordações, e hoje tenho uma saudade enorme dos meus antigos Camaradas (...).

"A minha actual direcção vai aqui:

Luís Rainha
3ª Travessa da Rua Quinta do Grou, 4 - r/c Esq. Casal da ROBALA
3080-398 FIGUEIRA DA FOZ

2. Comentário do Virgínio Briote:O Luís Rainha foi o comandante dos "Centuriões", um grupo que deu que fazer ao Pansau Na Ina, um dos adjuntos do Nino. Um dia, ou uma madrugada não sei, entrou-lhe tão sorrateiro no acampamento que teve tempo de apanhar o boné que o Pansau tinha trazido de Pequim. E a pistola também, uma bela arma, nacarada, que, pelo que sei, muitos anos depois lhe veio a trazer problemas. Nem a cruz de guerra o salvou!

Um abraço,
vb

Comentário de L.G.:

Virgínio e João:
Não conseguem trazer o Raínho à nossa tertúlia para ele nos contar esta estória do boné do Pansau Na Ina que deve ser de antologia ? E, já agora, também a estória dos dissabadores que a pistola do famoso guerrilheiro lhe trouxe, mais tarde, em Portugal...