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sábado, 25 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7498: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (16): Um receita energética para os entrevados, by-passados, disrítmicos ou algo incapacitados tabanqueiros... (Vítor Junqueira)

1. Do nosso querido camarigo Vitor Junqueira (*), médico, com data de ontem, comentando os infortúnios que têm atingido as nossas tropas, ou melhor, alguns de nós, e exortando-nos a encher o peito de ar e (a)levantar o moral

Olá,  rapaziada do meu tempo;

Hoje não é dia para cultivar pessimismos. Todos de pé, já. Os coxos estão dispensados! Tenham presente que a mente comanda o corpo e,  como tal,  não deis confiança à doença e ... tende cuidado com os médicos que, na nossa idade, parecem obcecados em livrar-nos dos últimos pecaditos. 


A todos, em particular aos entrevados, by-passados, disrítmicos ou algo incapacitados desejo rápida recuperação.



Bom Natal e excelente Ano Novo.
Abraço forte e carregado de amizade do,
Vitor Junqueira

E tu, Vitinho Tavares? Desde que foste à recauchutagem mais ninguém te agarra! Então agora que tens os ossos todos numerados até estavas capaz de te alistares novamente no teu saudoso BCP 12. Estou certo? Tenho a certeza que sim, pois eu ainda lá voltava!

Paulinho Santiago: tem juízo,  rapaz! Nesta quadra, cuidado com os doces e as carnes, jovens (querias!). Boas caminhadas para o próximo ano e caso metas o papel, cá te espero para uma de longo curso. Ab

Carlitos (Vinhal), então como é que é, meu? Andas meio foxtrot por causa de porras do Blog? Nada o justifica, meu querido amigo. Deixa-os pousar qu' a gente vai-se a eles. Por acaso até ando com vontade de fazer uma prosa em que os editores são parte interessada, só estou à espera de vontade.



Arriba, camarada e se eu puder dar uma mãozinha nalguma coisa, é só dizer. Ab e bom Natal
VJ

 ___________


Nota de L.G.:

Último poste desta série > 25 de Dezembro de 2010 > 2010 Guiné 63/74 - P7497: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (15): Que o Natal seja sempre que um camarigo quiser ! (Editores)


(*) Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007).


Autor do blogue  "Kurt" - Amizade, Viagens, Aventura e muito mais!... ("O Blog onde se ligam amigos e companheiros de viagem para 'curtir' o que a vida tem de melhor. Porque só temos uma, há que aproveitá-la!"). Um blogue andarilho...onde também colabora o nosso Paulo Santiago, de Águeda.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7363: Que é feito de ti, camarada ? (1): Prakistou, diz o Vitor Junqueira, mas não desconectado

1. Comentário, com data de 23 do corrente,  do Vitor Junqueira ao poste P7318:

Queridos amigos da Tabanca Grande:

Esta manhã, como em quase todas as manhãs, fui tomar o meu cafezito no sítio do costume. Lá me encontrei com os igualmente costumeiros colegas e amigos com os quais resolvo de uma penada os principais problemas do país e do mundo!

Hoje, porém, falámos de saudade, aquele estado de exaltação psicofísica, doce e ao mesmo tempo dorido, que por instantes nos transporta para o seio de vivências que ficaram lá para trás. Dizem que a palavrita é tão nossa que não tem tradução noutra língua, não sendo muito comum no linguajar das tertúlias de machos. Vieram-me à memória os anos de Coimbra (dos amores e desamores), as tardes de estudo e cavaqueira no Piolho, Pigalle, Mandarim, o Teixeira dos jornais e o Tatonas das meninas, os espectáculos no Gil Vicente onde se realizaram também algumas das A M mais selvagens a que assisti, as noites de farra nas repúblicas ... Havia uma chamada Prakistão que albergou, se bem me lembro, um tertuliano especial, o meu colega e amigo Simeão D. Ferreira,  do destacamento de Cutia.

Pois,  meus caros, eu prakistou, mais ou menos bom de corpo, de cabeça, dirão vocês e, não é verdade que ande por aí, meio perdido, meio desconectado. Estou convosco todos os dias, normalmente mais do que uma vez por dia! Aprecio a matéria dada, revejo-me nalguma prosa e,  tacanho que sou, apenas pressinto na verve a corda lírica, vibrante e fácil, dom de apenas alguns tertulianos.

Quanto ao poste do amigo e camarada Manuel Marinho que motivou este comentário, quero dizer-lhe que agradeço as referências a um texto que em tempos escrevi com o coração. Onde o perfume da saudade mantém viva a memória daquela doce africana. E já agora, de outras, como na canção do Kenny Rogers!

Abraços do,
Vitor Junqueira

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7318: In Memoriam (61): Fanta Baldé, de Farim (Manuel Marinho)

1. Mensagem de Manuel Marinho* (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 20 de Novembro de 2010:


Caro Carlos Vinhal:
Envio este texto como comentário ao P1475 (**) que pretende realçar o talento deste camarada que neste texto fala de uma grande mulher africana que eu conheci, de seu nome: Fanta Baldé.


Um grande abraço
Manuel Marinho





A bela homenagem à mulher africana


Caro Vítor Junqueira (, foto à esquerda, Pombal, 2007):


Ainda não tive o privilégio de conhecer (a não ser virtualmente) alguns camaradas que escreveram para o blogue e que o deixaram de fazer, deixando belos textos sobre a nossa passagem pela Guiné. Este é para mim um deles.


Por aludir a uma mulher que conheci, e por achar que este texto elogia todas as mulheres africanas que durante a nossa guerra nos aturaram, sem queixumes ou lamentos a propósito da nossa presença em guerra não desejada.


Vem isto a propósito do P1475** que descobri nas buscas que volta e meia faço para descobrir textos não lidos, e alguns deles ficam impressos para trabalho futuro. E não é que descubro um belo texto que se refere à Fanta de Farim?


Imediatamente leio, releio e fico pensativo a recordar essa mulher e o seu filho Mário.


Invejo-te por seres capaz de escrever um texto, que eu gostaria de ter escrito. Aceita os meus sinceros parabéns pelo excelente e brilhante texto sobre a Fanta, a tua puta de estimação, como carinhosamente a tratas, porque é de carinho que falas quando te referes à Fanta.


É um relato que eu guardo religiosamente como tributo à memória dessa mulher que tu de forma genial lhe prestas, não há melhor homenagem, ela ficaria muito feliz.


A minha 1.ª/ Bcaç 4512 chegou a Farim no dia 13 de Janeiro de 1973 onde 2 GComb ficaram em Nema e o restante da Ccaç foi para Binta. Só lá ficamos até 10/Junho/73, donde seguimos para Binta ficando sob o comando do COP-3 por causa de Guidaje.


Um “velhinho” da Cart 3359, que fomos render, era um camarada da minha cidade natal, que fez de cicerone para eu conhecer Farim e os seus recantos, levou-me a conhecer a Fanta que me foi devidamente apresentada, com todas as credenciais e os elogios ao seu trabalho.


Dizia ele que quando estivesse aflito com dores de amor fosse ter com a Fanta. Talvez por a tratar de forma decente e lhe mostrar afeição, não descurando a vontade que sentia dela, ela gostava de conversar comigo no pouco tempo que eu lhe podia dar atenção.


Mulher de boa conversação e de contagiosa alegria, não falava muito do pai do seu filho Mário, às perguntas que lhe faziam sobre ele, mas gostava de saber tudo o que acontecia por cá, e sabia de muitos lugares descritos fruto da sua vivência com os nossos militares.


Lembro-a sempre com ternura, pela sua permanente boa disposição, e por me tentar sempre que podia, no sentido de me desenfiar do aquartelamento de Nema para ficar em sua companhia.


Perguntava sempre por mim aos meus camaradas quando não me via, e uns mais sacanas lá diziam:
- O teu azeiteiro não está, mas descansa que ele vem.


Não que eu o não quisesse mas a actividade operacional intensa não permitia que eu ficasse fora, sob pena de levar uma porrada. E as regras eram muito claras no meu Gr Comb, ninguém podia ficar fora do aquartelamento.


Conheci muito bem o seu filho Mário,  miúdo reguila,  a quem quase toda a tropa dispensava especial carinho fruto da sua ligação a um camarada que por lá passou, e que só agora sabemos,  graças a ti, o desfecho e o destino.




Dia 13 Abril 73


Esse foi um dos dias em que vim até Farim com camaradas beber umas cervejas e visitar as tabancas, no regresso a pé para o quartel, passo pela Fanta sentada junto a sua morança e ficamos a conversar eu e mais um camarada, os outros foram seguindo para o quartel.


O tempo foi passando, e a certa altura a Fanta diz-me para ficar com ela naquela noite. Não podia ser porque tinha de ir para o mato muito cedo, fica adiado disse-lhe, e ao olhar em redor ia pensando se não era perigoso ficar ali desprotegido e sem conhecer ainda bem aquela zona (apenas dois meses de Farim).


Chegados perto do quartel demos um berro para a porta de armas a identificar-nos, já passava das 23,00 horas, embora o camarada que estava à porta de armas tivesse sido alertado para o facto de ainda haver dois que estavam fora.


Fui tomar duche com a água barrenta de Nema, e só houve tempo de molhar o corpo porque logo a seguir ouve-se a saída característica de morteiro ou foguetão, toalha à cintura e corrida para a vala, ainda a avisar aos berros os camaradas que estavam já a dormir que havia ataque.


Na corrida para a vala fui projectado contra o arame farpado raspando o meu braço no mesmo, depois de alguns minutos de ataque (eram foguetões), já estávamos a receber ordens de preparar a saída para o mato para as primeiras horas da madrugada, só depois vi que tinha sangue no braço, tinha uns arranhões.


Logo aí pensei, o que seria se tivesse ficado com a Fanta? Disse-lho mais tarde e ela deu uma risada dizendo-me que nada me aconteceria enquanto estivesse ao seu lado.


Depois da nossa ida para Binta quando nos tocava ir a Farim (era raro porque a nossa sina era para Guidaje) escoltar colunas para reabastecimento a Binta, mal se passava junto da morança da Fanta ela já lá estava a saudar-nos.


Fiquei triste ao saber que morreu.


Aceita,  caro Victor,  que este modesto e pequeno texto se associe ao teu para também eu lhe prestar a minha homenagem à tua (nossa) Fanta de Farim.


Um grande abraço
Manuel Marinho
__________


Notas de CV:


(*) Vd. poste de 24 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7171: (Ex)citações (102): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Manuel Marinho / José Belo)


(**) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação


[...]
Não voltei a encontrar a Fanta. Confesso que durante muito tempo, após a passagem à disponibilidade, continuava a lembrar-me dela, com saudade. Tive vontade de regressar à Guiné para a visitar, saber se precisava de alguma coisa. Encontrei sempre desculpas para não o fazer.
Aproveito agora para comunicar a quem possa interessar que a Fanta Baldé faleceu em Julho de 2005 no Bairro Militar, em Bissau.

Como diz o povo na sua bondade: Paz à sua alma e que a terra lhe seja leve. 
[...]


Vd. poste posterior de 18 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4975: (Ex)citações (46): Se eu fosse mulher sentir-me-ia duplamente envergonhada... (Vitor Junqueira)


Vd. último poste da série de 9 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7249: In Memoriam (60): Morreu Fatemá, Mulher Grande de Sinchã Sambel (ex-Contabane), mãe do Régulo Suleimane Baldé (Paulo Santiago)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5045: Humor de caserna (12): A Paisanada... e Os Insaciáveis (Vitor Junqueira / Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça, um ser híbrido, meio alentejano, meio algarvio, no campo fortificado de Mansambo, onde se dormia debaixo de terra em bunkers, com paredes cobertas de imagens de estrelas ... de cinema como a Catherine Deneuve, que ajudavam os jovens, cheios de testosterona, nos seus verdíssimos 20 anos, a alimentar e a sublimar o ardente desejo... de viver! Em Mansambo (!), com Lisboa e o Porto, tão longe... e Bissau pelo meio, mas só para alguns privilegiados.... O melhor era mesmo afivelar a máscara do espanta-tentações, como aqui exemplificada na foto...

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.






Mensagem do nosso camarada Vitor Junqueira, publicada em 10 de Agosto de 2005 (*): "Entre os meus papéis encontrei esta lista com os títulos dos filmes que passavam nos principais cinemas do país nos finais da década de 60. Alguém estabeleceu um elo de ligação, irónico, entre esses títulos e certos momentos importantes da vida de um combatente. Quero partilhar o achado convosco.Vitor Junqueira".


Documento (digitalizado): © Vitor Junqueira (2005). Direitos reservados


1. Uma das coisas que mais aprecio nos seres humanos (e nos extra-terrestres, se um dia porventura os vier a encontrar) é o sentido de humor.

Infelizmente não temos cultivado devidamente esta arte e esta ciência. Convenhamos que o humor não é fácil. E que os tempos não são os mais favoráveis para os seus cultores. A menos que a coisa resvale para a chicana política, o trocadilho fácil, o bota-abaixo, o palavrão, a desbunda ... Mas esse arsenal do baixo humor (ou mau humor) não nos interessa, não faz parte do nosso core buisiness...e é eticamente reprovável, à luz dos nossos 10 mandamentos...

Gosto do humor do camarada que, em comentário a um poste meu (P5021), me diz:
- BAC ?... Bateria de Artilharia de Costa e não anti-costa.

E depois pergunta, com ironia:
- Paisanada?

E como "humor com humor se paga", respondi-lhe:
- É isso, camarada, é mesmo uma paisanada, uma calinada de paisano!... A minha cultura castrense tem lacunas... Fui infante, ninguém é perfeito... Peço desculpa aos leitores e, muito em especial, aos nossos valores artilheiros de costa (BAC)... Obrigado ao leitor anónimo, sempre atento e culto...

Pois, amigos, cá temos mais um termo (jocoso) que vem enriquecer o nosso linguajar de caserna:
paisanada sf > paisano + ada: 1. pej Os paisanos. 2 Grupo de paisanos. 3 gíria militar: Acção de paisano; gafe... (O termo vem do francês, paysan, camponês, pessoa que vive no campo, rústico)...

Outro camarada com humor (às vezes bem cáustico) é o nosso Vitor Junqueira... Creio que o primeiro ou um dos primeiros postes que lhe publiquei, nos primórdios do blogue, na I Série, era sobre o humor (*)...Merece transcrição (já que ninguém visita a I Série do blogue) (*):

Eu já tive ocasião de dizer ao Vitor que este documento era uma maravilha!... De facto, quem disse que nós, os tugas, não tínhamos sentido de humor ? Eu acho que o humor é, além de um sinal de inteligência, uma forma muito nossa de ser e de estar que nos ajuda a enfrentar e aguentar as situações difíceis…

Para um mancebo a tropa sempre constituiu, entre nós, um verdadeiro ritual de passagem. Para os mancebos da nossa geração, a passagem implicava também em 90 e tal por cento dos casos (tirando os filhos de algo, mais os cegos, os surdos e os mudos) um bilhete de ida (e nem sempre de volta) até ao Ultramar, a uma das três frentes da guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique...

O documento que o Vitor nos mandou [, reproduzido acima, ] é constituído por duas imgens, em formato.jpg, de uma lista, dactilografada, que tem por título "A Vida de um Militar na Guiné Atravez (sic) do Cinema".

A qualidade da digitalziação não é boa, pelo que transcrevo as duas partes, corrigidindo alguns erros de ortografia e/ou dactilografia. A segunda parte da lista (continuação) é aqui inserida sob a forma de imagem, a título meramente exemplificativo.

Esta lista, bem humorada, faz sobretudo a equivalência entre as situações do dia-a-dia de uma aquartelamento no mato e os títulos dos filmes que passavam na época nos nossos cinemas... Ainda me lembro de alguns!

Desconhece-se o autor. Possívelmente era alguém de transmissões, que tinha tempo e vagar para estas coisas... Talvez um cabo operador cripto, um especialista que não esconde a sua crítica à hierarquia e aos pequenos privilégios que davam as divisas e os galões:

(i) Clube de Sargentos = Casino Royal (possível referência à tendendência para a jogatana e a batota por parte de furriéis e sargentos);

(ii) Clube de Oficiais = Hotel Internacional (as instalações dos oficiais eram, sempre, apesar de tudo, melhores do que as barracas e os abrigos onde dormia o Zé Soldado);

(iii) Oficiais = Os insaciáveis;

(iv) Especialistas = Milionários sem vintém...


Também transparece aqui que a ideia de que ser sargento de messe (= golpe de mestre à napolitana) era uma forma rápida... e socialmente aceite ou tolerada de aumentar o pé de meia durante a comissão!

O autor é também possivelmente alguém que esteve numa zona quente, junto à fronteira norte ou sul, já que o turra é indentificado com o "perigo que vem da fronteira"... Curiosamente não há tanta referência à vida concreta dos operacionais no mato: a emboscada, a mina, o rocket, a costureirinha, o capim, os feridos, os mortes, o golpe de mão, etc.

Não deixa também de ser interessante a representação da enfermeira (pára-quedista): "o amor desceu em paraquedas"... Durante a comissão toda (= noites sem fim), a enfermeira pára-quedista era a única mulher branca que o Zé Soldado podia ver, ao vivo, embora de camuflado e de relance, em caso de evacuação de um ferido grave, quer no mato, quer no aquartelamento... Era, para muitos, uma visão quase celestial e sobretudo altamente erótica...

Ainda me lembro a perturbação e a excitação que causava, entre os básicos de Bambadinca, a chegada de um helicóptero com uma enfermeira pára-quedista... Em contrapartida, o furriel enfermeiro da unidade era associado a carniceiro e assassino... No caso da CCAÇ 12, o pessoal era mais gentil, embora brincalhão e travesso, pelo que o nosso furriel enfermeiro Martins era simplesmente o Pastilhas (um profissional competentíssimo... mas o que ele sofreu connosco!).

Outra das obsessões do militar na Guiné era a contagem dos dias que faltavam para a chegada dos periquitos e para o fim da comissão...E, por fim, inevitamente, a referência à ida às tabancas (= sarilho de fraldas), o convívio com as bajudas (= amor sem barreiras), o tabaquinho e os copos (= amores clandestinos), o tempo de lazer e de prazer do Zé Soldado...

A vida de um militar na Guiné através do cinema:


Partida de Lisboa = Passaporte para o desconhecido
Chegada à Guiné = As duas faces do perigo
Transmissões = O perigo é a minha profissão
Comissão = Noites sem fim
Apresentações = Eu, eu... e os outros
Alojamento = Este é o meu mundo
Messe = Por favor não comam os malmequeres
Clube de Especialistas = A grande vitória
Clube de Sargentos = Casino Royal
Clube de Oficiais = Hotel Internacional
Enfermaria = As loucuras do dr. Jerry
Secretaria dos TAP = Por favor não incomode
Secção de Fardamento = Pijama para dois
Comunicações = Este difícil amor
Metereologia = E tudo o vento levou
Linha da Frente = Com jeito vai
Grupo Operacional Aéreo = Os gloriosos malucos das máquinas [voadoras]
Companhia de Transportes = A ultrapassagem
Oficiais = Os insaciáveis
Sargentos = Os profissionais
Praças = A família Trapp
Especialistas = Milionários sem vintém
Oficial de Dia = Sua Excelência, o Mordomo
Enfermeiras = O amor desceu em pára-quedas
Enfermeiros = O assassino
Médico = O homem da mala preta


A vida de um militar na Guiné através do cinema (continuação) [Vd. documento acima reproduzido]:

Sargento de messes = Golpe de mestre à napolitana
Formaturas = Eram duzentos irmãos
Saída à porta de armas = Duelo ao pôr do sol
Ordem de serviço = Os Dez Mandamentos
Justiça e disciplina = Arquivo K
Condecorações = A Cruz de Ferro
Castigos = Adeus ilusões
Prisão = Longe da multidão

Dispensas = Uma réstea de azul
Recolher = Servidão humana
Não ir de férias = Restos de um pecado
Ir de férias = O prémio
Avião semanal = A esperança nunca morre
TAP = O último recurso
Bissau = Vida sem rumo
Tabancas = Sarilho de fraldas
Bajudas = Amor sem barreiras
Vinho, tabaco, etc. = Amores clandestinos
Ida ao mato = Um campista em puros

Turras = O perigo vem da fronteira
Ataque ao quartel = A visita
Fim da comissão = Com a felicidade na alma
Louvor = Não sou digno de ti
Substituto = O espião que veio do frio
Último dia da Guiné = O dia mais longo
Partida para Lisboa = África adeus
Chegada a Lisboa = Europa de noite
Primeira noite em Lisboa = Um homem e uma mulher
Passagem à disponibilidade = O adeus às armas



___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVIII: Humor de caserna: 'A minha vida, contada, dava um filme' (Vitor Junqueira)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4996: Controvérsias (35): O caso do Amílcar Ventura... Resistência ou colaboracionismo ? (Vitor Junqueira)

1. Texto do Vitor Junqueira (*), com data de 17 do corrente (Aqui, na foto à esquerda, a receber das mãos de outro senador do nosso blogue, o A. Marques Lopes, em 2007, no nosso II Encontro Nacional, em Pombal, mais de trinta anos depois, a condecoração que não lhe chegou a ser oficialmente dada em 10 de Junho de 1974, por causa das partidas da História):

Amigos Luís Graça e Carlos Vinhal,

O Texto que se segue está pronto há uns dias. Pela falta de oportunidade, estive numa de manda-não-manda até que hoje constatei que, embora de forma indirecta, se voltava ao tema. Decidi-me e agora é convosco. Se houver necessidade de poda, força! Peço a vossa atenção para os itálicos que agora, também na qualidade de editor (**), sei que não passam para o blog!

Um especial abraço para vocês,
VJ



2. Colaboracionismo (***)
por Vitor Junqueiro


Pessoal amigo, desta e doutras guerras, bloggers militantes, gente de sentimentos e coração ao pé da boca... e na ponta dos dedos.

Cheguei há pouco da Pérola do Atlântico que não visitava havia já duas legislaturas – é a nova medida do tempo na região – e nesta volta, em que esquadrinhei montes e vales, concluí: O Homem é um génio! Não sei quem pagou ou vai pagar. Algum do nosso, certamente já escorregou, mas o que vi deixou-me de boca aberta e acreditem que com a minha idade, uma pessoa já não se deixa deslumbrar facilmente. Rendo-me, e apesar da minha simpatia pela bola com o A lá dentro, até estava capaz de lhe oferecer uma cruzita se soubesse que ele se adaptava ao clima do Contnente.

Boca aberta, nem sempre significa iminência de disparate. Assim o espero, ao meter a colherada numa polémica que tem assanhado ânimos e desencadeado fúrias literárias e à qual, por uma questão de princípio, não poderia ficar alheio.

Uma pessoa vira as costas e é no que dá. Palavras desembainhadas, G3 na rua, (e as bazucas?), pelotões de fuzilamento! Parece que os camaradas não ficaram fartos. (****)

Como quem não quer a coisa, lá veio o patrão tentar meter ordem na caserna (post 4953, excitação 45). E não é que o homem escreve bem e explica-se ainda melhor!? Nunca entenderei porque é que dizem aquilo das pessoas da Lourinhã! (*****) Eu até gostava de encontrar um pintelhinho que desse para aquecer (ainda mais…) o debate, já que é disso que o meu povo gosta. Mas não, aquilo vai ao encontro da minha própria visão sobre a matéria e portanto, o Luís disse e está dito. E no entanto...

Eu gosto muito de contos da carochinha. Até já escrevi alguns que passaram no blog. Mas por natureza, prefiro os do Lobo Mau. Gosto especialmente daquela cena em que o dentuças pergunta ao capuchinho o que faz abaixada à beira do rio.
- Então não vê que estou a lavar a minha c…, senhor lobo?
Ao que o malino responde confuso:
- Ai porra, agora é que chegaste para mim. Eu não conheço essa versão da história …!

Neste palco, têm sido contadas muitas histórias, com maior ou menor brilho consoante a arte do narrador. Algumas deixam-me tão confuso como o pobre lobo. Como esta tanga do gasoil, que pura e simplesmente nunca aconteceu por flagrante impossibilidade material. Ou se calhar o meu cerbo está a ficar cansadito, com diz a minha paciente D. Joaquina!

De facto, já tinha lido uma resma de comentários ao post do Vasco da Gama, e atendendo à qualidade dos comentadores, nem deveria atrever-me a abrir o bico. Pois atrevo, e ainda por cima para dizer, “basta de porrada no ceguinho, chiça!”.

Brincadeira e ironias à parte, até nem seria má ideia abrir um canal novo para falar dessa questão tabu chamada colaboracionismo. No caso de Angola e Moçambique, parece não restarem muitas dúvidas de que existiram ajudas que podem configurar efectiva colaboração com o IN. Cantineiros isolados no mato, missões religiosas, empresas do ramo agro-industrial (madeireiras), possivelmente transportadores, colaboraram. Com dinheiro, géneros, informações, oferecendo guarida, tratando feridos etc. Uns, tê-lo-ão feito por convicção. Outros, assertivamente, compraram o sossego pagando um tributo.

Até aqui, não há qualquer novidade. Quem esteve atento ao recente trabalho do Joaquim Furtado sobre a Guerra de África, teve oportunidade de ouvir contados na primeira pessoa, relatos de antigos colaboradores. E na Guiné, o que é que se sabe para além dos casos conhecidos de deserção para o lado do PAIGC e algumas bem urdidas fugas de informação?

Durante a minha comissão, ouvia-se dizer que aqui ou acolá actuariam agentes infiltrados do IN, outros comiam dos dois lados e alguns até tinham nome. Ao meu conhecimento nunca chegou qualquer confirmação. Põe-se então a questão de avaliar, quem o quiser fazer, se as cervejolas, os cigarritos e tantas, mas tantas outras tentativas de chegar à fala com a guerrilha da respectiva ZA [, Zona de Acção], através da oferta de roncos, consubstanciam alguma forma de colaboracionismo. Não, segundo o meu critério. Eu próprio, em determinada altura, dactilografei uma carta mais ou menos nestes termos:

"Caros camaradas do PAIGC, sabemos que a guerra nos proíbe de sermos amigos. No entanto, nada nos impede de fazer um intervalo na missão que nos foi atribuída de nos liquidarmos mutuamente. Por isso, aguardo que me façam saber se estão dispostos a participar numa futebolada com a nossa malta e com a garantia de total segurança para o vosso regresso etc. e tal, despedidas e assinatura".


A cartinha foi deixada num trilho muito batido, andou por lá meses e reapareceu espetada num galho com uma alfarroba por perto. O caso teve como testemunhas, o ex-capitão Cupido, oficiais e sargentos da CCaç 2753. (Se necessário envio lista com endereços e números de telefone).

Uma curta história, da qual nada se pode concluir quanto às diferentes formas que o colaboracionismo pode assumir, esta não terá sido uma delas. A mim, importa-me sobretudo frisar que se tivesse aparecido alguém para uns toques na bola, nem num pêlo lhes teríamos tocado! No dia seguinte, se os céus me facilitassem tal desígnio, ter-lhes-ia limpo o sebo com a maior das satisfações. No mato, de canhota na mão.

Agora, que me responda quem sabe: quantas guarnições isoladas e sem qualquer hipótese de defesa, não se aguentaram mercê de um fechar de olhos a certos intercâmbios que se operavam nas suas redondezas? E quantas destas, não foram poupadas pelo facto de o próprio IN ter interesse na sua permanência em determinadas áreas? Que parte da nossa logística foi parar às mãos do PAIGC?

Em qualquer destas situações, nada houve que possa confundir-se com actos de colaboracionismo formal ou informal. Falta-lhes um elemento caracterizador, o desejo ou a vontade de ver o IN consagrar-se militarmente vitorioso.

E porque é que somos como somos, na Guiné, nos Balcãs ou em Timor? Desconheço, mas tenho uma ideia! Esta é a maneira de ser do soldado português desde há séculos, espírito prático, adaptável, filho de um povo de brandos costumes que colonizou continentes com a Bíblia numa mão e a espada na outra. Se for preciso, matamos o nosso irmão mas não o odiamos.

Quem passou pela experiência de caçar algum elemento da guerrilha à unha ou assistiu à sua entrega voluntária, sabe do que estou a falar. Não desconheço Wiriamu ou as façanhas de um tal alferes R. em Angola ou certas formas de destruir o inimigo na Guiné, que a maioria de nós, ex-combatentes, jamais aprovaria. Mas esses casos foram a excepção que confirma a regra. Acho eu, ou estarei tótó de todo?

Retomando o caso do nosso camarada que disse o que disse a propósito do bidonzito de gasoil, estou convencido de que ele não é ceguinho e também não será tonto nem mentiroso. A sua inteligência até lhe permitiu entender que neste palco onde todos têm podido dizer o que lhes vai na alma, parece e sublinho o parece, existir uma matriz ideológica prevalecente, que sempre se manifestou contra a guerra. A decisão de defender pelas armas o que pelos vistos, não muitos, consideravam territórios portugueses do ultramar, tem sido aqui profusamente criticada.

Não raras vezes, essas críticas têm-se feito acompanhar de considerações enaltecendo a razão histórica e a superioridade moral da luta do PAIGC contra as forças de ocupação – nós! Foram publicadas dezenas (centenas?) de páginas glorificando as acções do IN ou pelo menos gabando-lhe tanto a estratégia como a astúcia. Defendeu-se até à exaustão a versão da derrota militar das FA portuguesas, implicando nesse desfecho a ineficiência do dispositivo militar, a impreparação dos comandos, a desmotivação generalizada das tropas que não reconheciam ao regime legitimidade para envolver o país numa guerra injusta, assassina e contra os ventos da história, etc., etc., etc.

Foi tal a torrente de documentação carreada para o debate – citações de personalidades de indiscutível peso na política nacional e internacional de então, textos retirados de diversos livros e outras publicações, documentos, transcrições de discursos, reportagens e entrevistas –, que eu próprio, embora continue a afirmar que o retrato não condiz minimamente com a paisagem no espaço e no tempo em que lá estive, só por uma unha negra não fiquei também (con)vencido … quanto ao vencimento dessa tese!

O que eu acho, e estou-me nas tintas se o mundo inteiro se está cagando para aquilo que eu acho, é que o camarada Amílcar, a quem envio um abraço de solidariedade tertuliana, apenas terá querido ir ao encontro do que julgava ser “politicamente correcto”. Alinhar com essa corrente de pensamento supostamente dominante no seio da Tabanca, exigiria algum tipo de ritual, uma espécie de prova de fogo sem a qual o nosso iniciado acha que não apresenta as necessárias credenciais para ser admitido pelo grupo dos mais vanguardistas. E vai daí, como não desertou, não passou informações ao IN nem sabotou coisa alguma, resolveu oferecer-lhes um bidon de combustível, que era o que tinha à mão. Se bem que, ajudar materialmente o outro lado até pode ter justificação, em caso de catástrofe humanitária, por exemplo. O que nunca poderia ser o caso.

Na sua (minha) perspectiva, dar uma mãozinha à rapaziada da outra banda, teria apenas o significado de estar muito avançado para o seu tempo, ter o sentido da premonição e antecipar que daí a pouco … dá cá um abraço pá, e agora somos todos camaradas e amigos.

Ora uma coisa é a análise que podemos fazer deste conturbado período da história e das nossas vidas no plano político-filosófico, se assim o quisermos. Questão bem diferente é a da coesão do sistema baseada no pragmatismo das relações entre indivíduos, nas lealdades de sangue ou de grupo, na sobrevivência da matilha, onde qualquer traição se paga caro. E nem toda a gente possui as armas para fazer essa destrinça, se me faço entender, limitando-se a ensaiar o salto teórico para o outro lado da barreira e esperar ser aceite. E foi o que aconteceu, tratou-se apenas um ensaio e nada mais.

Naturalmente, não quis nem teria competência para desmontar um processo mental complexo, ainda para mais, desconhecendo o substrato psicológico do visado. O que sei, e disso tenho obrigação, é que em determinadas circunstâncias, a nossa cachimónia prega-nos partidas, levando-nos a acreditar em quimeras.

Se esta é uma forma simplista de desvalorizar uma história que a ter fundamento, seria um acto muito grave só comparável à prática de espionagem a favor do inimigo, não deixa também de ser um apelo à razoabilidade e um lembrete acerca do perigo dos julgamentos serôdios.

E aqui volto à velha questão da legitimidade para aferir comportamentos passados correlacionados com matérias acerca das quais, a sociedade portuguesa continua tão profundamente dividida.

Quanto aos reparos, foram no mínimo oportunos, se não mesmo pedagógicos! Vão certamente ter o mérito de arrefecer certas derivas para a confabulação. A seriedade do Blog deve ser um valor para nós que o fazemos, e para os milhares que lá vão beber a informação de que necessitam. Assumir a possibilidade de a qualquer momento se ser confrontado com a crítica severa ou o contraditório, é um excelente estímulo para cultivar a objectividade, penso eu de que. Relativamente à explicação do Luís, achei-a fundamental para que todos percebam que determinadas matérias (textos), pela sua forma ou conteúdo, necessitam mesmo de nota prévia e da perguntinha à Fernando Mendes: Fica assim mesmo ou quer pensar melhor?

E agora venha a porrada!

Paletes de abraços,

V. Junqueira

PS (não é esse!)- Falei em histórias da carochinha e do lobo mau. Quis dizer que as aprecio imenso, mas de vez em quando necessitamos de um prato de substância capaz de provocar uma certa agitação das águas. Tenho reparado que são publicadas páginas e páginas de muito interesse, sem dúvida, mas que não suscitam uma singela observação. Já quando o tema é fracturante – está na moda, o fracturante! – logo aparecem os comentadores de serviço e os outros. Por isso, faço um apelo à querida cambada para que não se fique pelo comentarizito de postagem directa. Simples e curto, não é, malandragem?

[ Revisão / fixação de texto / bold a cor: L.G.]


2. Nota de L.G. enviada ao autor, no dia seguinte

Muy preciosa... a prosa. Fica a aboborar. Talvez saia mais logo ou sábado... Tenho tido pouco tempo esta semana, estou em júris de selecção de candidatos aos nossos cursos...

Vitor, fazes sempre muita falta cá na caserna... Dás pica e sabes temperar as tuas intervenções com um sentido de humor, muito especial, que eu aprecio de sobremaneira...

Só não concordo contigo quando dás a entender que há um main stream , uma corrente de fundo, na Tabanca Grande, pró-PAIGC... A maior parte dos textos que publicámos sobre o PAIGC até são de fontes nossas... Outros são documentos com interesse historiográfico (PAIGC Actualités, por ex.)... Pessoalmente gostaria de triangular a informação, como fazem os historiadores... Infelizmente são raros os depoimentos do outro lado... Ficaram de me arranjar histórias de vida de guerrilheiros... Espero um dia poder também inseri-las aqui, para serem objecto de análise crítica da nossa parte... como foi a história (mal contada, também concordo...) do Amílcar Ventura (Ele prometeu responder dentro de dias a algumas críticas, não fugiu...).

Aquele abraço. Luís

3. Resposta do Vitor:

Luís,

A tua apreciação sobre o meu trabalho é que é preciosa para mim. Estimulante e encorajadora.

Permite-me desfazer um equívoco de que serei, eventualmente, o primeiro responsável. No blog existe de facto um main stream anti-guerra e não pró-PAIGC. Uma coisa não tem forçosamente que ver com a outra. De outra forma o que é que eu estaria a fazer no seio desta tertúlia? Se ando por aqui, é porque me sinto confortável e muito bem acompanhado!

Abraço,
VJ

__________

Notas de L.G.:

(*) Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007).

(**) Referência ao seu blogue pessoal, "Kurt" - Amizade, Viagens, Aventura e muito mais!... ("O Blog onde se ligam amigos e companheiros de viagem para 'curtir' o que a vida tem de melhor. Porque só temos uma, há que aproveitá-la!"). Um blogue andarilho...onde também colabora o nosso Paulo Santiago, de Águeda.

(***) O colaboracionismo dos guineenses (que estiveram do nosso lado), foi já aqui - no Blogue, I Série - objecto de debate... vd. postes de:

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCC: O colaboracionismo sempre teve uma paga ( 5) (Carlos Vinhal)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCIX: O colaboracionismo sempre teve uma paga (4) (Pepito)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVIII: O colaboracionismo sempre teve uma paga (3): Paulo Raposo

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (2) (Zé Teixeirq)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)

(...) Notas de L.G.:

(...) Colaboracionismo: Actividade, comportamento, atitude ou interesse de colaboracionista, ou seja, de pessoa que colabora com ou apoia o inimigo que ocupa, total ou parcialmente, o território do seu país (Dicionário Houaiss da Lígua Portuguesa, 2002).

O termo fancês collaborationniste surgiu em 1940, na sequência da ocupação da França pelo exército alemão e a constituição do Governo de Vichy, presidido pelo Marechal Pétain (1851-1951), o herói de Verdun na I Guerra Mundial. Depois da libertação, Pétain foi condenado à morte por alta traição, sentença comutada em prisão perpétua. Houve outros governos colaboracionistas durante a II Guerra Mundial: Bélgica, Holanda, Noruega (com o famigerado Vidkun Quisling, abertamente favorável aos nazis), Croácia, Hungria bem como noutras partes da Europa de Leste...

Ao colaboracismo contrapõe-se a resistência: por exemplo, a resistência francesa, La Résistance (1940-1944) à ocupação nazi e ao regime de Vichy... Em Portugal, também se fala de Oposição ou Resistência à Ditadura (leia-se: Ditadura Militar, instaurada em 28 de Maio de 1926 e depois, a partir de 1933, Estado Novo, deposto em 25 de Abril de 1974).

(****) Vd. postes de:

15 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)


11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4939: Banalidades do Mondego (Vasco da Gama) (IV): A minha guerra foi outra, camarada Amílcar Ventura


11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

(****) Sobre este tópico, vd. A HISTÓRIA DA LOBA (excerto, com a devida vénia, de Papagovas > Página pessoal de Fernando Silva)

“Pensas que sou da Lourinhã???”

Eis uma expressão por muitos sobejamente conhecida, e que significa: “Julgas que sou estúpido?”, mas a maioria desconhece a sua origem.

No seu livro "A Extremadura Portuguesa”, Alberto Pimentel escreveu o seguinte:

"O Diccionario ’Popular, de Pinheiro Chagas, remata o seu ligeiro artigo sobre a Lourinhã, dizendo : 'Não sabemos qual a origem do proloquio vulgar, que faz com que se diga de um homem lorpa e que tudo ignora: Parece que veio da Lourinhã.' Este proloquio tem ainda outras modalidades, taes como : – E’ da Lourinhã! – Não se faça da Lourinhã! todas ellas batendo no mesmo sentido. E’ provavel que alguma anecdota explique a procedencia do proloquio, como synthese da boçalidade do camponez da Lourinhã. Ignoramol-a. Mas o que sabemos é que o povo d’este concelho conserva uma rudeza primitiva e aquella ignorancia tradicional que os saloios herdaram dos seus antepassados. Assim nos affirmam pessoas que de perto o conhecem."

Na década de 1930, Dona Amélia do Perdigão tinha, na sua quinta, um corpulento animalejo de raça canina que metia respeito e mantinha à distância quem ousasse aproximar-se do palacete ou do trem onde se fazia transportar.

Um dia o animal desapareceu da Quinta do Perdigão e a partir daí, deu muito que falar na região devido ás muitas histórias que sobre ele foram inventadas.

Uns chamavam-lhe LOBA, outros RAPOSA, e que esta devorava animais com as suas garras, dizimava rebanhos, coelhos, galinhas, matava vitelos, e havia quem dissesse que, no Vale Côvo (Conselho do Bombarral), chegou a matar um burro.

Formaram-se grupos populares, Milícias e até chegaram reforços Militares de Lisboa, com o intuito de abaterem a Loba. Chegou-se mesmo a pensar em evacuar a Vila, tal era o pânico da população.

Quando finalmente o animal foi abatido, verificou-se tratar-se “apenas” de uma cadela assustada e esfomeada.

Daí surgir a expressão: 'Pensas que sou da Lourinhã???', devido a este infeliz incidente. (...)".

Felizmente, meu caro Vitor, a minha terra deixou há 25 anos de ser a Terra da Loba, para se tornar a Capital dos Dinossauros... No Oeste estremenho, há outras terras que continuam a ser objecto de troça (ou até de insulto), por causa de anedotas históricas como esta... É o caso de Peniche ("Amigos de Peniche"...), de Rio Maior ("O Leão de Rio Maior")... Tu próprio fazes questão de sublinhar que és de Pombal, ou vives em Pombal (e não do Pombal, no Pombal)... Preciosismos literários ? De modo algum... É como os alentejanos de Cuba: não se vai a Cuba, vai-se à Cuba... Cada terra e cada povo tem a sua idiossincrasia... e as suas susceptibilidades...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4975: (Ex)citações (46): Se eu fosse mulher sentir-me-ia duplamente envergonhada... (Vitor Junqueira)

1. Texto do Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007). Enviado a 14 de Setembro de 2009, depois de solicitado a comentar um comentário de uma leitora anónima ao poste P1475 (*)


Caro Luís Graça,

Cheguei da terra de Alberto João que não visitava fazia um tempinho e a quem tiro o meu chapéu. Encontrei o teu e-mail que desde já agradeço. Como não havia qualquer referência ao texto que motivou tão grande vergonha (embaraço?) por parte da nossa cara visitante, deduzo que se trata daquele em que falo da Guiné e dos amores que eu lá tive. Até parece o título de uma canção de Coimbra!

Segue um breve comentário ao reparo da estimada leitora, com o pedido antecipado de desculpas, caso continue a sentir-se ofendida depois das explicações que lhe ofereço.



(Ex)citações (46) > A Guine e os amores que lá tive (**)
por Vitor Junqueira


Elaborando um pouco sobre um comentário seu (*) a um texto da minha autoria versando o tema do sexo em tempo de guerra, que a deixou envergonhada, permita-me, minha senhora, que lhe diga que não posso estar mais a seu lado, nem por baixo nem por cima. Também sou, por princípio, contra a guerra, a violência sobre os outros povos … e o meu. Calculo que, tal como eu, a senhora abomina a hipocrisia, o cinismo, a estupidez, a indignação das virgens púdicas, as ratas de sacristia ou falsas beatas.

Peço-lhe minha senhora, que atente na quantidade de pontos de convergência que o nosso pensamento já leva em comum. Até lhe digo mais, se eu fosse mulher, sentir-me-ia duplamente envergonhada!

Primeiro, porque ninguém gosta de ver outro do seu género (taxonómico) enveredar por uma carreira profissional tão desprotegida e socialmente desvalorizada, reconheçamo-lo. E note que estou a referir-me às profissionais dos países civilizados, como o nosso. Bem sei que, no Reino Unido e na Itália, a corporação se organizou em partidos políticos que tiveram votações consideráveis. Conheceu a Cicciolina? Até chegou a de(puta)da! Nalguns países europeus, têm direito a cartão profissional, seguros, protecção sindical e formação teórico-prática.

Em segundo lugar, garanto-lhe que a sigo noutro aspecto, o da nomenclatura. As antigas designações de puta, prostituta, meretriz, mulher de vida fácil, apresentam uma carga pejorativa considerável, soam mal ao ouvido e podem até induzir em erro toda a mulher que pretenda abraçar a profissão. Como é que se pode considerar fácil a vida de uma profissional, se ela não tiver minimamente definidos o seu horário laboral, número máximo de atendimentos/hora, remuneração, higiene e segurança no trabalho, etc.?

Prefiro a denominação de profissionais do sexo. Ao contrário do que pensa, respeito-as e admiro-as! Pela coragem, devido às doenças que por aí andam. Pelo espírito de sacrifício, porque não dever ser pêra doce desenvolver uma actividade convencional durante o dia, e à noite, dedicarem-se a outra ainda mais convencional. Eu que lhe digo, é porque sei. Vivi uns tempos na periferia de uma grande urbe nacional e, por diversas vezes, até fui testemunha presencial da ginástica que algumas tinham que fazer para andarem bem arranjadinhas e pagar a prestação do carrito.

Hoje em dia, estas profissionais estão muitíssimo melhor preparadas para enfrentarem a carreira. Muitas frequentam ou frequentaram a universidade, são clientes dos melhores ginásios e clínicas de fitness, têm a alimentação controlada por nutricionistas, vestem bem e publicitam os seus serviços (acompanhantes) em revistas caras. Pode dizer-se que usufruem de uma vida de estalão. Claro que não podemos fazer generalizações, nem todas lá chegam, tantas são as vezes em que o sucesso depende de parâmetros sobre os quais o ser humano não tem controlo. Mulheres mal feitas, feiosas, sem educação, copuladas e mal pagas, são bem capazes de, a dado momento, acharem que escolheram o lado errado da vida. Essas sentem-se envergonhadas. Compreensivelmente.

No caso da mulher africana, a minha experiência não é grande porque praticamente só tive o relacionamento que descrevi. Mas aí parece-me que a situação não é tão preocupante como pode parecer à primeira vista. Desde logo, porque é mais fácil a mulher africana ir (ou vir) com um homem porque gosta dele, e não por dinheiro. Parece-me que deixei bem claro que a minha – como lhe hei-de chamar, namorada? - nunca aceitou qualquer forma de pagamento. E depois, pelo que me apercebi, elas não brincam em serviço. Ou estão afim ou não há mesmo nada a fazer, e a insistência pode ser muito perigosa para a saúde andrógina.

Também não constatei que houvesse exploração de mão de obra barata já que o serviço mais comum, partir punhe, andava pelos dois pesos e meio, e tratando-se de clientes na casa dos vinte anos, não se pode dizer que fosse trabalho penoso, insalubre ou demorado.

Pedagogos com nome na praça têm-no aconselhado como boa prática introdutória ou iniciática ou vice-versa, olhe já estou confuso, nas nossas escolas, sem qualquer lugar a qualquer cobrança, evidentemente.

A esta hora já a senhora estará a perguntar-se; mas onde é que este rapaz terá ido buscar tanta ciência? Garanto-lhe que não foi ao currículo da mãe, irmãs, tias ou avós como estará tentada a avançar. Essas eram umas pategas, só sabiam rezar e até um simples pensamentozito mais lúbrico era motivo para confissão, a um senhor padre muuuiito velhinho e quase invisual. Onde eu tenho aprendido umas coisas é na literatura moderna, particularmente naquela de inspiração feminina. E só leio autoras de referência. Mas não dispenso as revistas de e para mulheres. Acho-as um bocadinho picantes, atrevidas mesmo. Se aquilo que lá vem corresponde à realidade, é um delicioso mundo novo que se abre para nós, homens. Alguns sortudos já encontraram tudo aberto, é a felicidade sem limites e sem responsabilidades. Agora eu, pobre de mim, vivo aqui para as berças onde ainda está tudo tão fechado!

Não me alongo mais. Reitero-lhe a expressão do meu maior respeito ao mesmo tempo que faço votos para que alcance o maior sucesso e prazer tanto a nível pessoal como profissional, seja qual for a actividade a que se dedica.

Ao seu inteiro dispor,
Vitor Junqueira

_________________

Notas de L.G.:

(*) 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

Comentário de uma leitora, anónima, com data de 13 de Setembro de 2009:

"Pesquisando imagens sobre África , deparei-me com o vosso blog. Por princípio sou contra a guerra, o abuso e violência sobre outros povos, mas respeito todas as pessoas que tenham vivido na pele a experiência.

"No entanto fiquei impressionada e envergonhada com a falta de respeito despudorada deste artigo. Tratando a mulher como objecto sexual, como puta, no caso a mulher africana, revelando uma total desconsideração pelo ser humano, pela mulher, demonstrando claramente os abusos do colonialismo que nada fez que explorar e violentar outros povos. Lamentável".


(**) Vd. último poste desta série, (Ex)citações: 15 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4813: (Ex)citações (38): Resposta a J. Mexia Alves (António J. Pereira da Costa)

1. Resposta de A.J. Pereira da Costa (*), Coronel, comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, ao poste P4680 de J. Mexia Alves (**), enviada ao Blogue no dia 10 de Agosto de 2009:

Caro Camarada
Aqui vai a resposta:

Primeiro quero dizer que para além da guarda das memórias temos o dever de interpretar o que sucedeu. Temos o dever de o analisar fria e logicamente, mesmo que as conclusões não sejam aquelas que mais nos agradariam. Julgo que é isto que o blog pretende ao dizer que temos que falar antes que outros o façam por nós. Enquanto intervenientes, mesmo “a quente”, teremos uma perspectiva mais correcta do que os vindouros, mesmo bem intencionados, que só poderão especular sobre o que possa ter acontecido. Já hoje aparecem por aí umas teses de mestrado e doutoramento, escritas por amadores que terminam por conclusões absolutamente inaceitáveis. Podemos estar certos de que o tratamento de que seremos alvo vai ser muito mais boçal, insensível e injusto do hoje, quando, entre nós, uns dizem que sim, outros que não, outros que talvez, outros que possa ter sido de outro modo ou nem tanto... Temos uma vantagem: mesmo com uma visão sempre parcial, quiçá imperfeita, anima-nos a experiência e essa não se transmite.

Começava por pedir que consultasses o POST 4801 (***) da autoria do Vitor Junqueira que trata dos que fugiram e explicita bem o que eu quis dizer no meu post.

Curiosamente, o número de desertores[1]é surpreendentemente baixo, quer se considerem os que o fizeram já nos TO, quer se considerem os que desertaram ainda nas unidades de Portugal (faço apelo à vossa memória para que se recordem quantos desertaram efectivamente nas unidades onde foram prestando serviço). Não estou a incluir nestes os que desertavam – especialmente praças – para trabalhar e ganhar algum dinheiro, para manterem as famílias no limiar da sobrevivência e que, depois se apresentavam. Tive casos destes. Os jovens – adolescentes, às vezes – que saíam do país antes ou depois de terem “dado o nome” (e foram bastantes, não sei quantos) não desertaram fugiram e, muitos deles talvez tenham saltado da frigideira para o fogo…

Por outro lado, quem se opõem a qualquer coisa pode optar por se afastar, simplesmente, ou hostilizar e lutar contra essa coisa de modo mais ou menos empenhado. Temos exemplos como do Ten. Veloso da FAP que desertou, em Moçambique, com avião, mecânico e tudo… É também uma forma de valentia. Não creio que a apresentação às autoridades e, com lealdade e valentia, informá-las de que se não faz isto ou aquilo tivesse sido uma solução. As “autoridades” eram desonestas e viciosas na sua acção e além de distorcerem o acto e de o apresentaram como algo de ignóbil, triturariam o idealista que se dispusesse a desafiá-las. Não tenho conhecimento de alguém que o tenha feito e se no no estrangeiro o fizeram alguma vez… aqui tal não era possível. Não nos esqueçamos dos tempos que então se viviam. Às vezes parece que as pessoas se esquecem. Os povos têm má memória, mas também não abusemos…

Quando analisamos o desfeche de uma guerra, temos de ser objectivos e aceitar o sucedido. Hipoteticamente podemos determinar causas. No nosso caso particular, estou convencido de que aquilo a que chamamos “guerra” foi um fenómeno sociológico que decorreu em Portugal e que terminou com a independência de várias fracções do país relativamente ao poder central. Talvez fosse boa ideia perguntarmo-nos porque é que havia um “poder central” e se este era parte da solução ou do problema? Qual a relação desse poder com as diferentes possessões? Porque é que mil escudos valiam mil e cem “pesos”/escudos e mil pesos valiam apenas 900 escudos? E outras questões que, na altura, começámos a levantar, uma vez em contacto coma realidade. Porque será que, ainda hoje, com o português como língua oficial, na Guiné, só 16% da população fala e escreve português (correctamente?)?.

Teremos que aceitar razões tácticas e todas as outras: estratégicas, económicas, políticas (seria a guerra possível na conjuntura mundial actual) sociológicas e até antropológicas. Estamos a analisar um fenómeno. Estamos no campo da História e não no campo da moral ou no divã do psiquiatra.

Tê-la-ão perdido os políticos, tê-la-ão perdido uns quantos militares… Claro camarada! Mas a “guerra” é um fenómeno total e os países funcionam com políticos que servem o poder económico e determinam a actuação dos dignitários do sistema (de todas as condições, tipos e níveis) que, à medida que se desce na hierarquia fazem, os trabalhos de cada vez mais maior pormenor, com tudo o que esta expressão possa significar de bom e de mau.

A História faz-se quando os factos começam a ficar frios e, por isso mais exactos e compreensíveis. Ainda agora andamos a re-estudar as Invasões Francesas, ocorridas há exactamente 200 anos, e temos chegado à conclusão que foram tudo menos um jogo Portugal – França a contar para a Taça dos Países com Guerra…

Claro que os opinadores não podem ser aceites, especialmente aqueles que, não tendo estado no terreno, vêm agora explicar como é que se devia ter feito. Como se os povos reagissem “na maior ordem” nas alturas de tensão e crise e as sociedades funcionassem de acordo com as “directivas superiores”… (Se assim fosse a vida dos sociólogos era uma monotonia…) Onde é que isso aconteceu? Não te esqueças que nos degladiávamos havia 13 anos e, por vezes de forma muito dura.

Ter estado e com grande entrega não é, por si só, uma vitória na guerra. É apenas a conduta própria dos homens jovens, por isso mais generosos. E a entrega é própria de quem tem certezas, não esqueças. Nós talvez as tivéssemos, pois nunca tínhamos tido tempo para as questionar, digo eu, claro…

Não creio que alguma vez tenhamos deixado de olhar para o inimigo como inimigo, nem vejo que a recíproca não seja verdadeira, nem havia razões para que assim não fosse. Suponhamos que o Inimigo não passava de um bando de terroristas criminosos. Ao serem capturados deveriam ter sido julgados e condenados, nem que fosse num julgamento imperfeito e tendencioso. E foram-no? Não. Eles eram soldados inimigos. Claro que há maneiras e “maneiras” de tratar o inimigo, mas isso não cabe aqui e agora… Não considero que tenhamos vencido porque hoje realmente não vemos aquele povo e aquela Nação como inimiga. Era imoral e irracional se assim fosse. Devemos vê-la como uma Nação e um povo que gostaríamos – e até gostamos – de ajudar a ser mais fraterna, mais solidária, mais coesa e sobretudo mais feliz. Mas isso não nos dá a vitória. Custa-nos, ver tantos mortos de um lado e de outro, e afinal não vemos um povo mais independente, um povo mais feliz. É o nosso comportamento de homens civilizados a funcionar e nada mais. Claro que a culpa não é só deles, mas também daqueles que não souberam fazer tudo o que estava ao seu alcance para que a Nação se construísse na paz e no progresso. Esta afirmação aplica-se a qualquer outro povo/país flagelado com lutas fratricidas e assolado pelas diferentes formas de miséria, mas convém não esquecer que quem ganha uma Bandeira e uma forma independente de estar no mundo é responsável a partir daí.

Já agora, camarada, lembro-te que as Bandeiras ganham-se contra alguém e é muito raro que essas vitórias não sejam acompanhadas de violência. A História prova-o. Daqui que eu não possa aceitar que nós ganhámos a guerra e que o PAIGC ganhou a guerra.

Só havia dois beligerantes: nós (Portugal) e a Guiné (representada pelo PAIGC). Não entendo como é que quem veio a perdeu total e completamente. Os poderes guineenses independentes só teriam que conquistar o respeito do seu povo – o que é o mais lógico – e os poderes portugueses não eram, e bem, chamados a intervir, para além da ajuda que lhes fosse pedida. Esta sim deveria, talvez, ter sido dada com o estatuto de Nação “mais favorecida”. Mas já passaram 35 anos…
Estou absolutamente de acordo quando afirmas que neste espaço, nos convívios, encontramos espaço para falar do que não falávamos e isso é a razão porque nos devemos manter unidos à volta deste mais que projecto, que nos une até nas divisões próprias do pensar de cada homem, mas que nos leva a fazer a história, feita das nossas histórias, que um dia poderá ser a verdadeira história da guerra da Guiné e não aquela que alguns que sobre ela escrevem querem que seja, por razões que apenas lhes assistem a eles, e com isto não me estou a referir a ninguém em particular, que fique bem expresso.

Também a mim me resta-me deixar-te o abraço de quem contigo viveu momentos que nunca esquecerá e a todos os que os viveram também por aquela Guiné dos nossos sonhos.

Um Abraço do
António Costa
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (117): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)

(**) Vd. poste de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4680: Resposta ao amigo Pereira da Costa (J. Mexia Alves)

(***) Vd. poste de 8 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4801: (Ex)citações (37): Propaganda (Vítor Junqueira)

sábado, 8 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4801: (Ex)citações (37): Propaganda (Vítor Junqueira)

1. Caros companheiros

Mais uma vez estou a chamar a vossa atenção para os momentos menos bons do nosso Blogue, criados por alguns, poucos, mas reincidentes, camaradas que fervendo em pouca água, começam a usar de uma agressividade que nada tem a ver com o espírito do Blogue.

Vamos assentar uma coisa. A partir de hoje sempre que um comentário menos feliz despoletar outros mais violentos, eu, pura e simplesmente retiro-o assim como aos sequentes.

Reafirmo que devem resolver os vossos desentendimentos pessoais via mail, onde poderão à vontade usar palavras mais ou menos acintosas sem poluírem o Blogue.

A propósito de mais este desentendimento, recebi hoje uma mensagem do nosso camarada Vítor Junqueira com um comentário que deve ser lido com atenção.


2. Mensagem de Vítor Junqueira (*), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72, de hoje.

Carlos,

Começo a temer que a minha insistência se torne enfadonha. Mas, com sabes, ultimamente foram publicadas matérias que agitaram um pouco as águas. O que é óptimo. Se por um lado, são as que mais aprecio, por outro noto que alguns camaradas se deixam embalar nos comentários, podendo gerar-se alguma crispação. Ora é nessas alturas que me apetece dizer de minha justiça...

Se achares que o texto pode merecer a atenção de alguns dos nossos camaradas, publica p.f.

Com amizade e ao dispor,
VJ


Meus queridos amigos e ex-camaradas, da direita ou da sinistra, refractários, faltosos e desertores, visitantes e seguidores habituais deste Blog;

A todos, o meu abraço fraterno e descomprometido, e o pedido de desculpas por estar a aparecer com demasiada frequência.

Peço-vos uns momentos da vossa atenção para, em conjunto, reflectirmos sobre uma matéria publicada recentemente, que já fez saltar algumas tampas. O que na nossa idade é muito perigoso como já acautelei!

Começo por me corrigir a mim próprio: Quando me dirijo aos meus ex-camaradas, no mínimo estou a cometer uma blasfémia. Porque, no âmbito daquilo que aqui nos traz, ex-camaradas é coisa que não existe! Enquanto durar a nossa viagem à volta do sol, havemos de ser camaradas. O laço pode ser ténue ou forte, mas é indestrutível. Por isso, daqui em diante, aos da família passarei a tratar por camaradas, simplesmente.

Camaradas, poderá haver igual, mas não há ninguém que aprecie mais uma boa peleja do que eu. De qualquer natureza! E quando os contendores se batem por ideias, valores, princípios, honra e dignidade, coisas que para mim, como para vós todos são muito mais do que simples palavras, aí tiro-lhes o meu chapéu. Que fique bem claro que está nos antípodas do meu pensamento, fazer qualquer apelo à calma, armar em medianeiro, interpor-me no seio daqueles que sentem os pêlos do espinhaço arriçados. E se houver de correr sangue, que corra até que os cães o bebam de pé. Mas, por favor, não ofendam a vossa inteligência. Nem a minha. Vamos ao osso! Antes permitam-me que escreva um parágrafo justificativo.

Como já o afirmei nesta sede, fui voluntário para a tropa, fui voluntário para a Guiné, passei lá dois dos melhores anos da minha vida e notem que até então, ela, a vida, não me tinha dado razões de queixa. Participei, compartilhei o fardo convosco. Fi-lo consciente e convictamente, por respeito ao meu julgamento de então. Se a História se repetisse e as circunstâncias fossem as mesmas, hoje voltaria lá, certamente.

E no entanto, quero abraçar:

Os compelidos, faltosos e refractários que, à força ou depois de pensarem melhor, lá acabaram a fazer a queda na máscara ao meu lado.

Aqueles que espalhados pelo Mundo, obtiveram junto dos consulados as suas Licenças Militares definitivas, podendo dar continuidade às respectivas actividades profissionais, e remeter para a Pátria, as paletes de francos, marcos, dólares etc., que tanto jeito nos deram quando a pesada herança bateu no fundo. Os da sinistra, p.f. não levem a mal esta farpa! Abraço também os que por alergia ao teatro de operações, preferiram servir o país de outra forma, como por exemplo, integrarem a frota bacalhoeira (sabiam?);

E quanto aos desertores, porque tiveram a coragem de arriscar a prisão ou uma vida inteira no exílio, obedecendo a respeitáveis e nobres ideais, ou partiram por amor à pele, atitude que não se revestindo de uma nobreza por aí além, é igualmente compreensível, envolvo-os também no meu amplexo, mas sem direito a aplauso.

Por outro lado, não são meus camaradas:

Aqueles que vestindo a nossa farda, eram objectivamente combatentes do IN, a quem forneciam informações e até segredos de que tinham conhecimento por força das funções que desempenhavam;

Os que tendo integrado as FA de Portugal e jurado fidelidade à sua bandeira, saltaram para o outro lado da paliçada, oferecendo-se para colaborar activamente em planos que visavam a liquidação física de ex-companheiros de armas, incluindo os amigos;

Todos quantos encapotadamente, tal qual laboriosas toupeiras, se colocaram ao serviço de ideologias, objectivos e interesses de potências estrangeiras e pela escrita, pela palavra ou pela acção conspiraram, visando o desprestígio e aniquilação do exército fascista, nós! Esses não são meus camaradas.

Mas, notem bem, o facto de não serem meus (nossos) camaradas, não me dá o direito de os julgar sob qualquer prisma e ainda menos de os condenar, cabendo esse desígnio a outras instâncias, entre elas a História, que amparada pelo Tempo há-de apreciar de forma asséptica e distanciada os Homens e os factos do último quartel do séc. XX português.

Se estou certo até aqui, cabe-me deixar algumas perguntas:

Porquê então litigar à volta de acontecimentos sobre os quais, todos o sabemos, haveremos de discordar até ao fim dos nossos dias? De que serve apontar factos do passado ou nomes de pessoas que nunca nos caíram no goto, mas que sabemos serem objecto de grande estima e admiração por parte de importantes franjas da sociedade? Porque não cuidar da forma, para que não pareça cáustica, amarga ou revanchista, como avaliamos comportamentos de tempos idos, sabendo que o que foi já não é e o que ontem era uma virtude, amanhã será uma aberração? Admitamos por absurdo que à luz dos princípios e valores de hoje, uma qualquer entidade intemporal se punha a escrutinar os factos que consideramos mais relevantes da nossa história como nação. Apenas alguns exemplos:

A usurpação de terras à moirama, que para não criar chatices futuras era passada à espada, aquém e além mar, os trabalhos da Santa Inquisição, o holocausto dos Judeus de que os sobrantes tiveram que fugir ou viver escondidos até ao 25 de Abril, a execução (assassinato) dos Távoras a golpes de marreta no peito, com esposas e filhos a assistir enquanto aguardavam o mesmo destino, o genocídio de milhares de negros, índios e indianos, a escravatura mais obscena, negócio que controlámos através de famosos entrepostos ao longo da costa ocidental de África (ex. Senegal), o envio de homens para as trincheiras das Ardenas, pagos por cabeça como carneiros, as campanhas de África cujos protagonistas mais importantes dão o nome a muitas praças, ruas e avenidas cá do burgo, a nossa participação em bandalheiras como as que estão a ocorrer no Iraque e Afeganistão, em que um dos porteiros da guerra – lembram-se da conferência dos vendidos nos Açores? –, foi recompensado com um alto cargo na EU? Bem, com um currículo destes não haverá muitas nações no mundo, e a haver julgamento, hoje, estaríamos feitos!

Quer isto dizer que devamos assumir algum complexo de inferioridade ou culpa? Não, e por muito que estas manchas nos incomodem, a verdade é que factos do passado têm que ser visto à luz de contextos muito diferentes das envolventes sociais, económicas, religiosas etc., dos nossos dias.

Então as rádios Voz da Liberdade e Portugal Livre, mentiam? Claro que mentiam e desbragadamente! E a velha Emissora Nacional de Radiodifusão (buuuun…) se calhar não lhes ficava atrás! O Manuel Alegre desertou? Bem, ninguém o nega. Para uns, ele e muitas figuras gradas da nossa democracia, desertaram. Para outros, foram combater além fronteiras. Há ainda quem considere que todos não passam de um bando de oportunistas ressabiados com o regime. O Manuel Alegre foi para Argel onde seria difícil a polícia ir buscá-lo. Houve quem se fartasse de sofrer em Paris, Londres, Estocolmo … E depois?

O que eu pergunto é o seguinte; alguém quer ser juiz, alguém tem folha de serviço e tomates para os julgar? Eu digo já que não tenho!

Por isso camaradas, aqui vai o pedido de um amigo. Quando o tema for quente como este, não deixemos que ele nos fique atravessado na garganta com receio de melindrar alguém. Dissequemo-lo com o frio escalpelo da ponderação, deixando as acaloradas emoções de reserva para os nossos encontros!

Duas notas finais:

1.ª - Acabo de ouvir na TV que dois líbios detidos no inferno de Guantánamo, virão para Portugal. Se estão inocentes e foram vítimas de arbitrariedades monstruosas, dou-lhes as boas vindas. Se têm culpas no cartório, ou são potencialmente perigosos, têm ou tiveram ligações com redes terroristas, devemos exigir um esclarecimento exaustivo por parte das nossas autoridades.

Também li recentemente na Net que uma comissão do Senado dos States vai exigir a presença de Bush, Rumsfeld, Dick Cheney e mais uma série de personalidades importantes da anterior administração. Como arquitectos das guerras em que o país se envolveu no médio oriente, vão ter de se explicar quanto a um conjunto de atoardas cozinhadas pelas suas agências de informações, como aquela das armas de destruição massiva, que serviram para justificar perante o seu povo e o mundo, a catastrófica decisão de avançar para a guerra. Deverão ser também questionados acerca dos métodos utilizados no interrogatório de prisioneiros aos quais deram cobertura. No reino Unido, uma comissão com idênticos poderes e pelos mesmos motivos, vai chamar o Blair à pedra.

E aí, comecei a pensar: Querem lá ver que um dia o nosso Barrosito ainda vai assentar o cu no mocho?

2.ª - No Post 4785, em que se fala da propaganda by rádio, deixei um daqueles comentários rápidos citando sem citar Boake Carter “Em qualquer guerra, a primeira vítima é sempre a verdade”. Aqui fica o nome do pai da frase, assim como a sua tradução correcta: “Em tempo de guerra a primeira vítima é a verdade

Como sabem, para publicar é preciso ter conta no Google. Por isso usei o meu alias naquele browser que é JUAN de JUnqueira ANastácio, e é o mesmo com que assino um Blog cuja construção iniciei há pouco: http://kurtviagens.blogspot.com/

Quando o Juan voltar a atacar, já sabem que se trata do Vítor Junqueira.

Com muita amizade,
VJ
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4789: (Ex)citações (36): As minhas lágrimas há muito secaram (Vítor Junqueira)

(**) Vd. poste de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4785: Estórias avulsas (47): Rádio “Voz da Liberdade” também mentia! (José Marques Ferreira da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4789: (Ex)citações (36): As minhas lágrimas há muito secaram (Vítor Junqueira)

1. Mensagem de Vítor Junqueira (*), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72, com data de 5 de Agosto de 2009:

Amigo Carlos,
Em anexo segue mais uma das minhas reflexões vespertinas, que sujeito ao teu veridicto.
Um abraço (especial) do,
VJ


2. Comentário ao Poste 4773 do J. Mexia Alves

Meu prezado amigo e camarada Mexia Alves:

A nossa relação vem de há pouco. Tenho pena, pois sinto que estaria mais rico se o fado da vida que tu escreves e cantas tão bem, nos tivesse proporcionado a convivialidade… que não tivemos!

Tenho a mania de que consigo percepcionar a aura que envolve a alma humana. A tua, espelha a imagem de um homem frontal, íntegro e sensível. Só por isso, e também porque falas um dialecto da nossa língua que, pelos vistos, poucos entendem, aqui estou eu a deixar um comentário ao teu post 4773 (**).

Dizes tu, Joaquim, que choras lágrimas de indignação e revolta, quando em certas circunstâncias, a tua consciência te atira à cara, o destino que nós portugueses, (i) responsavelmente, reservámos àqueles que foram dos nossos mais nobres, valentes e leais concidadãos. E muitos são-no ainda, pois embora trazendo no bolso um BI que indica outra nacionalidade, o coração continua português. Entre esses anónimos portugueses de alma, estarão antigos soldados teus, amigos que te protegiam e que protegeste, conforme escreves.

Não me foi dada a honra, como a ti, de comandar naturais daquele território. Mas tive a sorte de, em inúmeras ocasiões, os saber a meu lado empenhados no mesmo combate. Dominava-me então o sentimento de que em grande medida e graças a eles, a minha vida e segurança estavam em boas mãos. Hoje, como há quase quarenta anos, são credores do meu respeito e gratidão.

Por isso mesmo quero dizer-te, Joaquim, sem lágrimas porque as minhas há muito secaram quando com elas reguei a semente da raiva, que partilho a tua revolta quanto à indiferença com que colectiva e institucionalmente tratámos estas pessoas. E suas famílias.

Ainda não há muito tempo, acompanhei comovido através da televisão, a forma como a nação guineense se organizou para receber a visita de uma delegação nacional de alto nível. Nas manifestações populares de boas-vindas (merecemo-las?), muito povo. E no meio desse povo, alguns velhos soldados de caderneta militar na mão, delida e amarelada, mas a meus olhos com a força de um estandarte de guerra, tentavam aproximar-se das autoridades portuguesas com um único desejo: que os reconhecessem como antigos combatentes que dedicaram uma boa parte das suas vidas à nossa pátria e às suas FA, a quem juraram fidelidade. Como seria de esperar, a reacção foi mais uma vez, uma profunda e ostensiva indiferença. Pergunto-me se teria sido assim tão difícil estender a mão àquele punhado de homens, quando é público e notório que se distribuem euros e honrarias por tantos que se limitaram a fazer currículo mamando na teta da república.

Enquanto os que alimentaram a porca com o seu sangue, foram contemplados com o manto do opróbrio e a condenação mais ou menos sumária e explícita de que tiveram o que mereciam. Conforme já li, algures.

Para a grande maioria, é demasiado tarde, já não existe auxílio ou reparação possíveis. Por isso, e quanto àqueles que Deus já levou ou Lhe foram remetidos à força de bala, abandonados à sua sorte e alvos de vinganças cruéis e desnecessárias, peço ao Criador que os compense pela injustiça e indignidade com que Portugal os tratou. Para nós (todos), a penitência da eterna vergonha.

E não me venham os teóricos das guerras militarmente perdidas, das retiradas gloriosas, das descolonizações exemplares, justificar o injustificável. Conheço-lhes a cartilha. A dos tiques disto e daquilo, dos primarismos antidemocráticos, dos salazarismos bafientos ou das mentalidade neocolonialistas, entre as muitas tags que constam do seu repertório. Aqui trata-se apenas de dignidade, justiça e honra. Quando uma sociedade vira as costas a estes valores e assobia para o lado perante reivindicações como as destes nossos antigos camaradas, será que a prazo, vai ter pernas para ir a algum lado?

Um abraço do,
V. Junqueira

OBS: Negrito da responsabilidade do Editor
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4643: Blogoterapia (113): Saudades do blogue dos primeiros tempos, em que tudo se contava na primeira pessoa (Vítor Junqueira)

(**) Vd. poste de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4773: Blogoterapia (119): Ainda choro e me revolto por todas as nossas mentiras... (Joaquim Mexia Alves, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)

Vd. último poste da série de 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4684: (Ex)citações (35): Milicianos ou do Quadro Permanente, todos fomos combatentes (Paulo Santiago)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4710: Blogoterapia (119): As Fantas, as Marias, as Natachas, ou o amor em tempo de guerra e de diáspora (Cherno Baldé)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > 2 de Março de 2008 > Filhas de amores de guerra... Estas duas mulheres, de olhar triste, irmãs, vieram de longe procurar-nos, uma delas com um filho às costas... Queriam saber notícias de um tal Furriel Mil Mecânico Auto, de apelido Barros, que terá estado em Cacine em 1971/72... e que seria de origem madeirense. Por essa altura, entre 20 de Maio de 1970 até 15 de Fevereiro de 1972, sabe-se que passou por Cacine a CCaç 2726... Segundo informação, de 18 de Maio de 2008, do nosso camarada Juvenal Candeias (, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74) , "a CCaç 2726 era a companhia açoreana que eu fui render em Cacine! Pessoalmente não me lembrava do Furriel Auto, mas acabei de telefonar a um soldado auto da minha companhia, que se lembrava perfeitamente do Furriel Auto da 2726... só que o nome... já foi! Contudo, quando lhe falei em Barros, confirmou-me, com muita segurança, que esse era, efectivamente, o Furriel Auto da CCaç 2726. Espero que não se tenha enganado!"... 

 Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


  Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (1970/72) > Um despojo de guerra, uma fotografia de uma bajuda, certamente de etnia mandinga, oferecida a um tal Soncó, tendo no verso a data de 2 de Fevereiro de 1971. Foi apanhada, a foto, pelo Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63, no acampamento temporário, do PAIGC, em Belel, a norte do Enxalé, a sul do Oio, no limite do Cuor, e do Sector L1. (*)

 Foto : © Jorge Cabral (2007). Direitos reservados. 1.

 Mensagem do Cherno Baldé, membro da nossa Tabanca Grande, autor da série Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (aqui na foto, à esquerda, enquanto estudante e Kiev, na Ucrânia, onde se formou em Planificação e Gestão Económica; vive em Bissau e é casado desde 1992 com a linda Geralda Santos Rocha, natural de Bissau (foto à direita). (**) 



 Prezado amigo, Luís, 

Antes de mais quero fazer uma pequena correção sobre mim. A minha formação de base não é engenharia como erradamente transcreveu e tacitamente eu corroborei, mas planificação e gestão económica. Na verdade, mesmo aqui entre nós, esta confusão é muito frequente e é tanta que já não me preocupo muito em desmentir pois, no fundo, depois de 18 anos a trabalhar no Ministério das Infraestruturas e Transportes (projectos de obras públicas) e com engenheiros, quase que tomei o gosto. 

 Depois, quero dizer que gosto da forma como o Jorge Cabral (Cabral há muitos e ...cabrões ainda mais!...) conta suas experiências (estórias) de vida na Guiné (**) A mim, pessoalmente, não me incomoda, aliás eu o felicito pela coragem que tem em fazê-lo com honestidade e sem pudor. O apelido da sua Fanta (Baldé) diz claramente que é da etnia fula e não mandinga como ele pensa, embora a área de Binta seja de maioria mandinga como de resto o é toda a zona de Farim. (***). 

 Todavia, e voltando ao assunto, em alguma parte faltou a coragem da assumpção das responsabilidades quando os filhos, depois de muitos anos, foram bater às portas aos seus pretensos pais (não me refiro aqui, particularmente, a ninguém em especial). 

  Para aqueles que não sabem (o que é pouco provável) quero informar que, também, nós, Africanos (Pretos, se quiserem), tivemos a oportunidade de viver em terras da Europa, esta velha Europa, orgulhosa e racista mas que também sabe ser, às vezes, acolhedora e bondosa. E também nós tivemos, temos e teremos as nossas experiências não menos dramaticas com as Marias e as Natachas. 

Diz um ditado popular que "o mundo é como o rabo de uma pomba" que faz viragens permanentes. Eu nunca utilizarei o termo puta porque penso que o não foram e aí o Jorge é bem explícito. Se todos os Homens fossem tão humanos como o são as mulheres (todas as mulheres), o mundo seria mais justo e a vida mais fácil de viver. Hoje, envio mais uma parte das minhas crónicas (memórias) que, curiosamente também aborda esta questão da sexualidade escondida nas casernas (****).

 Na minha opinião, na nossa Tabanca Grande, as pessoas devem ser mais abertas ao diálogo, à troca de ideias sem preconceitos e/ou ideias fixas. Um abraço deste irmãozinho de Fajonquito, Cherno A. Baldé, Chico [Revisão / fixação de texto / bold a cores: L.G.]

2. Comentário de L.G.: 

 Não páras de nos surpreender, Cherno Baldé... Fica feita a correcção: não és engenheiro, és um especialista da área da planificação e gestão económica, não és pior nem melhor por não seres engenheiro. O que importa é que te sintas bem na tua pele e possas ser útil, com as tuas competências e experiência, à tua Pátria e ao teu povo...

 De resto, os títulos (académicos, profissionais, sociais ou outros) aqui não são relevantes: como sabes, na nossa Tabanca Grande, tratamo-nos por tu, à boa maneira romana... Os camaradas da Guiné tratam-se por tu, e os seus amigos são convidados a seguir o seu exemplo... Eu trato o Chico por tu e o Chico deve responde no mesmo registo... Não é preciso estar a lembrar-to, meu irmãozinho. 

 Quantos aos textos que me mandaste, vão de certo fazer as delícias dos teus (e das tuas) fãs... Obrigado por teres retomado, aqui, um tema que é delicado... mas que não é virgem nem tabu, no nosso blogue: o tema das nossas Fantas, mas também das nossas Marias, das nossas Natashas... Falamos do(s) amor(es) em tempo de guerra, de diáspora, de imigração... (Para sermos politicamente correctos, que é uma coisa pior que a sarna, também teríamos que dizer: dos nossos Chernos, dos nossos Manéis, dos Vladimiros...).

 Obrigado, por fim, pelo teu apelo, que nada tem de surpeendente vindo de um homem como tu, cidadão do mundo, no sentido da abertura de espírito, da tolerância, do diálogo, da liberdade... Não imaginas como essas palavras caiem tão bem, no nosso blogue, e na nossa Tabanca Grande, em início ou em véspera de férias, numa altura em que andamos já todos tão cansados e irritados... 

Cuida de ti. Luís Graça 

 ___________ 

 Notas de L.G.: 




 (**) Vd. último poste da série Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé):13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda

(***) O Cherno Baldé terá trocado o nome dos autores: a história da Fanta Baldé não é do Jorge Cabral mas do Victor Junqueira > Vd. poste de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação 

  (...) Comentário (prévio) de L.G.: (i) Amigos e camaradas: o que vão ler, é um dos mais belos textos que um homem pode escrever sobre uma mulher em tempo de guerra. O estilo é puro e duro, o título enganador... Há uma tremenda ternura subliminar que me emocionou, e que só pode honrar o homem, o médico e o português que é o Vitor Junqueiro. É um texto que nos honra a todos. É uma homenagem a todas as Fantas Baldés da Guiné que climatizaram os nossos pesadelos, e que dormiram connosco na cama... (ii) É um texto corajoso, escrito na primeira pessoa do singular, sem máscaras, sem defesas, que muitos de nós gostariam de ter escrito. É um escrito da maturidade, um escrito que revela uma grande nobreza de alma, sensibilidade e humanidade... (iii) É um poste que definitivamente vai figurar na antologia dos melhores postes do nosso blogue... (...) 


 (****) A publicar em próxima oportunidade