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terça-feira, 3 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10107: O Nosso Livro de Visitas (141): Jaime Vieira, açoriano, a viver nos EUA há 38 anos, procura uma amigo e camarada, dado como desertor em 1972, o sold escrit Carlos Alberto Sousa Emídio, da CCAÇ 3476 (Canjambari, 1971/73)



Excerto da página do Carlos Silva, na parte relativa à história da CCAÇ 3476 (Canjambari, 1971/73) (Reproduzido com a devida vénia).




1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Jaime Vieira, açoriano, que vive nos EUA (*):

De: Jaime Vieira [52_j@live.com ]
Data: 2 de Julho de 2012 05:30
Assunto: Boas noites ou bons dias, a todos os camaradas da Guiné

Os meus parabéns por terem se lembrado de nós.

Fui soldado na companhia de caçadores 3476, estive em Canjambari, sector de Farim, nos anos de 1971 e 72 e depois estive no Chugué, antes de Mansoa. Vim para Casement [, nos EUA, ?] em 16 dezembro de 1973. 


Tínhamos o nome de Bebés de Canjambari por se tratar duma companhia muito jovem ou a mais jovem de todas. [Vd. o muito original miniguião, imagem  acima, cortesia de Carlos Silva].

Agora, meus amigos, tenho uma curiosidade: no ano de 1972 desapareceu um soldado que era escriturário, com o nome de Carlos. Penso que era de Trás os Montes. Sempre penso nele, era meu amigo, e sempre me preocupei em saber o que lhe aconteceu.

Se algum camarada sabe algo sobre este nosso amigo, diga-me alguma coisa para o meu email 52_j@live.com.

A companhia era açoriana.

Por agora é tudo, um abraço a todos
Jaime Vieira,

2. Comentário do editor:


(i) Pedi ao nosso camarada, amigo e vizinho  Carlos Silva, que eu trato carinhosamente, na brincadeira,  por "régulo de Farim", e que conhece bem toda a rapaziada que passou pelo setor, o seguinte:



Carlos Silva: Tens alguma "pista", na tua página, que possa ajudar este camarada que esteve em Canjambari, na CCAÇ 3476 ? Penso que ele vive no estrangeiro (EUA ?)... Deve ter emigrado, como muitos outros camaradas açorianos...

Não consegui localizar a cidade de Casement (em inglês, "batente", "casement windows", janelas de bater...).   Vou pedir ao nosso amigo Jaime se ele nos esclarece melhor estas duas coisas: (i) O país onde vive (presumo que desde 16 de dezembro de 1973); (ii) o apelido do amigo (Carlos... é pouco) e a companhia a que pertencia; era a mesma, a CCAÇ 3476, açoriana ? E já agora, como e quando é que ele desapareceu ? Foi em Canjambari ? Foi no Chugué ?

Um abração. Luis



(ii) O Carlos Silva respondeu-me de pronto, a mim e ao Jaime:


Luís e Jaime:

Aqui vai o link sobre o Carlos Emídio que desapareceu:

http://carlosilva-guine.com/index.php?option=com_content&view=article&id=57&Itemid=79&limitstart=23 
(**)

Nenhum camarada sabe dele. Espero que esteja vivo.
Estou no Algarve
Um abraço
Carlos Silva


(iii) O Jaime Vieira mandou-me um segundo email, ontem, nestes termos:

Muito obrigado por teres respondido. A minha companhia era dos Açores e fomos para Canjambari em 1971. O Carlos [Emídio] chegou mais tarde . Um pouco tinha sido cabo e foi despromovide mas antes de chegar à nossa companhia. Ele era um pouco contra o regime e tinha problemas com o capitão como eu tambem tinha. Ele desapareceu em Canjambari no ano de 1972 e nunca vi muito interesse por parte das autoridades em saber de ele. Por este motivo fiquei sempre preocupado e com ansiedade para saber o que aconteceu.

Sou emigrante nos Estados Unidos da América já há 38 anos,  era da companhia de caçadores 3476 e, como a metade da companhia era de voluntários com menos de 20 anos de idade,  deram-nos o  nome de Bebés de Canjambari. O meu capitão era chinês de Macau,  muito conhecido hoje pela televisao. O nome dele era Jorge Rangel.

Um abraço a todos, Jaime Vieira.


(iv) Comentário final de L.G.:

Obrigado, Jaime, por teres chegado até nós. Graças ao valioso contributo do nosso camarada Carlos Silva, ficamos a saber que o teu amigo, o sold escriturário Carlos Alberto Sousa Emídio, desapareceu no dia 17 de agosto de 1972 e foi dado, mais tarde como desertor, de acordo com a história da unidade.

Ninguém sabe, até agora, do seu paradeiro. Pode que ser que a tua mensagem chegue até ao seu conhecimento, se ainda for vivo, como esperamos... Como costumamos dizer, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... Oxalá possas encontrá-lo, vivo e de boa saúde. Terá, de certo, muito para te contar...

Ficas convidado, desde já, a integrar o nosso blogue. Manda-nos duas fotos tuas, uma do teu tempo de "bebé de Canjambari" e outra atual, tirada em Casement (já agora, em que Estado norte-americano fica ?).

Muita saúde e longa vida para ti e os teus.  Divulga o nosso blogue entre os nossos camaradas açorianos da diáspora!

PS - Na Internet, uma pessoa com este nome, num anúncio comercial, no portal Lisboanet... Pode ser uma pista...

CARLOS ALBERTO DE SOUSA EMÍDIO
Rua Marechal Gomes da Costa, 12 E
Famões, Odivelas, Lisboa 1685-901


Actividade: Instalação de canalizações


... Mas, como se costuma dizer, há mais Marias na terra!

__________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série> 2 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10104: O Nosso Livro de Visitas (140): António Rés Borié, ex-1º cabo cripto, Cmd Agr nº 16, Mansoa, 1964/66, camarada da diáspora, vive na Florida, EUA, e procura camaradas do seu tempo 

(**) Excerto da página do Carlos Silva, na parte relativa à história da CCAÇ 3476 (Canjambari, 1971/73):



(...) Caso Deserção do Sold Escrit nº 2055276 Carlos Alberto Sousa Emídio

17 – 08-1972 – Ao fim da tarde deste dia ausentou-se ilegitimamente o Sold Escriturário Carlos Alberto Sousa Emídio, constituindo-se mais tarde em desertor. Fora colocado nesta Companhia por motivo disciplinar, vindo da Sucursal do Laboratório Militar de Bissau.

18-08-1972 – Por todo este dia foram efectuadas buscas, e pelas 17H00 foram encontradas pegadas do Soldado ausente que seguiam na direcção da área da Bricama. O mesmo já fora desertor na Metrópole e o seu desaparecimento seria premeditado, em virtude de problemas de ordem pessoal e militares ainda pendentes, motivados pela sua deserção anterior.


[Fonte:] HU - História da Unidade, Cap II, pág 19

Será que este nosso camarada estará vivo? Faço votos para que sim.

Alguém saberá do seu paradeiro?

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9752: Notas de leitura (352): "Pátria Porque Nos Abandonas? - Sofrimentos de Uma Guerra", de Lino de Freitas Fraga (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 6 de Março de 2012:

Queridos amigos,
As imagens do nosso blogue polvilham-se nestas páginas em que um lutador de direitos entrevista veteranos e colhe o relato das suas vivências. Perpassa nestas páginas a tenacidade e o orgulho muito próprio dos açorianos, há aqui a incompreensão de muita gente pela falta de apoios a quem sofre e não tem recursos para promover, com dignidade, a qualidade de vida. Há relatos de partidas e chegadas, vidas interrompidas, o calvário dos hospitais.
Um combatente condecorado, na sua humildade, refugia-se no sentimento do coletivo da sua tropa.
Nos Açores é assim.

Um abraço do
Mário


Pátria, porque nos abandonas? 

Beja Santos

Um antigo combatente, nado e criado no extremo de Portugal (Ilha do Corvo) deitou-se à obra de entrevistar veteranos de guerra, açorianos, publicou essas peças em dois jornais e depois vazou-as em volume. Assume-se como um homem de causas, está presentemente polarizado pela dignificação dos combatentes, pela trasladação dos restos mortais de um outro corvino e pela criação de uma delegação da Associação dos Veteranos de Guerra. “Pátria porque nos abandonas?, Sofrimentos de uma guerra”, por Lino de Freitas Fraga, Publiçor Editores, 2012.

O móbil da escrita de Lino Fraga não é escrever histórias da guerra mas sim o de captar experiências e sofrimentos dos antigos combatentes e das suas famílias. A saudade do açoriano tem um corpo próprio, uma densidade específica, houve mesmo quem lhe tivesse desabafado: “As saudades eram tantas que me queimavam o peito, por vezes quase não aguentava, cheguei a pensar em suicidar-me, com um tiro na cabeça”. Vamos passar em revista o que depuseram os combatentes da Guiné.

Jaime Moniz de Andrade partiu para a Guiné em Setembro de 1970, tirou o IAO no Cumeré e seguiu para a região de Bula, teve uma comissão muito dura. Nunca esqueceu a despedida da família e da noiva. Quando regressou em 1972 nunca mais foi o mesmo, sofre de ansiedade e pânico, foge dos ajuntamentos e é muito sensível aos estrondos. Sofre presentemente de uma neurose ansiosa crónica. Deplora a falta de apoios e de uma maior compreensão para esta calamidade do stresse de guerra. Na Guiné tocava viola para alegrar os colegas, hoje continua a tocar nas cerimónias religiosas.

Dionísio de Almeida Ferreira foi mobilizado na especialidade de condutor, em Setembro de 1970 partiu para a Guiné. Dionísio esteve envolvido nalgumas refregas, é uma pessoa bem-disposta, um extrovertido. Quando foi mobilizado, não disse nada aos pais, só informou a noiva e uma irmã. No dia do embarque partiu à socapa. Na doca, já dentro do navio, teve a grande surpresa de avistar a irmã e a noiva. Não se conteve, desceu a correr o portaló e despediu-se dos entes queridos. Nunca esqueceu este momento. É um excelente músico, toca às quintas-feiras num lar e aos domingos numa igreja.

Úrano Calisto das Neves fez recruta no Alfeite, tirou a especialidade de radiotelegrafista. Nasceu em Valença do Minho, gostou dos Açores, aqui lançou a âncora. Foi mobilizado para a Guiné em 1965 e foi colocado na Rádio Naval de Bissau. Participou em operações de fiscalização em lanchas e viveu vários confrontos com o inimigo. Chegou a ser ferido sem gravidade no rio Corubal. Nunca esqueceu o dia 30 de Março de 1966, andava numa lancha no rio Cacine, foi violentamente atacado e durante o combate o comandante de fragata deu-lhe ordem para pedir apoio aéreo e colega de Bissau mandou-lhe a seguinte mensagem: “Já nasceu a tua filha”. Calisto sofre de pesadelos e emociona-se facilmente, anda medicado pelo médico de família. Também deplora a falta de apoios aos antigos combatentes.

Gilberto de Sousa (ou Gilberto de São Roque) foi para a Guiné em Fevereiro de 1969, seguiu para Bigene. O dia mais negro da sua vida foi 2 de Agosto de 1969, em plena noite participou numa patrulha de reconhecimento. “Quando já estava tudo pronto para sair, abateu-se uma forte tempestade e é precisamente no momento de um forte relâmpago que se dá o rebentamento da granada que estava na bazuca que eu tinha na minha mão”. Os danos foram terríveis, um morto e dez feridos, e entre eles o Gilberto, que ficou sem as duas pernas. E começava assim o calvário de um jovem 21 anos, casado e com um filho de 7 meses. Colocou as próteses na Alemanha, mas nunca se adaptou. Já teve três AVCs e têm-lhe sido retirados apoios na assistência médica e medicamentosa.

Filipe Cordeiro, do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, é veterano da guerra da Guiné. Foi mobilizado para a Guiné em 1972 como furriel miliciano com o curso de operações especiais. Viu muita desgraça à sua volta, em Tite e Nova Sintra. Ficou ferido numa flagelação em 5 de Setembro de 1972 em Nova Sintra e foi submetido a intervenção cirúrgica para lhe retirarem vários estilhaços. Regressou aos Açores depois do 25 de Abril. É hoje um sindicalista bem-disposto e considera que ultrapassou os traumas da guerra.

José Francisco da Silva Dias tirou o curso de operações especiais e o curso de minas e armadilhas e foi mobilizado para a Guiné como furriel miliciano no início de 1967, partiu para Bula, a seguir esteve em Bambadinca e fez operações no Leste. Depois, por motivos disciplinares, foi transferido para Catió e mais tarde para Buba, Guilege e Gadamael, experimentou o duro, nunca mais esqueceu aqueles jovens a morrerem e a chamarem pelas mães e pelas noivas. Também nunca mais esqueceu uma operação de abastecimento a Madina de Boé, encontraram a guarnição física e psicologicamente arrasada.

Tiago Luís Macedo Melo partiu para a Guiné em Agosto de 1970, mais tarde, após o IAO, foi para a zona de Mansoa. Durante um patrulhamento uma granada rebentou no meio do grupo e o Tiago ficou sem as pernas. Pediu para o matarem, os camaradas não consentiram. “Os momentos mais violentos, mais tristes e dolorosos foram quando voltei sem as pernas e vi a minha noiva no aeroporto e depois a chegada a casa”. E relata, sempre emocionado: “Quando cheguei aqui à freguesia e o meu pai me viu sair do táxi correu para mim e queria pegar-me ao colo, lavado em lágrimas”. Em Dezembro de 2008 teve um AVC e ficou paralisado do lado esquerdo. E não esconde o seu desânimo: “Eu deixei tudo, o amor da minha vida, meus pais, irmãos, amigos, a minha terra e partes do meu corpo e do meu sangue nos matos da Guiné para honrar e defender a minha Pátria. É muito triste, agora que eu necessito de ajuda, a minha Pátria me vire as costas”.

Moisés Pereira da Luz teve uma história igual à do Tiago Macedo Melo, no referido rebentamento ficou muito estilhaçado, foi operado no Hospital de Bissau e depois transferido para o anexo de Campolide onde esteve internado 21 meses. Tem hoje uma mão imobilizada. Nunca esquece a visita que a irmã lhe fez em Lisboa, custou-lhe enfrentá-la naquele estado. Acho que recuperou psicologicamente graças ao apoio da família.

Frédy, nome fictício, foi um dos participantes na operação “Mar Verde”. Em Fevereiro de 1970 tirou o Curso de Oficial da Reserva Naval, no Alfeite, foi colocado na Escola de Fuzileiros onde tirou a especialidade de Fuzileiro Especial. Mobilizado para a Guiné, seguiu para as ilhas de Bolama e Soga, foi aqui que decorreu a preparação, em total secretismo, da invasão de Conacri. Descreve a operação e mais adiante relatou outros momentos marcantes, nessas emboscadas e nesses combates viu morrer camaradas a seu lado.

E, por último, Gil de Frias Sousa, tirou o Curso de Sargentos Milicianos e foi transferido para o Curso de Oficiais Milicianos, seguiu para a Guiné em Janeiro de 1966, foi destacado para a proteção aos trabalhos da estrada entre Mansoa e Mansabá. Mais tarde foi com a sua companhia para Teixeira Pinto. Numa operação o alferes Frias de Sousa lançou-se em perseguição do inimigo e apreendeu material de guerra. Foi-lhe atribuída uma Cruz de Guerra. O momento triste da sua vida foi quando se despediu dos seus camaradas e amigos que durante mais de dois anos tinham sido a sua família.

Fica aqui o registo das conversas que Lino Fraga teve com combatente da Guiné, em todos estes textos sente-se o seu tem de protesto pelo abandono a que estão votados os veteranos de saúde precária.

O nosso blogue imiscui-se neste livro do princípio ao fim, há ali fotografias nossas e o meu querido amigo Humberto Reis tem honras de primeira página. E está lá também a rampa de Bambadinca, a maior rampa da minha vida.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9750: Notas de leitura (351): "Adeus até ao meu regresso", de Mário Beja Santos: "um invulgar e dificilmente classificável livro" (Carlos Matos Gomes)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9472: Humor de caserna (24): Um tiro no cu (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 10 de Fevereiro de 2012:

Meus caros camarigos
Já há muito que nada envio para a Tabanca Grande, por isso aqui vai uma história humorística, que me contaram na Guiné.

Como sempre fica à vossa disposição para a publicarem ou não.

Um abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves


UM TIRO NO CU!

Contava-se pela Mansoa do meu tempo, a história de que numa emboscada a uma Companhia de açorianos, (julgo que esteve uma no Polibaque), um dos militares levou um tiro no “traseiro”.

O homem do rádio, ao pedir a evacuação dizia com todas as letras do seu vocabulário, que o seu camarada tinha levado um tiro no cu!

Só que, com a pronúncia açoriana, o sujeito do outro lado não havia maneira de perceber em que sítio o militar tinha sido ferido, até que o açoriano, já cansado e chateado respondeu aos gritos:

- No charlie uniforme, porra, no charlie uniforme!!!

Se é verdade ou não, não sei que não estava lá para testemunhar, mas relato-a aqui como me contaram esta história então!

Monte Real, 10 de Fevereiro de 2012
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9280: (Ex)citações (168): A Tabanca Grande, onde todos se reunem à volta da fogueira das memórias (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 26 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8951: Humor de caserna (23): Uma insubordinação do c... ou uma viagem pelo polissémico país do c...!!!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) (*) > A sempre penosa progressão no mato...


Foto: © Arlindo T. Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) >  Um heli Al III, no heliporto de Bambadinca...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) >  Pescadores do Rio Udunduma, afluente do Rio Geba... Na margem direita do Geba Estreito começava o regulado do Cuor... No Sector L1, só havia dois destacamentos no Cuor: Missirá (1 Pel Caç Nat + 1 Pel Mil) e Finete (1 Pel Mil)... Era uma região (o regulado do Cuor), a sul do Oio,  onde o PAIGC se movimentava com relativa à vontade. Segundo o comando do BART 29917, a população sob o controlo do IN, nesta região, na península de Madina/Belel,  andaria à volta dos 1900 habitantes (**)...


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) >  O Rio Geba (Estreito) em Bambadinca ou Bafatá (?)..
.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) > O espaldão do morteiro 81... 

 Fotos: © Benjamim Durães (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Todos os direitos reservados




A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graç


(9) Março de 1970: Op Tigre Vadio, 300 homens na península de Madina/Belel, no regulado do Cuor


Esta foi seguramente a mais dramática (e talvez a mais temerária) operação conjunta que a CCAÇ 12 efectuou enquanto esteve de intervenção ao Sector L1, às ordens do Comando do BCAÇ 2852. Podia ter dado para o torto...

A missão confiada às NT era bater chamada península de Madina/Belel, no limite do regulado do Cuor, a fim de aniquilar as posições IN referenciadas do antecedente e eventualmente capturar a população que nela vivesse (espalhada por locais como Madina, Quebá Jilã, Belel e Banir, esta localização já no Oio).

Em Madina, localizada em MAMBONCÓ 8G-1, havia uma população sob controlo do IN, estimada em 1500 habitantes. Mais 400, em Banir, cuja localização era em MAMBONCÓ 8H-9 (**).

Segundo as informações de que se dispunha, existiria 1 bigrupo nesta região, pertencente à base do Enxalé e dispondo de 2 Morteiros 60, 1 Metralhadora Pesada Goryonov, além de armas ligeiras (Metr Degtyarev, Esp Kalashnikov, Pist Metr PPSH, etc).

Admitia-se também que este bigrupo estivesse reforçado com 1 grupo de Mort 82, pertencente ao Grupo de Artilharia de Sara-Sarauol [a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mambonco].

A última operação com forças terrestres realizara-se em Fevereiro de 1969, não tendo as NT atingido o objectivo devido à fuga do prisioneiro-guia e ao accionamento dum engenho explosivo que alertou o IN. Verificaram-se ainda vários casos de insolação (Op Anda Cá)[ Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel ].



Veja-se este diálogo saboroso, mas surreal, entre o Ten Cor Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852, e o seu subordinado (e amigo), Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52:


"- Meu Comandante, há duas noites que não durmo a pensar nesta operação que dentro de dias vem para o Cuor. O que me foi dito pelo Major Pires da Silva é que há dois destacamentos que deviam partir juntos e teme-se que não haja condições para tal. Gostava que revêssemos outras possibilidades para não deslocarmos mais de 300 militares em bicha, com todas as desvantagens. Por favor, peço-lhe como seu amigo que converse comigo em particular nas próximas horas. (...)


"O Pimbas cofiava o bigode, aclarou a voz, olhou-me com estima e não escondeu as suas dificuldades:
- Ouve lá, tu até és capaz de ter razão mas o Pires da Silva tem desenhado esta operação com minúcia e está muito determinado. Faz-me o favor de não o causticares, actua como se ele tivesse razão" (...).



Releia-se outro escrito do Mário, aqui publicado no blogue (em 29 de Junho de 2006):


(...) "Soube da Tigre Vadio  em finais de Fevereiro de 1970, quando o Major de operações de Bambadinca [, Sampaio,] me convidou para um passeio numa Dornier sobre os céus do Cuor. Foi uma viagem que permitiu medir o crescimento militar e populacional de Madina/Belel e a sua ligação a Sara/Sarauol, uma enorme base do PAIGC com um hospital de campanha.

"No regresso desse prolongado voo de reconhecimento, o oficial informou-me discretamente que lá para os finais de Março eu iria revisitar Madina. Era o que menos me interessava a 15 dias do meu casamento, que se veio a realizar na Sé Catedral de Bissau, [com a Cristina Allen]. O ano tinha-se iniciado da pior maneira. Desde que, em Novembro anterior, passara a prestar serviço em Bambadinca, não havia um dia de descanso: colunas ao Xitole, correio a Bafatá, noites na ponte de Udunduma, patrulhamentos alucinantes à volta da pista, toda ela bem iluminada, operações no Xime, emboscadas, segurança nas obras do alcatroamento da estrada Xime-Bambadinca" ...


Mais recentemente, em 5 de Março de 1970, forças heli-transportadas tinham destruído vários acampamentos na área de Mamboncó, reagindo o IN com mort 60 na região de Belel durante a Op Prato Verde. Os RVIS apontavam para a existência de uma razoável, e já mal dissimulada, rede de comunicações (trilhos bem batidos) que, do Oio, permitiam fazer infiltrações de homens e material, na zona leste, através do Sector L1.

Participaram na Op Tigre Vadio as seguintes forças (num total de 300 homens, incluindo carregadores civis que transportaram 2 morteiros 81, granadas de morteiro 81 e de bazuca, ... mas alguém se esqueceu dos jericãs com o precioso líquido chamado... água!):

(i) CCAÇ 2636 (2 Gr Comb) + Pel Caç Nat 52 (Destacamento A)

(ii) CCAÇ 12 a 3 Gr Comb reforçados (Destacamento B)

(iii) Pel Caç Nat 54 + 1 Esq Mort 81 / Pel Mort 2106 (Destacamento C).




Guiné-Bissau > Região Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > 1970 > Pel Caç Nat 54 >  Uma unidade constituída por nharros, tugas e até turras!... A legenda é do açoriano Mário Armas de Sousa: " 1ª fila da direita para esquerda: do pessoal metropolitano, o primeiro sou eu, furriel miliciano Mário Armas; o terceiro é o 1º cabo Capitão; 2ª fila da direita para a esquerda: o primeiro é o soldado Amarante; o segundo é o soldado Bulo; o quinto é o furriel miliciano Inácio; o sexto é o 1º cabo Tomé; o nono é o soldado Samba; 3ª fila da direita para a esquerda: do pessoal metropolitano, o primeiro é o furriel miliciano Sousa Pereira; o quinto é o alferes miliciano Correia (comandante de pelotão); o sétimo é o 1º cabo Monteiro; o oitavo, africano, é o soldado Pucha (era guerrilheiro do PAIGC, foi capturado e ficou no nosso exército)"...


Foto: © Mário Armas de Sousa (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

O verdadeiro comandante das NT, envolvidas na Op Tigre Vadio, foi na prática o Alferes Mil Beja Santos, o nosso Mário, profundo conhecedor da região, na qualidade de comandante do Pel Caç Nat 52, agora colocado em Bambadinca. Depois do desastre da Op Anda Cá, repetiu-se a cena, com o comando do BCAÇ 2852 a querer fazer ronco, à conta dos pretos e dos açorianos... (Estava-se no término da comissão, não se quis sacrificar nenhumas das subunidades de quadrícula do batalhão, espelhadas pelo Sector L1)...


No 2º volume do seu livro de memórias (Diário da Guiné: 1969-1970: o Tigre Vadio), o próprio Mário dá a entender que esta missão terá sido uma espécie de prenda de casamento, mas envenenada… Antes de o deixarem ir a Bissau para casar, embora com baixa psiquiátrica (por ter levado uma porrada, não podia ir de férias...), o comandante do BCAÇ 2852, Ten Cor Pamplona Corte Real (que substituiu o famoso Pimbas), e o major Sampaio (que foi para o lugar do Pires da Silva), preparam-no para "o banho de sangue no corredor do Oio" (sic) (p. 271).

Quem são as forças que o comando de Bambadinca quer meter na boca do lobo, para vingar o desaire da Op Anda Cá ? Como se disse atrás, mais uma vez  "os pretos e os açorianos"...




A CCAÇ 2636, mobilizada pelo BII 18, tinha partido para o CTIG em 22/10/1969, ainda era portanto periquita (menos de seis meses de Guiné). Era comandada pelo Cap Mil Inf Manuel Medina e Matos. Passou por Có, Bafatá e Sare Bacar. Regressaria a casa em 6/9/1971. Em Março de 1970, a açoriana CCAÇ 2636 estava aquartelada em Bafatá. 

[Imagem à esquerda: Guião da CCAÇ 2636 a companhia açoriana a que pertenceu o nosso camarada João Varanda (Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71)].

A africana CCAÇ 12, por sua vez, era comandada pelo Cap Inf C
arlos Brito, a escassos meses de ser promovido a major. Deste o fim da época das chuvas, que não tínhamos tempo para nos coçarmos... 


Desenrolar da acção:

Em 30 de Março de 1970, as forças empenhadas na Op Tigre Vadio concentrar-se-iam em Missirá (destacamento agora guarnecido pelo Pel Caç Nat 54, por troca com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf Mil Beja Santos, então conhecido como o Tigre de Missirá, que fora colocado desde Novembro de 1969 em Bambadinca).

A marcha em direcção ao objectivo (Madina e Belel) iniciou-se às 23h00.  Anteriormente, para despistar e confundir os olhos e os ouvidos do PAIGC em Bambadinca, as NT seguiram não para Finete (como seria normal), mas para Fá. Atravessaram o Rio Geba de sintex (uma cambança morosa...), e dali seguiram para Missirá.

Por falta de trilhos e por dificuldade do terreno, muito arborizado, não foi possível fazer a progressão por itinerários paralelos, como estava inicialmente previsto, pelo que o Dest B (CCAÇ 12) teve de seguir na rectaguarda do Dest C (Pel Caç Nat 52 + Esq Mort 81 /Pel Mort 2106).

Sancorlá só foi atingida três horas e meia depois, pelas 2.45h do dia 31 de Março, por dificuldades de orientação dos guias e pelas frequentes paragens no decorrer da acção.

Quase seis horas depois da partida, por volta das 4h40, fez-se uma paragem de meia hora para descanso do pessoal.

Atingir-se-ia Salà às 7h e Queba Jilã às 8h, não se tendo detectado até aqui quaisquer sinais da presença ou passagem do IN e utilizando-se sempre um antigo trilho, muito arborizado dos lados, o que impossibilitava a progressão por colunas paralelas.

Depois de um novo alto em que se entrou em contacto com o PCV [Posto de Comando Volante], as NT atingiram o início da península onde depararam, pelas 9h, com uma extensa cortina de fogo, em frente a Madina. Pediu-se então ao PCV novas indicações e orientação, uma vez que já não se podia cumprir o plano estabelecido para a batida a desenvolver em linha conjuntamente pelos Dest A e B.

Dada ordem pelo PCV para seguirem na direcção W, torneando a queimada linear feita pelo IN, as NT encontrariam um trilho muito batido no sentido N/S e na direcção de Belel.

Seguindo o trilho, iriam detectar por volta das 14h, no píncaro do calor, um acampamento IN do lado direito, composto por oito moranças de colmo e sete de adobo. O Dest A (Pel Caç Nat 52 + açorianos) tomou imediatamente posição para o assalto enquanto 1 Gr Comb do Dest B (CCAÇ 12) se dispunha de maneira a cortar a retirada ou o eventual afluxo de reforços vindos de Madina e os outros montavam à rectaguarda e à direita a fim de interceptar quaisquer fugas para Norte.

Desencadeado o assalto com bazuca, foi abatida imediatamente a sentinela e incendiadas as barracas de colmo. Como o IN reagisse com RPSH (costureirinhas) e RPG-2 enquanto iniciava a fuga para NW, foi aberto fogo de armas automáticas, dilagrama e morteiro 60.

O Dest C (Pel Caç Nat 54 + Esq Mort 81 / Pel Mort 2106), instalado na rectaguarda dos grupos de assalto,  fez fogo com os dois Mort 81, batendo a mata para onde os elementos IN se refugiaram. 
  


Os Gr Comb que montavam segurança à direita (CCAÇ 12), viram aparecer na orla da mata vários grupos fugindo para norte, pelo que imediatamente abriram fogo, tendo uma das granadas caído no meio dum grupo de 3 elementos que não mais foram vistos (sic). Numa rápida batida à orla da mata, encontraram-se muitos rastos de sangue que conduziam à mata onde o IN se internou.

Depois do assalto foram referenciados mais onze elementos abatidos e nove rastos nítidos de sangue na direcção NW, além de ouvidos gritos de dor nas imediações (segundo o relatório da Op Tigre Vadio). Na busca realizada ao acampamento, verificou-se haver numa das barracas a arder seis armas carbonizadas que pareciam ser Pist Metr PPSH. Também foi vista uma bicicleta no meio do incêndio, o que vinha comprovar a utilização por parte do IN daquele meio de transporte e comunicação no corredor do Oio.

As oito casas de colmo arderam completamente, tendo-se depois completado a destruição das sete casas de adobe, assim como de todos os meios de vida existentes. Foi impossível recolher ou capturar armamento ou munições pois o fogo ateado desenvolveu-se rapidamente, começando também a mata a arder devido ao vento que soprava.

No assalto ficou ferido o soldado Mauro Balbé (3° Gr Comb da CCAÇ 12), com um tiro no antebraço, além dum outro soldado do Pel Caç Nat 52 com um estilhaço de granada de RPG-2 no peito.

Devido ao violento ataque de abelhas que se seguiu, muito material e munições (principalmente o que era transportado pelos carregadores civis) ficaram abandonados, não tendo sido possível a sua recuperação total.

Entretanto, não se conseguiu pedir mais evacuações devida à avaria dos micros do único AN/PRC-10 que nessa altura ainda funcionava (!), nem aliás a DO e o helicóptero com o reabastecimento de água chegariam já a localizar as NT naquele dia. 



O que aconteceu nessa tarde ? Eis mais um excerto do testemunho Beja Santos, de 29 de Junho de 2009 (reproduzido, de resto, no seu livro de 2008):


(...) "Foi nessa altura que pedi um helicóptero para ir buscar água a Bambadinca. Negociámos uma clareira com o oficial aviador e, ao levantar, uma rajada estilhaçou o vidro. Ainda hoje me interrogo sobre a proveniência do fogo, e longe de mim insinuar que foi gente menos calma entre os nossos. O que interessa é que quando cheguei a Bambadinca, o Comandante [do BCAÇ 2852] perguntou-me porque é que eu deixara o teatro de operações. Olhei-o a direito e perguntei-lhe se ele sabia o que era um estado de desidratação total, desafiando-o a vir comigo...

"Lá regressei à mata cheio de garrafões, o helicóptero dançava com os vidros partidos, a ligação ar/terra não se fez e o oficial convidou-me a desembarcar com os garrafões num sítio qualquer. Perguntei-lhe se ele tinha consciência que não estávamos num filme de aventuras na selva e então levou-me até ao Xime, dizendo que regressava a Bissau e que depois da reparação me viria buscar. Até hoje. Dormi no Xime, sem nenhum êxito na tentativa de comunicar com as forças do Tigre Vadio" (...).



O helicóptero trouxe também o médico do batalhão, o Alf Mil Med Vidal nSaraiva... que acabaria por perder a boleia, de regresso a Bambadinca. Andou todo o resto da tarde, de 31, e toda a noite, do dia 1 de Abril, com a destroçada e desmoralizada tropa...


Os Destacamentos continuaram a progressão a corta-mato em direcção a Enxalé, transportando os feridos em macas (improvisadas) e amparando os elementos mais debilitados.

Devido à escuridão e à vegetação densa, os Destacamentos acabaram inevitavelmente a fraccionar-se, perdendo-se completamente a unidade de comando, enquanto o Pel Caç Nat 52 caminhava na vanguarda orientando-se pela bússola, uma vez que os guias, da inteira confiança do Alf Mil Beja Santos,  davam provas de não conhecer a zona. 



A progressão tornou-se, de resto, cada vez mais penosa devido aos crescentes casos de esgotamento físico e psicológico provocado pela marcha quase ininterrupta durante uma noite e um dia (31 de Março), e sobretudo pela terrível desidratação e pelo brutal ataque de abelhas.

Pelas 22h, as várias fracções dos Destacamentos que, embora seguissem trilho feito pelo Gr Comb que ia na frente, não tinham ligação visual ou contacto-rádio entre si, estacionaram para pernoitar a uns 8 quilómetros do Enxalé.

Reiniciou-se a marcha, ao amanhecer, a 1 de Abril, depois dos 3 Destacamentos se reorganizarem, tendo o grupo da frente atingido o Enxalé por volta das 10h da manhã, com o auxílio do PCV que orientou o deslocamento. A maior parte do pessoal, porém foi transportado de viatura a partir do cruzamento de São Belchior, depois de se ter sofregamente dessedentado com água trazida em bidões. (Assisti a cenas que julgava nunca poder ver em vida, e que são reveladoras do mais básico instinto de sobrevivência do ser humano; essas cenas inspirara-me o texto poético, já aqui publicado, O Relim Não é um Poema).


Em resultado da acção das NT, o IN sofreu quinze mortos (entre referenciados e confirmados), dez feridos confirmados e baixas prováveis, não sendo possível discriminar os elementos combatentes dos elementos pop. (Cito o relatório da operação).

Desta operação o Comando colheu os seguintes ensinamentos, conforme também consta no dito documento:

(i) A surpresa conseguida deve-se ao facto de se ter atingido o objectivo pelas 14h, hora que o IN abranda a vigilância por que sabe que as NT fazem habitualmente um alto entre as 11h e as 16h;

(ii)  Outra razão foi ter-se convencido que as NT retiravam devido à cortina de fogo que havia lançado ao capim;

(iii) Um ataque de abelhas tem pior consequências que uma flagelação, pois que naquele caso as NT entram em estado de pânico, abandonando armamento e equipamento num instinto de defesa e tornando impossível a manobra de comando.
 Faz-se por fim, para os devidos efeitos,  a transcrição da mensagem 1404/C do Com-Chefe (Rep Oper):  



COM-CHEFE MANIFESTA SEU AGRADO REALIZAÇÃO RESULTADOS OBTIDOS OP TIGRE VADIO. Fontes consultadas:


(i) Diário de um Tuga, de Luís Graça. Manuscrito.

(ii) História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Cap. II. pp. 28-29.Policopiado

(iii) História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Policopiado

(iv) Santos, Mário Beja - Diário da Guiné: 1969-1970: o Tigre Vadio. Lisboa: Círculo de Leitores / Temas & Debates. 2008. 

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domingo, 13 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7936: Os açorianos também migraram para o Ultramar (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 12 de Março de 2011:

Meu bom e caro amigo Carlos Vinhal,

Não desapareci e estou arrepiando caminho, como se dizia nas terrinhas açorianas. Espero que estejas bem na companhia de teus entes queridos.
Em seguida vou mandar-te uma pequena história, talvez um comentário muito alargado ao que o A. Rosinha escreveu sobre as Cartas de Chamada para o Ultramar. O artigo que escrevo precisa da tua ajuda e que é o seguinte:
Faz o search a este blogue

http://kabiaka.blogspot.com/2007_08_13_archive.html

e retira a história (São Jorge do Katofe ou a Décima Ilha) para completar o meu artigo. Julgo que este artigo tem muito interesse histórico pois apresenta factos, dados, nomes, pareceres, documentação fotográfica etc.

Reconheço duas coisas: o que escrevo é pesado e alguém pode tentar chamar a si alguma provocação da minha parte. Longe de mim tal pensamento, pois a minha intenção única é mostrar que outras pessoas tinham outra forma de viver e sentir o Ultramar, neste caso Angola.
[...]
Também reconheço que o artigo, bastante inclinado para Angola, tem pouco a ver com a Guiné mas poderia muito bem ter-se passado ali.

Se entenderes que não tem interesse para o blogue eu aceitarei como sempre a tua decisão.

Um abraço muito amigo do
José


Os açorianos também migraram para o Ultramar

Caros amigos,

O António Rosinha no P7917: Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada**, fez algumas considerações que atraíram a minha atenção. Porque sou emigrante e porque sei o que é uma carta de chamada. Porque ainda sei que cada caso é uma vida e cada vida é uma história. E cada história depende dos protagonistas que a viveram.

No meu caso a carta de chamada passou por documentos de petição, contracto de trabalho e termo de responsabilidade originados no país de acolhimento, os Estados Unidos da América.

Em Portugal, mais concretamente na ilha do Faial, Açores, para obter o passaporte português tive que fazer inspecção médica à qual não faltou o Raio X, vacinação e análises sanguíneas, e ainda o registo criminal e licença militar. Esta, a título de informação, custou-me a módica quantia de 1.060$00, uma exorbitância para o tempo, e depois de ter cumprido o meu dever para com a Nação. Não me queixo pois era igual para todos.

Com o passaporte português no bolso, lá fui para São Miguel para mais um Raio X, análises sanguíneas e inspecção médica feita em clínica reconhecida pelo consulado dos EUA, requisito essencial para obter o visto daquela nação.

Já nos Estados Unidos da América, o meu primeiro acto oficial foi adquirir o cartão da segurança social para poder trabalhar. O segundo, sorte endiabrada a minha, foi ir à Câmara Municipal de Stoughton inscrever-me no Departamento de Recrutamento Militar.

Francamente, eu que tinha aprendi na minha escola da Fazenda das Lajes das Flores, Açores, que o meu país, Portugal, ia do Minho ao Algarve e dos Açores a Timor, confrontava-me agora com a possibilidade de ter que marcar passo num exército que, na altura, nada me dizia.

Mas não é da minha experiência humana, da minha carta de chamada, que vos quero falar.

O nosso camarada Carlos Cordeiro, em dois comentários ao Post do nosso amigo “Mais Velho”, apontou algumas das barreiras que, constantemente, nos eram impostas nos Açores pelo governo da nação. E, em termos militares, acrescento mais uma: os Sargentos do QP vindos do continente para os Açores tinham direito a subsídio de guarnição, mas já o inverso não acontecia.

Estas e muitas outras barreiras eram impostas a todos os recantos do país, desde que não fizessem parte do rectângulo português europeu. Certamente que as províncias ultramarinas, tal como os Açores e a Madeira, sofreram com esses constrangimentos. Não duvido que em recantos do Portugal Continental houvesse outro tipo de barreiras. Mas nem por isso nos sentíamos menos portugueses, certamente muito mais pobres.

A nossa força, enquanto Nação, está na procura intransigente da verdade, nua e crua. Ela será tanto mais forte quanto mais límpida for a sua história. Todos nós somos peças fundamentais desse puzzle.

Aqui, em Stoughton, conheço aqueles que foram para as províncias por carta de chamada, aqueles que foram a convite do governo, aqueles que ficaram por lá após o serviço militar e aqueles que lá nasceram. Todos eles com histórias contadas e por contar. Refizeram as suas vidas. Não se queixam nem recriminam. A vida continua.

Tudo razões para me ter interessado de sobremaneira por aquilo que o nosso amigo Mais Velho, o Rosinha, escreveu. Ele, tal como nós, serviu o exército em Angola e para além disso teve experiências riquíssimas de conhecimento e circunstâncias, que lhe foram proporcionadas pelos seus afazeres profissionais em Angola e na Guiné.

Hoje, com o devido respeito por ele e por todos vós, permitam-me que vos apresente uma história vivida por alguém que um dia sonhou com uma Angola diferente, possivelmente com uma Angola independente. O seu autor, Vicente de Matos, natural de São Jorge, foi um dos açorianos que migrou para aquela ex-provincia ultramarina portuguesa.

O artigo é uma lufada de ar fresco, apaixonante, extraordinário na sua beleza sentimental e histórica. Não se vislumbra uma palavra ofensiva a quem quer que seja ou a qualquer situação ou instituição. Quando muito a mágoa pela visão de uma terra vivida e amada reduzida a escombros. Isso é evidente nas fotografias que ilustram o artigo.

Com a devida vénia ao blogue MUKANDAS DO KABIAKA


Artigo originalmente publicado em ATLÂNTIDA, VoI. XLVI, 2001, adaptado por Lúcio Flávio da Silveira Matos, filho do autor, engenheiro civil, a viver no Brasil, no Estado de Santa Catarina [Vicente Teixeira de Matos que, em 2007, à data da publicação do poste, tinha 87 e residia em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores].
S. JORGE DO KATOFE
OU A DÉCIMA ILHA DOS AÇORES

VICENTE TEIXEIRA DE MATOS*

“Dos nossos olhos até à hora da nossa morte nada fará desaparecer aquele brilho húmido e doce que se acende, quando a recordamos.” (Vicente Matos)

"Quem lembra, prevalece..." (Lindolf Bell)

A Décima Ilha dos Açores, assim crismada pelo jornalista director da ANI, o terceirense Dutra Faria, é a pequena história de gente açoriana, rija e trabalhadora, espalhada "como quem não quer a coisa" pelos vales cir­cundantes do Rio Katofe e seus afluentes, atravessados pela estrada Luanda/Huambo, a 364 km da primeira e a 245 km da segunda destas cidades. No Sub Planalto de Benguela, a cerca de 1300 metros de altitude e à distância média do mar de 200km, no Concelho de Kibala, distrito de Kuanza Sul, Província de Angola.
Hesitei anos até reduzi-Ia a escrito: mas aquelas mulheres e aqueles homens, modestos e sofridos, e aquelas ruí­nas trágicas e dramáticas merecem que deles fique memória!... E assim, já tão longe daquela ardente mocidade, a minha consciência não ficaria tranquila sem lhes prestar este mais que modesto preito. Aos mortos e aos vivos, aço­rianos humildes, que lançados no meio do agreste mato angolano, rodeados de mil dificuldades, com parcos meios, edificaram aquela singela utopia!...

Antecedentes - As nove ilhas dos Açores, situadas em pleno Atlântico - O Grande Mar Poente - entre a Europa e a América, são, como sabemos, caracterizadas por um clima instável, varridas por ventos e brumas, ciclones e sismos; clima propício a diluir realidades, parir fantasmas e recriar sonhos de partir e de voltar!...
Nos fins dos anos vinte, do século que acaba de findar, quando começa esta memória, os destinos emigratórios dos ilhéus - Brasil e América do Norte - estavam saturados. Do Canadá, ainda, não se falava; havia de procurar-se outros destinos. As ilhas continuavam limitadas: "gente quanta queiram" em terra escassa, cortada pelo mar infindo e por velhas barreiras económicas e sociais. Por informações e histórias de quem lá servira ou trabalhava, começava a falar-se do Ultramar Português que, de terra de degredados e doenças mortais, se poderia transformar em "terra quanta queiram", apta a produzir riqueza desbravando o mato, sem prejudicar o legí­timo desenvolvimento dos povos nativos. Por exemplo, Angola teria sete habitantes por km2 contra mais de cem nas ilhas.

Início da Emigração - Em 1929, três jovens lavradores da Ilha de S. Jorge (Norte Grande), de nomes João Alves de Oliveira, Emílio Dias e André Alves de Olveira, irmão do primeiro, resolveram tentar a sua sorte em Angola. Foram recomendados a um jorgense - Tenente Bettencourt, deportado por razões políticas e na altura exercendo comércio na Vila da Kibala. Viriam a desembarcar em Porto Amboim (Benguela a Velha), o mais próximo do seu destino, para o qual se dirigiram numa camioneta de carga antiga, como mais uns fardos, através das terras vermelhas do Amboim, ubérrimas produtoras do café do mesmo nome, estrada barrenta de orografia muito acidentada, na qual os carros se atascavam, para desespero dos seus ocupantes. Por fim, lá chegaram a casa do seu conterrâneo. Seguidamente fizeram sociedade com o capitão Diogo Sandão, reformado e antigo pacificador daquela região, onde possuía uma fazenda, nos arre­dores da Vila. Aí, começaram nova fazenda, em terrenos contíguos, que iriam apelidar de Norte Grande. Efectuaram desbravamentos para sementeiras de milho e café e iniciaram a criação de gados bovino e porcino.

Família de Emílio Dias (Kimbaça para os nativos), 1 dos 3 pioneiros, com o primeiro tractor adquirido pela lavoura no Katofe.

Colonização - Passados cinco anos, adaptados à terra e ao clima, resolveram os três lançar-se, por sua conta e risco, estabele­cendo-se a 17 km da Kibala, junto à estrada de Luanda/Huambo, às margens do Rio Katofe; em vales de boas ter­ras para sementeiras de milho e arroz e boas pastagens para a criação de gado; fundando também um pequeno comércio, que servia de apoio e financiador da agricultura. "Boas terra para tudo, menos para os homens", opina­vam os entendidos! Na verdade o clima era duro e a terra infestada de mosquito e malária. No entanto, aqueles homens eram corajosos, não estavam dispostos a desertar! Contudo, em 1941, pelo Natal, pagaram o seu primeiro e doloroso tributo, falecendo o André Oliveira vitimado pela biliosa palúdica, que, naquela época, não perdoava...
Porém, dez anos passados - 1945 -, já possuíam lavouras de milho, de arroz, pomares e hortas e uma manada de cento e tal bovinos, dezenas de porcos e um pequeno rebanho de cabras e ovelhas; matéria prima para célebres caldeiradas de cabrito e borrego! Possuíam ainda dois moinhos hidráulicos, os únicos na área da Kibala, mercê de um açude construído no Rio Katofe, que ainda fornecia água para regar o arroz. Do rebanho de bovinos, exploravam as vacas leiteiras, cujo leite era aproveitado no fabrico de manteiga e queijo, vendidos nas vilas dos arredores.
Em 1945 admitiram um novo sócio, Vicente Teixeira de Matos, bem mais jovem, de uma família jorgense da Ribeira Seca, radicada nos arredo­res da cidade do Huambo.

O autor com 18 anos no final dos estudos no Liceu de Angra do Heroismo, quando desistiu de prosseguir estudos universitários no curso de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa e resolveu viajar para Angola.

O autor logo após a sua chegada a Angola.

O autor quando do serviço militar como furriel miliciano, em Nova Lisboa, Huambo, antes de ir para o Katofe.

O autor - Kilamba para os nativos - já na lavoura do Katofe com o trator Massey Harris da firma Oliveira & Dias.

O autor e a sua família extensa, em 1954. Da esquerda para a direita: José Teixeira de Matos (pai), Noémia da Silveira (madrasta), Vicente Matos, Zeca Matos (filho no colo), Maria Bernardete (esposa), Lúcio Matos (filho, no colo), Estêvão Silveira Coelho (sogro), Noémia de Fátima (irmã cassula), Laudelinda Cabral (sogra) e Arnaldo Silveira Coelho (cunhado).

Vicente Matos, em 1955, aos 35 anos, com dois dos seus sete filhos do Katofe.

Em 1946, chegou a Angola um Batalhão Expedicionário açoriano que, desmobilizado em 1948, deixou vários dos seus elementos em Angola, dos quais quatro vieram juntar-se ao embrião do povoamento açoriano no Katofe.
Por essa mesma altura, desembarcaram em Angola duas famílias com filhos que se dirigiram igualmente a Katofe, com a intenção de aí se radicarem. Estas chegadas vieram despoletar a ideia latente da criação de uma entidade patrocinadora do nascente povoamento.
Assim, os organizadores lembraram-se que a palavra cooperativa significava cooperar = trabalhar juntos - sem precisarem de se estender às origens dos "Pioneiros de Rochdale" - 1844, - bastando os exemplos da sua ilha natal - S. Jorge, para se organizarem de forma a apoiar os associados, em funções tão vastas como construir tudo a par­tir dos alicerces: casas, desbravamentos, compras de gado bovino, valas de enxugo e rega, fábrica de lacticínios, Igreja, Escola, Posto Sanitário, tudo o necessário para fazer funcionar uma urbe, espalhada num raio de quilómetros.
 Em 26 de Setembro de 1949, no Cartório Notarial da Comarca de Nova Lisboa (Huambo), foi assinada a escri­tura de fundação da Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária "A Açoreana", com sede em Katofe, área do Posto Sede de Concelho de Kibala. Os Estatutos da Cooperativa foram publicados no Boletim Oficial da Província da Angola, III Série, no 48, de 1 de Dezembro de 1949. Foram dezanove os fundadores.
Os Estatutos possuíam um parágrafo (cap. I art. 2o e seu parágrafo sexto) muito sintomático e por isso o trans­crevo: "Difusão entre os nativos da região, dos benefícios conseguidos pela Cooperativa, na medida do possível e seja do interesse deles; como conhecimentos agro-pecuários, assistência sanitária, etc., atendendo ao espírito de colaboração que caracteriza a colonização potuguesa". Isto se cumpriu até ao fim!
Os povoadores que vinham chegando dos Açores, uns mais outros menos, eram portadores das poupanças e do produto da venda dos seus haveres, decididos a tudo investir na terra feiticeira da Angola... Em primeiro lugar, construíram as pequenas casas, que muitas vezes começavam por uma casa de côlmo em estilo nativo, e adquiriam algumas cabeças de gado bovino. Num caso, houve quem começasse com duas vacas leiteiras.
Sendo crescente o número de povoadores em S. Jorge do Katofe, a Cooperativa requereu ao Governo de Angola a concessão de um empréstimo de mil contos, com pagamento escalonado por quinze anos, para serem investidos na compra de gado bovino, a distribuir aos sócios fundadores. Em Dezembro de 1951 foi concedido o empréstimo pela Junta de Comércio Externo e iniciada a compra de gado bovino no sul de Angola.
O rebanho, de algumas centenas de cabeças, depressa atingiu mais de um milhar e a consequente subida da produção de lacticínios. Assim, na época, Angola viria a transformar-se de total importadora em exportadora.
Em 1950/1951, festejaram-se os primeiros nascimentos e baptizados de jorgenses de S. Jorge do Katofe, raízes lançadas em boa e generosa terra, penhores do futuro desta iniciativa de açorianos, que não parava de crescer.

Os primeiros filhos açórico-angolanos do Katofe, lamentavelmente, espalhados por Portugal, Brasil, EUA e Canadá.

O pioneiro Emílio Dias na eira de secar o milho com alguns rebentos açórico-angolanos, Lúcio Matos, São Dias, Idalina Dias, Zeca Matos, Maria Ângela Dias e Linita Dias (da esquerda para a direita).

A assistência religiosa foi desde o início prestada pela Missão Católica de Kibala, numa casa particular. Em 1 de Setembro de 1952, Sua Excelência Reverendíssima o Arcebispo de Luanda, benzeu a primeira pedra da pequena capela, que viria a ser dedicada ao padroeiro S. Jorge pelo mesmo Arcebispo, em 1954. Esta capela viria a ser reconstruída mais duas vezes, transformando-se numa bela igreja, que não envergonhou os seus construtores. Deve assinalar-se que alguns povoadores contribuíram para estas obras com quantias superiores às que dispende­ram nas suas próprias casas. Não negando a sua generosidade e a sua fé! Nela seriam baptizados e depois cris­mados os seus descendentes e continuadores. Nela acabariam por casar alguns dos novos jorgenses.


Igreja de S. Jorge do Katofe: primeira reconstrução, em Dia de Pentecostes, e segunda reconstrução, em 1970.

Alguns dos jovens do Katofe em dia de casamento, no início dos anos 1970.

A igreja depredada atesta a destruição e a desolação trazidas pela guerra insana (2003).

Em 1952, a pedido da Cooperativa, o Estado legislou a criação de uma Reserva do Estado, de 52.000 hecta­res, onde se implantariam as fazendas dos povoadores e se reservariam os terrenos para uso comunitário das aldeias nativas, como era norma do seu direito consuetudinário. No futuro viriam a ser, mais ou menos, 20.000 hec­tares para fazendas e 32.000 hectares para aldeias, os primeiros completamente aproveitados em 1975.
A fim de exemplificar o crescimento económico da Cooperativa e seus associados, à falta dos números que todos os anos eram publicados nas contas da Cooperativa (o único que conservamos, impresso, é o de 1961), socorro-me de escritos do "Diário Insular" de Angra, quase todos da pena do citado jornalista Dutra Faria, "padrinho" do crisma da Décima Ilha dos Açores. Estas crónicas, assim como conferências nas Casas dos Açores de Lisboa e Rio de Janeiro, eram produtos das suas visitas a S. Jorge do Katofe, em 1951 e 1954, e de informações epistolares.
Assim, no ano de 1949 - ano da fundação - assinala-se uma pequena produção de 1.804 kg de manteiga e queijo, no valor de 82 contos. O número de gado existente era de 400 cabeças.
Já em 1955, seis anos depois, a produção era de 6.000kg de manteiga e queijo, no valor de 311 contos, a que corresponde uma multipliçação quase por quatro vezes. Assinale-se a existência de mais de 2.000 bovinos.
Em 1958, a nove anos da existência da Cooperativa, assinale-se uma produção de 16.000 kg de lacticínios, no valor de 711 contos, a existência de 2.582 cabeças de gado, e a venda de 360 bovinos de corte, no valor apro­ximado de 500 contos.
No ano de 1961, há a registar uma produção de lacticínios de 28.000 kg, num valor de 1.313 contos; respectivamente, aumen­tos de 26 e 32% em relação a 1960, demonstrativos do progresso anual e da valorização dos produtos. Note-se que o leite foi pago aos associados a 2$60/litro, quando em 1974, treze anos depois, ainda era pago a 3$00.
O gado bovino sofreu novo aumento em 1961, arroladas que foram 4.133 cabeças (aumento anual de 33%) pela Missão de Inquéritos Agrícolas de Angola, sendo 3.978 cruzadas nativo/holandês/schwitz, 145 schwitz puras oriundas do sudoeste africano e 10 touros fornecidos pelos serviços oficiais. Pesados na balança da Cooperativa foram 404 bovinos, que deixaram 652 contos.
"Para mal dos nossos pecados", o Colonato Estadual da Cela tinha o centro a escassos 62km, e era forte demais a ambição de integrar o nosso povoamento livre - liberdade conquistada a duras penas e trabalhos - para ser absor­vido pelo "Golias Estadual", num singular socialismo de estado. Na Cela, o Estado investira mais de um milhão de contos, a ponto de transportarem para a Vila de Santa Comba uma igreja igual à de Santa Comba Dão. O Estado tudo fornecera aos colo­nos da Cela: casas, terras preparadas, gado, máquinas agrícolas; tudo apoiado por uma burocracia asfixiante. A comparação com o "pequeno David" era chocante, envergonhando Golias e seus mentores!
Os povoadores açorianos e a sua Cooperativa sempre primaram por colocar acima de tudo o seu trabalho, iniciativa e liberdade pessoais contra a mediocridade e burocracia.
Em 1958 foi inaugurada a Escola Primária e nomeada professora própria. Nessa inauguração, foi oferecido, pelo Senhor Governador Geral um instrumental para a filarmónica em formação, com "a prata da casa" abrilhan­tando as Festas do Divino Espírito Santo!
Estava programado e em breve veríamos a sua construção: o Posto Sanitário e a colocação de um enfermeiro, que iria prestar uma assistência diária a todos os habitantes da região, sem excepções.

Progresso - A década 1960/1970 foi um tempo de progresso assinalável. Passaram os tempos duros e difíceis, que Dutra Faria assinalou assim: "Em 1951 o velho Faustino possuía 2 vacas, 1 junta de bois, 1 carro de bois igual aos dos Açores; em 1954, possuía 80 cabeças de gado bovino e 1 moto nova, e podia matar 1 porco todos os meses."
"Estes descobriram também a sua Ilha! Sem uma palavra de retórica. Silenciosamente. Humildemente. Sem um gesto de propaganda, estes açorianos fizeram maior, no que lhe cabia, o mundo lusíada. Levando as vacas para o pasto, mungindo o leite, batendo a manteiga, fabricando o queijo. Podando as macieiras e os araçaleiros. Plantando as couves e os inhames, semeando o milho. E fazendo o sinal da cruz, ao sentarem-se à noite, exaustos, mas satis­feitos consigo próprios, diante de um grande prato de sopa de abóbora e batata doce, polvilhada de canela."
Em 1960, foi colocado em S. Jorge do Katofe, um ajudante de pecuária, que faria as vacinações do gado e todos os outros tratamentos que não exigiam a presença do médico veterinário, colocado na sede do Distrito, abran­gendo uma área tão grande como Portugal Continental.
Este apoio oficial foi imprescindível, ao mesmo tempo em que os povoadores desenvolviam e ensaiavam novos maneios dos rebanhos: tanques banheiros para banhos carracícidas semanais ou quinzenais, parqueamentos com arame farpado, de todo o perímetro das fazendas e sua divisão em parques, ensaios de forragens e desbravamen­tos totais ou parciais.
A Junta Provincial de Povoamento enviou para Katofe uma brigada, chefiada por um agrimensor, a qual tinha por missão medir e legalizar as fazendas, ao mesmo tempo tendo em conta os terrenos das aldeias nativas. Principiou pelas fazendas já estabelecidas no perímetro da já referida Reserva do Estado, abrangendo um raio de 20 km, englobando os vales do Rio Katofe e seus afluentes Mussoe, Kangombe, Kianza, Mussanza e outros, rodea­dos pelas cordilheiras de nomes de sabor africano, Iengo, Tongo, Midanda, Kassamba, Mussanguir, que, em dias friorentos de cacimbo (brumas nocturnas e matinais) ou em noites deslumbrantes de luar, pareciam deixar entrever a silhueta da sua ilha distante...
À medida que terminava o trabalho de campo, por despacho do Secretário Provincial do Fomento Rural, eram publicadas no Boletim Oficial de Angola as concessões provisórias, até que os concessionários comprovassem o total aproveitamento, prazo em que eram emitidos os alvarás definitivos, de plena posse. Já emitidos em 1975.
A requerimento da Cooperativa, os Serviços de Obras Públicas construíram o Internato Escolar, gerido por moni­tores educativos, destinado a receber alunos matriculados na Escola, cujos pais viviam em fazendas distantes da povoação, além de alguns de outras áreas com o mesmo problema.

A Escola e o Internato Escolar durante o interregno da guerra civil, em 1991.

Pelo Governo do Distrito foi executada a obra de abastecimento de água potável à povoação, com distribui­ção ao domicílio.
Igualmente o Secretário Provincial das Obras Públicas mandou aproveitar o antigo açude do Rio Katofe e res­pectiva vala de conduta de água, cedido graciosamente, a fim de mover uma turbina hidroeléctrica para fornecer electricidade à povoação. O Engenheiro Abecassis, antigo Governador do Distrito de Angra, tinha experiência aqui obtida. Os últimos dois melhoramentos raramente existiam em Angola em povoações de igual categoria, per­mitindo aos habitantes uma muito melhor qualidade de vida. À sombra destes nasceram vários outros: casas de habitação, como segunda casa de alguns fazendeiros; pensão-restaurante muito afamada, oficina de reparação de carros e tractores; dois cafés, três casas comerciais, além da Cantina de Cooperativa, três casas para funcio­nários do Estado. Além da Escola, Posto Sanitário e Posto Veterinário, já referidos. O pequeno mas actuante Colonato Açoriano de S. Jorge do Katofe continuava não só em frente em desenvolvimento económico, mas tam­bém em progresso sócio-cultural.
E, como pólo cultural, foi reconstituída e acrescentada a chamada Casa do Espírito Santo, no Largo da Igreja, onde desde os anos cinquenta se realizavam as grandes e seculares Festas do Divino Espírito Santo; das promessas, da alegria, da abundância, da solidariedade! Da Terceira Pessoa, que é o "Rei da Alegria"! Nela vi deslizarem as lágrimas de saudade, a um engenheiro natural da Praia, perante a Benção das Esmolas, iguais às da sua infância!...

Aspecto da última Casa do Espírito Santo em 2003, apresentando as marcas da destruição e abandono.

Na Casa do Espírito Santo, sentavam-se à primeira mesa cerca de mil pessoas! Como diziam os camionistas que percorriam as estradas de Angola, S. Jorge do Katofe era a única terra da Província onde se comia e bebia de graça durante o período das Festas, em boa e alegre companhia. Chegaram a abater-se uma dúzia de bois.
Destas Festas testemunhou o Bispo Angolano, de etnia bantu, que presidiu às Festas, D. Zacarias Kamuenho, hoje Arcebispo de Lubango, e no jantar festivo afirmou: "Li e estudei os Evangelhos, e a história dos ágapes tradicionais dos primeiros cristãos; mas nunca julguei que existisse em pleno Séc. XX, tal manifestação de fraternidade cristã."
Voltemos porém um pouco atrás no tempo. No fim da década de sessenta, esfumado o sonho de levantar uma fábrica de lacticínios em Katofe, com o apoio imprescindível do Estado, deliberou-se que o leite produzido pelos sócios da Cooperativa fosse incorporado na Fábrica da Cela, a 40 km, pertença do Estado; esta em breve seria transferida para uma sociedade privada, recém criada, a Empresa de Lacticínios de Angola - E.L.A., cujas acções pertenciam: 50% aos lavradores/produtores de leite, que livremente as adquiriam; 40% à firma do ramo Martins & Rebelo, muito conhe­cida nos Açores e no Continente; e 10% à Junta Provincial de Povoamento, como fiel de balança. Do Conselho de Administração da E.L.A. veio a fazer parte, como produtor e accionista, o presidente de "A Açoreana". No início dos anos setenta, a E.L.A. mandou construir, à ilharga do Rio Katofe e fronteiro à povoação, um moderno posto de recep­ção de leite, com todos os requisitos mais modernos de refrigeração e higienização, ímpar no espaço português, que em breve forneceria leite de primeira qualidade à Central Leiteira de Luanda, prestes a ser inaugurada.
A Cooperativa "A Açoreana", com a sua Cantina, continuava a fornecer aos seus associados rações para as vacas leiteiras e tudo o mais que necessitassem a preços módicos, além de todo o apoio logístico necessário.
Muito se havia progredido: dos primeiros pagamentos anuais de 49 contos, atingia-se uma média superior a 1.000 contos mensais, quantia muitas vezes superior. Na terra de Angola o horizonte do progresso não tinha limi­tes: quem produzia 10, 50 ou 100 seria capaz de atingir os 1.000! O mesmo espírito se conseguiu implantar em S. Jorge do Katofe! O apoio do Estado não servia como muleta, mas como alavanca ao espírito de iniciativa, traba­lho e boa administração dos escassos recursos da Cooperativa e dos seus associados. Obra de compreensão pluri­racial, de progresso técnico e desenvolvimento, se possível mais perfeito à medida que o tempo passava, e, por necessidade, muito mais barato que outras formas de socialismo de estado, nesse tempo existentes em Angola.
Será que o povoamento implantado em S. Jorge do Katofe não possuía defeitos e falhas? Como obra de homens, modestos ainda por cima, teria a sua cota parte de insuficiências; porém passou o tempo de as apontar, ultrapassadas por dolorosos acontecimentos.
O desenvolvimento não era só económico, mas igualmente sociocultural. Saídos da Escola de S. Jorge do Katofe, muitos dos seus filhos espalhavam-se já pelos liceus de Angola, e já oito deles frequentavam a novel Universidade de Luanda e o Seminário Arquiepiscopal, em variados cursos - Letras, Veterinária, Medicina, Engenharia Civil, Teologia e Filosofia - prontos a contribuírem para o progresso da sua pequena terra e da grande Angola! Mesmo hoje, com o desenvolvimento da educação, será difícil que uma freguesia açoriana de 600 habi­tantes possua o mesmo ratio de universitários!...

Histórias - Como episódios significativos das vivências na Décima Ilha resumo alguns:
I - A tia Maria do Rosário, oitenta e tal anos ainda rebitesos, todos os dias, pela tarde, rezava o seu terço. E uma bela tarde tanto andou que se perdeu no mato, só sendo encontrada ao outro dia. Daí em diante, a tia Rosário sempre lembrava às visitas a noite em que as onças (leopardos) não conseguiram comer a velhinha, trepada numa árvore e protegida pelo rosário de Nossa Senhora.
II - Nos anos cinquenta, visitava S. Jorge do Katofe um jornalista suíço. A certa altura, disse para o seu acompa­nhante: «Uma autêntica paisagem do Minho!» Foi-lhe explicado que as mulheres e homens que remodelaram esta nova paisagem eram descendentes de várias origens, entre elas o Minho!...
III - De visita à Décima Ilha, um agrónomo, jorgense por sinal, depois de ver, observar e fotografar, desabafou: «Fora das nossas ilhas, nunca vi paisagem que tanto me lembrasse os Açores!»
IV - Bastante conhecido em Angola, o Eng.o Boaventura Gonçalves, terceirense, exímio construtor de estradas, hoje falecido, necessitou baixar ao Hospital de Luanda para tratar da saúde. Acabou por constatar que muitos dos empregados nativos eram da zona de Kibala/Katofe, os quais lhe falavam dos tchindeles (europeus), que começavam a desbravar e povoar a zona de onde eram naturais. Os "sulianos" eram boa gente, pagavam sem­pre os prejuízos do seu gado nas lavras e até, numa dificuldade, emprestavam dinheiro às suas famílias. O Eng.o Boaventura, conterrâneo dos "sulianos", passou a ser mimado, chegando a enciumar os outros doentes!
V - Uma bela noite de luar africano, feiticeiro, a povoação foi acordada por urros tremendos. Não sendo zona de leões, na manhã seguinte verificou-se ter sido atacado um curral perto e morta uma nema (novilha). Só podia ser leão... e alguns caçadores amadores resolveram fazer uma mutala em cima de uma árvore sobranceira ao curral, e ao cair da noite trataram de subir à árvore, o último de "bofes à boca", pois já sentiam uma restolhada!... Seguiu-se uma autêntica fuzilaria e os habitantes saíram à rua a espreitar os resultados da guerra... Em breve chegaria uma carrinha trazendo o leão, bicho imponente, motivo de fotos e falatório!... A fêmea viria a ser envenenada numa fazenda próxima, depois de matar outro bovino. Do episódio ficaram até hoje as tro­vas do poeta popular, mestre de viola e animador de tantas noites de chamarritas e bailhos, mestre João da Luz, há anos falecido na Terceira.

Fim do sonho - Estamos no ano decisivo de 1974: 25 de Abril, suposta alvorada de esperança, dado que em S. Jorge do Katofe todos estavam de acordo com a independência, para todo o povo angolano; de paz, ordem e progresso. Por coin­cidência, nesse mesmo dia deslocou-se à Administração do Concelho uma delegação de lavradores com as suas carrinhas carregadas de leite, a fim de pedir ao Governador do Distrito a sua interferência junto do Governo, com vista à subida do preço do leite dos 3$00/litro para um preço que compensasse o produtor. Aí tivemos conheci­mento do que se passava em Lisboa, nesse dia.
Em 26 de Setembro de 1974 comemoram-se as Bodas de Prata da Cooperativa “A Açoreana”; um tempo muito curto na vida de um povo, mas tempo de alegria, de reflexão e progresso imparável. Como corolário, a Junta de Povoamento acabava de ligar todas as fazendas com estradas rurais com pavimento de laterite, levando à estrada principal asfaltada, ao Posto de Lacticínios e à povoação.
Porém, a partir dos meados do ano de 1975, os açorianos do Katofe foram confrontados com a dura, amarga e triste realidade: a independência não seria calma e pacífica, como se antevira um ano antes. A gente de paz e de trabalho de S. Jorge do Katofe, como a maioria dos euro-angolanos, seria obrigada a abandonar tudo o que cons­tituía o seu mundo: os seus haveres, alguns trazidos dos Açores, os seus mortos, as suas próprias recordações, as suas vivências multiraciais. Com prejuízo de todo o povo angolano. No último dia da nossa estadia em Katofe, disse-nos um chefe de aldeia (soba) afro-angolano: “Vocês ainda têm uma terra para onde partirem, nós vamos ficar aqui a morrer de fome, de guerra e de doença!” Prova provada de que os euro-angolanos constituíam o cimento dessa Nação. Veja-se o que veio a acontecer até hoje com a trágica e irresponsável descolonização...
Em Agosto e Setembro inicia-se a partida: famílias inteiras através de Angola em direcção à África do Sul; de avião até Lisboa, para os Açores, Estados Unidos, Venezuela, Brasil e Canadá. Diáspora de gente lusíada em busca de oásis de Paz!...
Para trás ficava tudo, além do mais cerca de 20.000 cabeças de gado bovino; para dali a um ano serem ape­nas 600, até que nada mais sobrou!

Homenagem - Não posso encerrar esta memória sem lembrar os já falecidos, dos dezanove associados fundadores da “A Açoreana", em Angola: João Alves de Oliveira, o afamado João do Katofe, e também João Leal, coração maior que o corpo, sócio n.o 1, o primeiro a ser sepultado no cemitério do Katofe, quando até aí se fazia na Kibala a 15 km. Ainda, em Angola: José do Rosário, José Leal de Oliveira e Braúlio Teixeira de Matos. Nos Açores: João Faustino da Silveira, José Teixeira de Matos, José Lopes dos Santos e João Bettencourt. Na Califórnia: Emílio Dias, Manuel Herculano de Matos, António Alves de Sousa; e na Costa Leste norte-americana: João Rodrigues. Doze dos dezanove. Não seria possível mencionar mais nomes, dos que se inscreveram ao longo dos anos, mas aqui fica a minha homena­gem simples mas sincera a essas mulheres e homens - jorgenses de escol!
Em memória de todos, ouso transcrever os versos do poeta angolano Vieira da Cruz:


COLONO

A terra que lhe cobriu o rosto
e lhe beijou o último sorriso,
foi ele o primeiro homem que a pisou!

Ele venceu a terra que o venceu.
Ele construiu a casa onde viveu...
Ele desbravou a terra heroicamente,
sem um temor, sem uma hesitação
- terra fecunda que lhe deu pão
e lhe floriu a mesa de tacula...

Foi arquitecto e foi também pintor,
porque pintou de verde a sua esperança...

Esculpiu na própria alma um sonho enorme,
Por isso foi também grande escultor!

O que aprendeu foi Deus que o ensinou,
lá na floresta virgem, imensa catedral,
onde tanta vez ajoelhou!

E assim a Décima Ilha dos Açores se foi incrustando na bruma da memória, vivência que foi realização plena, saudade que perdurará...
Permitam-me terminar, pela pena do grande poeta Fernando Pessoa: “Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena!...”.

Bibliografia
*Boletim Oficial de Angola - III Série, n.o 48 de 7/12/1949.
*Estatutos da Cooperativa "A Açoreana", S.C.L.R.L.
* Relatório Impresso e Contas de 1961.
*Apontamentos, exposições e escritos contemporâneos dos acontecimentos.
*Jornal "Diário Insular" de 25/11 /1954, 26/11/1954, 08/03/1958, 09/10/1958, 11/11/1958 e 28/06/1961.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7750: Homenagem à minha mãe na hora da despedida. Mãe, até amanhã! (José da Câmara)

(**) Vd. poste de 9 de Março de 2011 Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada