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sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15416: Notas de leitura (780): “Sopros de vida”, por José Lemos Vale, Fonte da Palavra, 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
É uma leitura que nos permite ficar a conhecer a formação dos enfermeiros militares. Temos aqui um registo de exaltação do enfermeiro a falar desses enfermeiros, alguém que escreveu que os feridos da guerra colonial, na sua agonia e sofrimento aprenderam a só reconhecer um verdadeiro herói na pessoa do enfermeiro de combate que, desarmado e debaixo de fogo, os socorria nas picadas lamacentas. E dei comigo a pensar que ainda não li um elogio semelhante aos maqueiros, falando por mim tive o privilégio da colaboração de maqueiros extremosos que me acompanhavam nas operações, as populações do Cuor confiavam neles, acompanhavam os doentes até à consulta médica, faziam pequenos tratamentos a qualquer hora do dia e da noite.
Por favor, se conhecerem relatos sobre estes maqueiros peço-vos a amabilidade de mos transmitirem.

Um abraço do
Mário


Sopros de vida, por José Lemos Vale

Beja Santos

“Sopros de vida”, por José Lemos Vale, Fonte da Palavra, 2011, é uma homenagem de quem foi enfermeiro na CART 3505 de 1972 a 1974 e atuou em Diaca, Cabo Delgado, Moçambique. O autor esclarece: “O principal objetivo deste livro é o de relembrar a ação humanitária dos ex-enfermeiros militares e sobretudo a abnegação, coragem, sentido de entrega e generosidade de todos os ex-enfermeiros operacionais e das ex-enfermeiras paraquedistas que prestaram serviço na guerra colonial”. E exalta o combatente enfermeiro: “Era ao enfermeiro que cabia dizer ao companheiro caído, trespassado por uma rajada de metralhadora, que tivesse coragem, que não iria morrer, que tivesse fé e era a ele que cabia procurar, na picada ou no capim, o que restava do homem feito em pedaços por uma mina e depois arrumar o que pode encontrar para que as famílias viessem a ter algo dos seus entes queridos para velar. Quando se ouvia o sinistro estrondo de uma mina, ou o ladrar raivoso das metralhadoras a disparar a morte em pedaços de chumbo em brasa, todos os soldados se atiravam ao chão e se protegiam debaixo das viaturas ou num buraco qualquer. Todos, não! Carregando uma singela maleta com alguns medicamentos de primeiros socorros, os enfermeiros de combate corriam desarmados, debaixo de fogo inimigo, sob chuvas diluvianas ou sol abrasador, rastejavam nas tormentosas picadas tentando socorrer um companheiro em dificuldades ou em risco de morte que, em desfalecimento, suplicava: enfermeiro, aqui”.

O autor introduz um punhado de relatos de feridos em combate, onde constam os de Arquimínio Carrasco Marcão, da Companhia de Caçadores Paraquedistas 121, Guiné, 1970-1972, José Pereira Lopes, Guiné, 1972-1974 e Victor Tavares, também da Companhia de Caçadores Paraquedistas 121. Arquimínio Marcão depõe: “Eu regressei ferido. Fui apanhado numa emboscada quando já tinha 19 meses de comissão e ia ser distinguido com o Prémio Governador da Guiné. Depois deram-me um louvor. Uma rajada de metralhadora atingiu-me na barriga, no braço esquerdo, e o mais grave na perna esquerda: a bala entrou junto ao joelho e saiu entre as pernas”. José Pereira Lopes vivenciou o inferno de Gadamael: “Eramos obrigados a ir para as valas de água para fugirmos aos ataques. O pouco que comíamos era debaixo de fogo. Alguns, com a aflição de tentar fugir, atiraram-se ao mar e acabaram por morrer afogados”. Victor Tavares recorda a operação “Pato Azul”, na zona de Tite, o Alferes Afonso Abreu pisou uma mina antipessoal, improvisou-se uma maca alguns metros à frente um dos paraquedistas que pegava na maca acionou o fornilho que matou seis militares, incluindo o sinistrado alferes. E expõe a situação: “O Sousa, enfermeiro, que até aí tinha sido um herói no socorro ao Alferes Abreu e que seguia ao lado da maca segurando o frasco do soro, viria a morrer ficando sem um dos braços. Regressados ao destacamento, os feridos mais graves foram conduzidos para tendas onde lhes foram prestados os primeiros socorros por enfermeiros e socorristas que não tinham mãos a medir para aqueles que mais sofriam: uns choravam em sofrimento, porque os paraquedistas também choram”.

Esclarece a formação dos enfermeiros militares. No Hospital Militar Principal especializavam-se os cabos milicianos que seguiam para África como furriéis enfermeiros. No Regimento do Serviço de Saúde preparavam-se os soldados que eram enviados para a guerra como primeiros cabos enfermeiros. A instrução e especialização consistiam essencialmente em aulas teóricas onde os instruendos aprendiam matérias como: avaliação e tratamento do estado de choque; traumatismo craniano e torácico; improvisação de talas ortopédicas; urgências respiratórias e reanimação cardiorrespiratória; tratamento do choque anafilático; noções de traqueostomia (teoria); prática de pequenas cirurgias; estancamento de hemorragias; imobilização de fraturas internas; analgesia e sedação; tratamento de feridas extensas; injetáveis de vária natureza; tratamento antiofídico e antipalúdico; tratamento de doenças venéreas. No Regimento de Serviço de Saúde era também dada formação às especialidades de maqueiros e analistas de águas. Refletindo sobre as condições terríveis do trabalho do enfermeiro, recorda-nos que por vezes ele cedia às emoções e dá a sua interpretação: “Não é fácil ver um homem com os intestinos a saírem-lhe do abdómen e derramados pelo chão. É algo de pavoroso ver um corpo sem pernas, sem braços, às vezes sem as pernas e os braços. É arrepiante ver a massa encefálica a escorrer do crânio desfigurado por ter ficado sem parte da cara”. E comenta seguidamente o tratamento-tipo destes feridos e como se procurava aplacar as dores em estado de choque ou para impedir o aparecimento de gangrenas, por exemplo. Refere ainda o apoio psicológico do enfermeiro a militares deprimidos e em quadros de tentativa de suicídio. Menciona mesmo que o número de mortes de militares por suicídio foi muito significativo, o que sinceramente me deixou confuso, nunca considerei esta possibilidade. Para os grandes feridos era pedida uma evacuação e aí entravam as enfermeiras paraquedistas. Lemos Vale recolheu testemunhos de dois enfermeiros militares, dois deles antigos combatentes da Guiné: Hugo Rodrigues Coimbra e José Eduardo Reis Oliveira que nós aqui no blogue conhecemos por JERO.

A recordatória das enfermeiras paraquedistas tem sido alvo de vários livros dos últimos anos, a sua formação, a mudança que trouxeram as tradições militares, os primeiros cursos destas boinas verdes, são assunto sobejamente conhecido. Ganham realce alguns depoimentos destas briosas profissionais de saúde como o de Zulmira André que foi buscar a Guileje o Capitão Peralta, no âmbito da operação “Jove”. O autor tece-lhes uma homenagem tocante, lembra como elas excederam todas as expetativas dos responsáveis daquele projeto pioneiro, estas enfermeiras levaram os combatentes o carinho, o profissionalismo, o altruísmo e o elevado sentido de missão, pondo a mulher num plano jamais observado, não como enfermeira num Hospital de Guerra mas indo fisicamente a locais de muito risco, salvar vidas.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15410: Notas de leitura (779): "Combater duas vezes: as mulheres na luta armada em Angola", da antiga combatente do MPLA e hoje antropóloga Margarida Paredes (Vila do Conde: Verso da História, 2015)

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12247: Memória dos lugares (248): Em Gampará, sítio desolador, o dia mais feliz era quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau... (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando, 38ª CCmds, 1972/74)


Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá) > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gampará > Gampará >  1972 > Monumento da CART 3417 (Magalas de Gampará),  assinalando a passagem  por Gampará (e Ganjauará) da 38ª CCmds e de outars tropas especiais. Vê-se que por ali também passaram, ao serviço do COP 7 (Bafatá), vários DFE - Destacamentos de Fuzileiros Especiais (4, 8, 13, 21, 22), a CCP 121/BCP 12, a 2ª CCA - Companhia de Comandos Africanos, o 29º Pel Art e o Pel Mil 331.




Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá)  > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gamapará >  Gampará > 38ª Companhia de Comandos > 1972 > O Comando Amílcar Mendes, hoje taxista na praça de Lisboa, e membro sénior da nossa Tabanca Grande.

Fotos: © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.

1. No nosso blogue, temos 12 referências (ou marcadores) sobre Gampará e 3 sobre Gaujauará. Temos falado pouco sob esta pensínsula de Gampará, correspondente à margem esquerda do Rio Corubal e durante muito tempo um "santuário" do PAIGC. Era "chão beafada"... Já a Ponta do Inglês, com 23 referências, em frente a Gampará, na Foz do Corubal, mas na margem direita do rio,  tem tido mais "tempo de antena", uma vez que fazia parte do subsetor do Xime (Setor L1, Bambadinca)...

Nos últimos anos da da guerra (1972/74) passaram por lá, pela pensínsula de Gampará, de acordo com os nossos registos bloguísticos,  a 38ª CCmds e CCAÇ 4142 (*).  Mas houve mais tropa nossa, ao tempo em que Spínola fez uma grande ofensiva contra as chamadas regiões libertadas do PAIGC (por exemplo, o Cantanhez, embora já no fim do ano de 1972).

Está na altura de revisitar um poste antigo, do Amílcar Mendes, da 38ª CCmds, que conheceu o resort de Gampará (**), antes da malta da CCAÇ 4142. Quem tem trágicas memórias de Gampará e o nosso Victor Tavares e os seus camarasas da CCP 121 / BCP 12 que, uns meses antes, em 4/3/1972, sofreram 6 mortos e 12 feridos, no decurso da Op Pato Azul (***).


2. Memória dos lugares >  Gampará (38ª CCmds, agosto/dezembro de 1972)

por Amílcar Mendes [, foto atual, à esquerda]


(i) A cerveja de marca Mijo

Em Gampará não existe gerador. As noites são mesmo noite e, tirando umas chamas improvisadas nas garrafas de Cristal, nada se vê. No arame farpado duplo, os sentinelas esfregam os olhos para tentar distinguir vultos junto ao arame farpado. Pendem do arame centenas de garrafas de cerveja vazias que são o último grito em tecnologia de alarme. Nesta terra do nada, nada há. Temos uns bidões vazios, fizemos umas caleiras em chapa para apanhar a água da chuva e é dessa água que enchemos os cantis e nos lavamos.

A população beafada, embora seja muito hospitaleira, é muito ciosa das suas coisas e não abre mão dos animais, somos então obrigados a ir ao desenrasca até porque já atingimos a saturação dos petiscos de Gampará: cubos de marmelada com bianda, bacalhau liofilizado com bianda, chouriço intragável com bianda e tudo acompanhado por cerveja com temperatura ao nível do mijo...

Dizia-se então em Gampará,  quando os hélis vinham trazer mantimentos, que vinham entregar cerveja marca Mijo. Assim se vive em Gampará!


(ii) Feliz Natal e um Ano Novo cheio de 'propriedades'...

Todas as noites,  e sempre à mesma hora, na ausência de música, ficamos entretidos a tentar contar as morteiradas que brindam o destacamento do Xime! Ficamos à espera quando acaba lá e os tubos sejam virados para o nosso lado... Nunca na Guiné atingi um estado de magreza igual. Nunca na Guiné as condições de vida foram tão miseráveis.

Entramos no mês de Outubro [de 1972]  e vei o cá uma equipa da Emissora Nacional para gravar as mensagens de Natal para a nossa família. Não foi fácil. Todos íamos para um canto repetir vezes sem conta: Queridos Pais, irmãos e irmãs e restante família, desejamos um Natal feliz e um Ano cheio de 'propriedades'!... Esta ultima palavra era emendada mil vezes, que isto com os nervos e emoção não é fácil !

E como a ladainha era igual para todos, só muito depois é que muitos se lembravam que só tinham irmão ou irmãs, mas isso não era problema. Estavam presentes as Senhoras do Movimento Nacional Feminino. Animavam-nos porque a meio da mensagem muitos desatavam a chorar. Uma das Senhoras era de uma simpatia sem igual.(Só anos mais tarde soube que era a Cilinha!) .

(iii) O dia mais feliz: quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau...

Em Gampará um dia verdadeiramente feliz para os militares era quando chegava a LDG e vinham as meninas de Bissau, trazidas pelo Patrão, e que tinham por missão aliviar o stress do pessoal.

As meninas chegavam, instalavam-se numa tabanca, o pessoal passava pelo posto de enfermagem (?), recebia o sabão asséptico, o tubo da pomada para meter pelo coiso acima a seguir ao acto... Entretanto formava-se a bicha e trocavam-se larachas para matar o tempo, do tipo Quando chegar a minha vez com tanta gente, 'aquilo' parece o arco da Rua Augusto!.

A seguir era rezar para que o esquenta não aparecesse...

(iv) O nosso regresso a Bissau

19 de Outubro de 1972.  Soubemos hoje que metade da 38ª CCmds regressa amanhã e outra metade irá permanecer aqui a fim de dar o treino operacional à CCAÇ 4142 até 3 de Novembro de 1972. O meu Grupo de Combate será um dos que regressa.

Gampará, com todas as privações, teve o mérito de reforçar ainda mais os laços de amizade e confiança da 38ª CCmds. Aprendemos na privação a dar valor às pequenas coisas que a vida nos dá. A amizade entre os praças, sargentos e oficiais é,  na 38ª CCmds, visível  a quem observa a Companhia de fora. Essa amizade irá refletir-se em diversas ocasiões e irá levar a Companhia a muitos sucessos na actividade operacional.

20 de Outubro de 1972. Pela MSG imediata 3831/c , a 38ª CCmds regressa a Bissau, donde segue para Mansoa [, CAOP1,] para um período de descanço, ficando apenas a realizar segurança imediata ao Aquartelamto. (Esse período de descanso só durou três dias, logo aseguir correram connosco para Teixeira Pinto, de tão má memória para a 38ª CCmds). (****)

Amílcar Mendes
1º Cabo Comando
38ª CCmds
Guiné 72-74

2. Comentários do editor:

A CART 3417  foi mobilizada pelo RAL 3. Partiu para o TO da Guiné em 26/6/1971 e regressou a 24//9/1973. Teve 4 comandantes, sendo o 1º o cap art António Ângelo de Almeida Faria...Esteve Mansabá, Bissau, Ganjauará, Quinhamel, Bissau e Quinhamel

A CCAÇ 4142/72 foi mobilizada pelo RI 1. Partiu para o TO da Guiné em 16/9/1972 e regressou a 25/8/1974. Comandante_ cap mil cav Fernando da Costa Duarte. Esteve sempre sediada em Ganjauará.
_________________

Notas do editor:

Vd. poste de

(*) 3 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12246: O Nosso Livro de Visitas (168): Elisabete Gonçalves, filha do nosso camarada Victor Gonçalves, Sargento-Chefe que pertenceu à CCAÇ 4142 (Ganjauará, 1972/74)

(**) Vd 19 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2775: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (3): Nem só de guerra vive um militar

Vd. postes anteriores. desta série:

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1930: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (1): Um sítio desolador

(...) 15 de Agosto de 1972 - Pelas 09H30 do dia 15 de Agosto 1972, a 38ª CCmds segue via fluvial na LDG Alfange com destino a Gampará nos termos da mensagem Confidencial Imediata 3054/c, de 9 de Agosto de 1972, do COMCHEFE (REPOPER). Chega pelas 14h30 deste dia fazendo a sua apresentação e, passando a reforçar o COP-7 [Zona Leste, Bafatá], rendendo a 2ª Companhia de Comandos Africanos. (...)

(...) Gampará à vista! Desolador! O quartel é só tabancas que a tropa divide com a POP, arame farpado a toda a volta e uma dúzia de torreões com sentinelas. É aqui que iremos viver até quando calhe. (...)

16 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1956: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (2): Passa-se fome, muita fome

 (...) 2ª quinzena de Agosto de 1972

Passa-se fome, mesmo muita fome. Saímos em patrulhamentos ofensivos dia sim dia não, para as regiões de Campana, Nhala, Guebambol, Ganjaurá, Sama, Gambachicha, etc. etc.

Dormimos em colchões pneumáticos mas já há muito que não tenho esse luxo porque as formigas roeram-me o colchão por baixo e estou a dormir no chão. A luz vem de candeeiros improvisados: uma garrafa de cerveja com gásoleo e com corda a servir de pavio.

Come-se muito mal, a não ser algum cabrito roubado ou alguns papagaios que se matam e o resto é bianda com marmelada, bianda com chouriço, bolachas com bianda e assim se vai vivendo. Perdi cerca de 10 kg até agora.

Tivemos problemas sérios com a população. O 1º cabo Simão (que meses mais tarde viria a morrer na estrada Teixeira Pinto -Cacheu) roubou um porco que se matou e assou no forno do padeiro para melhorar um pouco a diete do pessoal. Só que, e sabe-se lá como, o Homem Grande da tabanca descobriu e foi-se queixar ao comandante. Fomos obrigados a pagar o porco e de castigo fomos p'rá mata. (...)

(***) Vd. postes de:


9 de março de 2011 > Guiné 63/74 - P7916: Efemérides (61): 4 de Março de 1972, uma data trágica para a família pára-quedista: 6 mortos e 12 feridos, em Gampará, na margem esquerda do Rio Corubal (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pará-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará (Victor Tavares, CCP 121)

(...) Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia, resultaram seis mortes, Alf Mil Pára-quedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa, 2 feridos graves e nove com menos gravidade, Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira, Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço, de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE" (...).

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10702: Tabanca de Candoz: Há a bazuca e a... mazurca; ou aqui não há festa sem música, sem dança no terreiro, sem contradança, valsa, fado, baile mandado..., ou seja, sem as velhas, novas, tunas rurais de Entre Douro e Minho...



Marco de Canaveses > Uma tuna rural dos anos 40 do séc. XX... (Fonte: AGUIAR, P. M. Vieira de - Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses. Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947). (Reproduzido com a devida vénia...)




Vídeo (2' 10'): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. (Clicar aqui para visualizar o vídeo, alojado no You Tube > Nhabijões)

 Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 20 de outubro de 2012... Festa de família, festa nortenha, festa portuguesa!... Esta é uma mazurca, daquelas que o povo de Candoz adora dançar!... Músicos: João e Júlio (violinos) + Nelo e Tiago (violas). O 1º violino é o nosso camarada Júlio Vieira Marques, que esteve na Guiné em meados dos anos 60 (O segundo a contar da esquerda). O 2º violino é o João Graça,  nosso grã-tabanqueiro (O primeiro  contar da esquerda)... (O Júlio e o João nunca ensaiaram juntos, e é a segunda vez que tocam juntos; a última foi também numa festa de família, há ano e meio).


1. A Tabanca de Candoz pode não ter ainda direito(s) de cidadania... no âmbito da Federação das Tabancas da Tabanca Grande (Matosinhos,  Melros, Centro, Linha,  Guilamilo, São Martinho do Porto, Lapónia ...) mas de tempos a tempos gosta de dar notícia de si, evidenciar-se, enfim, mostrar-se um bocadinho na montra do blogue. 

Até há pouco tempo, havia dois gatos pingados da Guiné, associados  a esta modesta Tabanca que fica lá para as bandas do Douro, com vistas para o rio Douro e  as serras do Marão, Aboboreira e Montemuro: o fundador deste blogue (e  um  dos seus editores), Luís Graça, e um tal Manuel Carneiro de quem o primeiro escreveu o seguinte no blogue A Nossa Quinta de Candoz, em 7 de outubro de 2007:

Foto à esquerda:  Manuel Carneiro, festa de N. Sra. Socorro, Paredes de Viadores, 27 de julho de 2008. (Crédito fotográfico: L.G.)


"Costuma-se dizer que o mundo é pequeno quando encontramos alguém, em circunstâncias, inesperadas ou insólitas. Alguém que já não vemos há muito, alguém de quem ouvimos falar mas que não conhecemos, enfim, alguém que gostaríamos de (re)encontrar.

Foi o que aconteceu com o Manuel Carneiro, ex-pára-quedista da CCP 121/BCP 12, que esteve na Guiné entre 1972 e 1974. Quem, primeiro, me falou do Manuel Carneiro foi o Victor Tavares, à mesa do Restaurante Vidal, em Aguada de Cima, Águeda, em 2 de Março último, tendo a nosso lado o Paulo Santiago, que jogava em casa…

"Como então tive ocasião de escrever, o Victor é um digno representante dessa escola de virtudes humanas e militares que foram (e são) os paraquedistas. Ele foi sobretudo um valoroso elemento da CCP 121 /BCP 12 que, na Guiné, entre 1972 e 1974, sofreu nove baixas mortais: seis na Operação Pato Azul (Gampará, Março de 1972) e três na valorosa 5ª coluna que, entre 23 e 29 de Maio de 1973, rompeu o cerco a Guidaje. Estes espisódios já aqui foram evocados pelo Victor, com dramatismo, autenticidade e rigor (*). (...)

"À mesa, na conversa que com ele tive, ao almoço, deu também para perceber que ele é também um grande homem, um grande português e um grande camarada, que foi um notável operacional mas que não se envaidecia pelo seu brilhante currículo como combatente e pelo facto de ainda hoje privar com os seus antigos oficiais, incluindo aquele que foi seu comandante e que atingiu o posto de major-general (se não erro, Bação da Costa Lemos, hoje na reforma), posto esse que é dificilmente alcançável entre as tropas pára-quedistas... O Victor foi e continua a ser muito respeitado pela família paraquedista, camaradas e superiores hierárquicos... A sua presença, na nossa Tabanca Grande, também nos honra, sobretudo pela sua grande experiência, camaragem e lealdade.

"Foi também nessa ocasião que eu vim a saber que um grande camarada e amigo do Victor foi um tal Manuel Carneiro, conterrâneo da minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro, natural de Paredes de Viadores, concelho do Marco de Canaveses… Não têm qualquer parentesco entre si, apesar do apelido Carneiro…

"No dia 2 de Setembro de 2007, seis meses depois, acabo por conhecer o Manuel Carneiro. Estava eu a acabar as minhas férias de Verão, passando os últimos dias na pacatez e frescura de Candoz, com vista para a albufeira da barragem do Carrapatelo… No dia 2 era a festa do São Romão, orago da freguesia, Paredes de Viadores. Por volta das 16h, decidimos ir dar uma volta até ao sítio onde se realizava a festa do São Romão que não se compara, nem de longe nem de perto, com a grande festa anual da freguesia e do concelho, que é a Senhora do Socorro, na última semana do mês de Junho de cada ano…

"São Romão resume-se, em boa verdade, a um pequena procissão e pouco mais. Mas nesse dia actuava o Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores…. Assisti  à (e filmei a) segunda parte deste simpático e jovem rancho, fundado em 1997. No final, entendi dever dar uma palavrinha reconhecimento e de estímulo ao respectivo director, que eu não sabia quem era…

"Levaram-me até ele e, qual não é a minha surpresa, quando lá chegado ele dispara, rápido, a seguinte exclamação:
- Mas... é o Dr. Luís Graça!
- Já nos conhecemos de algum lado ?
- Do blogue, pois, claro! Do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné! Sou camarada do Victor Tavares, paraquedista da 121…
- Podes então dispensar o doutor… Dá-me cá um abraço, que os camaradas da Guiné tratam-se todos por tu!

"Fiquei então a saber que o Manuel Carneiro, de 55 anos, pai de três filhas, era nosso vizinho, conhecia muito bem a família da minha mulher, os Carneiro de Candoz, que era refomado da CP, que residia no Juncal, mesmo junto à estação do Juncal (Linha do Douro, entre Marco de Canaveses e Mosteiró) e que assumira há pouco tempo funções de director do Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores

"A conversa inevitavelmente foi parar ao blogue, à Guiné e aos paraquedistas. O Manuel Carneiro está amiúdas vezes com o Victor, nos convívios periódicos da Companhia (CCP 121) e do Batalhão (BCP 12). Prometi-lhe apadrinhar a sua entrada na nossa Tabanca Grande. Disse-me que ainda não tinha email mas que ía com frequência visitar o nosso blogue, a partir do computador da filha mais nova…

"Prometi-lhe também divulgar o rancho por quem ele tem muito amor e a que dedica um boa parte do seu tempo, tanto no nosso blogue como no blogue da família, a Nossa Quinta de Candoz… Aqui fica, hoje, e com o atraso de mais de um mês, uma parte do prometido… A voz que se ouve no vídeo [ A Nossa Quinta de Candoz, poste de  7 de outubro de 2007 é do Manuel Carneiro a quem eu saúdo, como novo membro da nossa tertúlia". 

Na realidade, o Manuel Carneiro nunca chegou a ingressar, formalmente, na nossa Tabanca Grande, por falta de endereço de email e da foto da praxe, do tempo dos páras, mais a história que faz parte da joia de entrada; mas ainda estamos a tempo de corrigir essa anomalia, se ele continuar hoje a interessar-se pelo nosso blogue. Ultimamente não nos temos visto.

2. Outros dois são tabanqueiros, por direito próprio, jogam em casa, são da família Carneiro, foram ex-combatentes, mas não passaram pela Guiné:  os meus cunhados António Carneiro (o irmão mais velho da Alice) e o Zé Carneiro, o caçula, o mais novo. Há um, terceiro mancebo, o Manuel, hoje com 69 anos, que ficou livre da tropa.

O António, o mais velho, depois de regressar do Brasil, aos 24 anos, teve de cumprir o serviço militar. Era refratário... Estamos em meados dos anos sessenta. Com a especialidade de 1º cabo magarefe, da Manutenção Militar, foi mobilizado para Moçambique.

Em Tete, o António sofreu um grave acidente com uma pistola-metralhadora ligeira, uma UZI, disparada acidentalmente por um camarada... Milagrosamente salvou-se. tem um fecho "éclair", de alto a abaixo, do peito à barriga... O tiro perfurou-lhe sete órgãos. Hoje é um DFA - Deficiente das Forças Armadas (com cerca de 2/3 de incapacidade).

O mais novo, o Zé, por seu turno, foi parar a Angola... Foi 1º cabo trms inf, de rendição individual. Já  não se lembra a que companhia esteve ligado. Nem nunca encontrei ninguém desse tempo. Só se lembra de assentar arraiais em Camabatela, e andar a guardar cafezais lá para os lados de Negage e Quitexe. Não tem saudades nem da tropa nem de Angola.

Sobre a família, mesmo sendo suspeito, o que eu posso dizer é que  é gente danada para trabalhar, em casa e no campo, arrumar, lavar, cozinhar, organizar, fazer bolinhos, enfeitar, pôr os melhores panos na mesa, mesmo que no melhor pano às vezes caia a nódoa; é gente gregária, solidária, com valores cristãos; é, enfim, gente danada para a festa, a folia,  a brincadeira, a brejeirice, a dança, a música... Tanto elas como eles, ou ainda mais elas do que eles...

3. Agora junta-se à  pequena Tabanca de Candoz mais um camarada, esse, sim,  da Guiné, nada mais nada menos do que um corneteiro, de uma companhia que eu só fixei ser qualquer coisa como mil quatrocentos ou mil quinhentos e tal. e que terá andado por Madina do Boé... Tudo isto passa-se em meados da década de 60. Tenho que saber mais pormenores, mas ontem à noite não consegui apanhá-lo em casa (Mora em Matosinhos e tem oficina na Maia).



Quinta de Candoz, 20 de outubro de 2012 . Júlio Vieira Marques, violino (da tuna rural  Os Baiões)

Vídeo (2' 01''): Luís Graça (2012)

O Júlio faz parte do grupo musical Os Baiões, e é um entusiástico representante da tradição das tunas rurais que tiveram, nomeadamente na região do Marão, o seu apogeu nos anos 50. Até por volta dos seus 40 anos, o Júlio  também era um excelente tocador de violão. Um acidente com uma máquina de cortar madeira (ele é marceneiro de profissão), levou-lhe a falange do indicador da mão direita, obrigando-o a trocar o violão pelo violino (Repare-se na mão que segura o arco do violino,  no vídeo que aqui pode ser visualizado )... 

O Júlio é um exemplo extraordinário de força de vontade, talento, sensibilidade, coragem, disciplina e persistência. É, além disso, um homem afável e amigo do seu amigo. A morte, há uns anos atrás, de um companheiro e amigo, tocador de violão, levou-o a fazer um prolongado processo de luto, de vários anos, em que deixou pura e simplesmente de tocar. Para felicidade dele e nossa, acabou o luto, e hoje é capaz de estar um dia ou uma noite a tocar violino, sozinho ou acompanhado. 


O seu reportório é impressionante. Autodidata, também é construtor de violinos. Tem afinidades com a família de Candoz, é cunhado da Rosa, a irmã mais velha da Alice. A sua atuação em Candoz, em 20/10/2012, juntamente com outros músicos (tudo prata da casa!, tudo primos: João, Tiago, Luís Filipe, Miguel, Nelo, Joãozinho, violas, violões, bandolins, cavaquinhos, etc.), foi no âmbito das Bodas de Ouro de Casamento da Rosa & do Quim (, que é também, ele, um excelente "mandador de baile mandado", como se comprova neste outro vídeo disponível na nossa conta You Tube > Nhabijoes).

Espero, entretanto,  que o meu (e nosso) camarada Júlio aceite o meu convite para integrar formalmente a Tabanca de Candoz e a tabanca-mãe, a Tabanca Grande. Ficamos seguramente mais ricos com a sua presença humana e o seu talento musical.
_______________

Nota do editor:


(*) Vd. postes  de:

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

terça-feira, 22 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9934: Efemérides (90): Guidaje foi há 39 anos: reconstituindo a 5ª coluna, de 22 e 23 de maio de 1973 (Victor Tavares e † Daniel Matos)

A 5ª coluna,  a caminho de Guidaje>  Operação Mamute Doido, com os páras da CCP 121 > 23 de Maio de 1973 [fusão de dois postes]

por Victor Tavares (*) 
e † Daniel Matos (**)


1A. Victor Tavares [, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121/ BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74). foto à direita]:

No início do mês de maio de 1973, as forças do PAIGC intensificaram os ataques aos destacamentos de fronteira, mais concretamente Guidaje, a norte, e Guileje, a sul. Em Guidaje a pressão das forças IN começou com ataques ao aquartelamento e depois às colunas de reabastecimento no período 7 a 30 de Maio de 1973. Nesse período realizaram-se seis colunas. Apenas a terceira conseguiu alcançar o objectivo sem problemas.

E porque fiz parte da quinta coluna (***), gostaria de dar algumas ideias do que passei na mesma aos tertulianos interessados na guerra de Guidaje.


Para começar quero dizer-vos que já li que os efectivos da CCP 121 que participaram nessa coluna eram na ordem de 160, quando na verdade seríamos pouco mais de metade. Mas avançando para o desenvolvimento, mais concreto, do deslocamento entre Binta e Guidaje, de má memória para os paraquedistas da 121, nesse dia fatídico para as nossas tropas recebemos a informação de que íamos fazer protecção a uma coluna auto que ia para Guidaje, e que regressaríamos de imediato, até porque não nos fora distribuída alimentação.


1B. Daniel Matos [1950-2011, ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74, foto à esquerda] ...


[Em 22 de maio de 1973,] do quartel de Binta, sensivelmente à mesma hora (sete e trinta) em que saíramos de Guidaje, avançara também nova coluna logística, com a missão de evacuar o pessoal, sobretudo os feridos. A CCP 121 faria protecção a oeste da estrada, cabendo a um destacamento misto de fuzileiros (42 homens dos DFE n.º 1 e n.º 4, comandados pelo primeiro-tenente Albano Alves de Jesus) a protecção a leste. Os picadores seriam de um grupo de combate da CCaç 14 (guarnição de Farim), participando também um grupo reduzido de elementos da CCaç 3. Um dos elementos, – o furriel miliciano Arnaldo Marques Bento, – deste grupo comandado pelo alferes Gomes Rebelo, acciona uma mina antipessoal, reforçada com outra, anticarro, e tem morte imediata. Também um picador – o soldado Lassana Calisa, – morre alguns metros adiante e a mesma mina provoca dois feridos graves. 


Ainda um outro engenho viria a ferir gravemente outro homem. Cerca do meio dia, um grupo de combate saiu de Genicó e veio reforçar a coluna. O tenente-coronel Correia de Campos manda abortar a coluna de reabastecimento e o pessoal regressa a Binta, onde chega apenas por volta das 18 horas.

2A. Daniel Matos

[A 23 de maio de 1973,] sai de Binta em direcção a norte uma coluna/auto comandada a partir de uma DO-27 pelo major 
paraquedista  José Alberto de Moura Calheiros. É protegida por uma unidade de fuzileiros especiais e por grupos pertencentes a unidades do Exército, nomeadamente da CCaç 3 e, como sempre, por uma equipa de picadores que rasga caminho lá bem na cabeça da coluna.

Ao chegar perto de Genicó liga-se aos cerca de 90 homens da CCP 121 que, sob o comando do capitão pára-quedista Armando de Almeida Martins, emboscada desde bem cedo, ali aguardam a sua passagem, para lhe fazer protecção. Os pára-quedistas faziam parte de uma força de intervenção, que incluía ainda uma companhia de comandos e uma companhia de fuzileiros, enviada para Guidaje para tentar romper o cerco e aliviar a pressão do PAIGC sobre o quartel.


2B. Victor Tavares:

Lá seguimos manhã cedo, [a 23 de maio de 1973,] até passar uma pequena ponte. Logo de seguida estacionámos e emboscámo-nos do lado esquerdo da picada, ficando a aguardar a chegada da coluna auto que, passado algum tempo, chegou já protegida do lado direito por um grupo de fuzileiros especiais, seguidos de elementos do exército.

Na frente da primeira viatura seguiam vários sapadores (picadores). É de referir que a mata envolvente era bastante aberta o que facilitava o contacto à vista com as outras nossas forças.

Entretanto, é dada ordem para iniciarmos a marcha lenta por forma a manter a ligação à vista com a frente da coluna. Nessa altura rebentou uma mina antipessoal, provocando 1 morto. Isto cerca das 8.30h. 

Recomposta a ordem, retomamos a marcha, até que, passados pouco mais de 15 minutos, novo engenho é accionado, desta vez por uma viatura, desfazendo parte dela e provocando mais 1 morto e 2 feridos graves. A partir daqui foi fazer a transferência da carga e retomar o deslocamento. Pouco tempo andámos para nova mina ser accionada provocando mais 1 ferido grave.

Nesta altura estávamos próximos de Genico [a seguir a Caur, vd. carta de Binta]. Perante estes acontecimentos foi dada ordem para que a coluna regressasse a Binta, uma vez que a zona se encontrava toda minada e seria de evitar correr mais riscos.

2.C. Daniel Matos:

Por volta das 8,30 horas, com a ligação à vista praticamente a ser efectuada, uma mina antipessoal é deflagrada e provoca a morte do soldado Bailó Baldé, da CCaç 3. Escassos minutos a seguir, quando a coluna recolhe o corpo e retoma o andamento, uma viatura acciona outra mina e causa mais uma morte imediata (soldado Fonseca Nancassa, também da CCaç 3) e dois feridos com gravidade. 

Uma terceira mina vem a ocasionar mais um ferido grave. Perante as adversidades da progressão, parecendo impossível ultrapassar o enorme campo de minas e armadilhas que encontrou em cada metro de caminho, é recebida ordem para que a coluna retroceda e regresse a Binta. Aos  paraquedistas , no entanto, é dito que devem avançar até ao destino, em missão de patrulha (operação Mamute Doido). Assim procedem, vindo a efectuar uma pausa para descanso, já na área do Cufeu. Conforme estas fatídicas jornadas demonstram à saciedade, seja ao longo da bolanha seja em torno da casa amarela que avistamos a cada passagem – ou do esqueleto que dela resta, – o Cufeu é uma zona propícia para as emboscadas, desde logo pelo número inusitado de morros de baga-baga atrás dos quais dezenas de corpos se podem ocultar e proteger-se das nossas balas.
3A. Victor Tavares:

Com tudo isto já passava do meio dia, quando é dada ordem para a CCP121 continuar a operação em patrulhamento, regressando os fuzileiros e o exército.

Em direcção a Guidaje seguiam os paraquedistas, até que foi feita mais uma de muitas paragens para descanso do pessoal, esta já na zona mais perigosa de todo o percurso, que era Cufeu.

Como me encontrava desde o início na retaguarda, desloquei-me até junto do meu comandante de pelotão, Tenente Paraquedista Hugo Borges, afim de saber qual seria o nosso destino, porque nos encontrávamos já bastante debilitados fisicamente. Foi nesse momento que a grande altitude apareceu sobrevoando a nossa posição uma DO 27 aonde se encontrava o Major Paraquedista Calheiros que, em contacto com o comandante da CCP 121, Capitão Paraquedista Armando Almeida Martins, informa-nos que teríamos de seguir para Guidaje porque já estaríamos perto.

Dada esta informação, regressei a retaguarda mas ao fazê-lo pedi ao Melo, apontador de MG 42, para ocupar o meu lugar (todos os operacionais sabem o desgaste físico e psicológico que tal posição provoca) porque eu já vinha a mais de uma dezena de quilómetros naquele lugar.

Entretanto inicia-se a marcha e, quase de imediato, rebenta na frente a emboscada, tendo os primeiros tiros dados pelas forças do PAIGC abatido logo os Soldados Paraquedistas, Victoriano e Lourenço e ferindo gravemente o 1º Cabo Paraquedista Peixoto, apontador de HK21 e MG42.

A reacção dos paraquedistas foi pronta e rápida: apanhados em zona aberta sem qualquer protecção reagiram ao forte poder de fogo do IN, conseguindo suster o assalto das nossas posições como se verificou na retaguarda onde guerrilheiros, alguns de tez branca, tentaram fazer um envolvimento as nossas forças, o que foi evitado pela elevada capacidade de organização em combate e disciplina de fogo, aliada à coragem dos nossos militares.

Quero referir que simultaneamente toda a nossa coluna ficou debaixo de fogo IN numa extensão de mais de 300 metros.

É de realçar também a organização e o poder de fogo dos guerrilheiros do PAIGC que, equipados com bom armamento, bem melhor que o nosso, caso das Degtyarev, RPG2, costureirinha PPSH, Kalashnikov, Canhão Sem Recuo, RPG7, Morteiros 61mm e 81mm, mísseis terra-ar Strela (estes a partir do início de 1973 começaram a derrubar a nossa aviação tirando-lhe capacidade de actuação no teatro de operações).

Não era por acaso que as forças do PAIGC estavam tão bem organizadas nesta zona e neste período, tinham como comandantes Francisco Santos (Chico Té) e Manuel dos Santos (Manecas), dois dos mais temidos pelas nossas forças, além do comandante Nino Vieira.

3B. Daniel Matos:

Retemperadas as forças, o pessoal da companhia de caçadores paraquedistas reinicia a marcha e é de pronto surpreendido por constringente emboscada. Dois dos pára-quedistas que seguem na frente (António das Neves Vitoriano e José de Jesus Lourenço, este com apenas 19 anos) têm morte imediata; o 1.º Cabo Manuel da Silva Peixoto, apontador de HK-21, é colhido por uma rajada e fica gravemente ferido. O fogo inimigo é muito intenso, a frente prolonga-se por algumas centenas de metros e dura três quartos de hora praticamente consecutivos. Há quem garanta ter avistado gente branca do outro lado.

“Os militares José Lourenço, António Vitoriano e Manuel Peixoto iam na primeira linha e foram os primeiros a cair”, relata muitos anos mais tarde Hugo Borges, na altura da emboscada tenente, comandante de pelotão (hoje general).

À mistura com tiros de Kalashnikov ouvem-se estrondos de canhões sem recuo e roquetadas das RPG-7, que causam pelo menos mais duas baixas graves: a do soldado Palma, que se encontrava a tentar desencravar a metralhadora MG 42 do soldado António Melo, que foi também ferido e ficou imediatamente em coma (viria a falecer após evacuação, já na metrópole). 

Apesar da resistência das NT, a ofensiva só é contida graças ao apoio aéreo que desta vez corresponde ao chamamento. Os Fiat lançam bombas de cinquenta quilos ao longo de meia hora bem medida sobre a zona de acção IN (cuja força é estimada em cerca de setenta guerrilheiros). 

Algumas viaturas saíram de Guidaje e foram ao encontro dos paraquedistas. Fizeram inversão de marcha para se carregarem os corpos das vítimas e regressarem à origem. Abrindo um novo trilho, conseguem chegar à aldeia de Guidaje, não sem que os guerrilheiros retirados do Cufeu após o bombardeamento da aviação os tenham atacado de novo, mas de longe e sem consequências. 

O Cabo Peixoto não resiste aos ferimentos e morre também neste dia 23 de Maio, – imagine-se! – considerado o “Dia dos Paraquedistas” por ser há precisamente 17 anos (desde 1956) a data da fundação, em Tancos, da Escola de Tropas Paraquedistas!...

O Batalhão de Caçadores Paraquedistas (n.º 12) teve durante as campanhas na “Guiné Portuguesa” cinquenta e seis baixas, (três oficiais, seis sargentos e quarenta e sete praças).

Os corpos dos militares da CCaç 3 que protegiam a coluna inicial e que pela manhã foram vitimados pelo rebentamento de minas (mormente os de Bailó Baldé e Fonseca Nancassa), ainda devem ter sido transportados pelas mesmas viaturas que os camaradas 
paraquedistas  trouxeram para Guidaje, pois viriam a ser ali sepultados, dias depois, conjuntamente. Se assim não fosse, teriam sido levados pelos fuzileiros e elementos do Exército que regressaram a Binta e o tratamento aos seus esquifes teria sido diferente.

4A. Victor Tavares:

Continuando a relatar o desenrolar da operação: durante o contacto fomos flagelados com morteiradas e canhoadas que rebentavam a poucos metros de nós, tendo uma delas ferido gravemente os Soldados Paraquedistas Palma e Melo, este com grande gravidade, ficando de imediato em estado de coma e vindo a falecer, na Metrópole.

Ainda relacionado com as granadas que rebentavam junto a nós, aí poderíamos ter mais mortos e feridos, mas a nossa sorte foi o terreno ser mole porque as granadas enterravam-se e os estilhaços saíam em V. Faço esta afirmação porque a dois, três metros da minha posição de combate, rebentaram 3 granadas e felizmente nada me aconteceu. Já a quarta granada veio mais longa, atingindo os paraquedistas atrás referidos, quando se encontravam a desencravar a MG42 da qual o Paraquedista Melo era apontador, de grande categoria (este camarada era uma autêntica máquina de guerra).

Ainda debaixo de fogo começaram a ser socorridos os feridos da retaguarda, pelo enfermeiro 1º Cabo Paraquedista Fraga.

Ainda antes de terminar este feroz combate, os bombardeiros Fiat 91 bombardearam as posições IN tal foi a duração do mesmo (mais de 30 minutos).

Terminado o contacto, tratou-se de improvisar a maca para transporte do Melo, o outro ferido, o Palma, seguiria a pé, já que o ferimento era no pescoço. Entretanto chega-nos a indicação da frente que tínhamos mais feridos e mortos (os átras referidos Peixoto, Vitoriano e Lourenço).

Entretanto, quando chegamos à frente, deparamos com os corpos dos nossos camaradas que jaziam no chão, dois já defuntos, e um ferido de morte, este a ser assistido pelos enfermeiros dos pelotões.

A partir daqui aguardava-se a chegada de viaturas que vinham de Guidaje. Chegadas estas, carregaram-se os mortos e feridos. Nnessa altura fui à viatura onde se encontrava o Peixoto para ver qual era o seu estado. Apertando o meu braço, diz-me ele:
- Tavares, desta vez é que eu não me safo. - Aí respondi-lhe:
- Não, tu és forte e tudo vai correr bem, tem calma.

Quando desci da viatura depois de ver os ferimentos, fiquei com a convicção de que só por milagre é que o Peixoto se safava: fora atingido por vários tiros em zonas vitais .

De seguida iniciámos a marcha rumo a Guidaje, para pouco tempo depois a coluna na frente ser novamente atacada, desta vez sem consequências de maior, para as forças que seguiam na frente, Fuzileiros e Paraquedistas, seguidas das viaturas e na retaguarda os restantes Paraquedistas que ainda tentaram fazer um envolvimento às forças do PAIGC, o que não resultou derivado à distância ser grande e as mesmas terem abandonado as suas posições de ataque.

5. Daqui até Guidaje não houve mais qualquer incidente. Chegados, fomos instalados ao longo das valas, montando segurança durante os dias que ai permanecemos, sete ou oito. Durante esses dias foram elementos dos Comandos Africanos que regressavam da Operação Ametista Real (no período de 17 a 20 de Maio de 1973) na qual também participou a Companhia de Paraquedistas 121 (Assalto à base de Kumbamory) dentro do Senegal. Participou também o grupo do Marcelino da Mata.

Em Guidaje também aí encontrámos parte de um destacamento de Fuzileiros que aqui se encontravam sitiados há alguns dias e que pertenciam ao destacamento de Canturé.

A seguir relatarei a permanência em Guidaje durante 9 dias e o funeral dos meus camaradas paraquedistas . (...)

PS - No que atrás relato não estão incluídas algumas passagens muito importantes que entendo de momento não publicar. (****)




Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50 mil)  > Detalhes: posição relatiav de Binta, Genicó, Cufeu e Ujeque (na picada Binta-Guidaje).

__________

Notas do editor:

(*) 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

Vd. também poste de 9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(**) 5 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6108: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (7): Os dias da batalha de Guidaje, 22 e 23 de Maio de 1973


(***) Os historiógrafos militares Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso falam em 6 colunas, realizadas nas seguintes datas:

1ª coluna: 8 a 9 de maio de 1973;
2ª coluna: 10 de maio [ vd. aqui o testemunho do nosso camarada A. Merndes, da 38ª CCmds]
3ª coluna: 12 de maio;
4ª coluna: 15 de maio;
5ª coluna: 22 de maio;
6ª coluna; 29 de maio.

(In: Os anos da guerra colonial: volume 14: 1973 - Perder a guerra e as ilusões. Matosinhos: QuidNovi. 2009, p.45).

(****) Último poste da série > 9 de maio de 2012 > 
Guiné 63/74 - P9874: Efemérides (55): Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné (2) (Magalhães Ribeiro)


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9898: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (16): Guidaje foi há 39 anos...

1. Sobre Guidaje, há uma referência apenas do Diário da Guiné (1972/74) (*), da autoria do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu. Vem na entrada "Mansoa, 26 de Maio de 1973"... 

Colocado com alf mil de secretaria num CAOP1 (Mansoa), o António Graça de Abreu  estava relativamente bem colocado para ir sabendo das novas da guerra... Muito  melhor colocado do que qualquer um de nós, que fomos operacionais mas atuámos sobretudo a nível de setor ou subsetor, com uma visão necessariamente fragmentada e parcelar da situação operacional e político-militar...

Este documento diarístico vale também, para a historiografia da guerra colonial na Guiné,  por nos dar uma outra visão, e aliás bastante interessante, a  do estado de espírito ou do moral das nossas NT... Neste caso há referência explícita a tropas especiais, uma companhia do BCP 12 que regressa de Guidaje, e a 38ª CCmds (adida ao CAOP1) que parte para Guidaje...

Amigos e camaradas, leitores do nosso blogue: O "inferno de Guidaje" começou justamente a 8 de maio de 1973, faz agora 39 anos... Dizem os historiógrafos militares Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes que a operação de auxílio a Guidaje, reabastecimento e contra-ofensiva durou um mês (de 8 de maio a 8 de junho de 1973), e envolveu mais de mil homens das NT (na sua maioria, tropas especiais, comandos, fuzileiros e paraquedistas). Nunca é de mais evocarmos, nestas efemérides, o pesado sacrifício que foi pago pelos combatentes, de um lado e de outro, envolvidos nesta e noutras batalhas sangrentas da Guiné, ligadas a topónimos estranhamente começados por G (Guidaje, Guileje, Gadamael, Gandembel)...

 Recorde-se, mais uma vez,  para os eventuais leitores interessados,  que há uma edição comercial do livro do AGA. Referência completa: António Graça de Abreu - Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp. (*) (LG) 


Mansoa, 26 de Maio de 1973

[, Na foto, o AGA, na estrada Mansoa- Porto Gole, em 1973, a G3 numa mão e a máquina fotográfica na outra]

A Guiné ferve, até de boatos. Tenho a vantagem de estar razoavelmente bem informado sobre o que vai acontecendo. 

O PAIGC, confiante e moralizado, passou à ofensiva. Começaram há quinze dias atrás por se concentrar em Guidaje (**), na fronteira norte e agora sobre Guileje, na fronteira sul, as duas povoações trissilábicas, ambas começadas por “Gui”, sinónimo de desespero e morte. 

Um alferes pára-quedista meu amigo que passou agora por aqui com os seus homens vindos de Guidaje a caminho de Bissau, rotos, sujos, barbas de dias, os olhos afundados no nada, disse-me: “Lá para cima é só ferro, não se pode ir.” 

Guidaje, embora flagelada continuamente há mais de duas semanas, tem-se aguentado. Não se pode ir para lá, mas ontem quase toda a 38ª. Companhia de Comandos partiu para Guidaje. Os quarenta homens que lá haviam estado, com o nosso David Viegas que aí morreu, permaneceram em Mansoa. Já tinham tido um morto e o soldado Tavares sem um pé. Foi triste ver partir os restantes. Formaram a Companhia, saudaram toda a gente.

Antes houve bebedeiras, risadas secas a tentar afugentar o medo, a incerteza de voltarem vivos. A zona de Guidaje está cheia de guerrilheiros, a terra fica a quinhentos metros do Senegal – dizem-me que a pista de aviação entra por dentro do território do Senegal, – e, do outro lado, em Cumbamori no país do Senghor, os combatentes do PAIGC têm uma grande base militar. 

A partir de Bissau, lançou-se uma operação com o batalhão dos Comandos Africanos, cerca de 500 homens, sobre Cumbamori. Saiu um comunicado especial das Forças Armadas onde se refere a destruição do quartel de Cumbamori, só não se diz que este quartel fica no Senegal, tudo mais está mais ou menos correcto. O número de elementos IN abatidos, cento e sessenta e sete no total, é que pode criar algumas confusões porque engloba civis, às vezes mulheres e crianças, tudo o que aparece à frente e é suspeito de estar com os guerrilheiros, é frequentemente abatido. Na retirada, os Comandos Africanos foram atacados por blindados senegaleses e sofreram vinte e tal mortos.

O pessoal anda amedrontado. Ontem na messe, ao jantar, quase todos saltaram das cadeiras, ouviu-se um rebentamento. Afinal era a porta do frigorífico.

_______________

Nota do editor:


(**) Sobre Guidaje temos mais de 140 referências no nosso blogue. Sobre a intervenção da CCP 12/BCP 12 bem como da 38ª CCmds ver aqui os seguintes postes de camaradas nossos:

Victor Tavares (CCP 121/BCP 12) [, foto à direita]:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121) 


Amílcar Mendes (38ª CCmds) [, foto à esquerda]

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)


23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje
 

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

Aniceto Afonso  [, foto à esquerda,] e Carlos Matos Gomes, [, foto à direita,] historiógrafos militares [, tendo o segundo participado na Op Amestista Real, como oficial do BCA]


21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)

(...) "Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strela. O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anticarro e foi emboscada, sofrendo 12 feridos. 


"Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas.

"A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje" (...).

(...) "Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas [, a CCP121]. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70 elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje " (...). 

(...) "Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois mortos e vários feridos" (...).

(...) "Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.

"Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973: Mortos: 22; Feridos: 70; Viaturas destruídas: 6.

"Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação. 

"Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29 de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8 esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9 sofreu quatro ataques, em 10 três, e até ao final todos os dias foi atacada. No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, 30 feridos militares e 15 entre a população civil. Foram causados estragos em todos os edifícios do quartel" (...).

Sobre Op Ametista Real, ver ainda:

16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno)

Ainda sobre Guidaje, vd aqui tambémo depoimento de José Afonso, que pertenceu à CCAV 3420:

domingo, 6 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9859: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (15): Contam-se histórias tenebrosas sobre Gadamael...



1. Em 1973, em Maio/Junho, Gadamael era um dos três G de que toda a gente falava: Guidage, Guileje, Gadamael... Sobre Gadamael temos mais de 170 referências no nosso blogue, já tendo nós publicado diversos depoimentos em primeira mão, relativos à chamada batalha de Gadamael (em finais de maio e princípios de junho de 1973), desde o J. Casimiro Carvalho ao Pedro Lauret, do Carmo Vicente ao Victor Tavares, do Luis Paiva ao Manuel Rebocho, do Jorge Canhão ao João Seabra, sem esquecer o Manuel Reis, o Constantino Costa e outros "piratas de Guileje" ...

Qualquer destes três G têm suscitado e continuarão a suscitar as mais diversas versões, não necessariamente contraditórias, seguramente parcelares e complementares, umas mais polémicas, apaixonadas e acaloradas do que outras.


Alguns de nós, como é o acaso do nosso camarigo António Graça de Abreu (AGA), assistiram aos acontecimentos de Gadamael a uma distância relativamente confortável (desde Mansoa ou de Cufar). Para quem não estava lá, em meados de 1973, no TO da Guiné, não deixa de ser interessante ler as referências a Gadamael no diário do AGA, e ficar a conhecer as reações que a evocação do topónimo provocava nas NT... Lembro-me do mesmo temor e respeito que nos inspirava, em meados de 1969, a evocação de outros topónimos como Gandembel ou Madina do Boé, quando desembarcámos em Bissau e começamos a deambular pelas 5ªs Rep, ávidos de notícias, boatos e histórias da guerra. 

Pois aqui ficam alguns excertos do Diário da Guiné onde encontrei referências ao topónimo Gadamel. Recorde-se que há uma edição comercial do livro, e que este pode ser comprado nas livrarias ou na feira do livro que está a decorrer em Lisboa. Referência completa:  António Graça de Abreu - Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp. (*) (LG)



Guiné > Região do Oio > Mansoa > CAOP 1 > Março de 1973 > O Alf Mil António Graça de Abreu (1972/74) junto ao obus 14....
                                                                                 
Foto: © António Graça de Abreu (2010). Todos os direitos reservados



Mansoa, 22 de Maio de 1973

O PAIGC parece que vai declarar a independência, mas isso não modificará o rumo da guerra. O que tem abalado os portugueses nestes últimos meses é a quase ausência da nossa aviação, o armamento cada vez melhor, em maior quantidade e melhor utilizado pelos guerrilheiros e, acima de tudo, o estado anímico e psíquico da tropa portuguesa. No entanto, continuo a acreditar que esta guerra está longe de se resolver no campo militar e terá, só Deus sabe quando, uma solução negociada, política.
Creio que continuamos em vantagem sobre os guerrilheiros, dominamos os centros urbanos e as maiores povoações da Guiné, existem aquartelamentos espalhados por todo o território e temos muitos mais militares do que eles. Se em vez de quatro ou cinco Fiats tivéssemos vinte ou trinta aviões mais modernos, se contássemos com blindados capazes para este tipo de guerra, se a tropa portuguesa estivesse moralizada e decidida, as NT voltariam a manejar quase todos os cordéis com que se tece a guerra. Mas onde ir buscar dinheiro para tanto material militar – parece que as guerras em África consomem quase metade do orçamento de Estado, – e fundamental, como mudar estes nossos homens, descrentes, cansados, confusos?
Os senhores que nos governam ou estão cegos para a realidade ou fingem estar, querem que os pobres soldados portugueses continuem a “defender a Pátria” até ao impossível. (...)
O meu coronel [, Cor pára Rafael Durão, comandante do CAOP1] anda lá pelo sul, (...)  Guileje, Gadamael aquartelamentos junto à  fronteira que têm sido atacados quase sem interrupção. Ele já tem cá o seu “periquito”, o substituto, outro coronel pára-quedista que parece ficará em Catió, no sul, onde se diz que será criado um CAOP 3. (...)

Mansoa, 28 de Maio de 1973

O outro “Gui”, Guileje. O que se passou no aquartelamento do sul? Dizem-me que Guileje tem os melhores abrigos de toda a Guiné, em cimento armado, mas foi sendo sucessivamente flagelada, dias a fio, com o mais variado tipo de armas e, tanto quanto sei pela primeira vez na história recente desta guerra, as NT abandonaram um aquartelamento e retiraram-se para Gadamael, outro destacamento também junto à fronteira mas mais próximo de Cacine e do mar. Isto sem o conhecimento do Comandante-Chefe, general Spínola e dos estrategas de Bissau. Pelo menos é o que consta, estou a vender a notícia como a comprei, mas parece produto afiançado. (...)

Mansoa, 19 de Junho de 1973

Chegou anteontem a Mansoa uma companhia nova de pessoal destinado a Angola. Só dentro do avião souberam que vinham para a Guiné. Aconteceu o mesmo a três outras companhias de 180 homens cada, com outros destinos, que também foram desviadas para a Guiné. Estes vêm substituir uma companhia do Batalhão 4612, aqui estacionado em Mansoa e que, com oito meses de comissão, parte amanhã para reforçar Gadamael, ao lado de Guileje já evacuado há um mês pelas nossas tropas. Ontem os rapazes desta companhia estavam desesperados face ao futuro incerto que os espera, mais incerto do que o meu. Eu vou para pior, não propriamente para um matadouro. Esta companhia, ai, que Deus os proteja!...

A grande maioria dos mortos em combate na primeira quinzena de Junho, vinte e quatro no total, registou-se no sul, na região de Gadamael-Cameconde onde os guerrilheiros tentam conseguir o mesmo que em Guileje, obrigar os portugueses a abandonar mais um aquartelamento. Contam-se histórias tenebrosas sobre Gadamael. (...)

Hoje, às oito da noite estávamos os oficiais a jantar quando, diante da messe, surgiu quase toda a companhia velha em marcha fúnebre, com arcos e velas acesas sobre umas tábuas que pareciam caixões. Formaram e queriam oferecer uma garrafa de whisky ao capitão, o comandante da companhia, um homem do QP, competente, respeitado e determinado. Saiu da messe, perfilou-se, fez continência aos seus homens e mandou-os dispersar. Obedeceram logo. Depois houve grandes bebedeiras. Estive no bar de oficiais até cerca da meia-noite. Alguns alferes da companhia que segue para Gadamael, cheios de álcool, partiram garrafas e cadeiras. Não se tratou de insubordinação, apenas o extravasar de recalcamentos e medos. (...)

Cufar, 25 de Junho de 1973

Não estou encantado com o lugar que vim encontrar, mas Cufar é melhor do que eu imaginava. Em termos de guerra, segurança pessoal, companheiros de armas e instalações. (...). O que se passa lá mais para sul, em Guileje, há um mês abandonado pelas NT, em Gadamael, que esteve quase a ser evacuada, em Cameconde ou Cacine, só indirectamente tem a ver com a zona onde me encontro. Embora perto de Cufar, uns trinta quilómetros em linha recta, são regiões geográfica e militarmente diferenciadas da nossa. Lá os guerrilheiros estão a exercer uma enorme pressão mas, pelo que conheço deles, não me parece que tenham hipóteses de repetir a ocupação de qualquer aquartelamento NT. No extremo sul da Guiné eles atacam muitas vezes a partir do outro lado da fronteira. Dispõem de uma base grande em Kandiafara, uns quinze quilómetros já dentro da Guiné-Conacry, para onde regressam após emboscadas e flagelações. (...)

  Cufar, 27 de Junho de 1973

De Lisboa, contam-me as “bocas” que por lá correm. E “bocas” falsas. Fala-se em evacuar da Guiné mulheres e crianças. Mas onde e porquê? É verdade que a população nativa, os africanos das aldeias de Guidage, Guileje e Gadamael, abandonou essas tabancas por causa do perigo nas flagelações constantes do IN. Mas não houve nenhuma evacuação nem sei se tal está previsto pela nossa tropa. Também é verdade que muitos milhares de habitantes da Guiné Portuguesa procuraram fugir à guerra e refugiaram-se quer no Senegal quer na Guiné-Conacry, no entanto esta procura de um lugar mais pacífico para habitar não é novidade, começou há já alguns anos com o agravamento do conflito armado. (...)

Cufar, 2 de Julho de 1973

Catió “embrulhou” ontem às seis e meia da tarde. Seis foguetões, como de costume caíram fora do quartel. Em Cufar, ouvem-se sempre os rebentamentos mas a maioria do pessoal está tão habituado que já nem estranha. Hoje, às seis da manhã, acordei com mais pum, catrapum, pum, pum, tão diluídos na distância que voltei a adormecer. Era Gadamael. (...)

Cufar, 21 de Setembro de 1973

Tenho o cabelo um pouco mais crescido, mas os meus superiores não me chateiam com críticas ou ordens para o cortar. Também deixo crescer o bigode embora não me pareça que fique mais bonito. O bigode dá-me um certo ar rufia, um aspecto de mafioso italiano ou grego, de facalhão à cinta. Cortá-lo-ei em breve. Para um oficial usar bigode é necessário fazer um requerimento ao ministro do Exército. Não fiz nada disso, estou no sul da Guiné, quanto maior é o “buraco” em que estamos metidos, mais se ultrapassam os regulamentos. Os tipos do Chugué, Jemberém, Gadamael usam bigodes, barbas, cabelos de meses, estão-se cagando para os regulamentos. Os tipos do ministério do Exército que venham cá até ao sul da Guiné, até este esplendoroso torrão de solo pátrio, mandar vir com os soldados barbudos e cabeludos!... Eles são capazes de lhes meter uma bala nos tomates. (...)

Cufar, 8 de Novembro de 1973

Os dias fabulosos, as histórias que não conto, os whiskies que bebemos, às vezes a morte, espantalho de sangue agitado ao vento diante da menina dos olhos.
De madrugada, Gadamael, chão com cadáveres, juncado de medos. Quarenta e seis foguetões 122 disparados pelos guerrilheiros do PAIGC sobre o aquartelamento, aqui a sul, na fronteira. Apenas me apercebi de rebentamentos distantes, no sono do resto da noite. É normal, já nem estranho. Mas na mente de cada um de nós, a preocupação cresce. Quarenta e seis foguetões sobre Cufar, como seria?
As bebedeiras, cerveja, vinho, whisky, o álcool a circular no sangue temeroso. Os homens tontos de mágoa, solidão e medo. (...)

Cufar, 11 de Novembro de 1973

Outro dia duríssimo para Gadamael. Às seis da manhã, eu dormia mas acordei sonolento com os muitos rebentamentos distantes. Foram duas horas de flagelação com quarenta e dois foguetões 122. Tiveram dois mortos e muitos feridos.
Quando chegou a Cufar, o meu tenente-coronel “periquito” vinha cheio de ideias para pôr num brinquinho o que resta do CAOP 1. Começa a baixar a cabeça, a entrar na realidade. Ficou alterado com os ataques a Gadamael, hoje à noite apanhou uma bebedeira monumental. As pessoas, quer as do pequeno, quer as do grande mando, quando têm vinho dentro ficam claras como água. (...)


Cufar, 21 de Novembro de 1973

Guerra todos os dias. Ontem às seis de tarde, hoje às seis da tarde. Ontem foi Cobumba, estávamos a começar a jantar e pum, catrapum, pum, pum. Alguns de nós saltaram das mesas e começaram a correr para as valas. Cobumba fica aqui mesmo ao lado e como têm lá uma nova companhia de “periquitos”, os guerrilheiros trataram de lhes fazer condigna recepção, com foguetões, morteiros, canhão sem recuo, tudo a disparar numa cadência de fogo impressionante. O pessoal de Cobumba teve sorte, estão lá estacionados quatrocentos homens – a companhia velha e os “periquitos” que os vêm substituir – e não sofreram uma beliscadura.

            Hoje foi a vez de Gadamael, já não era atacada há dois dias e meio! Embora muito mais distante do que Cobumba, ouviam-se os rebentamentos com extrema nitidez. Foram só vinte minutos de fogo, também a um ritmo capaz de assustar o mais valente, as granadas rebentavam de dez em dez segundos. Não sei se houve consequências para as NT em Gadamael, mas a flagelação foi tremendamente feia. O ataque a Cufar dia 13 passado, comparado com estes dois que ouvi ontem foi uma brincadeira.

            Em resumo, a nossa tropa anda acagaçada. O PAIGC movimenta-se, põe, dispõe e manda lembranças. Começamos a ver a guerra com os olhos cada vez mais tortos. A aviação actua, os Fiats fartam-se de bombardear aqui em redor, numa cintura aí de quarenta quilómetros. Volta e meia ouvimos o zumbido dos aviões a jacto e os rebentamentos secos das bombas a cair.

            Só desejo que este embeber doloroso na guerra, este permanente estado de insegurança, este saber que a meu lado todos os dias morrem africanos e portugueses, não entre demasiado por dentro de mim e me marque a ferrete, com ressacas complicadas para o futuro. Não sou um tipo medroso, nem fraco. Procuro manter a cabeça fria e fazer estes jogos de guerra mantendo-me vivo e seguro. Mas custa muito ver tanta gente destruída, de ambos os lados. Os soldados parecem crianças com todos os defeitos dos homens. Bebedeiras conscientemente procuradas, reacções sem nexo, o medo escondido a crescer.
            Em mim, acho que quero, posso e mando. Às vezes, embora eu diga que não, a guerra afecta-me, e muito. Tento criar calo, uma armadura onde as sensações mais fortes batam e façam ricochete. Há o futuro, o desta gente, negros e brancos, e o meu. Faltam-me apenas quatro meses para terminar a comissão. É aguentar, e peito firme!  (...)


            Cufar, 4 de Dezembro de 1973


Mais foguetões 122 e de novo para Cufar, direccionados para o interior do nosso aquartelamento. O Chugué, há dois dias levou com vinte e cinco foguetões, sem consequências, Gadamael tem sido tão flagelada, com consequências, que já perdemos a conta ao número dos foguetões. Nós, mais humildes, fomos brindados com dez projécteis explosivos disparados durante quinze minutos. (...)


           Cufar, 21 de Janeiro de 1974


Cumpriu-se um ano sobre o assassinato do Amílcar Cabral e o PAIGC comemorou a data. Aqui na zona atacaram os aquartelamentos de Gadamael, Cafal, Cafine, Cadique, Cobumba, Bedanda, Chugué, Catió e … Cufar. (...)


           Cufar, 31 de Março de 1974



Prometi que só regressava a Cufar depois de ter resolvido o problema do meu substituto. Pois agora é verdade, já desencantaram o homem. É o alferes Lopes, apenas com quinze dias de Guiné. Tem a especialidade de Secretariado, estava exactamente destinado à 1ª. Repartição, em Bissau, e ou porque têm gente a mais ou porque eu os chateei demasiado nestes últimos dez dias, desviaram-no para Cufar. Encontrei-o na piscina do Clube de Oficiais, almocei com ele, animei-o – está um bocado abalado com a vinda para o mato, -  disse-lhe que Cufar é mauzinho mas se ele fosse atirador de Infantaria e tivesse sido colocado em Cadique ou Jemberém ou Gadamael, seria bem pior. (...)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 23 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9790: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (14): O cap mil grad António Andrade, açoriano, terceirense, da 35ª CCmds... (ou a confirmação de que o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande)