Mostrar mensagens com a etiqueta UNESCO. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta UNESCO. Mostrar todas as mensagens

sábado, 7 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20424: Os nossos seres, saberes e lazeres (367): A quintessência do ultrarromantismo: Monserrate (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Quando se fala de Sintra, associa-se imediatamente o Palácio da Vila e o Palácio da Pena, mas na vila há muitíssimo a ver, em museus e casas de elevado valor arquitetónico. E depois a Regaleira, um verdadeiro regalo para quem gosta de neogótico, do exótico e dos antros mágicos, ou aparentados. E mais adiante, o parque e o Palácio de Monserrate, e também o Convento dos Capuchos.
Aqui se deixam imagens daquilo que se designa por quintessência do ultrarromantismo, os jardins de facto são românticos, o palácio é um excesso, mas um belíssimo excesso que nenhum de nós pode ignorar.

Um abraço do
Mário


A quintessência do ultrarromantismo: Monserrate

Beja Santos

Aqui, tanto no palácio como nos jardins, reclama a adjetivação mais hiperbólica, permite todos os excessos: a cortina da bruma, a sobrecarga do neogótico, as atrações edénicas, os excertos de várias proveniências, as imitações de ruínas… Mas nada, absolutamente nada, impede o embevecimento de quem visita este território dos contos de encantar. Atenda-se à bruma, logo ocorre inspiração poética neste território que no século XVI foi propriedade do Hospital de Todos os Santos de Lisboa e que no século XVIII teve o seu primeiro palácio neogótico mandado construir por Gerard de Visme, no fim desse mesmo século William Beckford, um dos homens mais ricos do seu tempo arrendou a propriedade e mandou criar um jardim paisagístico, chegava o tempo das imitações, o ideal romântico era quem mais ordenava.


Pode dizer-se com carga de convicção que Monserrate é uma das mais belas criações paisagísticas do romantismo. Dirá o viandante que é excessivo, é ultra quanto ao palácio, mas rende-se quanto ao conceito de romantismo para o jardim. Olhe-se para este metrosidero que se cobre de flores vermelhas no início do verão, chama-se Árvore-de-Natal-da-Nova-Zelândia, quem está na varanda do palácio tem-no ali ao pé, não é uma casualidade.


Em 1856, outro ricaço, Sir Francis Cook, adquire a quinta, reconstrói o palácio, revoluciona os jardins. O palácio passou a ser a residência de verão, o arquiteto inglês James T. Knowles correspondeu aos desejos de Sir Francis Cook, aproveitou a base, isto é, as ruínas da mansão neogótica edificada por Gerard de Visme, o resultado é espetacular, logo a seguir à escadaria temos a Fonte do Tritão, o átrio é um recinto ortogonal, segue-se um longo corredor que termina na sala de música, e nas faces laterais temos a sala de jantar, a capela, a sala de estar indiana, a sala de bilhar, no meio um átrio principal onde se encontra uma fonte em mármore de Carrara, ali bem perto uma escadaria decorada com um padrão de folhas de hera que leva ao piso superior, onde estão os quartos e a torre sul, onde ficavam os aposentos de Francis Cook.





Comprova o viandante que esta sala de música é de uma excelente acústica, tem cúpula em estuque com motivos florais dourados e friso com representações das Musas e das Graças. Nos saudosos tempos em que havia festival de música em Sintra, escolhia-se esta sala para recitais de piano ou música de câmara, o piano é fabuloso, ouvir aqui Chopin, Rameau ou Liszt numa tarde de outono, e se o intérprete é de primeira plana, pode ser acontecimento inesquecível.


Esta é a galeria, constitui o corredor de ligação entre as três torres do palácio. O arquiteto foi feliz, conseguiu um efeito de profundidade com a sucessão de arcos e colunas e uma delicada infiltração da luz.




Voltemos à história de Monserrate. Os descendentes de Sir Francis Cook venderam o recheio fabuloso da casa, o Estado comprou uma peça, recorreu ao direito de preferência, já houve uma exposição em Monserrate com as peças que fazem hoje parte de coleções e museus nacionais, em 1949 o Estado adquiriu o parque e a tapada, num total de 143 hectares, as obras tardaram, o interior arruinou-se. Nas últimas décadas, tem-se processado a reabilitação. O visitante não deixa de vir à biblioteca, esta porta de madeira trabalhada enche-lhe as medidas, sofre por ver as estantes vazias, tudo fruto do tal leilão que nunca devia ter acontecido.



Em 1995, a UNESCO classificou a Serra de Sintra, onde se localiza Monserrate, como Paisagem Cultural – Património da Humanidade. A classificação fez bem ao palácio e aos jardins, em 2010 as obras de recuperação do palácio foram inauguradas. E vão continuar por muito tempo, espera-se.



Um dia virá para visitar a preceito o parque. Diz-se sumariamente que alberga uma notável coleção botânica com espécies de todo o mundo, há estrelícias, roseirais, araucárias, metrosideros, pinheiros, uma boa porção do parque avista-se da varanda, ali perto há um arco indiano, um arco romano e um tanque, lá em baixo o vale dos fetos. Há para aqui muita encenação teatral, já se disse. É o caso de um falso cromeleque, nem chega a ser kitsch, mas enche o olho.
Em jeito de despedida, veja-se a beleza destas flores de cato, uma especialidade primaveril, deixam-se igualmente imagens do tanque e do arco indiano. Até ao próximo passeio.





____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20400: Os nossos seres, saberes e lazeres (366): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (8) (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"



Com a devida vénia, da página do Facebook do Instituto do Património Cultural da República de Cabo Verde.


1. Lê-se na ONU News, com data de anteontem, dia 7

"A morna de Cabo Verde deu mais um passo no processo de inscrição para o Patrimônio Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco. Nesta quinta-feira, o Comitê de Avaliação do Patrimônio Cultural aceitou a inscrição do gênero musical, mas a decisão final será ratificada, em dezembro, pela Unesco, durante reunião na Colômbia."

O dia foi de grande júbilo  para todos os cabo-verdianos, dentro e fora da Pátria, e naturalmente para os amigos de Cabo-Verde e da sua música, em geral, e da morna, em particular,

Falando à ONU News, da cidade da Praia, Sandra Mascarenhas, diretora do Instituto do Património Cultural, "explicou o impacto da decisão para o povo em Cabo Verde e nas diásporas cabo-verdianas pelo mundo":

“A inscrição da morna na lista representativa da Unesco representa para os cabo-verdianos o reconhecimento daquela que consideram ser a sua música maior, um reconhecimento identitário por excelência. À semelhança do que aconteceu com o fado, eleva a morna a uma categoria que transcende o próprio país. Para a diáspora, que sempre se vê e se revê na morna, será um reconhecimento daquilo que os identifica como cabo-verdianos. É a autoestima de toda uma nação que é elevada.”

E acrescenta o ONU News: "Tradicionalmente, a morna é tocada com instrumentos acústicos, sobretudo violão, e canta temas como amor à terra, partida para o estrangeiro e saudade".


2. O "meu pai, meu velho, meu camarada", Luís Henriques (1920-2012), estaria hoje feliz, se fosse vivo e estivesse lúcido, com esta notícia... Ele que tanto amava Cabo Verde (onde foi expedicionário, em 1941-43) e que me passou o gosto pelas mornas e pela morabeza cabo-verdiana... 

Cantarolava, em crioulo,  algumas mornas do seu tempo, que acabaram por  me ficar na memória como a célebre "Maria Bárbara, canta mais uma morna",  celebrizada já no meu tempo pelo grande Bana (que eu descobri no pós-25 de Abril, por volta de 1979/80,   no seu restaurante "Monte Cara", na Rua do Sol ao Rato; com outro nome, o sítio já era popular tornou-se popular, em finais de 1976, graças sobretudo à música do grupo Voz de Cabo-Verde, a mítica banda de Luís Morais & Companhia)

Há tempos deu-me curiosidade em saber quem era essa "Maria Barba"e o que dizia a letra da morna... Encontrei o seguinte no Blogue ArrozCaTum > terça-feira, 11 de agosto de 2015 >

 [8362] - A SAGA DE MARIA BARBA...  [Excertos, com a devida vénia...]

(...) O amigo Artur Mendes é senhor de uma curiosidade científica acima da média e essa característica não é raro colocá-lo na senda de autênticas pérolas da História e das Gentes de Cabo Verde... Neste caso, colocou-se em contacto com a Nanie Lima, que se apelida a si própria de "The Creola Genealogist" - e de quem há dias publicámos umas fotos antiquíssimas - no sentido de tentar desvendar o segredo de Maria Barba de quem, afinal, apenas se conhecia o nome da Morna com o mesmo nome e que o Bana popularizou... Pois bem...Nanie Lima não se deu por achada e respondeu à curiosidade do Artur com o trabalho que passamos a reproduzir, depois de traduzido do original, em inglês dos EUA...

Foto: Dias Mulheres da Boa Vista, 1926. Nanie Lima (2015),
 com a devida vénia
"Há algum tempo postei no Face Book uma foto com o título "Retrato de Duas Mulheres", que ilustrava as figuras de duas jovens e que concitou grande curiosidade...(Duas mulheres da Boavista - 1926).

Muita gente me perguntou quem eram elas mas, ao tempo, eu não fazia a mais pálida ideia... Por isso, foquei toda a minha atenção naquilo a que eu chamo "os narizes Lima" e constatei que elas tinham o mesmo nariz da minha avó Joana Fortes Lima Gomes e de outro membro da família, o Padre Manuel Antonio de Brito Lima (...).
Maria Barba, Boavista, s/d.
Foto de Nanie Lima (2015)

A foto das duas mulheres foi reeditada por vários amigos e, por fim, obtive de Joana Lima Ramos, da Boavista, a informação de que se tratava de Maria Bárbara e Nha Luci... À minha insistência para confirmação, garantiu que, na realidade, se tratava de MARIA BARBA, a célebre cantadeira de mornas que, no auge da sua carreira, chegou a cantar na I Exposição Colonial de Lisboa  [, ou melhor do Porto, no Palácio Cristal], em 1934...

A única foto que dela consegui não é de grande qualidade e não faz decerto jus à sua figura,  ela que era ainda muito jovem quando casou, tendo tido o primeiro filho em 1930...A foto é de 1926.

Maria Barba (Bárbara) nasceu na Boavista, em 1910 e ali faleceu, em 1974. Ficou célebre através da morna "Maria Barba" que me habituei a ouvir, vezes sem conta, durante a minha infância... Sinto-me, pois, honrada por poder dar este testemunho de uma mulher da ilha dos meus antepassados Limas! (...)



3. "Maria Barba", cantada por Bana, letra recolhida e fixada pelo autor do blogue "ArrozCaTum, Zito Azevedo


Maria Barba, canta mais uma Morna
Para despedida do Sr. Tenente Serra ) (2 vezes)

S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más 
‘m ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Pâ matança di gafanhôt
Oh, Sr. Tenente, oli cóbe d’plícia e cheo
Djál bem bscóme
Ai, s’um ca bai, el tâ mandam’
Prese pâ Porte, oi, oi,...


Quem é o chefe desta povoação ?
Porque Maria Barba tu não vais ainda (2 vezes)

Nôs cóbe-chef ê Nhô Tôc d’Chuc Canóche
Amim’ ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte
Amim’‘m câ tem q’êm raspondê pa mim,oi,oi 
Maria Barba, canta mais uma Morna

Porque eu falarei com o vosso cabo chefe, 
Maria Barba, canta mais uma Morna
Se tu fores presa, responderei por ti.

Saúde, Sr. Tenente, saúde Sr. Inginher
Um muito obrigada de Maria Barba
Oh S’nhôr Ten. Serra ora bocê bai pâ Lisboa
Ai câ bocê squêcê di nôs, oi, oi, ...

Maria Barba não me esquecerei de vocês. 


4. Tradução das partes em crioulo para português, da responsabilidade do editor LG,  a partir de versão francesa (cortesia de "Cape Vert, Mindelo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" )

(...)

- Senhor tenente,
eu não posso cantar mais,,
Tenho de ir ar à Manga
Para caçar gafanhotos.
Oh, senhor tenente, tem ali o cabo chefe
que me vem buscar,
se eu não for, ele vai-me mandar
para a prisão do porto.
(...)

- O nosso cabo chefe chama-se
Nho Toc d'Chuc Canoche,
Vou a caminho da Manga,
A minha mãe está doente, o  meu pai já morreu,
Ai, não tenho ninguém que cuide de mim.

(...)
Saúde, senhor tenente,
Saúde, senhor engenheiro,
Um muito obrigado da Maria Bárbara,
Oh, senhor tenente Serra,
Quando regressar a Lisboa,
Não se esqueça de mim. (...)


5. Nota do editor do blogue ArrozCaTum:
O amigo Adriano [Miranda Lima, membro da nossa Tabanca Grande, colaborador permanente do blogue Praia do Bote}, que teve conhecimento deste trabalho, ainda andou a indagar por informações do "tenente Serra" e chegou à conclusão de que não era oficial do exército...Houve, depois, informação obtida por Rui Machado, de que teria sido um oficial da Armada que terá estado destacado na Boavista em serviços de hidrografia e se terá encantado pelas mornas de Maria Barba-
6. Notas,  em francês,  do sítio  "Cape Vert, Min(delo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" , taduzidas para português pelo nosso editor LG (e que este  não pôde  validar pelo confronto com outras fontes, para além da Nanie Lima)

A jovem Maria Barba [, nascida na Boavista, em 1910,]  tinha dois filhos. [O primeiro nasceu em 1930, tuinha ela 20 anos, segundo Nanie Lima.]

Em junho de 1934, integrou a delegação cabo-verdiana enviada à Exposição Colonial Portuguesa no Porto [, e não em Lisboa, como escreveu, por lapso, a Nanie Lima]...

Mais tarde,  já no início da década de 1940, quando a seca e a fome atingiram o arquipélago [, 1941/43,], ela deixou a ilha de Boa Vista e partiu para o continente africano.

Desembarcou na Gâmbia e estabeleceu-se na Guiné-Bissau onde morreu em 1974. [Nanie Lima diz que ela nasceu e morreu na Boa Vista.]

Por sua vez, a equipa que o tenente Serra acompanhou, percorreu o arquipélago de julho de 1926 a dezembro de 1931 [, no ambito de uma missão geográfica.] 

Em Boa Vista, este militar terá tido duas filhas com D. Vitória Santos Brito. Em Lisboa, ele interpretará esta morna perante vários amigos e terá escrito a Dona Vitoria para apresentar cumprimentos à Maria Barba..

Quanto à praga de gafanhotos, a que se refere a letra da morna... Eram frequentes nessa época, e ainda hoje.  E cada família era obrigada a enviar um dos seus elementos para combatê-los, protegendo as culturas da ilha. Na véspera do encontro com o tenente Serra, a Maria Barba estava escalada para esse efeito, e não tinha quem a pudesse substituir [, tendo o pai morrido e a mãe estando doente: "Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte". ]

Ao que parece, muitos  anos mais tarde, Bana gravou a morna, modificando a letra  (ou alguém por ele...), ao falar de um "pai malandro" ["Nha mae é fraca e nha pai é malandre"], uma versão que terá chocado a criadora deste tema, que continuou a interpretá-lo sem nunca, todavia,  ter conseguido  obter o reconhecimento (legal) da sua autoria. É considerada um a"morna tradicional".

[Mas estas notas foram  publicadas em 2015, no sítio "Cape Vert, Mindelo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" , baseando-se  nos "trabalhos sucessivos de Noel Fortes, Rui Machado e Otilia Leitão. Fizemos uma adaptação livre das notas.]
_________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17602: Meu pai, meu velho, meu camarada (58): Ilha de São Vicente, Lazareto - Parte I [álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943]

domingo, 28 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19142: Manuscrito(s) (Luís Graça) 147): Tinha 14 anos em 1961, o "annus horribilis" de Salazar e da Nação... Depois do desastre da Índia, em 18-19 de dezembro de 1961 e de cinco meses de cativeiro, o general Vassalo e Silva e outros oficiais foram expulsos das Forças Armadas, em 22 de março de 1963... Era um aviso sério para os que combatiam em África.



Primeira página do "Diário de Lisboa", de 22 de março de 1963. O jornalismo, censurado, que se fazia em Portugal, o jornalismo das notas oficiosas e dos comunicados do Governo.


Citação:
(1963), "Diário de Lisboa", nº 14464, Ano 42, Sexta, 22 de Março de 1963, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_15253 (2018-10-28)

(Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivis > Fundo: Documentos Ruella Ramos)


O gen Vassalo e Silva, no cativeiro. Foto do Paris Match,
c. 19 de dezembro de 1961.
 Fonte: A toponímia de Lisboa 
(com a  devida vénia...)
1. Com a devia vénia, ao autor do  blogue Archive of Goan Writing Portuguese [Arquivo de Escritos Goeses em Português],  Paulo Melo e Castro,  leitor de Estudos Portugueses [Portuguese Studies],  Universidade de Leeds,  Departamento de Espanhol, Português e Estudos Latino-Americanos [ Department of Spanish, Portuguese and Latin American Studies]...

O blogue esteve ativo desde dezembro de 2010 até abril de 2015. Foram publicados 460 postes, neste período, com destaque para os anos de 2011 (n=212),  212 (n=127) e 2013 (n=86).

Fomos lá descobrir este inesperado poema, da autoria de Khnata Kharana Kabba, datado de 1980, e em que se defende o general Vassalo e Silva (Torres Novas, 1899 - Lisboa, 1985),  o último governador de Estado Português da Índia,  que se rendeu às forças indianas 36 horas depois da invasão dos territórios de Goa, Damão e Diu, contrariando ordens terminantes do chefe do Governo Português, para resistir até ao último homem... É, como se sabe,  um episódio patético da nossa história do séc. XX, que abriu uma crise grave entre o regime do Estado Novo e as Forças Arnadas.

Este poema terá aparecido na imprensa goesa em 1980. O seu autor, que se expressa em português quase perfeito, é um  nacionalista, indiano de origem goesa, mas que nem sequer tem um nome português. Aqui fica, para conhecimento e apreciação, crítica, dos nossos leitores:



Archive of Goana Writing Portuguese

Monday, 22 August 2011

Khanta Kharma Kabha:

Os que [se] opõem ao Camões ou Vassalo e [Silva,
Só por não serem indianos, mas portugueses,
Saibam que eles só merecem um Viva!,
Por serem amigos de Goa e dos Goeses.

Foi Vassalo quem salvou a nossa Goa
Das ordens da sua destruição
E, quando regressou a Lisboa,
Sofreu a sua condenação.

Não é verdadeiro nacionalista
Quem não o souber admitir e homenagear
E, na sua estreiteza de vista,
Não [o] reconhecer como “political-sufferer”.
Camões, Shakespeare ou Tagore,
Qualquer deles é indiano e universal,
Não há lugar, portanto, para o rancor
Contra Camões por ser de Portugal.



[Revisão e fixação de texto: LG. Nota: "political-sufferer": vítima da política e dos políticos, da injsutiça social e económica, etc.; expressão muito usada na Índia]


2. Comentário de LG:

Eu tinha 14 anos em 1961, ia fazer 15, em 29 de janeiro de 1962... e já  "sabia" que ia parar a África como soldado do Império... quando chegasse a minha vez. Premonições... Lia os jornais, ouvia rádio, via a televisão... Seguia com apreensão o que se passava em Angola, na Índia, na Metrópole... Hoje, tenho a convicção de que foi um "annus horribilis" paar todos nós, e não apenas para o regime...

Manuel  António Vassalo e Silva (Torres Novas, 1899 - Lisboa, 1985), general do exército, foi o último Governador  do Estado Português,e comandante-chefe das forças armadas naquele território, aquando da invasão, pela União Indiana. em 18 de dezembro de 1961.

Uma invasão, de resto, há muito anunciada..., por uma força caricatamente desmesurada (um exército de 45 homens; 1 porta-aviões, 1 cruzador, 3 contra-torpedeiro e 4 fragatas; 50 caças e bombardeiros), contra um punhado de homens mal armados e mal equipados, que estavam a mnaius de 8300 km de distância de casa...

Em 36 horas foi posto  um fim à presença histórica dos portugueses, no subcontinente indiano, de quase 5 séculos (desde 1492, o ano da chegada de Vasco da Gana à Índia). (*)

Vassalo e Silva desobedeceu às ordens de Salazar para lutasse até ao último homem. Ao render-se, salvou cerca de 3300  vidas, a sua e as dos seus subordinados (que vão ficar 5 meses em cativeiro, bem como evitou o massacre da população e a destruição do património de Goa, Damão e Diu (. hoje classificado pela UNESCO como como património mundial da  humanidade, as Igrejas e os Conventos de Goa). É isso que o poema celebra.

Em 22 de março de 1963, Vassalo e Silva (, que ficará com a alcunha do "Vacilo e Salva", entre os  seus homens, )  é  expulso das Forças Armadas Portuguesas. Será reabilitado a seguir ao 25 de Abril de 1974.  A História o julgará.  A História nos julgará. Afinal os regimes, mais do que os povos, precisam de heróis, mártires e vilões... (**)
______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9219: Efemérides (82): A invasão da Índia Portuguesa em 18 de Dezembro de 1961 (José Martins)

(...) No inicio de 1961, o Coronel Francisco da Costa Gomes, na sua qualidade de Subsecretário de Estado do Exército (56.º Ministério, cargo que ocupou de 14 de Agosto de 1958 a 13 de Abril de 1961), sugeriu a redução dos efectivos naquelas paragens [Goa, Damão e Diu]  para cerca de 3.500 homens, em virtude de se ter constatado que aquele território seria indefensável, perante uma, mais que provável, invasão. Esses efectivos foram deslocados para África, onde se tinham iniciados os conflitos que se prolongariam por cerca de treze anos, e que se propagou a três frentes de combate.

Com uma guarnição de pequena dimensão, mal armada e pouco municiada, dá inicio a alguns combates esporádicos, com forças da União Indiana, em 17 de Dezembro de 1961. Porém, no dia 18, uma força de cerca de 45.000 homens, mantendo na retaguarda como reserva cerca de mais 25.000, dá inicio à invasão simultânea dos três territórios ainda em poder efectivo de Portugal. (...)

(...) 19 de Dezembro de 1961 – O contingente português acabou por se render, tendo o governador, general Vassalo e Silva, ordenado a “suspensão de fogo” às suas tropas. Mais de três mil militares portugueses foram feitos prisioneiros, entre eles o próprio Comandante. O Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar que queria “Só soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”, puniu e perseguiu alguns dos oficiais em serviço na Índia, o que abriu dolorosa ferida nas Forças Armadas Portuguesas e foi uma das raízes do derrube do regime Salazar, doze anos depois da queda de Goa, Damão e Diu. (...)


(...) Recorde-se que a generalidade dos antigos prisioneiros da Índia (cerca de 3500) foram, no regresso á Pátria, mal tratados, humilhados, abandonados, ostracisados, esquecidos... Para o regime político da época, e para sua opinião pública, eles pura e simplesmente deveriam ter-se deixado imolar no altar da Pátria na defesa da Índia Portuguesa, a "joia da coroa". Por não ter sabido resistir, até á última gota de sangue, Vassalo e Silva, o governador geral da Índia e comandante chefe da simbólica força expedicionária estacionada nos territórios de Goa, Damão e Diu, fui expulso do exército... (...)


(...) Em memória dos camaradas de armas tombados em nome de Portugal, deixamos o registo dos seus nomes, para que a História e os Homens, os não esqueçam, e não se tornem em SOLDADOS ESQUECIDOS:

Militares tombados em Defesa da Índia Portuguesa

Abel Araújo Bastos – Soldado
Abel dos Santos Rito Ribeiro – Alferes Miliciano de Infantaria
Alberto Santiago de Carvalho – Tenente Infantaria
Aníbal dos Santos Fernandes Jardino – Marinheiro
António Baptista Xavier - 1.º Cabo
António Crispim de Oliveira Godinho - 1.º Cabo
António Duarte Santa Rita - 1.º Sargento da Armada
António Fernando Ferreira da Silva - 1.º Cabo
António Ferreira – Marinheiro
António José Abreu Abrantes – Alferes Miliciano Infantaria
António Lopes Gonçalves Pereira – Alferes Miliciano Engenharia
Cândido Tavares Dias da Silva - 1.º Cabo
Damuno Vassu Canencar – Soldado
Fernando José das Neves Moura Costa - Soldado
Jacinto João Guerreiro – Soldado
João Paulo de Noronha - Guarda 2.ª classe
Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo - 2º Tenente Armada
José A. Ramiro da Fonseca - Furriel Miliciano
José Manuel Rosário da Piedade - 1.º Grumete Armada
Joviano Fonseca - Guarda-Auxiliar
Lino Gonçalves Fernandes - 1.º Cabo
Manuel Sardinha Mexia – Soldado
Mário Bernardino dos Santos – Soldado
Paulo Pedro do Rosário - Guarda Rural
Tiburcio Machado - Guarda-Rural

OBS: Esta lista pode estar incompleta.

Os Soldados da Índia só foram “reabilitados” do ostracismo a que foram votados, após o 25 de Abril. Todos os prisioneiros de guerra, foram condecorados com a Medalha de Reconhecimento  (...)  em 03 de Maio de 2003, pelo então Ministro de Estado e da Defesa Nacional Dr. Paulo Portas. (...)

(**) Último poste da série >  26 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19138: Manucrito(s) (Luís Graça) (146): Tinha eu sete anos quando começou a guerra colonial, com a invasão e a ocupação dos "anexos" de Dadrá e Nagar-Aveli, Estado Português da Índia, em 22 de julho de 1954...

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19051: Agenda cultural (650): Homenagem na Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, dia 29, aos bonecos e aos bonecreiros de Estremoz, uma arte recentemente classificada como "património cultural imaterial da humanidade"



Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, dia 29 > Homenagem aos bonecos e aos bonecreiros estremocences. 


1. Uma terra simpática, do nosso Alentejo, que tem na "produção do figurado em barro" uma arte com mais de 3 séculos, classificada no final do ano de 2017, pela UNESCO, como "património cultural imaterial da humanidade"... 

É um dos ex-libris do nosso Alentejo, que precisa ser conhecido, divulgado, acarinhado, protegido e... celebrado!... São meia dúzia os artesãos, os "bonecreiros", ativos. E mais de uma centena as figuras, já inventariadas, que saiem das mãos dos/das barristas, incluindo o "soldado montado a cavalo"... Ou não fosse Estremoz com tradições militares, sede do Regimento de Cavalaria nº 3 , o qual durante a Guerra do Ultramar  mobilizou, só por si,  cerca de 42 mil homens (!), organizados em 2 esquadrões de reconhecimento, 42 batalhões e 17 companhias independentes de cavalaria, que combateram nos 3 TO, Angola, Guiné e Moçambique.

Terra de gente valente e sacrificada, morreram na guerra do ultramar 25 estremocences, dos quais 8 no TO da Guiné. È também um pretexto para os homenagear e honrar a sua memória... Um pretexto para visitar a Casa do Alentejo onde os não-alentejanos também são bem vindos, de alma e coração.

_____________

Nota do editor:


segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P13963: Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 15 de Novembro (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2014:

Queridos amigos,
As andanças num mercado de tralha deixam sempre o doce travo de que quando não há acasos felizes naquele dia fica-se com a secreta esperança de agradáveis imprevistos para a viagem seguinte.
Recolher umas fotos, examinar um mapa de 1960 longe da verdade do espaço e dos lugares, ter acesso à dimensão epistolar íntima daquele que, depois de Amílcar Cabral, terá sido a cabeça melhor organizada dos lutadores do nacionalismo nas colónias portuguesas, é uma gratificação impagável, é dimensão luminosa que acompanha estas buscas, tão mais grato quanto se pode comunicar dentro do nosso blogue.

Um abraço do
Mário


Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 15 de Novembro (2)

Beja Santos

Falemos um pouco deste ideólogo e filósofo angolano que deixou uma impressionável obra dispersa e de incalculável valor. Por exemplo, foi responsável pela redação das Atas do Simpósio Internacional dedicado à atualidade do pensamento de Amílcar Cabral; responsável pela Antologia da Poesia Africana de Expressão Portuguesa, para a coleção da UNESCO. Está editado em português, caso de A guerra do povo na Guiné-Bissau, Sá da Costa Editora, Lisboa, 1974. Editou a obra de Amílcar Cabral na Seara Nova, a seguir ao 25 de Abril. É um importante ideólogo da negritude e foi seguramente um intelectual africano que mais tempo e mais perto conviveu com Amílcar Cabral, designadamente em Conacri. A filha mais velha dedica-lhe uma escolha de correspondência que trocou com o grande amor da sua vida, Sarah Maldoror e com a sua filha Henda, aqui revela a sua ternura, o amor às filhas, a luta, o exílio e a solidão.

Vejamos a sua correspondência de Bissau, estamos em Janeiro de 1978: Sarah, o novo ano não pronuncia para mim bons auspícios. Sinto-me submerso num oceano de solidão e tristeza. Por um lado, se o meu estado de saúde me deixa inquieto, por outro não alcanço a mínima satisfação no desempenho do meu trabalho quotidiano. Tinha-me dedicado à tarefa que me havia sido confiada no quadro da preparação do Congresso (do PAIGC), tarefa gigantesca. Em seguida, após a sua conclusão, instalou-se uma grande lassidão que me arrastou para o abismo do desânimo. E dois meses mais tarde: Sarah, meu Amor, continuo triste e solitário, depois de me teres deixado repentinamente. É necessário que eu ultrapasse este problema de solidão afetiva que me avassala. Em Julho, escreve à sua filha mais velha: Henda, minha muito querida filha, Na véspera do teu aniversário, os meus pensamentos mais profundos voam para ti. Gostaria de partilhar o belo dia de amanhã contigo e de te rodear de todo o meu afeto. Todavia, mantenho a esperança de festejar em breve os teus catorze anos com a Mamã e a Annouchka, juntos em Bissau. Em Agosto de 1980 escreve a Henda, que está em Paris: Saber-te feliz enche-me de alegria. Não te deixes porém deslumbrar pelas luzes do capitalismo, o acesso fácil ao consumo, etc. Abre também os teus olhos críticos sobre as realidades sociais. És suficientemente crescida, adulta e responsável para avaliar com serenidade o mundo que te rodeia.

Em 1983, em Maio, escreve a Henda a partir de Lisboa: Minha filha, Não deixei de pensar em ti desde a minha chegada a esta cidade, a pequena casa lusitana. A vida é um longo processo de conquista de objetivos que devemos impor a nós mesmos. Se admitires este princípio terás de exercer um verdadeiro e constante controlo sobre ti, um confronto permanente entre a realidade e a perspetiva que se desenha no horizonte. Em termos concretos, parece-me que devias escolher melhor os objetivos que pretendes realizar.

Os últimos anos de vida de Mário Pinto de Andrade decorrem sob o signo da doença. Em 1984 escreve de Lisboa a Henda dizendo que está na Biblioteca Nacional a descobrir elementos importantes para a redação da sua obra “O discurso da libertação nacional”. No ano seguinte escreve de São Tomé e diz à filha: dedico-me à minha pesquisa que constitui o centro da minha atividade intelectual: a história da emergência e do desenvolvimento das ideias nacionalistas nos cinco países africanos (antigas colónias portuguesas). Em Janeiro de 1988, escreve da Praia, sente-se que está irrequieto quando diz a Henda: O meu maior desejo, no limiar deste novo ano, traduz-se na materialização da intenção de retomar o contacto contigo, de te ver e te escutar longamente: bem-entendido dialogar sobre a vida e os projetos para um futuro imediato. Confesso que a minha consciência não está tranquila. Tenho como que uma certa impressão de te ter perdido um pouco, à margem do meu horizonte. Podes crer que estás intimamente presente em cada instante da minha existência. Mas faço por corresponder (e de manifesta a consciência do lugar que o meu espírito e o meu coração te reservam). A vida caminha para o fim, e em Agosto de 1989 escreve à filha em Maputo: O tempo é demasiado curto para realizar os projetos que tracei: escrever a história dos discursos nacionalistas e dedicar-me à redação das memórias de uma geração, traçando o meu percurso pessoal. Mas evito essa tentação. Morre em Agosto de 2009 aquele que, segundo Sarah Maldoror escreveu “não queria culturas de empréstimo, mas sim um intercâmbio na reciprocidade de conhecimentos. Se no início o combate foi desigual, a sua coragem foi grande, já que tinha para consigo a abnegação e o orgulho da reconquista da liberdade”.


Eis o produto de uma vinda à Feira da Ladra, uma agradável safra, encontrei pepitas guineenses e colaterais.
E fiquei enternecido com este Mário Pinto de Andrade na intimidade.
Ponto final.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 28 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13954: Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 15 de Novembro (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13949: Manuscrito(s) (Luís Graça) (53): O Mundo é Pequeno e o Alentejo... é Grande: pois que viva o Cante, que já cá canta... e agora para todo o mundo!


1. "O cante do Alentejo já é património mundial: Portugal passa agora a ter três bens que fazem parte da herança imaterial da humanidade." (Público, 27 nov 214, 10h17)

A UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, acaba de integrar o cante alentejano na lista do património imaterial da humanidade. Eram 10 e picos   em Lisboa!

Depois do fado e da dieta mediterrânica, classificados em 2011 e 2013, respectivamente. Portugal passa a ter o cante alentejano na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade... Uma candidatura absolutamente irrepreensível, exemplar, que tinha dado entrada  formalmente  a 28 de março de 2013 no comité internacional da UNESCO. As expetativas eram muito altas, mas o nervoso também era miudinho...

2. A adoção provocou emoção em todos os que seguiram os trabalhos, em direto (em áudio, como eu), mas também no representante do Governo brasileiro que fazia parte do comité internacional (aliás, o único país lusófono presente)... Imagino a alegria dos membros do Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa que viajaram até Paris, bem como nos demais elementos ligados à candidatura.

"A partir deste momento, esta forma tão singular de cantar ligada às jornadas de trabalho e de convívio do Alentejo, não é apenas uma tradição do sul do país – é do mundo. O mesmo mundo que fica agora a saber que, em Portugal, há uma região que canta como os homens do Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, que fizeram 1800 quilómetros para brindar os delegados da UNESCO em Paris com a moda Alentejo, Alentejo." (Fonte: Público)

O cante alentejano tem um sítio oficial, Casa do Cante, em Serpa, de que é diretor o antropólogo Paulo Lima, e coordenador da candidatura. Mas a festa faz-se, no Alentejo, em Portugal e em toda a diáspora lusitana onde haja portugueses, alentejanos ou não,  que cantam (e emocionam-se a cantar ou simplesmente a ouvir) o cante alentejano.

“É de salientar a importância destas duas candidaturas, a do fado e esta”, disse ao Público o cantor Vitorino, presente na sede da UNESCO, em Paris. “O fado é muito solitário e individual. O cante é uma expressão colectiva – ele implica entre 18 e 30 vozes. É inclusiva. É muito atenta ao movimento social.” O cantor, que tem inscrito o cante no seu trabalho musical, acredita que o reconhecimento do mesmo como património da humanidade “vai eternizá-lo”.

Parabéns à Antena 1 que acompanhou esta candidatura e ao nosso camarada da Guiné, antigo locutor do PFA, em Bissau, Armando Carvalhêda, um grande profissional da rádio, que realiza e apresenta esse excecional programa da Antena 1 que é "Viva a Música"  (no ar desde 1996), e que nos foi dando notícias desde Paris sobre o andamento dos trabalhos da UNESCO...

Que o Cante seja um crescente fator de coesão social, de solidariedade intergeracional e de identidade cultural para todos os que, dentro e fora do Alentejo, o praticam, são os meus votos. Um qucbra-costelas para os camaradas e amigos da Guiné que se reveem nesta manifestação cultural da nossa terra.  O Mundo é Pequeno e o Alentejo... é Grande!... Que viva o Cante! (LG)
________________

Nota do editor:

Último poste da série > 27 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13948: Manuscrito(s) (Luís Graça) (52): O Mundo é Pequeno e o Alentejo... é Grande: pois que viva o Cante, Património Cultural Imaterial da Humanidade

Guiné 63/74 - P13948: Manuscrito(s) (Luís Graça) (52): O Mundo é Pequeno e o Alentejo... é Grande: pois que viva o Cante, Património Cultural Imaterial da Humanidade




Vídeo (2' 46''). Alojado em You Tube / Nhabijoes

Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do  nosso camarada, amigo e grã-tabanqueiro José Saúde ["Guiné-Bissau, as minhas memórias de Gabu, 1973/74" (Beja: CCA - Cooperativa Editorial Alentejana, 170 pp. + c. 50 fotos) (Preço de capa: 10 €)] (**)


1. Atuação do grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa. Um homenagem sentida a um combatente da terra, o José Romeiro Saúde, nascido em Vila Nova de São Bento (em 23/11/1950), mas que foi cedo para Beja, a sua segunda terra, onde ainda hoje vive e onde nasceram as suas duas filhas. Os dois concelhos viram sacrificados no "altar da Pátria", 69 dos seus filhos, durante a guerra do ultramar/guerra colonial: 35, de Beja; 34, de Serpa...

Isto não é "cante", mas tem as suas raízes na música tradicional alentejana.  No cante não se usam instrumentos musicais. A voz é o único (e grande) instrumento do cante, música do trabalho e do lazer, cantada nos campos, na rua e na taberna... Em grupo, sempre em grupo..  Homens e mulheres, se bem que os grupos corais femininos só tenham começado a aparecer há 3 décadas, por razões socioculturais... Mas as mulheres sempre cantaram, em grupo, com os homens no duro trabalho agrícola... Em grupo, num coro polifónico que não deixam indiferente... Um alentejano (do Baixo Alentejo) nunca conta(va) sozinho (*)...

A "moda" que acima se reproduz evoca esses duros tempos em que os mancebos partiam para o Ultramar, India, Angola, Guiné, Moçambique ... Ver, mais abaixo, a respetiva letra que começa assim: "É tão triste ver partir / Um barco do Continente, / Para Angola ou Moçambique / Lá lai outro contingente"...(LG)

Lá vai uma embarcação

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares fora,
Por aqueles que lá vão
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares fora
Lá vai uma embarcação.

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares fora,
Por aqueles que lá vão
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora
Com mágoas no coração,
Por esse mares a fora
Lá vai uma embarcação.
____________________

Letra: Reproduzida, com a devida vénia, do sítio Joraga Net > O Cante do Cante: Grupos Corais Alentejanos, página criada e mantida por José Rabaça Gaspar.

[Obrigatório visitar esta página, que contem um repositório riquíssimo de dezenas de "modas" da músicas tradicional Alentejana. Letras e músicas recolhidas e gravadas por Francisco Baião e Manuel Aleixo, São Matias, Beja, 2011]

Contacto de "Os Alentejanos", música tradicional Alentejana,
Serpa, Telem: 962 766 339 / 938 527 595. Email: joaocataluna@gmail.com

_____________

Notas do editor

(*) Último poste da série > 25 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13941: Manuscrito(s) (Luís Graça) (51) O Mundo é Pequeno e o Alentejo... é Grande: pois que viva o Cante!

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13941: Manuscrito(s) (Luís Graça) (51) O Mundo é Pequeno e o Alentejo... é Grande: pois que viva o Cante!



Vídeo (1' 28''). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Portugal Agro, Feira Internacional das Regiões, da Agricultura e do Agroalimentar, FIL - Feira Internacional de Lisboa,. Parque das Nações, Lisboa, 20-23 nov 2014 > Atuação, sábado, 22, do Grupo Coral e Etnográfico "Os Camponeses de Pias", de Pias, Serpa. Vídeo Luís Graça (2014)


1. Parece ser já amanhã, em Paris, que o cante alentejano poderá vir a figurar, de pleno direito, na lista de Património Cultural Imaterial da Humanidade.

No passado mês, no dia 27, foi entregue o parecer favorável de uma comissão internacional de especialistas da UNESCO. Tratava.se de um reunião prévia aos trabalhos do Comité do Património Imaterial da Humanidade, que está reunido em Paris, entre 24 e 27 deste mês,  e donde sairá a decisão final. A candidatura portuguesa foi considerada exemplar. As expetativas são muito altas.

Eu, pessoalmente, torço para que tudo corra bem na reta final. Amanhã serei alentejano e português. Não por chauvinismo, mas porque gosto do cante alentejano e me emociono a ouvi-lo, onde quer seja. O Mundo é Pequeno e o Alentejo... é Grande!

E a propósito do Cante, fico a saber que há 150 grupos corais e 3 mil cantantes, entre homens (mairotariamente) e mulheres, do Cante Alentejano.

O que é o cante ?

(...) "É um canto coral, em que alternam um ponto a sós e um coro, havendo um alto preenchendo as pausas e rematando as estrofes. O canto começa invariavelmente com um ponto dando a deixa, cedendo o lugar ao alto e logo intervindo o coro em que participam também o ponto e oalto. Terminadas as estrofes, pode o ponto recomeçar com um nova deixa, seguindo-se o mesmo conjunto de estrofes. Este ciclo repete-se o número de vezes que os participantes desejarem. Esta característica repetitiva, assim como o andamento lento e a abundância de pausas contribuem para a natureza monótona do cante."  (...) (Fonte: Wikipédia).

A sua origem histórica não é consensual.

(...) "Curiosamente, apesar de o cante alentejano ser uma expressão de mais arreigada implantação no Baixo Alentejo, o antropólogo Paulo Lima, director da Casa do Cante de Serpa e primeiro responsável pela candidatura desta forma musical a Património Cultural Imaterial da Humanidade atribuído pela UNESCO, conta-nos que "a referência mais antiga data de cerca de 1880 e encontra-se nas posturas da Câmara Municipal de Portel" (no Alto Alentejo). Curiosidade número dois: trata-se de "uma proibição de cantar nas tabernas em coro". Lima refere ainda outros registos pioneiros, como a fundação, em 1907, de um orfeão em Serpa e, igualmente na mesma cidade, a existência dos mais antigos registos sonoros, "em disco e em bobine", datados da década de 1930. (..:)

Quanto à origem, seguramente remota do cante...

(...) "As teorias dividem-se entre a sua génese na música gregoriana e nos cantos polifónicos sacros medievais, e aquelas que defendem como ponto de partida a música árabe. Ou, possivelmente, um encontro destes mundos, moldado pelo povo. Este é um dos pontos em que a catalogação e disponibilização do muito material publicado disperso que a Casa do Cante de Serpa está a coligir poderá ajudar a apontar caminhos." (...) (Fonte: Público).

Caros leitores, se tiverem oportunidade de ver não percam o documentário “Alentejo, Alentejo” , do português Sérgio Tréfaut, (que é de origem alentejana, do lado do pai, e francesa, do lado do pai, tendo nascido em São Paulo, Brasil, em 1965). O filme  foi distinguido como a Melhor Longa-metragem Portuguesa pelo IndieLisboa 2014. "O filme que também se inseriu na candidatura do cante alentejano a património da humanidade, mostrou a qualidade deste processo, disse na altura à Voz da Planície Paulo Lima, presidente da Casa do Cante e um dos elementos envolvidos na candidatura." (Fonte: Voz da Planície).


2. Portugal aderiu à UNESCO em 1965, retirou-se desta organização internacional em 1972 (por causa da questão colonial) e reingressou em 11 de setembro de 1974. Criou a sua Comissão Nacional em 1979 (Decreto-Lei Nº218/79 de 17 de julho),  sob a égide do Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde se encontra sedeada. Portugal foi membro do Conselho Executivo de 2007 a 2009. Integrou em 1999/2005 e integra hoje (2013 - 2017) o comité do Património Mundial.

Algumas datas relevantes para o nosso país: (i) em 2008, Maria de Medeiros foi designada Artista da UNESCO para a Paz;  (ii) o dr. Mário Soares preside ao Prémio UNESCO Houphouët-Boigny para a Cultura da Paz;  (iii) em 2012, Jorge Molder doou a fotografia "A interpretação dos sonhos" à UNESCO;  (iv) todos os anos, no mês de maio, é celebrado o Dia da Língua Portuguesa; (v) em 2011, o fado foi classificado pela UNESCO como "património imaterial da humanidade"...



_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 21 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13922: Manuscrito(s) (Luís Graça) (50): O tempo que faz em Imbecilburgo