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quarta-feira, 8 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19761: Estórias avulsas (95): O meu atribulado começo de comissão: eu, alguns homens e três viaturas carregadas de géneros alimentícios, desembarcados no Xime, e deixados para trás, com destino ao Saltinho (Martins Julião, ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > 3 de março de 2008 > A margem direita do Rio Corubal vista da antiga ponte Craveiro Lopes. Nesta margem, e sobranceira ao rio e à ponte, ficava o aquartelamento do Saltinho, a cerca de 75 km do Xime.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [€dição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de 2 de maio de 2019, do Martins Julião (ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho,  1970/72), membro da nossa Tabanca Grande desde 23 de julho de 2006 (*), e  um dos "históricos" do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo (**), mas de quem, espantosamente, não temos nenhuma foto, à civil ou à militar...

Caro camarada Luis,

Ainda estou vivo por enquanto, mas com alguns problemas de saúde e outros que me têm mantido afastado dos convívios anuais.


Sou o ex-alferes Martins Julião da antiga Caç 2701 - Saltinho (1970/72). 
Aqui te envio uma memória desses tempos.

Um enorme abraço par ti e para todos os camaradas do Blogue. 

Martins Julião


2. UMA ESQUECIDA MEMÓRIA SUBITAMENTE LEMBRADA (***)

por Martins Julião

O calor era o da Guiné: quente, abafado, húmido, pegajoso e quase irrespirável, para os soldados acabados de chegar.

A navegação entre Bissau e o Xime, escondia para todos o que se poderia passar; apenas sabíamos que íamos a caminho do nosso destino operacional: Saltinho.

Estávamos nos primeiros dias do distante mês de Maio de 1970.

Na LDG (Lancha de Desembarque Grande) da nossa Armada , apenas a popa era “habitável”.

O castelo da popa, onde se situava a ponte de comando da LDG, era ornado, perto das amuradas, por duas Bosfords de 40mm. O resto era um fundo chato, largo e cheio de tudo um pouco e de homens, no maior dos amontoados: viaturas, géneros alimentares e outros, munições, outras tralhas e muitas centenas de homens armados de espingarda G3, quatro cartucheiras de munições e cantil.

Tínhamos pois saído de Bissau, após as sete horas da manhã, com a maré enchente e chegámos, cerca do meio dia ao Xime. A LDG seria a Montante ou a Bombarda, mas a memória já não me permite ser preciso, neste particular.

A nossa chegada foi festiva pois a artilharia do Xime estrondava os ares com a sua voz estridente e pesada, o que nos deu a entender que estávamos a chegar a uma das portas de entrada da guerra.

A nossa companhia, a CCaç 2701, desembarcou e de forma organizada aprontou-se para embarcar na coluna militar que nos levaria ao nosso destino.

A coluna era composta por um enorme número de viaturas, a maioria militar mas, também algumas civis, acompanhadas por uma escolta militar de cavalaria oriunda de Bafatá, comandada por um capitão.

Eu era, para meu azar, o Alferes mais velho e, portanto, tinha formalmente o comando, uma vez que o nosso capitão tinha ficado retido em Bissau num briefing com o nosso General Spínola, Comandante- Chefe.

Quando todos tinham tomado acento nas viaturas eis que sou abordado por dois cabos da Manutenção Militar que me estendem uns papeis, pedindo que os assinasse. Logicamente, perguntei-lhes de que se tratava ao que me informaram que, ainda dentro da LDG, se encontrava a primeira tranche de víveres para o nosso isolamento.

Espanto dos espantos!

Primeiro não fora informado desses géneros com destino ao Saltinho, depois nem sabia que teríamos de ficar isolados cerca de 4 meses, em virtude das chuvas e do estado intransitável em que ficariam as famosas “picadas”.

Tomei, de imediato, uma decisão que os meus já 17 meses de permanência no Exercito me aconselhavam : nada assinarei aqui no Xime.

Os rapazes da Manutenção Militar iriam seguir na coluna acompanhando a carga. A companhia iria proceder à sua descarga da LDG e carregaria na coluna e a conferência final seria no destino, onde então se assinariam os papeis.

Os cabos tentaram reagir a esta decisão, mas sem possibilidades de fuga e ordenei aos graduados, que mais perto de mim se encontravam, para mobilizarem uma “força” de “estivadores”, que teriam de alombar às costas o equivalente a carga para, pelo menos, três viaturas pesadas.

 Imaginem a hora de calor máximo, rapazes acabados de chegar a esta torreira e a violência do trabalho a efectuar, em correria sem nexo, uma vez que o comandante da LDG berrava que iria perder o momento da partida óptima, face à mudança da maré e o comandante da escolta berrava furibundo que tinha de dar ordem de partida à coluna.

Chamei o meu furriel vagomestre, que quando se apercebe da situação e do que pode resultar, simplesmente roda sobre os calcanhares e cai desamparado no chão, desmaiado.

Decidi nomear um novo vagomestre e um furriel operacional que ajudava nesta confusa manobra, ofereceu-se para coordenar esta operação logística. Naquele momento, deixou de ser operacional e passou à intendência da companhia, embora interinamente.

A operação muito penosa e necessariamente demorada, levou o capitão de cavalaria, comandante da escolta, a perder o norte. Para além de bater com um chicote num graduado da companhia ( furriel Santos) e me ter ameaçado com todo o tipo de arrazoados indignos de um oficial que deveria ter percebido ou deveria ter tido o bom senso de conhecer melhor a situação anómala e imprevista que se desenrolava à sua frente, preferiu ignorar atirar com todo o tipo de culpas para cima do Alferes “piriquito”.

Então, para meu espanto o senhor capitão de cavalaria dá ordem de avançar a coluna, sem termos tido tempo de finalizar a operação de “estiva”.

Ficamos sós no cais do Xime, eu alguns graduados de enorme sentido de dever e responsabilidade e os meus magníficos e esgotados rapazes , cheios de sede, uma sede que leva à loucura. Terminada a tarefa, pusemo-nos a caminho, na esteira da coluna que há muito tinha partido, sem qualquer escolta de acompanhamento.

As três ou quatro viaturas em que seguíamos estavam carregadas até cima e os homens amontoados por cima da carga, em situação de enorme perigo, quer porque não tinham estabilidade , quer porque não estavam em posição de saltar das viaturas se houvesse um ataque. Iam bebendo Coca-Cola e Fanta ferventes o que os deixava ainda com mais cede e, mais tarde, com problemas intestinais.

Ao longo do percurso fomos encontrando as forças de segurança apeadas que protegiam a passagem da coluna, emboscadas ao longo da picada, e que iam regressando às suas bases.

A noite aproximava-se e a nossa pequena coluna alcançou o Xitole, pernoitando aí, sabendo então que a coluna principal já estava no Saltinho.

Dormimos junto dos camiões para que não tivéssemos maiores desvios dos bens que transportávamos.

De manhã, bem cedo, seguimos para o Saltinho onde chegamos sem mais sobressaltos.

O Alferes, algum tempo depois foi contemplado com dois Autos de Averiguações, um vindo da Manutenção Militar, acusando-me de abuso e de “rapto” de dois cabos daquele serviço, outro resultante de uma queixa do valoroso capitão de cavalaria.

Mais tarde, mas isso é outra história recebeu um terceiro Auto, este dos Reordenamentos e dum Major, completamente parvo, que me acusava de não ter sabido construir correctamente uma escola, cuja cobertura voou com o primeiro tornado na região. Segundo sua Excelência,  o Manual de Construção era tão claro que qualquer soldado saberia como proceder, quanto mais um Alferes.

Um começo de comissão na Guiné promissor…

Martins Julião
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  23 de julho de  2006 > Guiné 63/74 - P981: Tabanca Grande: Martins Julião, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72

(...) "Só há pouco tempo conheci este espaço de encontro. O Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53, Saltinho), foi o camarada responsável pela minha apresentação aos camaradas de tertúlia.Chamo-me Martins Julião, fui Alferes Miliciano de Infantaria da CCAÇ 2701 (Saltinho, Abril de 1970/Abril de 72).Hoje sou um pequeno empresário e gerente de uma unidade industrial, após mais de 20 anos como professor do Ensino Secundário" (...).

sábado, 29 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17629: O nosso livro de visitas (192): O meu pai, José Manuel Teixeira Rodrigues, esteve no Saltinho, na CCAÇ 2701, 1970/72. Está hoje reformado, na sua casa em Cerdal, Valença do Minho. Eu nasci e vivo em França, há 42 anos, escrevo mal o português. Mas gostaria de partilhar fotos do álbum do meu pai e saber mais sobre a história das nossas origens (Adolfo Manuel Teixeira Rodrigues)


Guiné > Zona leste > Saltinho >  Ponte do Saltinho... Militares da CCAÇ 12 que acabavam de chegar, em coluna logística, oriunda de Bambadinca... Presumo que a foto de seja do 3º ou 4º trimestre de 1969... Em primeiro plano, à esquerda, de costas, o Humberto Reis com 1º cabo, do seu 2º Gr Comb, o "Alfredo"... Mais à frente, à direita, também de costas, mas assinaldo com um círculo a vermelho, o nosso edditor, Luís Graça...Como se vê na foto, não havia na altura nem cavalos de frisa,. nem postos de sentinela, nem ninhos de metralhadora, nos topos da ponte...

A CCAÇ 12 fez segurança à coluna  que levou o pessoal da CCAª 2701, do Xime até Saltinho.


Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Editada e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. Mensagem do nosso leitor Adolfo Manuel Teixeira Rodrigues, que vive em França e é filho de um camarada nosso, de Valença do Minho:

Data - 21/0772017


Senior Luis Graça,

Encontrei eu seu blogo por hasar, a porcura de informaçaos sobre a historia do Ultramar Portugues, que nao conheco, Tenho 42 anos, sou filho de immigrante portugues, narci e estao vivendo em França.

O meu pai, José Manuel TEIXEIRA Rodrigues, estive na Guinè em 70-72, na regiao do Saltinho, me recordo de ver este emblema, que vi no seu blogo, na nossa casa, em Portugal, (Cerdal, Valença do Minho 4930) :



O meu pai esta hoje na reforma em Portugal, e eu a muito anos que gostaria conhecer a historia das nossas origem, mas commo vocé pode ver, na sei muito bem escriver Portugues, pesso desculpa por as faltas, e em frança os livros sobre a Guinè, nao a grande coisa. Ja falei o meu pai do sei blogo, e com a autorisaçao de ele, temos muitas fotografias de esse tempo em casa, do Barco no porto de Lisboa as fotografias da Ponte do Saltinho e tembem do meu pai.

Cumprimentos
Adolfo Manuel TEIXEIRA Rodrigues


2. Comentário do nosso editor Luís Graça:


Obrigado, amigo, pelo seu contacto. Sendo filho de um camarada nosso, nosso filho é também.

Temos cerca de 3 dezenas de referências sobre a CCAÇ 2701, a companhia que julgamos ter sido a do seu pai. Temos alguns camaradas dessa companhia, ou que passaram pelo Saltinho, nesse período.

Pode dar ao seu pai estas referências:


Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72): vive hoje em Esposende;

Carmelino Cardoso, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2701/BCAÇ 2912 (Saltinho) e QG (Bissau, 1970/72);

Paulo Santiago (ex-Alf Mil At Inf do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72) (,vive em Águeda).

Há mais referências a camaradas desta companhia: por exemplo, o capitão Carlos Clemente, hoje coronel; o sold Tony Tavares,do 4º pelotão; o ex-alf Martins Julião, que chegou a comandar a companhia na ausência co capitão... O Martins Julião é hoje empresário em Oliveira de Azeméis.

Adolfo, teremos todo o gosto em publicar fotos do álbum do seu pai, e apresentá-lo ao resto dos camaradas e amigos que compõem a nossa Tabanca Grande. Estamos a caminho dos 750!... SE ele nõ tiver endereço de correio eletrónico, podemos usar o seu.

Louvamos o seu esforço em falar e escrever a língua dos seus antepassados e procurar saber mais sobre a história desta guerra e a ida do seu pai para a Guiné.

Não corrigimos, sequer, a sua mensagem. É publicada na íntegra, tal como a enviou. Infelizmente os nossos governos (os de Portugal e os da França) nunca deram o devido apoio ao ensino das línguas das suas comunidades migrantes. Há um milhão de portugueses e de descendentes de portugueses em França. Quantos falarão e escreverão corretamente o português ?

Esteja à vontade para nos volar em contactar. Também é uma forma de treinar o seu português,uma língua que tem 250 milhões de falantes em todo o mundo.

Muita saúde e felicidades. Um grande alfabravo (ABraço) para si e para o seu pai.

PS - Diga ao seu pai que eu ainda conheci a sua companhia, a CCAÇ 2701. Aliás, fomos nós, a "africana" CCAÇ 12 (Bambadinca, junho de 1969/março de 1971), a dois grupos de combate, quem, em maio de 1970, fez uma coluna logística, de Bambadinca ao Saltinho, escoltando os "periquitos" da CCAÇ 2701 e levando reabastecimentos até ao local de destino.

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sexta-feira, 24 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17175: Notas de leitura (940): “Capital Mueda”, de Jorge Ribeiro, Campo das Letras, 2003 (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Deste poderoso relato, escreveu Luandino Vieira: "Capital Mueda é excelente e merecia um desenvolvimento em romance, tão boa matéria e tanto necessária sobre esses anos e factos que se incrustaram no imaginário português sem que os escritores lhe tenham dado - até à data - o tratamento que os Zurara, Couto e Mendes Pinto deram à outra época dramática da vossa nacionalidade".
Uma coluna desloca-se entre Mueda e Nangololo, a viagem é um calvário que um repórter de guerra capta em cheio, as conversas ciciadas, os comentários desbragados, as angústias e os pesadelos, os estrondos e as evacuações, uma via-sacra de centenas de homens que levam à carga os materiais para o telhado da Igreja de Nangololo.
É impensável que alguém fique indiferente a esta pequena tragédia que um grande repórter transforma na imagem perfeita daquela viagem absurda.

Um abraço do
Mário


Capital Mueda, por Jorge Ribeiro

Beja Santos

Asseguro que este relato não deixará ninguém indiferente, mergulhamos na coluna entre Mueda-Nangololo, e vamos fazer parte daquela viagem alucinante de uns escassos quilómetros que demoram penosos dias a percorrer. “Capital Mueda”, de Jorge Ribeiro, Campo das Letras, 2003, é mesmo uma viagem de alucinação descrita com grande mestria por um repórter de guerra (Jorge Ribeiro chefiou a Secção de Reportagem do Destacamento Fotocine).

Mergulhamos logo no sábado, 3 de Fevereiro, a coluna está quase pronta para sair de Mueda:  
“Uma companhia com dez secções de combate, três pelotões de sapadores, doze Berliets, quatro baterias de morteiros, dois granadeiros, duas Panhard, uma Fox, dez Unimogs, dois Caterpilars, outra companhia completa de atiradores para rendição, e um número calculado em cerca de 30 camiões civis, estão alinhados ao longo de dois quilómetros”.

Quem comanda é um capitão de ar de aterrado, anda por ali um coronel a vistoriar a partida da coluna. Os fotocines vão no camião dos sapadores:  
“Ponho um pé no pneu da Berliet, as mãos no taipal e subo. O camião está repleto, mas cabe sempre mais um. Por entre cunhetes de balas e morteiros 60 e 81, consigo encaixar o meu material de guerra – as bobinas de Gevapan, os canhões das objetivas, a utilíssima Pan-Cinor”.
Os militares vão conversando, estima-se a duração da viagem, não há ninguém que desconheça as minas, as antipessoais e anticarro. “No primeiro dia não nos devemos ter afastado de Mueda mais de três quilómetros”. Por ali se andou a desbastar mato, a cortar árvores, a afastar troncos da picada, as silvas resistem à catana. Ao escurecer, toda a gente desceu das viaturas e escavaram trincheiras. As conversas prosseguem, ciciadas, com o habitual jargão de caserna. Já estamos em 5 de Janeiro, a coluna avançou 500 metros, o calor abrasa, a malta começa a despir os camuflados, de um aparelho de cassetes saem sons estridentes solos de Jimi Hendrix. A coluna começa a subir o lendário Vale Miteda. Súbito, ergue-se uma espessa bola de fogo por entre a folhagem, ouvem-se gritos lancinantes, uma mina antipessoal apanhou José Pinto, 23 anos, minhoto de Barcelos, pede-se evacuação. Alguém vocifera:  
“O Hospital de Mueda é mais do que um hospital. É uma verdadeira escola e um local de prática cirúrgica como nunca mais haverá nenhum. Os médicos que vêm para aqui saem imberbes das faculdades, sem saber fazer um curativo. Eu bem os vejo os primeiros tempos a desmaiar, quando olham para umas tripas de fora, ou sacodem miolos da mão, parece ranho…”.

Começam os preparativos para mais uma noite, a coluna não sai do sítio, tudo se está a complicar ao terceiro dia de mato. Estamos a 6 de Fevereiro, ao acordar, o autor espreita para fora e vê o pessoal todo empoleirado e desnudado, estão a sacudir a roupa e a catar qualquer coisa, então ele apercebe-se que alguns deles imploram para que alguém lhes arranque da pele as cabeças de talaca. “Talaca é a designação local de uma formiga gigantesca, que possui a particularidade de nunca mais largar a presa onde uma vez enterrou as mandíbulas, quando se lhes puxa pelo corpo deixam lá ficar a cabeça”. É tratada uma mina anticarro. Um sapador observa:
“Eles agora põem três ou quatro num correr. Só que a primeira é de efeito retardado; para além de serem anticarro. Pode regular-se para o segundo, terceiro ou quatro rodado que lhes passar por cima”.
Fazem explodir a mina. É então que se ouve o estampido de uma bazucada contra o focinho do rebenta minas, responde-se à emboscada. Foi sol de pouca dura, quem vai na coluna sabe que está a ser vigiado. A 7 de Fevereiro, a meio do caminho, a coluna volta a encravar. Apareceu uma bomba dos nossos Fiats que não deflagrou e que os guerrilheiros aproveitaram encostando-lhe apenas uma mina anticarro. Novo rebentamento. Chega um helicóptero para recolher feridos, rajadas de metralhadora deixam picotado um “vidro” do heli. Há guerrilheiros dos dois lados. “São duas horas da tarde. Até às quatro não há tempo para cortar troncos, abrir terreno e voltar à picada. Vamos tratar dos feridos, comer, e preparar o arranque para amanhã”. Os do helicóptero foram generosos, trouxeram um saco de pão e algum correio. Estamos a 8 de Fevereiro, o motor do Caterpilar lá vai procurando limpar a estrada, a motosserra vai cortando as árvores, a coluna move-se, os flanqueadores parecem verdes de agonia, homens possantes parecem-se agora como velas a estiolar. Há picadores feridos. Quando o rebenta minas regressa à picada, ouve-se um estrondoso rebentamento de uma mina anticarro, mais feridos, a coluna está agora muito perto da Base Miteda.

Estamos a 9 de Fevereiro, a coluna avança mas para quando rebenta intenso tiroteio. Os de Nangololo captaram os pedidos de socorro e prometem vir em auxílio. Pelas três da tarde, chegam os de Nangololo. Sábado, 10 de Fevereiro, a coluna prossegue, dois T-6 andam lá no alto, vem um helicóptero buscar feridos. Pelo meio-dia, avista-se a Igreja de Nangololo, o clima de emoção é extraordinário, as tensões acumulados descarregam-se. É então que o autor descobre a razão desta coluna: todas aquelas viaturas transportam materiais para o telhado da igreja, cimento, vigas de ferro, tijolos, tudo para construir a cobertura anti-morteirada da igreja. “Sento-me, lentamente, na terra. Estendo a vista e o pensamento para longe, muito longe daqui. Fixo para sempre na rotina o admirável matiz de um porto sol no planalto. Amanhã, regressamos a Mueda”.

Um conjunto de personalidades irá pronunciar-se sobre este livro: Luandino Vieira, José Emílio-Nelson, João Paulo Borges Coelho, Pezarat Correia. Jorge Ribeiro fez reportagem de guerra durante 27 meses em Moçambique. No regresso, selecionou a coluna Mueda-Nangololo como um dos trabalhos que mais o marcaram – acima de tudo pela importância dimensão, significado e resultados da operação, desencadeada na mítica capital da guerra em Moçambique, Mueda, e este relato é hoje uma das referências na literatura da guerra colonial.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17159: Notas de leitura (939): "Irmãos de Armas", por António Brito, Clube de Autor, 2016 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15786: Memória dos lugares (335): As "viagens" a Madina do Boé e a Béli (Abel Santos, ex-Soldado da CART 1742)




1. Em mensagem do dia 9 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) fala-nos das assustadoras colunas de reabastecimento a Madina do Boé e Béli.




As "viagens" a Madina do Boé e Béli

As colunas de reabastecimento para Madina do Boé e Béli revestiam-se de muita precaução e requeriam uma preparação por parte dos militares que eram escalados para tal missão, que só se atinge ao fim de algum tempo de estadia no teatro operacional.

Mais um dia de azáfama no quartel onde a CART 1742 estava sediada (Nova Lamego) com os preparativos para mais uma viagem até Madina e Béli, para o reabastecimento do pessoal lá instalado que aguardava a nossa chegada ansiosamente.

Mas antes da ida para Madina a Companhia já se tinha deslocado a Bambadinca para carregar os bens essenciais para os transportar e entregar aos camaradas aquartelados nos confins do mundo. Era uma viagem penosa e perigosa, pois requeria a máxima atenção e concentração, que por vezes era feita a corta mato fugindo da picada, o que nos garantia outra segurança.

A caminho de Madina

Dois grupos de combate, dos quais fiz parte, preparados e armados com o que de melhor existia na época, bazuca, morteiro 60, metralhadora MG42, além da nossa amiga e companheira de todas as ocasiões, a G3. Éramos apoiados por uma auto metralhadora Daimler, connosco viajava também o pronto-socorro que no regresso acabou por ser necessário, mas este elemento ficou no aquartelamento do Ché Che por ser demasiado pesado para a jangada que nos transporta para o lado de lá e vice-versa.

Partimos manhã cedo de Nova Lamego rumo ao objectivo, passando por Piche e Canjadude até atingirmos o Ché Che, sem nada de anormal ter acontecido. A travessia do rio Corubal foi feita com o máximo cuidado e segurança, a instalação do pessoal na outra margem ficou pronta por volta das 4 horas da tarde, não sem que antes a aviação fizesse a limpeza da zona bombardeando a área e mantendo a vigilância até ao escurecer, só então retirando-se para a base.

O Rio Corubal no Che Che

Travessia do Rio Corubal

Depois de uma noite passada em alerta permanente, partimos manhã cedo entrando numa zona cujo terreno árido mais parecia uma queimada, mas agora com o apoio dos nossos camaradas da Força Aérea pilotando os Fiat e os T-6, que com a sua presença retiravam ao IN qualquer veleidade de atacarem a coluna ou emboscar e, ao mesmo tempo, mostrando a sua destreza aos comandos das aeronaves. Estou recordando agora um episódio protagonizado pelo piloto Honório, que ao sobrevoar a coluna picou o T-6 rumo ao solo na lateral, passando pelo intervalo de duas viaturas, o que causou na malta júbilo pelo espetáculo proporcionado por esse cavaleiro dos ares, que ainda o recordo com saudade.

Apoio aéreo a uma coluna auto em Madina
Foto: © Manuel Coelho

Entretanto o dia ia avançando e a coluna também, a malta estava ansiosa por chegar ao objectivo, mas um contratempo nos esperava através de um inimigo inesperado, as abelhas, sim abelhas que causaram alguns estragos na caravana, mais propriamente na milícia e nos civis que nos acompanhavam, estes que aproveitavam as colunas para visitarem os familiares. Eu consegui passar através daquele zumbido provocado pelas voadoras, que mais pareciam os Fiat picando sobre a malta apontando os seus rockets prontas a deixarem a sua marca, mas com dizia, passei a zona de morte sem uma picada, pois consegui com ajuda do quiico enterrado na cabeça, cobrindo orelhas, e com o lenço tapando o rosto. Desta vez fomos metralhados de maneira diferente.

Pelo trajecto fomos encontrando os efeitos das anteriores viagens para esta região, viaturas incendiadas e outras minadas, mais parecendo um cemitério de ferro velho, como as fotos documentam.
O cenário que me foi dado observar fez-me pensar quão penoso terá sido para outros camaradas, que como eu tiveram de fazer aquele percurso, sofrendo emboscadas constantes, perdendo homens. Ainda hoje muitos sofrem o trauma de uma guerra que não nos levou a lado algum.

A caminho de Beli

Por fim chegamos ao objectivo e fomos recebidos efusivamente pelos camaradas residentes  que nos obsequiaram com um repasto quentinho (bianda com salsicha), acção que nos tocou profundamente. Para quem andava a ração de combate, foi um manjar dos céus.

Depois foi o merecido descanso, mas antes tivemos uma recepção de boas-vindas por parte do IN, já que era habitual enviar as boas-noites com umas morteiradas, mas desta vez não provocaram mossa.

O dia seguinte foi iniciado com os preparativos para o regresso a casa (Nova Lamego), pelo mesmo itinerário, com os nossos amigos da Força Aérea fazendo companhia à malta, atentos lá do alto a qualquer movimentação que fosse nociva à nossa segurança.
E assim atingimos o aquartelamento do Ché Che, local onde pernoitamos após a travessia do rio Corubal, para no dia seguinte retomar a viagem até ao nosso aquartelamento. Antes porém, aconteceram alguns contra tempos, o que provocou entre a rapaziada um sentimento de revolta pelo acontecido, já que a coluna, entre o Ché Che e Canjadude, acionou duas minas anticarro em locais onde nada o fazia prever, mas vamos aos factos.

Coluna auto em  Madina
Foto: © Manuel Coelho

O primeiro rebentamento foi provocado pelo rodado dianteiro direito de um unimog, não provocando vítimas nem tão-pouco no condutor que não precisou de ser evacuado e, foi aqui que entrou em acção o pronto-socorro que rebocou a viatura minada suspensa pela dianteira, para uns quilómetros mais à frente acontecer o caso mais grave desta expedição a Madina e Béli.

A dado momento aconteceu novo rebentamento, a auto-metralhadora tinha accionado uma mina anti-carro, cujo rodado dianteiro direito quase me atingia. Desta vez foi trágico, porque o camarada condutor faleceu no local. O inexplicável da situação é que a Daimler acidentada seguia logo atrás da viatura rebocada, que sendo a primeira a passar pela mina, não a accionou, gerando um sentimento de revolta e a pergunta do porquê de os restos do unimog não terem ido pelos ares em vez da Daimler? Tinha que se perder um homem?

 Daimler acidentada na estrada Canjadude-Che Che

A guerra é isto mesmo, cruel, assassina, estropia homens que nada tem a ver com ela, mas que são a tal carne que o canhão necessita para júbilo dos Senhores da Guerra.

A CART 1742 mais uma vez contribuiu com o seu sangue, suor e lágrimas para amenizar as agruras que aqueles camaradas passavam naquelas terras de ninguém, e que nos recebiam de braços abertos, o que prova que a solidariedade castrense é das coisas mais lindas que me foi dado apreciar. Ainda hoje comungo esse ideal.

Vivam todos os Combatentes,
Viva Portugal

Nota: A CART 1742 fez mais três colunas a Madina e a Béli.

Abel Santos
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Nota do editor

Poste anterior da série de 17 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15761: Memória dos lugares (334): Fulacunda (Fernando Carolino, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Alcobaça, a viver em Valado dos Frades, Nazaré)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15363: Estórias avulsas (84): Até ao baptismo nas colunas em picadas de terra vermelha ainda fiz de mestre de obras (António Santos Dias, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada António Santos Dias (ex-Fur Mil da CTransp 9040/72, Bissau, 1974), com data de 2 de Agosto de 2015:

Camarada Vinhal:
Saúde para todos os TABANQUEIROS, é o meu desejo.

Dando continuação ao meu modesto contributo para a nossa Tabanca:
Fui, como já escrevi na minha apresentação, em rendição individual para a Companhia de Transportes 9040/72, substituindo o camarada Furriel Miliciano José Manuel Tojo, ferido mortalmente no dia 10/12/1973 numa emboscada a uma coluna de Comandos Africanos na zona de Mamboncó1.

Embarquei no voo da FAP na madrugada do dia 16/3/1974, horas antes da revolta das Caldas, em que foi interveniente activo o Tenente Varela, meu Comandante de Companhia na minha estreia na tropa em Abril de1973 no RI 5.

Chegado a Bissalanca e depois das praxes habituais, sou transportado até Brá, onde passei uns dias até ser colocado perto do QG na minha Companhia.

Até ao baptismo nas colunas em picadas de terra vermelha ainda fiz de mestre de obras e também responsável por fazer as escalas das carrinhas militares que circulavam entre a cidade e a Base Aérea/Aeroporto. Dava também ajuda nas inquirições em autos da PJM e com isso a possibilidade de ter acesso a documentos que normalmente estavam em arquivo, e foi aí que li o relatório e soube o destino trágico do meu antecessor.

E chegou o dia do baptismo com toda a trabalheira que a preparação de uma coluna a isso obrigava que começava com a ida ao QG, à Chefia do Serviço de Transportes, receber a guia de marcha em envelope fechado com o destino OLOSSATO que a mim nada dizia mas aos condutores era zona que não agradava.

 
O itinerário a partir de Bissau até ao Olossato cumpria-se por Safim, Nhacra, Mansoa, Bissorã e finalmente Olossato.

Precisando de 10 viaturas e tendo só 8 Berliets disponíveis, lá vou a primeira vez ao cais para requisitar 2 viaturas civis, o que me fazia lembrar o rio Mondego ao lado da estação da CP em Coimbra onde se alugavam viaturas para transporte de mercadorias, etc.

Viaturas alinhadas e em marcha em direcção aos diferentes locais de carregamento, Casa Gouveia, ou paiol ou cais nos Serviços de Intendência, carregando na viatura G 4567 do Sr. Sané, que estou a reler, 67 sacos de arroz de importação e 4 sacos de açúcar branco e, na G 4343 do Sr. José Sambu, Água Luso - 4 cx, rações combate - 10 cx, vinho - 3 bidons, aguardente - 5 garrafões, tabaco SG - 3 cx, sabonetes Rexina - 1 cx, leite em pó 2,5 - 6 cx, bacalhau liofax - 4cx... e por aí continuava.

Isto é um exemplo real que guardo há 41 anos e que de vez em quando gosto de folhear.
Brevemente enviarei exemplares de papéis/docs que guardo

António Santos Dias
Mealhada
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Nota do editor

1 - De acordo com a Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume, Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné - Livro 2,  no dia 10 de Dezembro de 1973, morreram numa emboscada a uma coluna, na zona de Mamboncó, os seguintes militares:

- 1.º Cabo Atirados António Gonçalves Amaral da CART 3567
- Fur Grad Comando Bacar Sissé da 1.ª CComandos
- Soldado Cond Auto Rodas Carlos Manuel Matos Faustino da CTransp 9040/72
- Fur Mil José Fernando de Jesus Costa da CART 3567
- Fur Mil STR José Manuel Neves Tojo da CTransp 9040/72
- Soldado Comando Sabana Fonhá da 1.ª CComandos
- Soldado Comando Sori Baldé da 1.ª CComandos

De notar que no mesmo local, 2 anos e 4 dias antes, também numa emboscada a uma coluna auto, a CART 2732 viu morrer dois dos seus valorosos militares, tendo ainda ficado feridos, com mais ou menos gravidade, outros 28.

OBS: - As minhas desculpas ao camarada Dias por ter atrasado tanto a publicação desta sua mensagem, sem justificação plausível. Esperamos continuar a merecer a sua atenção como leitor e colaborador.

CV
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Nota do editor 18 de setembro de 2015 Guiné 63/74 - P15126: Estórias avulsas (83): Um velório no início da Comissão (José Vargues, ex-1.º Cabo escriturário)

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14945: O segredo de... (19): António Medina (ex-fur mil, CART 527, 1963/65, natural de Cabo Verde, mais tarde empregado do BNU, e hoje cidadão norte-americano): Desenfiado em Bissau por três dias, por causa dos primos Marques da Silva, fundadores do conjunto musical "Ritmos Caboverdeanos"... Teve de se meter num táxi, até Teixeira Pinto, que lhe custou mil pesos, escapando de levar uma porrada por "deserção"!




Capa e contracapa do disco de 45 rotações,  em vinil,  um EP gravado na Alemanha,  o primeiro, do conjunto Ritmos Caboverdeanos: "Mornas e Coladeras". (c. década de 1960). Label: Teldec ‎– T 75536, Teldec ‎– 45-9/64216, Teldec ‎– RC 1/67.

Cortesia de Discogs.com




1.  Mensagem, de 24 do corrente,  do António C. Medina:


[, foto à direita, o camarada Antonio C[ândido da Silva] Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu,Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, foi funcionário do BNU, Bissau, de 1967 a 1974; vive hoje nos EUA desde 1980; é nosso grã-tabanqueiro desde 1/2/2014]


Prezado camarada Luis:

Em anexo estou remetendo a descriçãoo de uma minha loucura praticada aquando da minha vida militar em Cacheu.

Se achares conveniente publicá-la no Blogue te agradeço. Diz o que tiveres por conveniente.

Um abraço do Medina


2. LOUCURA... DE UM MILICIANO

por António C. Medina


Em Junho de 1964 andava o terceiro pelotão da CART 527,  destacado em Cacheu, quando numa bela tarde se recebeu instruções para,  no dia seguinte, de manhã cedo, eu apanhar a estrada com o meu grupo que nos levaria a Bissau para um reabastecimento de géneros alimentícios.

Anteriormente, era a Manutenção Militar,  sediada em Bissau, que distribuía e transportava os géneros para o mato para serem entregues aos vaguemestres das companhias que tivessem mais fácil acesso e menos riscos. Desde que o inimigo se mostrou nas estradas atacando nossas colunas, deixaram de o fazer e passou a ser o transporte garantido sob escolta dos operacionais. a quem cabia essa dura tarefa.

Tudo a postos com homens, viaturas e material de guerra, bem de manhãzinha deixamos Cacheu,  chegando a Bissau em boa hora para se carregar as GMC e os Unimog. O critério adoptado era quem chegasse primeiro seria o primeiro a ser reabastecido com batatas, folhas de bacalhau, vinho, azeite, farinha, latarias, grades de cerveja, etc, etc, para o sustento dos militares.

Também se aproveitava para se dar uma passeata pela cidade, tomar algumas cervejas com acompanhamento de saborosos camarões ou ostras cozidas na esplanada dos senhores Espada e Veralonga, apreciar um frango de churrasco com limão e malagueta do Restaurante Santos, comprar alguma coisa de interesse pessoal como máquina fotográfica, aparelhos de rádio alimentados a pilhas, lindas colchas, objectos de uso caseiro, bibelôs vindos de Macau, garrafas de whisky de especial qualidade e outros mais objectos que constituissem novidade e boa prenda para os familiares, tudo a preço convidativo, e pago com escudos da Guiné, notas e moedas emitidos pelo Banco Nacional Ultramarino (BNU), arbitrariamente conhecido pelo nativo como “pesos“ desde os primórdios da época colonial.

Aconteceu que logo assim à nossa chegada, por ter patrícios amigos trabalhando no BNU, aí me desloquei para os cumprimentar, tomando conhecimento da estadia de três primos direitos que faziam parte do conjunto musical  "Ritmos Caboverdeanos" (*)  em digressão ao Senegal e Guiné. Estavam eles hospedados em casa de um patrício,  empregado do BNU. Como é obvio,  procurei-os de imediato  e a partir daí a malta meteu-se em copos e petiscos, como por exemplo um suculento e caseiro pitch-patch (sopa de ostras com limão e malagueta), e depois conversa fiada, música de Cabo Verde, variada e tão bem interpretada por serem eles exímios tocadores.

Curtia eu o ambiente,  matando saudades da terra, quando o nosso primeiro cabo Augusto me localizou e me informou que tudo estava preparado para seguirmos viagem para Teixeira Pinto, pois já se fazia tarde e teríamos de atravessar ainda o rio Mansoa pela jangada em João Landim, antes que a maré vazante nos surpreendesse.

Sentindo-me eufórico pelos uísques e cervejas, perdi a noção da responsabilidade que tinha nos meus ombros, apontando o nosso cabo Augusto como comandante da coluna e ordenando que de imediato seguissem viagem. Que à chegada informasse o alferes daquela minha decisão e que voltaria logo assim me fosse possível.

Passei tres dias em Bissau “numa boa”, como hóspede estive na Pensão Chantre, na Praça do Liceu Honório Barreto, vestido à civil com calças e camisa do colega furriel miliciano Autilío Goncalves,  da CCAÇ 412.  da zona leste, de férias em Bissau. Assisti e participei de um baile no campo de basquetebol do BNU,  como convidado especial dos meus primos Marques da Silva (**).

O ultimato chegou precisamente ao fim da tarde desse terceiro dia, o nosso capitão conseguira uma ligação para o BNU e,  falando com o empregado que o atendeu e me conhecia,  pediu a ele que me informasse da situação de “DESERTOR” a que eu estava sujeito se não me apresentasse no dia SEGUINTE EM TEIXEIRA PINTO (!), que logo de seguida também teria de comunicar o assunto ao Comando do Batalhão de Bula [, ten cor Hélio Felgas].

A consciência veio à tona ficando eu envolvido pelo medo e com receio de apanhar uma pena de prisão e ser transferido par zona mais perigosa como castigo. No dia seguinte decidi ir ao Quartel General,  em Santa Luzia, saber se haveria alguma coluna que estivesse indicada para Teixeira Pinto e pudesse eu aproveitá-la. A informação foi negativa, que já não tinham mais viagens para o interior,  o que me alarmou um pouco.

Procurando na minha mente uma solução e,  com uma calma aparente, cerca do meio dia resolvi aproximar-me de um taxista estacionado na Praça Honório Barreto, dizendo-lhe que precisava de um transporte urgente para Teixeira Pinto. Que era eu militar, que tinha perdido a coluna que saira de manhã cedo mas que impreterivelmente teria de me apresentar naquela mesma tarde ao quartel. 

Fez-me diversas perguntas, como era a estrada, se nada tinha acontecido,  ao que sempre respondi negativamente. Ponderou ele por alguns longos minutos, notou ele durante a conversa que era eu cabo-verdiano,  acabando também por me confessar que era natural da Praia,  Cabo Verde,  e assim se estabeleceu uma dupla confiança. Me aliviei um pouco quando me disse que receberia mil pesos (escudos da Guiné),  o que de imediato liquidei por antecipação.



Guiné > Cópia de uma nota de cem escudos (ou "pesos",  emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no meu tempo (c. 1969/71)... Julgo que já existissem no tempo do António Medina (c. 1963/65). Foram 10 notas como esta que ele teve de pagar a um taxista, seu patrício, que ganhou o dia,  levando-o de volta, em junho de 1964, ao quartel onde estava a CART 527, em Teixeira Pinto, depois de uma "deserção" de 3 dias em Bissau... Mil pesos dava para comprar 10 garrafas de uísque velho... (LG)

Imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006).


De nome Daniel, simpático, conversador, encheu o depósito do automóvel. Fomos à Pensão Chantre onde troquei as roupas do Autílio por calções e camisa de caqui sem divisas, com o miolo descoberto. À saída pedi à senhora,   minha patrícia e proprietária,  dona Antoninha,  que me desse a minha [pistola metralhadora] FBP  que lhe confiara para guardar em local seguro, o que ela prontamente assim fez,  para depois ser escondida debaixo do assento traseiro do automóvel. 

Guiné, Região do Oio,
Olossato, 1963. CART 527. Fur mil
António Medina, equipado
de pistola metralhadora FBP
Ocupando o assento ao lado do condutor, partimos para a nossa viagem aventura. À chegada a João Landim para se atravessar o Mansoa,  notei a presença de uma nativa de cesto à cabeça, já minha conhecida em Cacheu por vender ostras e camarões no quartel,  pelo que lhe ofereci uma boleia, ocupando o banco traseiro. Logo após o arranque do automóvel, já na outra margem com estrada de terra batida,  pedi então ao condutor que não parasse por razão alguma e que mantivesse uma boa velocidade mais que a habitual mas que lhe permitisse manobrar o automóvel  com segurança.

E assim lá fomos,  debaixo de uma grande tensão,  à espera de sermos emboscados a qualquer momento, o que não aconteceu. Horas depois entrávamos em Teixeira Pinto pela avenida principal, visitando uma pequena cervejaria local para nos refrescarmos com uma Sagres cada um,   antes da minha entrada triunfal (?) no quartel. O táxi tomou então o caminho de regresso sem qualquer incidente até chegar em Bissau.

E O NOSSO CAPITÃO ?

Preparado para ouvir um grande raspanete desse meu comandante, com justa razão vi nele cara de poucos amigos, adiantando ele em me chamar a atenção de já termos sido emboscados naquela mesma estrada, acrescentando que o meu procedimento de aventura indicava que já estava eu APANHADO  (expressão usada para os malucos no exército), desculpando-me eu com a presença dos meus familiares em Bissau, há já  algum tempo sem contacto.

Tinha eu ainda de seguir para Cacheu onde me encontrava aquartelado, ao que ele ordenou que me levassem sob escolta reforçada com duas autometralhadoras, sem nunca tão pouco se referir uma só vez ao assunto de deserção. Estava eu perdoado por tamanha loucura e falta de cumprimento das ordens dos meus superiores.

Meu Comandante, presto-lhe a devida vénia por tamanha compreensão e que Deus o proteja.


2. Comentário de LG:

António, como tive ocasião de to dizer, por email,  é uma história que merece título de caixa alta!... Temos, de há muito (desde 30 de novembro de 2008), uma série chamada "O segredo de...". 

É uma "espécie de confessionário" onde cada de nós pode vir "confessar" pequenos/grandes segredos que tem guardado na "caixinha de Pandora" que é a memória (**)...

Contigo já lá vão 19 postes. Podiam ser mais,  se alguns dos nossos camaradas não se acanhassem, com receio (hoje, injustificado) de serem objeto de crítica ou censura por parte dos seus pares... Como sabes, uma das nossas regras de ouro é não "julgar" o comportamento de nenhum camarada, vivo, incluindo os nossos comandantes operacionais...

Nem sempre é fácil respeitar e fazer respeitar esta regra fundamental do nosso blogue. No teu caso, dá para perceber que o teu coração foi bem mais forte  que a razão... Não ganhaste para o "susto" quando o teu capitão te chamou "à terra", ou mlehor, "à pedra"... Mas deste uma lição de desenrascanço, à boa maneira portuguesa... "All's well that ends well", tudo está bem quando acaba bem...

Arranjei, na Net, esta raridade, que é a capa do primeiro EP que os teus primos gravaram [vd. fotos acima]... Era um conjunto musical, os "Ritmos Caboverdeanos",  bem cotado na época, ao ponto de vir tocar a Dacar, Bissau, Lisboa.... Faz-me o favor de completar a legenda com os nomes dos músicos, na foto abaixo...

E obrigado pela tua partilha... É menos um segredo na tua "caixa de Pandora"... Ficas, por certo, mais aliviado e nós, mais "ricos", em termos de informação e conhecimento sobre aquele tempo e lugar que nos coube na lotaria da história!

Abraço grande!... Luís
_______________

Notas do editor:

(*) António Marques da Silva ("Tony Marques", piano) era um dos fundadores do conjunto "Ritmos Caboverdeanos", da ilha de São Vicente. Havia mais dois irmãos: Lulu Marques (acordeão) e Djosa Marques (bateria)...



Os irmãos Tony Marques (piano) e Djosa Marques (bateria) parecem estar bem identificados, pelo nosso editor LG,  na capa do seu primeiro disco.  O terceiro mano Marques da Silva era o Lulu Marques (acordeão), que pode bem ser o elemento que está à direita do baterista. Restantes elementos: Djack Felicia (viola baixo),  Humberto Bettencourt (viola solo) e  Longino Baptista (voz).

O conjunto está representado em Cap Vert : anthologie 1959-1992 = Cape Verde : anthology 1959-1992 [Paris : Buda Musique, (1992?) ] onde estão representados alguns dos melhores intérpretes da música caboverdiana da segunda metade do séc. XX:

Fernando Quejas; Amândio Cabral; Djosinha; Mité Costa; Titina; Bana; Luis Rendall; Humbertona; Tututa; Taninho; Chico Serra; Morgadinho; Luís Morais; Frank Mimita; Frank Cavaquim; Jon Spedinha; Norberto Tavares; Zézé di Nha Reinalda; Zeca di Nha Reinalda; Caetaninho; Travadinha; Cesária Évora; Celina Pereira; Dany Silva; Boy Ge Mendes; Centaurus; Ritmos Caboverdianos; Voz de Cabo Verde; Conjunto Kola; Tubarões; Bulimundo; Grupo Cultural Mantenha; Finaçon; Cabo Verde Show.

 (**) Últimos cinco postes da série >

26 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13046: O segredo de... (18): O ato mais irresponsável nos meus dois anos de serviço como soldado de artilharia (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

23 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12627: O segredo de... (15): Processo concluído (Augusto Silva Santos)

5 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12545: O segredo de... (14): António Graça de Abreu (,ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74): Também fiz o curso de Minas e Armadilhas, em Tancos, ainda em 1971... E até sonhei um dia em ser... bombista!

Primeiro poste da série:

30 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações


quarta-feira, 22 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14914: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VIII: População: da Ponta Brandão a Cansamba




Foto nº 9 > Guiné > Zona leste > Galomaro >  Setembro de  1969) >  Foto tirada na tabanca em autodefesa de Cansamba. A  bajuda estava a bordar. Quando  me preparava para lhe tirar a foto,  pediu-me que esperasse um pouco e foi ao interior da morança. Pensava eu que ia tapar os seio mas não, foi pôr o lenço na cabeça.



Foto nº 1 > Bambadinca, setembro de 1969: as (e)ternas crianças



Foto nº 2 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (1)


Foto nº 3 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (2): a arte de rapar a cabeça



Foto nº 4 > Bambadinca, cais do rio Geba (1): lá como cá, "trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco", diz o provérbio popular


Foto nº 5 > Bambadinca, cais do rio Geba (2)


Foto nº 6 > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (1)


Foto nº 6 A > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (2)



Foto nº 7 > Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Amedalai, setembro de 1969: o pilão e o trabalho infantil



Foto nº 8 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Ponta Brandão,  fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2ª cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), na psico. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968/fevereiro de 1970):

[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]



II  Atividade operacional do Pel Rec Daimler 2046, agora ao serviço do BCAÇ 2852 

Novembro de 1968

Op Hálito

Iniciada em 11, às 5h00,  com a duração de 2 dias e com a finalidade de detectar elementos IN,  e efectuar uma coluna de reabastecimentos à xompanhia aquartelada no Xitole. Tomaram parte na Operação:

Cmdt – Cmdt BCAÇ 2852 [Bambadinca]

Dest A – CART 1746 a 2 Gr Comb  [Xime] + CART 2339 a 3 Gr Comb [Mansambo]

Dest B – CART 2413 a 2 Gr Comb [Xitole] +

PEL CAÇ NAT 53 [Bambadinca]

1 Gr Comb  Ref CMD AGR 1980 [Bafatá]

3 ESQ PEL REC DAIMLER 2046 [Bambadinca]

1 ESQ PEL MORT 1192 [Bambadinca]

1 SEC MIL

Consistiu esta Operação no Reabastecimento do Xitole  utilizando o itinerário Bambadinca / Mansambo / Xitole, fazendo-se a travessia do Rio Pulom,  utilizando uma jangada e 4 barcos de borracha.

Foi necessário desobstruir o itinerário das abatizes, fazendo-se a transposição dos reabastecimentos das 10h30 às 14h00. A esta hora iniciou-se a retirada sendo as NT emboscadas por duas vezes por um grupo de 40/50 elementos, sendo a primeira com accionamento de mina A/C, causando 1 morto 12 feridos às NT e 1 desaparecido além de uma viatura danificada.

Apesar de ser a primeira vez que os militares deste Pelotão tinham contacto com o IN,  demonstraram mesmo assim uma calma, uma presença de espírito e um controle de fogo dignos de assinalar.

As NT chegaram a Mansanbo pelas 19h00, donde recolheram a Bambadinca.

Ainda no mês de novembro de 1968, efectuou vários patrulhamentos em itinerários do regulado do Cossé [, setor de Galomaro,] onde se tinha manifestado uma violenta acção IN contra a tabanca de Mussa Iero a qual fora incendiada.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlad pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

 Havia uma outra, em Bambadinca (diz a história do BART 2917, mas eu nunca soube onde ficava exatamente). Os balantas adoravam aguardente de cana. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos 5 quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana e de uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).

Uma destas duas destilarias pertencia à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento; ao que parece, foi preso, torturado pela PIDE e condenado a dois anos de prisão (,era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências; conheci-o em Lisboa, em 2008, afastado da vida política; é uma pena se não escrever as suas memórias; tem um filho bancário). 

Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota que o foi visitar, à sua ponta, em Bambadinca, já depois da independênca (Carlos Frota: Guiné: turras e tugas. JTM - Jornal Tribuna de Macau, May 2, 2013), de que se cita o seguinte excerto:

" (...) Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida." (...)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).

PS - O Carlos Frota (, atual embaixador de Portugal na Indonésia,)  ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC,  e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

17 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14890: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: O edifício dos CTT de Bambadinca: c. 1968/70 e 2010 ... (Fotos completadas com as de Humberto Reis, ex-fur mil op esp., CCAÇ 12, 1969/71)

11 de julho 2015 > Guiné 63/74 - P14864: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: Mulheres e bajudas (III)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14851: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte V: Mulheres e bajudas (II): A Rosinha, a lavadeira de Bambadinca, 40 anos depois (em Bissau)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14847: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: Mulheres e bajudas de Bambadinca (I)

29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)



terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12462: Memória dos lugares (260): A estrada Mansambo-Bambadinca, no tempo das chuvas: fotos falantes II, de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, 1968/69)












Guiné > Região Leste > Estrada Mansambo - Bambadinca > CART 2339 (1968/69), Os Viriatos > Fotos Falantes II >  Nos idos de 61/74, do século passado, havia muitos troços de estrada, lá nessa terra verde-rubra,  que a gente nunca mais irá esquecer, por esta ou aquela razão, boa ou má: minas,  fornilhos, emboscadas, operações,  colunas logísticas, atascanços, avarias, acidentes, mortos, feridos, sorte, azar...

Quem nunca andou, no tempo das chuvas, a fazer  (ou a montar segurança a) colunas logísticas, nas picadas do leste da Guiné (e especial a sul de Bambadinca), nunca saberá dar valor a uma estrada alcatroada... Estas fotos falantes II do Torcato Mendonça não precisam de legenda:  era a estrada (?) Bambadinca - Mansambo - Xitole, na época das chuvas (que ia de maio a outubro)... Um inferno para viaturas civis e militares... Sim, porque se faziam comboios de dezenas de viaturas para se levar os comes & bebes e as munições par Mansambo, Xitole e Saltinho....Às vezes levavam-se dois dias para fazer 30 km...

Mansambo, Xitole e Saltinho e todas as tabancas dos respetivos subsetores só podiam ser abastecidos por terra, a partir de Xime e Bambadinca... O troço Mansambo-Xitole esteve inclusive interdito, por razões de segurança, durante largos meses, sendo reaberto com as Op Belo Dia I e II, em agosto e setembro de 1969.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12429: Memória dos lugares (259): Ainda a Ilha das Galinhas e a sua "colónia penal e agrícola", criada em 1934 (José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1966/68)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12431: Álbum fotográfico do ex-fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (10): O rebenta-minas, de rodado duplo à frente



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 89 > O rebenta-minas com rodado duplo à frente...

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Um viatura oesada (Mercedes ?) "capotada"... No setor L1 havia uma intensa atividade de colunas logísticas: era a partir de Bambadinca que se abasteciam as companhias aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho (que pertencia já ao Setor L5 - Galomaro). Foto do ex-1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pelotãod e Manutenção (, que era comandado pelo alf mil Ismael Augusto, membro da nossa Tabanca Grande). 


Foto: ©  Otacílio Luz Henriques (2013) (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico (*) do José Carlos Lopes, meu contemporâneo em Bambadinca, pelo menos na época de julho de 1969 a maio de 1970 (quando o batalhão regressou à metrópole). Embora a sua especialidade fosse "contablidade e pagadoria" (sic), ele exerceu funções como fur mil de  reabastecimentos da CCS/BCAÇ 2852. É nosso grã-tabanqueiro, nº 604, desde 10 de fevereiro de 2013. Bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha, Oeiras. As fotos são provenientes  de "slides" digitalizados, e não têm legendas.  

Apresentamos hoje uma espetacular: o "rebenta-minas" de Bambadinca. Era uma obra-prima dos nossos mecânicos, com um rodado duplo à frente. Presumimos que tivessem arranjado um semi-eixo mais comprido, "canibalizado" de outra viatura (, talvez uma Mercedes). Não tinha capô e os assentos da frente eram "forrados" com sacos de areia.  Como diziam os condutores, era preciso comer um boi para conduzir um besta destas... 

Na perigosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho não sei se este rebenta-minas chegou a saltar por cima de alguma... De qualquer modo, para além dos picadores, o rebenta-minas dava-nos alguma tranquilidade de espírito quando fazíamos (a CCAÇ 12 e outras subunidades) às colunas logísticas para o sul do setor L1...

Enfim, noutros sítios também havia rebenta-minas. Compare-se, por exemplo, com o famoso  granadero que existia no tempo do nosso camarada Henrique Matos e do João Crisóstomo. Pertencia à CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67) (Vd. foto a seguir) (**). 

O rebenta-minas de Bambadinca tinha a "originalidade" do rodado duplo à frente... O que se pode dizer é que, naquela guerra, a necessidade aguçava o engenho dos tugas... Ontem como hoje... Aqui fica o "retrato" desta "peça de museu" (foto acima), para memória futura... LG



Guiné > Enxalé > O famoso granadero, uma GMC transformada, que pertencia à CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)...

"A transformação constou do reforço dos taipais com chapas de bidon, separadas de ± 20 cm com areia no meio. Ficou à prova de bala de Mauser. Tinha também uma camada de areia no fundo da caixa e na frente também vários sacos de areia. Tinha instalada como se pode ver uma Breda. Não sei porque é que lhe chamavam granadero.

"Com ela fiz vários reabastecimentos a Missirá e Porto Gole. Segundo a descrição do Abel Rei no seu depoimento Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá-Memórias da Guiné e que na altura estava em Bissá, no dia 5 de Outubro de 1967 esta viatura quando regressava a Porto Gole accionou uma mina incendiária a que se seguiu uma emboscada de que só se safaram com apoio aéreo. Fazia parte duma coluna que saiu de Porto Gole ao encontro doutra coluna saída de Bissá a pé para entregar uns militares destinados àquele destacamento."


Foto (e legenda):  © Henrique Matos (2007). Todos os direitos reservados.


(**) Vd. poste de 6 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)