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sábado, 18 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal


Raúl Folques, com o posto de major foi o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos, antes do 25 de Abril de 1974, mais exactamente entre 28 de Julho de 1973 e 30 de Abril de 1974, tendo sido antecedido pelo major Almeida Bruno (2 de Novembro de 1972 a 27 de Julho de 1973), e imediatamente seguido pelo Cap Matos Gomes (1 de Maio a 12 de Junho de 1974). Os dois aparecem aqui na foto, à esquerda, o Matos Gomes, e à direita o Folques.

Foto editada, extraída de Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p., 240 (com a devida vénia...)

Estes três oficiais, juntamente com o cap paraquedista António Ramos, foram os únicos europeus a participar, com os militares do Batalhão de Comandos Africanos, e o Grupo do Marcelino da Mata, na célebre Op Ametista Real, de assalto à base do PAIGC em Cumbamori, no Senegal, em 19 de Maio de 1973, e cujo sucesso permitiu aliviar a pressão sobre Guidaje. Nessa dramática operação, o major Folques foi ferido. Os números oficiosos apontam para 9 mortes, 11 feridos graves e 23 ligeiros, entre as nossas força.




Lisboa >  2009 >  Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten gen 'comando' ref Almeida Bruno (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné) e o saudoso grã-tabanqueiro Amadu Jaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O Amadu Jaló tem onze páginas (pp. 248-258), no seu livro "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010), de grande intensidade dramática, sobre a Op Ametista Real, e nomeadamente sobre a retirada dos comandos africanos até Guidaje e depois até Bigene, com o Raul Folques ferido e amparado pelos seus soldados.



1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G... Daqui a  um ano, em 2023, a "batalha dos 3 G" vai fazer meio centenário...

Será que já está tudo dito, escrito e lido sobre os 3 G ?  Não, ainda há muito coisa para dizer, ler, ouvir e aprender, sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e junho de 1973... Dias que não se podem resumir à contabilidade (seca) das munições gastas ou das baixas de um lado e do outro (e foram muitas, as baixas, as perdas).

Nestes dia que correm de fim de primavera, em que passam 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), pareceu-nos oportuno repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informção de sinpose dos aconteimentos.

Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?"...

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra! sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Damos continuação à publicação de um excerto da CECA (2015) sobre estes acontecimentos (*).


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas >

 2. 2. Operação Ametista Real - 17 a 21Mai73


(...) A partir da segunda semana de Maio de 1973 a situação na área de Guidaje foi-se agravando, quer pelas flagelações inimigas ao aquartelamento, quer pelos ataques lN às colunas de reabastecimentos vindas de Farim.

Houve a notícia de movimentações de tropas do PAIGC junto à fronteiran com a República do Senegal e existiram dificuldades em evacuar os feridos em combate devido às limitações de emprego dos meios aéreos.

Estes factos levaram o Cmdt-Chefe a decidir avançar com uma operação de grande alcance para conter as forças do PAIGC que atacavam Guidaje e abrandar a tensão sobre este aquartelamento a fim de possibilitar o reabastecimento da guarnição militar e a evacuação dos feridos.

A missão de executar a operação foi atribuída ao Batalhão de Comandos da Guiné.

Transcreve-se o relatório da operação elaborado pelo Cmdt do BCmds em 25Mai73. Estão omitidos os Anexos A, B, C e D.

Relatório da Operação "Ametista Real"

Realizada de 17 a 21Mai73 na Região de Guidaje - Bigene - Binta. Referência: Folhas da Carta de Guiné: Guidaje - Bigene - Binta. Escala 1/50.000

1 - Situação

a. Forças Inimigas

- O mencionado na ordem de Operações "Ametista Real"

b. Forças Amigas

- COP 3 Bigene; Guidage. | COP 2 Binta | BA 12 6 aviões "G-91", alerta em Bissau.

2 -Missão

Aniquilar ou, no mínimo desarticular os elementos ln na região compreendida ntre Guidaje e Bigene.

3 - Forças Executadas

a. Comando: Cmdt/Oper - Maj Cav, "Comando" João de Almeida Bruno.

b. Composição e Articulação de Forças

- Agr Centauro (3ª CCmds a 6 Gr Cmds) | Comandante Cap Inf"Comando" Raul Folques.

- Agr Bombox (2ª CCmds a 6 Gr Cmds) | Comandante Cap Cav "Comando" Matos Gomes.

- Agr Romeu (1ª CCmds a 6 Gr Cmds + 1 Gr COE) | Comandante Cap Para António Ramos.

c. Meios:  13 CCmds; 2ª CCmds; 3ª CCmds; 1 Gr COE; 4 helis ALL III - TEVS; 2 helis ALL III - armados; 6 aviões G-91 - ATIP e ATAP (alerta em Bissau); 4 aviões DO-27 - DCON.

d. Alterações à Orgânica Regulamentar - Nada.

4 - Planos estabelecidos para a Acção

Foram estabelecidos contactos pessoais com a REPOPER, REPINFO, COAT/BA 12 CMDDEFMAR.

5 - Desenrolar da Acção

Dia 17Mai73:  18h00- Saída de Bissau para Bigene em LDG.

Dia 18Mai73: 23H50 - Saída de Bigene para a base de ataque.

Dia 19Mai73

06h20 - Chegada à base de ataque.

08h20 - Início do bombardeamento da FAP e exploração da zona de objectivos.

09h05 - Estabelecido o primeiro contacto com o lN.

14h10 - Estabelecido o último contacto com o lN. ln estimado em 500/600 elementos armados, com apoio de mort 82 mm, canhões s/recuo e foguetões.

14h30 - Início da progressão para a base de recolha.

18h20 - Chegada a Guidaje.

Dia 20Mai73

08h30 - Saída para Binta.

19h30 - Chegada a Binta.

Dia 21Mai73

07h30 - Saída de Binta para Bissau.

16h00- Chegada a Bissau.

6 - Resultados obtidos

(1) Obtidos pelas NT sobre o lN

a. Baixas causadas ao ln

- Mortos (confirmados) 67.

- A FAP deve ter provocado com os seus bombardeamentos elevadas baixas ao lN que se estimam, dado o facto de o último bigrupo lN referenciado ser de efectivo de cerca de 150 elementos, entre 100 a 150 elementos.

b. Material destruído e capturado:

Material destruído

- Depósito de Material 16

- Paiois (bombardeados pela FAP) 6

- Mort AA (bombardeados pela FAP) 2

- Munições de armas ligeiras 50 mil

- Esp aut Kalashnikov 300

- Pist metr PPSH 112

- Gra mão 560

-Minas A/C  505

- Minas A/P  400

- Metr Lig  Degtyarev 100

- Mort 82 mm 11

- Canhão s/r  14

- LGFog RPG-7 138

- LGFog RPG-2 450

- Gran Canhão s/r  1.100

- Gran mort 60 mm 225

- Gran mort 82 mm 406

- Gran LGFog  RPG-7 54

- Rampas de foguetões 122 mm 21

- Foguetões de 122 mm 53

Estes números são estimados, embora tenha havido o cuidado de, tanto quanto possível, contar o material destruído.

Os paióis destruídos pelos bombardeamentos da FAP devem triplicar o material destruído mas não é possível estimar nem o seu volume nem a sua natureza, embora se pense que seriam na sua grande maioria munições de morteiro e de canhão s/r, dados os violentos rebentamentos que provocaram.

c. Material capturado

- Anexo B

d. Documentos

- Nada

e. Objectivos lN destruídos

A FAP e as FT devem ter destruído quase na totalidade a organização militar lN sediada na Zona. No entanto julga-se que o lN ainda ficou com algumas instalações que não poderam ser
referenciados na altura.

(2) Baixas causadas às NT pelo lN

a. Pessoal

- Anexo C

b. Material

- Anexo A

(3) Baixas sofridas pelas NT por outras causas.

a. Pessoal

- Nada.

b. Material

- Anexo A

(4) Munições consumidas

- Anexo A

7 - Serviços

- Ração de reserva para 4 dias | Água para 4 dias.

8 - Apoios

O COATIBA 12 apoiou a Operação em ATAP e ATIP com aviões G-91

9 - Ensinamentos colhidos

a. Referentes ao lN

- Revelou-se muito forte e organizado, defendendo a todo o custo as suas posições.

- Além de enquadramento cubano (?), foram referenciados 4 elementos da Mauritânia (3 mortos e 1 ferido que veio a morrer posteriormente).

b. Referentes às NT

- Necessidade de armas de apoio (mort 81 mm e canh s/r  5,7 cm).

10 - Diversos

a. Citações

- Anexo D.

ANEXOS

A - Mat das NT extraviado, danificado e consumido.

B - Mat capturado ao lN.

C - Baixas sofridas pelas NT.

D - Citações [... ]"

Execução"

"As forças do batalhão de comandos saíram em 17 de Maio de Bissau numa LDG, apoiadas por duas LFG, e desembarcaram em Ganturé nessa tarde. 

Depois de briefing em Bigene, saíram pelas 23h50 para norte, pela seguinte ordem: agrupamentos Bombox, Centauro e Romeu.

Pelas 05h30 de 19 de Maio, a testa da coluna alcançou o itinerário que apoiava a base de Cumbamori, objectivo principal da operação. O agrupamento Bombox passou para norte da estrada, o agrupamento Centauro ocupou posições a sul e o agrupamento Romeu instalou-se à retaguarda, numa pequena povoação.

Às 08h20 iniciou-se o ataque aéreo com aviões Fiat G-91, que destruíram os paióis da base, tendo as munições explodido durante algum tempo.

Às 09h05, o Agrupamento Bombox executou o assalto inicial, provocando o primeiro contacto com as forças do PAIGC. Estes combates desenrolaram-se até às 14h10, quando o comandante da operação deu ordem para o Agrupamento Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as suas forças e as do PAIGC.

Foi uma operação de grande dificuldade, porque os combatentes de um e de outro lado se encontravam muito próximos. O comandante do Agrupamento Centauro  [Raul Folques]
 ferido, mas conseguiu realizar essa separação [... ]. 

Às 14h30 o batalhão de comandos iniciou o movimento para a base de recolha e às 18h20 os seus primeiros elementos chegaram a Guidaje. 

Em 20 de Maio, o mesmo batalhão saiu de Guidaje para Binta, a pé, deixando ali os seus feridos e os militares que não se encontravam em condições de prosseguir a marcha. Em Binta, embarcou numa LDG de regresso a Bissau".

[Nota: Aniceto e Gomes, Carlos de Matos, "Guerra Colonial" ... pp. 506-507. ]

(Continua)


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 313/319. (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

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quarta-feira, 6 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23148: (In)citações (203): "Naturalia non turpia": o que é natural não é vergonhoso, meus meninos (diz-nos, puxando-nos as orelhas, a Rosa Serra, ex-alf mil enfermeira paraquedista, BA 12, Bissalanca, 1969)

Rosa Serra, em Ponte de Lima,
 24 de agosto de 2020.
Foto: António Leitão (2020)
1. Ainda estava na cama, hoje, às 10h06 quando a Rosa Serra me telefonou... Já não estava a dormir, não, senhora, estava apenas a fazer horas para dar os parabéns, às 10h30, à minha filha, Joana, que hoje faz 44 anos, e à sua mãezinha, na cama, a meu lado...

− Não incomdas, não, senhora, minha querida camarada da Guiné, das poucas que tive, porque as únicas que havia eram vocês, enfermeiras paraquedistas... Então ainda estás em Mafra, ao pé da tua filha, onde foste passar o dia os teus anos ?... 

Não, já voltei a casa, em Paço d'Arcos, até porque tinha, ontem, uma consulta médica... 

− Então, diz lá a que se deve a honra desta chamada telefónica, tão  matinal e primaveril ?

Sabe, estou fula...

− Faz o favor me tratar por tu, afinal somos camaradas ou ex-camaradas...

− Está bem... Estava eu a dizer que estou fula com vocês, seus machõeszinhos... Tu, o Miguel e o autor da história deviam conhecer o aforismo de Hipócrates, "Naturalia non turpia"... Para os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, etc., o que é natural não é vergonhoso.

Essa história está mal contada (*). Não é um questão de pudor da senhora enfermeira, mas sim de profissionalismo. Eu não era a enfemeira em questão, estava em Tancos, no Regimemto de Caçadores Parquedistas,  nessa altura, em 1971, depois de ter passado pela Guiné (1969) e por em Angola (1970): em Luanda,  nem sequer ia ao mato fazer helievacuações. 

Mas tenho que defender a honra do convento. Fiz o meu curso de 3 anos, na escola de enfermagem do Hospital de Santo António, acabei em 1966. E aprendi logo a algaliar os doentes, homens e mulheres. Passei pela urgência, ainda havia naquele tempo alguns médicos que mandavam chamar os enfermeiros (havia poucos, a profissão era e ainda é muito feminina). Por mero preconceito, chamavam os enfermeiros, não chamavam as enfermeiras.

O Miguel sabe  que a Zulmira pôs o seu próprio casaco por cima do corpo do cubano, o capitão Peralta,  não para lhe encobrir as "vergonhas", mas por causa da hipotermia. Eu na Guiné, também fazia isso. Os doentes que eram helievacuados vinham em choque, sofrendo de hipotermia. O cuidado da enfermeira era, logo, cobri-los com uma manta ou com algo, uma peça de vestuário,  que lhes pudesse manter a temperatura do corpo até à chegada ao hospital...

− Tens toda a razão, Rosa, não está em causa o vosso alto profissionalismo... Eram maneiras nossas de ver ou de perceber as coisas... E, concordo, havia alguns preconceitos em relação a vocês, ou melhor, alguns mal-entendidos, fruto do desconhecimento da vossa origem e formação e até da vossa missão...

−  Havia até quem pensasse que nós (ou algunas de nós) éramos freiras!...

−  Santa igniorância... Olha, posso fazer um poste com o teu esclarecimento (que é também um protesto) ?

Estás à vontade, agradeço-te...

− Então, ciao, as tuas melhoras... Agora é tua vez de cuidares de ti.

E aqui fica o esclarecimento (que é também implicitamente um protesto) da nossa querida Rosa Serra, uma valente mimhota de Vila Nova de Famalicão, que tem mais de meia centena de referências no nosso blogue. (**)

2. E a propósito desta história lembrei-me de uma outra, a de um amigo meu, alentejano,  que tem uma filha, médica, com a especialidade de urologia (o que era rara no passado). 

Um dia acompanhou o pai numa caçada. E também levava a sua arma. Os caçadores, todos homens, sentiram-se algo incomodados, porque já não podiam mandara  a sua c...., frente a uma senhora, para mais médica. 

O meu amigo  pô-los logo à vontade, desde a primeira hora:
− Não se acanhem, meus senhores. Por dever de ofício, a minha filha está farta de ver piças e cus!

_________

Notas do editor:

(...) Histórias pícaras > Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota

(...) Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate, é solicitada a evacuação por via aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira que, ao ver o soldado Santos sem roupa, diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.

José Afonso (...)

Comentários:

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Miguel e Giselda: Vão gostar de ler esta história... Quem seria a enfermeira... "púdica" ? A história é verosímil ?.. Era uma questão de "pudor" ou de "segurança do doente" ?

(...) Falsa questão: para a enfermeira, é um problema de "dignidade do doente", em primeiro lugar, e talvez também de segurança...

(ii) Miguel Pessoa:

(...) Luís, acho que já respondeste à questão - é uma questão de proteger a dignidade do evacuado, ninguém gostaria de andar a ser passeado nu, aos olhos de toda a gente...

Lembro-me que a Zulmira também cobriu o cubano Peralta com o seu próprio blusão, dado que ele estava a tremer e era preciso manter o corpo a uma temperatura decente, portanto é uma questão de segurança do próprio evacuado.

E convenhamos que pruridos no meio da guerra deveria ser assunto que não devia preocupar as enfermeiras paraquedistas. (...)

(iii) Fernando Ribeiro:

Este é um daqueles erros que cometemos sem pensar: nu em pelota. A expressão em pelota, por si só, já quer dizer nu. (...)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23001: Memórias cruzadas da região de Gabu: as origens do desassossego em Copá e as sequelas da metralha entre o Natal de 73 e 7Jan74 (Jorge Araújo)




Capas de alguns dos títulos consultados


Imagem de satélite da região leste onde ocorreram os factos narrados neste texto.




O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Acaba de encerrar, temporariamemte a Tabanca dos Emiratos, até junho próximo. Tem cerca de 311 referências no nosso blogue.
 


MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DE GABÚ:

AS ORIGENS DO DESASSOSSEGO EM COPÁ E AS SEQUELAS DA METRALHA ENTRE O NATAL’73 E 07JAN74



1. – INTRODUÇÃO

A estrutura deste projecto de investigação bibliográfica, a incluir na série “Memórias Cruzadas”, foi organizada a partir de vários depoimentos existentes no vasto espólio do Blogue da Tabanca Grande, alguns editados há mais de uma década, mas todos eles relacionados com a temática apresentada no título do trabalho, tendo como contexto geográfico a Região de Gabú.

Ainda que em poste anterior tenha feito referência aos acontecimentos de Janeiro de 1974, em Canquelifá, e da morte, no dia 7, do nosso camarada (e amigo) Luís Filipe Pinto Soares (fur mil operações especiais) da CCAÇ 3545 – P16127, de 23Mai2016 – a sua releitura, enquanto efeméride com quarenta e oito anos, e outros factos sublinhados em novas consultas bibliográficas e da sua respectiva análise historiográfica, nasceu o interesse pelo seu aprofundamento, uma vez que estávamos na posse de elementos novos, por nós classificados de evidências irrefutáveis.

Com estas “evidências”, procura-se dissipar eventuais equívocos ou imprecisões identificadas na literatura, produzida e influenciada por cada um dos lados do conflito, cujas capas, títulos e autores se reproduzem abaixo por ordem de apresentação, sobre alguns dos factos aí narrados (que os há!).

Por outro lado, com este desígnio pretende-se, também, ajudar a reconstruir o puzzle das “memórias” do conflito armado naquela Região do Leste da Guiné, em particular no triângulo: «Bajocunda / Copá / Canquelifá», com maior detalhe para os dois últimos locais, onde a “problemática” e a estratégia operacional, entre vizinhos, era semelhante.

O principal período de tempo desta análise é de quinze dias, com início no Natal de 1973, onde ficou ferido, por ter accionado uma mina em Bajocunda, o Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz, Cmdt da 1.ª CCAV/BCAV 8323, até ao dia 7 de Janeiro de 1974, dia da “Acção Minotauro”, realizada em Canquelifá, durante a qual foram capturados, já cadáveres, dois elementos da guerrilha, sendo um cubano e um cabo-verdiano.

De acordo com o acima exposto, nos pontos seguintes daremos conta do que entendemos ser o mais relevante retirado das fontes consultadas, adicionando-lhes outras informações complementares, com recurso à sua triangulação, de modo a melhorar a percepção de todos esses factos, mesmo sabendo-se que todos eles estão a uma distância temporal de quase meio século.


2. – CONTEXTO GEOGRÁFICO, HISTÓRICO E CRONOLÓGICO
IDENTIFICADO NA BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Conforme se dá conta na introdução, este segundo ponto segue a linha de investigação projectada, fazendo interagir, sempre que possível, o tempo dos factos (ocorrências) com o contexto espacial (local) e a identificação dos respectivos actores, individuais ou colectivos.





Deste modo, a contextualização da narrativa tem o seu início no mês de Dezembro de 1973, a poucos dias da comemoração da data natalícia, e como espaço geográfico o triângulo «Bajocunda / Copá / Canquelifá» onde estavam instaladas, nas duas primeiras localidades, forças do BCAV 8323, do TCor Cav Jorge Eduardo Rodrigues y Tenório Correia Martins (29Set73-10Set74) e, na terceira, a CCAÇ 3545, do Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo, unidade de quadrícula do BCAÇ 3883, do TCor Inf Manuel António Dantas (19Mar72-19Jun74).

Na distribuição das Unidades Operacionais do BCAV 8323, sediado em Pirada, a quem competia a responsabilidade do Sector L6, do qual faziam parte os subsectores de Bajocunda, Paúnca e Pirada, coube à 1.ª CCAV, do Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz, o primeiro daqueles subsectores. 

Deste modo, o contexto histórico tem início nos “casos” observados e registados na literatura, com destaque, em primeiro lugar, para a narrativa divulgada no livro «O Princípio do Fim» ( Porto: Campo das Letras),  de Benigno Rodrigo, cujo nome está ligado a forte controvérsia relativamente à origem dos conteúdos por si publicados que, segundo se defende em comentários editados neste Blogue (p.e. os do P3871, de 11Fev2009), são da autoria do soldado condutor auto-rodas, António Rodrigues, pertencente à 1.ª CCAV do BCAV 8323/73.

Outras abordagens sobre a mesma problemática podem ser consultadas no P3995, de 07Mar2009, da autoria de Graça de Abreu, e no P4406, de 24Mai2009, de António Rodrigues.

2.1 – “O PRINCÍPIO DO FIM”, de Benigno Fernando

▬ Algumas notas

Convém acrescentar que para a presente análise o que nos interessa são as informações (substância) produzidas, e estas foram extraídas do P1410, editado em 8Jan2007, fez quinze anos recentemente.




► Neste âmbito é importante reter que os primeiros factos ocorreram “próximo do Natal de 1973": 

(...) Num desses dias o PAIGC atacou a povoação de Amedalai (ver mapa acima), que ficava a 5 km de Bajocunda e a 17 de Copá. A povoação era formada por população civil e pela milícia armada e o ataque aconteceu ao fim da tarde. (…) 

De Bajocunda foram em socorro da povoação três pelotões [GrComb] que provocaram algumas baixas ao PAIGC, sendo forçado a retirar” (p.29). 

Sobre esta última referência, o fur mil serv mat da 1.ª CCAV, Amílcar Ventura, que se encontrava em Bajocunda, afirma, em comentário, ser falso o relato, pois não seria possível saírem três pelotões, ao fim do dia, em socorro de Amedalai, quando, na mesma altura, Bajocunda também estava a ser atacada. “O que fizeram foi lá ir logo de manhã” e verificar os estragos (P1410).

Em 25 de Dezembro, dia de Natal de 1973, pelas 11:00 horas em Copá, o Alferes Mil Manuel Brás, solicita ao sold cond António Rodrigues que o leve até Bajocunda, pois havia recebido uma mensagem que dava conta que o Cmdt da 1.ª CCAV, Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz ficara ferido, desconhecendo as causas do sucedido (Vd. foto 1).

Chegado a Bajocunda, soube-se que nesse dia 25 de Dezembro (3.ª feira), o capitão Ângelo Moreira da Cruz saiu de Bajocunda, com os efectivos necessários para desminar Amedalai (ver mapa). Quando deu por concluído o levantamento das minas localizadas, e no momento em que se preparavam para abandonar o local, um dos militares presentes afirmou: “meu capitão tenho a impressão de que ao pé do senhor está mais uma mina”, E de facto era verdade. O capitão virou o pé ao lado e sem saber accionou a mina que lhe amputou uma das pernas. Terminava nesse momento a sua comissão, que durou apenas três meses no CTIG. Algum tempo depois, viria a ser substituído pelo Cap Mil Cav Fernando Júlio Campos Loureiro.

Os últimos dias de 1973 e os três primeiros de 1974, em Copá, passaram-se relativamente calmos.



Foto 1 – Quartel de Bajocunda, 25Dez1973. Evacuação do Cap Cav Ângelo César da Cruz, Cmdt da 1.ª CCAV/BCAV 8323 (1973/1974), na sequência de ter accionado uma mina antipessoal, ficando sem uma perna (foto do álbum do fur mil Amílcar Ventura – P5002, de 24Set2009, com a devida vénia).






► Colando com o texto anterior, recuperamos agora o depoimento editado no poste acima, da autoria de António Rodrigues, onde começa por afirmar que “chegados ao dia 3 de Janeiro de 1974 (5.ª feira), o dia foi mais ou menos calmo, embora durante a tarde, enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá que, soubemos depois, estrava a ser violentamente flagelada com armas pesadas. (…) 

Porém, eram 23:30 horas em ponto desse mesmo dia aconteceu “o nosso baptismo de fogo”. Refere que o Manuel Vicente Antunes, que àquela hora fazia reforço no seu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que se ouviu um rebentamento. (…)

Continua: “as primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns dois kms de distância, entre Copá e Bajocunda. Elas vinham bastante alternadas, atiravam três morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três, e assim sucessivamente”. 

(…) Entretanto as bombas continuavam a cair. É curioso que a dada altura duas em cada três granadas caíam ali próximas, mas não rebentavam. (…) A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava. 

A nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era, naquela noite, o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitámos em nos mudar todos para o abrigo 1, que ficava ali mesmo ao lado. (…)

Com efeito, “o PAIGC continuava a disparar de dez em dez minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte (4Jan), precisamente no momento em que o luar desapareceu. Foi aí que o primeiro ataque a Copá, desde que lá chegámos (em 25Nov73), terminou… Os guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, cinquenta granadas, mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento”. (…)

Acrescenta que “felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento. (…) Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso (como se veio a provar). 

Passaram-se os dias 4, 5 e 6Jan74, com relativa calma. No dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida. Mas nesse dia veio mesmo a realizar-se só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC”.

Conta o António Rodrigues que “eram cerca das 09:30 horas da manhã, estava ele e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, e, a dado momento, ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio. Lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada. Ficámos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tínhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim o fizemos. Eu (como condutor) peguei no carro imediatamente e regressámos para dentro do arame farpado. Formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, ficando em Copá apenas cinco ou seis homens, um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados africanos”. (…)

Entretanto, do local da emboscada (à coluna que regressava a Copá?) chegava via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido. Havia a registar alguns feridos e dois mortos, sendo estes últimos, o soldado Rui Silveira Patrício, natural de Santa Margarida-Conceição, Concelho da Covilhã e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro, natural de Orca, Concelho do Fundão, ambos solteiros, e fazendo parte do 3.º GrComb da 1.ªCCAV/BCAV 8323.

Para além das duas perdas humanas, verificou-se também a destruição de duas viaturas Berliet e, ainda, do dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro’73 destinado a todos os militares europeus e africanos que se encontravam em Copá (Vd. foto 2).

Foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, onde se incluía os postais de Boas Festas e lembranças enviadas pelos familiares e que, em função da ocorrência, as não puderam receber.



Foto 2 – Estrada Bajocunda/Copá, 07Jan1974. Viatura (Berliet) da 1.ª CCAV/BCAV 8323, destruída na emboscada de 7 de Janeiro de 1974 (foto do álbum do fur mil Amílcar Ventura – P5002, de 24Set2009, com a devida vénia).







Porém, as más notícias desse dia ainda não tinham terminado. Pelas cinco da tarde e com apenas os elementos que haviam ficado no aquartelamento, em cada posto, este voltaria a ser atacado pela artilharia do PAIGC até às 22:20 horas, ou seja, durante mais de cinco horas. 

Sobre este episódio, o António Rodrigues relata que os poucos homens que ali se encontravam “meteram-se nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tínhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta, e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiro 120 e 82, que carregavam sobre nós persistentemente”.

Só cerca das 20:00 horas é que entrou o restante pelotão em Copá, debaixo de fogo, quando a maioria da população, aos gritos, se punha em fuga das suas tabancas, que ardiam, em direcção à República do Senegal, cuja fronteira ficava dali a três quilómetros.

“Juntamente com a população fugiram (ou desertaram) praticamente todos os militares africanos que ali se encontravam em reforço da guarnição, ficando apenas em Copá, naquela noite, um Alferes e um Furriel europeus, que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º GrComb da 1.ª CCAV/BCAV 8323, num total de 29 homens”.

Como a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque, e as nossas munições eram muito poucas, talvez umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60, e pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, vimo-nos forçados a pedir auxílio aéreo a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22:20 horas, altura em que a artilharia do PAIGC parou o fogo. Esta paragem fez supor que, por via do bombardeamento aéreo, o inimigo tinha retirado para o Senegal, que ficava ali muito próximo. Mas o que aconteceu foi exactamente o contrário.

Durante o ataque aéreo, as forças do inimigo no terreno deslocaram-se para junto do aquartelamento, como estratégia, pois ficavam mais seguros e em condições de puderem continuar a perseguir os seus intentos que era a “conquista” de Copá.

António Rodrigues conta que “mal o avião se foi embora, eram cerca das 23:00 horas, começámos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dando-nos a ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo”. (…) “Mas eu, ao ouvir todo aquele estranho ruído, tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia, e decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer”.

E aconteceu… algumas viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá, quando, por volta das 23:50 horas, o ruído se deixou de ouvir, mas por pouco tempo. Bastaram mais vinte minutos para se dar início a “mais um momento terrível naquela noite. Era exactamente meia-noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo”.

Segundo a narrativa, “o inimigo estava a dez metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada. Tinha junto ao arame farpado três secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante uma hora e cinco minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava preparada para disparar (ou a entrar em acção), e assim sucessivamente.

"Para além destas secções de infantaria, tinham um auto-blindado (tipo ZIG russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e, na rectaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado anteriormente (de tarde), encontrando-se esta a cerca de um km, também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo”.

A nossa resposta não tardou, com a utilização da “metralha” disponível, como sejam: dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, disparos dirigidos nas direcções onde se encontravam instaladas as “bocas de fogo In”.

António Rodrigues (foto atual à esquerda) dá o exemplo da “secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado que estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame farpado". 

É, nesta situação que “o meu camarada Manuel Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia-dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas sobre o blindado, que tentava entrar, e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas, que não teriam grande efeito sobre tal viatura, mas o certo é que quem a comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento”.

Era uma hora e quinze minutos, do dia 8 de Janeiro de 1974, quando o tiroteio acabou, ainda com muita coisa a arder, mas com a certeza de que todos os “bravos de Copá” (vd. foto 3)  e a sua população local tinham sobrevivido durante aquelas horas “amargas e terríveis vividas nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974”, não permitindo que o PAIGC conseguisse cumprir com os objectivos a que se tinha proposto.



Foto 3 – Copá, Jan1974. Alguns dos 29 “Bravos de Copá”, do 4.º GrComb da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que defenderam estoicamente a instalação militar onde se encontravam aquartelados, durante o forte ataque levado a cabo pelo PAIGC, no dia e noite de 7Jan1974 (foto do álbum do sold cond António Rodrigues – P14214, de 03Fev2015, com a devida vénia).

● Finalmente; o reconhecimento e os resultados da refrega.

O autor do texto, cujo conteúdo acompanhámos com muita atenção e a quem devemos um obrigado e um elogio por este seu valioso contributo historiográfico, que serviu de questão de partida para a elaboração do presente trabalho, conclui a última parte da narrativa (o depois) acrescentando:

“No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificámos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo. Vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado”.

“A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta. Encontrámos ainda um carregador e caixas de munições de Kalashnikov, maços de tabaco e bonés. 

"Havia sinais de que o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos já referidos anteriormente. Mas, como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar pertos dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro. Vendo-se atrapalhados, não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam, continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los”.

António Rodrigues termina com um sentimento de orgulho, salientando que “durante todo esse fogo, nenhum dos nossos homens ficou ferido”.


2.2 – D(O) OUTRO LADO DO COMBATE – CONTROVÉRSIAS:

▬ “DE CAMPO A CAMPO: CONVERSAS COM O CMDT DO PAIGC
BOBO KEITA (1939-2009)”


Neste ponto, e para efeitos de comparação de narrativas, no que pode ser entendido por “convergente versus divergente”, ou erróneo em relação à descrição dos principais factos em análise, não podíamos deixar de consultar as fontes produzidas por elementos de cada um dos lados do conflito.

Na perspectiva “do outro lado do combate” (designação dada a outra série), recorremos à obra de Norberto Tavares de Carvalho, “De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita” (Edição de autor. Porto, 2011), citando algumas das passagens editadas no P16317, de 19Jul2016, conforme se indica abaixo.



◙ Depoimento de Bobo Keita (1939-2009) sobre a morte de Mamadu Cassamá, em Copá, em 7Jan1974

► Partindo dos relatos de António Rodrigues citados no ponto anterior, em particular as dúvidas suscitadas quanto aos motivos (ou factos) que levaram os responsáveis do PAIGC a darem por concluído o ataque ao aquartelamento de Copá, abandonando as suas posições no terreno no início da segunda hora do dia 8 de Janeiro de 1974 (3.ª feira), o depoimento do Cmdt Bobo Keita não é muito esclarecedor nos seus detalhes. Mas confirma que, pelo menos, tiveram uma baixa, a do Cmdt Mamadu Cassamá, o elemento que tentou entrar no interior do quartel.  Diz ele:

(...) “Mamadu Cassamá morreu no ataque a Copá. Tomei parte nesse ataque, juntamente com o camarada Paulo Correia. O Mamadu era dos que ainda acreditavam na “força” dos amuletos… Avançou muito e foi até aos arames que circundavam o quartel. Pegou nos arames e fez força para os arrancar. Foi localizado e um tiro certeiro [de que arma?] silenciou-o de vez. O Mamadu Cassamá era o comandante daquela zona”. (...)


Nas conversas com Norberto Tavares de Carvalho, autor do livro, Bobo Keita volta a referir-se ao episódio do ataque a Copá nos seguintes termos:

 (...) “Para o assalto a Copá, que fica a uns trinta quilómetros da cidade senegalesa de Wassadou [ver mapa acima], peguei em dois dos meus tanques, constitui um comando e fomos à emboscada [a da coluna Copá/Bajocunda/Copá ou estava-se a referir ao ataque a Copá? Não está claro]. 

"A operação em Copá contou com Quemo Mané, comandante de infantaria. Copá também não foi fácil para os tugas. Alinhámos um número razoável de combatentes, menor que Guileje e Guidaje, e o objectivo era o de isolar os colonialistas. A tomada do quartel não nos interessava, queríamos somente convencê-los de que não tinham mais nenhuma escapatória e que deviam partir da nossa terra”. (...) 


2.3 – D(O) OUTRO LADO DO COMBATE – CONTROVÉRSIAS:

▬ “LA HISTORIA CUBANA EN ÁFRICA: 1963-1991: PILARES  DEL SOCIOALISMO EN CUBA”, de Ramón Pérez Cabrera


▬ Alguns excertos

► Em conformidade com os objectivos deste trabalho, a consulta do livro do escritor cubano Ramón Pérez Cabrera não podia deixar de ser efectuada, uma vez que nele constam diversas referências sobre o contexto onde ocorreram alguns dos episódios já identificados nos pontos anteriores.

Por outro lado, os fragmentos que abaixo se reproduzem em bilíngue – espanhol e português – com a tradução da nossa responsabilidade – são considerados, a par dos restantes, como fontes documentais importantes na aproximação aos factos reais.

As actividades da guerrilha na zona leste a partir de Dezembro de 1973

Caracterização do ambiente operacional



● Tradução

(…) “Os comandantes do PAIGC, a partir de finais de Novembro e ao longo de Dezembro de 1973, aproveitando a alteração das condições climatéricas [final da época das chuvas], deslocaram tropas, munições e mantimentos para as zonas próximas das instalações militares fortificadas, onde os soldados portugueses permaneceram aquartelados, mas mantendo estes as acções de patrulhamento nas áreas externas dos mesmos para evitar serem surpreendidos pelos guerrilheiros. Na segunda etapa da operação «Abel Djassi» [nome de guerra de Amílcar Cabral (1924-1973)], realizada nas três frentes de combate no primeiro semestre de 1973 [os três G’s], participaram catorze internacionalistas cubanos” (op.cit., p.179).

► As acções combativas na Frente Leste iniciam-se em Janeiro de 1974

▬ O ataque ao aquartelamento de Copá e suas consequências



● Tradução

“As acções combativas da operação «Abel Djassi» começaram na Frente Leste, em 3 de Janeiro de 1974 (5.ª feira), com o ataque ao aquartelamento de Copá. A movimentação dos destacamentos guerrilheiros começou nas primeiras horas da manhã e naquela tarde já haviam ocupado as posições de fogo de artilharia e os lugares nas emboscadas de contenção. Às 22:00 horas começou o tiro de ajuste e uma hora depois os disparos com os morteiros de 120 mm, mas, devido à ineficiência dos obuses, já que cerca de quarenta por cento não explodiram, no dia 5Jan (sábado) de madrugada, as FARP suspenderam o assédio da artilharia ao quartel” (op.cit., p.179).




● Tradução

“Após a morte de Mamadu Cassamá, o Comandante Paulo Correia, chefe da Frente Leste, decidiu não realizar novos assaltos de infantaria à instalação [Copá] e manter o cerco e atormentar com artilharia o quartel, que se prolongou durante todo o mês de janeiro” (op.cit., p.179).

2.4 – A FOTO QUE PODE AJUDAR A REVOGAR ALGUNS EQUÍVOCOS…

► É intenção da foto que se encontra 
abaixo  (Fotos 4 e 4A) é servir de prova sobre alguns equívocos identificados nas narrativas analisadas, em particular nos “casos” em que é descrito, com aprofundado detalhe, o modo como ocorreram as mortes de elementos da guerrilha, a sua captura e posterior inumação.

Importa sublinhar que, neste “caso”, os dois corpos da foto, desnudos, mereceram o maior respeito e consideração humana, por parte do colectivo da CCAÇ 3545, tendo os mesmos sido lavados antes de serem inumados na região (de acordo com fonte oral).




Fotos 4 e 4A – Quartel de Canquelifá, 7Jan1974. Dois corpos, já cadáveres, de elementos da guerrilha capturados durante a “Acção Minotauro”, levada a cabo por um bigrupo da CCAÇ 21. 

Por ausência de identificação, supõe-se que o primeiro elemento seja o Tenente Ramón Maestre Infante (cubano) e, o outro, Jaime Mota (cabo-verdiano). Foto do álbum do camarada Pereira, fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia. A foto, tipo passe, colocada no canto superior direito (Foto 4), é de Jaime Mota, retirada do P14150, de 23Mai2016, aqui apensada para efeitos de comparação.


2.5 – “NO OCASO DA GUERRA DO ULTRAMAR”, uma derrota
pressentida”, de Fernando de Sousa Henriques (1949-2011)


▬ Algumas notas de leitura, por Beja Santos

► Por imperativo de investigação, onde se colocava a necessidade de alargar as fontes documentais, por razões espaciais (ou de vizinhança) existentes entre Copá e Canquelifá, separadas apenas por doze kms (ver mapa acima), e onde muitas das acções eram levadas à prática em parceria, pois os interesses eram comuns, recorremos às memórias do malogrado camarada Fernando de Sousa Henriques (1949-2011), ex-alf mil operações especiais da CCAÇ 3545, aproveitando algumas notas de leitura do seu livro, editado em 2007, e escritas pelo camarada Beja Santos no P12074, de 23Set2013.



► Contexto em Canquelifá (vd. foto 5):

(…) “A partir de Novembro’73, não houve descanso em Canquelifá, repetiram-se as flagelações, os misseis deram entrada nas flagelações frequentes, era nítido que os guerrilheiros queriam comprometer os reabastecimentos e acantonar as tropas aos seus quartéis. As emboscadas às obras da estrada Piche-Nova Lamego também se acentuaram. Em Dezembro’73 houve um relativo descanso mas os assaltos às tabancas deram frutos, as populações, ainda lentamente, começaram a fugir para os grandes centros.

No início de Janeiro’74, os ataques com foguetões a Canquelifá marcaram presença. O autor explica a natureza das destruições que as imagens, pela sua eloquência, desfazem todas as dúvidas. Mas não só Canquelifá, Piche e Buruntuma também foram contempladas. Nessa altura os efectivos do Batalhão levam quase vinte e quatro meses de Guiné. Foi necessário pedir apoio à CCAÇ 21, uma companhia só de guineenses, comandada pelo tenente Jamanca.

Em 7 de Janeiro’74 a CCAÇ 21 surpreende uma força inimiga e traz dois corpos [foto 4], um cubano e um cabo-verdiano. As flagelações recrudesceram. Ia começar o martírio de Copá, um destacamento que irá ser abandono por impossibilidade de defesa” [em 14 de Fevereiro de 1974].



Foto 5 – Canquelifá, Jan1974. Explosão de uma bomba durante um ataque do PAIGC ao aquartelamento de Canquelifá (foto do álbum do camarada Pereira, fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia).

2.6 – “GUINEENSE, COMANDO, PORTUGÊS”, de Amadú Bailo Djaló

Alguns excertos

► Em complemento do ponto anterior, e tendo por base o livro de memórias de Amadú Djaló, ex-alferes comando graduado (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), citamos alguns “desassossegos” por ele vividos, em conjunto com os restantes elementos da CCAÇ 21, entre Copá e Canquelifá no período em análise.

(…) No final de 1973 e início de 1974 “Canquelifá estava muito diferente. As tabancas que havia à volta, junto às fronteiras com o Senegal e com a Guiné-Conacri estavam todas arrasadas, a população tinha desaparecido. A zona estava nas mãos do PAIGC e Canquelifá agora era um local muito perigoso, sempre à espera de ataques, do lado do Senegal ou da Guiné-Conacri. As estradas estavam semeadas de minas, se Canquelifá precisasse de apoio à noite, não podia ser socorrida por estrada, de noite não se podia picar estradas. Foi nesta situação que encontrámos Canquelifá.

Estavam ali duas companhias, uma de europeus (CCAÇ 3545) e a nossa (CCAÇ 21), oito pelotões ao todo. Fizemos um programa de saídas, todos os dias de manhã saía um bigrupo nosso até a uma distância de cinco a sete kms e regressava por volta das duas da madrugada. Julgávamos que, a partir dessa hora, era mais difícil haver ataques do PAIGC. Num dia saía um bigrupo de africanos, no dia seguinte um de europeus. Desta forma, cada bigrupo descansava três dias.

Em algumas dessas saídas, deixávamos o quartel, de manhã muito cedo, na direcção de Nhunanca. Depois de andarmos um bom bocado, entrávamos numa lala (clareira), quase sem árvores, com o capim muito alto, que as populações geralmente queimavam na primavera.

Depois de atravessarmos para o outro lado da lala, permanecíamos aí algum tempo, até cerca das 15:00 horas, quando decidíamos abandonar o local. Caminhávamos mais dois ou três kms e emboscávamo-nos. Ocupávamos dois caminhos, o que ia para Nhunanca e o que levava a Chauara. Ficávamos durante cerca de uma hora e regressávamos, contornando o quartel e entrando pela entrada contrária à saída para Copá.

Numa dessas saídas, em 7 de Janeiro de 1974 (2.ª feira), na “Acção Minotauro”, um dos nossos bigrupos, comandado pelos alferes Ali Sada Candé e Braima Baldé, quando estava emboscado, a cerca de dois kms do aquartelamento, avistou, por volta das 16:00 horas, um grupo do PAIGC a atravessar a lala. Estavam a deslocar-se na direcção do quartel [de Canquelifá].

O nosso bigrupo foi no encalço deles, a observarem o que iam fazer. Cerca de um quilómetro andado o pessoal do PAIGC parou, debaixo de uma grande árvore. Um deles estava a preparar-se para subir a árvore, quando o nosso bigrupo os atacou, de surpresa. O pessoal do PAIGC fugiu como pôde, deixando no local três guerrilheiros mortos, as armas e um rádio Racal que, viemos a descobrir mais tarde, tinha sido perdido por nós em Morés, em 23 de Dezembro de 1971.

[Nesse dia] era a vez do meu grupo ficar no aquartelamento, mas quando começámos a ouvir o tiroteio saímos imediatamente. Quando os encontrámos o caso já estava arrumado. Ajudámo-los a trazer os corpos dos guerrilheiros que depositámos junto à parada.

Nesse mesmo dia 7 de Janeiro, por volta das 17:30 horas, o PAIGC desencadeou um ataque a Canquelifá. Ou de represália, ou porque também tinha ouvido os tiros. Um dos primeiros mísseis acertou na central eléctrica e uma grande bola de fumo negro começou a subir. De vez em quando paravam os bombardeamentos, depois recomeçavam. Durou quase a noite toda este ataque.

A tabanca ardeu e ficou completamente destruída. Morreram durante o ataque quatro pessoas, um furriel europeu [Luís Filipe Pinto Soares, da CCAÇ 3545 - P16127], um soldado negro (Donsa Boaró, da CCAÇ 21), o soldado Mica Djaló Baldé (do 6ºPelArt/GAC7) e um rapaz de cerca de 13 ou 14 anos que trabalhava para o furriel europeu que tinha morrido” (op.cit., pp.268-270).





Sobre a “Acção Minotauro”, citada anteriormente, é de relevar o facto de termos localizado, no decurso da presente investigação, uma referência a ela no Arquivo da Defesa Nacional, onde existem “8 positivos fotográficos da acção Minotauro, em Canquelifá”, conforme sublinhado abaixo.



Ou, consultando o link;

https://www.portugal.gov.pt/upload/ficheiros/i007076.pdf



2.7 – RAMÓN MAESTRE INFANTE - tenente cubano falecido na Guiné

Breve biografia militar



► Como foi referido nos pontos 2.5 e 2.6, quer por Fernandes de Sousa Henriques, da CCAÇ
3545, quer por Amadú Bailo Djaló, da CCAÇ 21, ambos os depoimentos são unanimes ao afirmarem a morte de dois elementos da guerrilha, em combate ocorrido em 7 de Janeiro de 1974, e o transporte dos seus corpos para o quartel de Canquelifá. Um seria cubano e o outro cabo-verdiano, provavelmente os dois cadáveres que se encontram na foto 4.

A ser verdade que o elemento cubano capturado seja o tenente Ramón Maestre Infante, como é indicado pelo escritor Ramón Pérez Cabrera, no livro de que é autor, e que abaixo se reproduz, independentemente de haver a discrepância em relação ao seu local, ao escrever que foi em Copá (onde não se verificou a captura de qualquer elemento da guerrilha) mas, ao que tudo leva a crer, foi em Canquelifá.

O que é um facto é que este militar cubano morreu… vinte e cinco dias depois da sua partida de Havana.

◙ Eis uma brevíssima biografia, enquanto cidadão militar, retirada da literatura consultada:





● Tradução

“Enquanto as actividades iam acontecendo nas matas guineenses, em Havana um novo contingente de instrutores cubanos preparava-se para prestar a sua ajuda internacionalista aos combatentes do PAIGC na Guiné-Bissau. Um deles, Ramón Maestre Infante, deixou Cuba por via aérea em 13 de dezembro [1973] para a África. Chegou a Conacri e, sem perder tempo, seguiu viagem para Kandiafara e em poucos dias foi incorporado num destacamento de guerrilha no teatro de operações” (op.cit., p.180).



● Tradução

“Em 7 de Janeiro (2.ª feira), Ramón Maestre cumpriu, junto com um jovem guerrilheiro cabo-verdiano, a importante missão de assediar o quartel de Copá com morteiro, mas a acção foi suspensa para o dia seguinte. Na manhã do dia 8Jan (3.ª feira), Ramón Maestre e o jovem guerrilheiro partiram novamente e quando estavam a colocar o morteiro foram surpreendidos por uma patrulha portuguesa. 

No intenso tiroteio, Ramón Maestre foi ferido, morto ou feito prisioneiro [?], enquanto o cabo-verdiano conseguiu escapar sob o intenso tiroteio. A princípio, os portugueses acreditaram que o combatente era guineense, mas após identificá-lo como cubano, decidiram levá-lo ao quartel de Buruntuma [? - talvez Canquelifá, o quartel mais próximo] com a intenção de transportá-lo posteriormente para a capital de Bissau, mas não puderam levá-lo porque o quartel fora cercado pelas FARP e o fogo antiaéreo impediu que os helicópteros pousassem na área. Finalmente, o corpo do oficial cubano foi sepultado fora do quartel depois de lhe cortarem o corpo em duas metades e amputar as orelhas e as mãos como prova da nacionalidade” (op.cit., p.180).

► Encontrámos mais uma referência ao seu nome no ponto 13 (Anexos) do livro “El Grito del Baobab” (O grito do Baobá), de que é autor o escritor cubano Coronel (reformado) Humberto Trujillo Hernández, editado pela Editorial de Ciências Sociais em 2008. Porque não conseguimos ter acesso ao seu conteúdo, aqui se dá conta, somente, desse facto, o que lamentamos. Caso haja algum tertuliano que o tenha, faça o favor de nos informar.

2.8 – JAIME MOTA – cabo-verdiano, natural da Ilha de Santo Antão

Algumas notas

► Das fontes consultadas, a investigação realizada pelo jornalista cabo-verdiano José Vicente Lopes, parece não deixar quaisquer dúvidas, não só em relação à data, como ao local da ocorrência, conforme se retira da leitura aos P14150 e P14151, de 15Jan2015, em particular de algumas passagens retiradas do artigo do mesmo autor, designado por “O martírio de Jaime Mota”.






Eis alguns fragmentos:

(i) – De acordo com as informações dadas pelo, também cabo-verdiano, Amâncio Lopes, Cmdt do 2.º Grupo GRAD a actuar na região de Gabú, refere que no dia 3 de Janeiro de 1974, vai com Jaime Mota, e outros elementos, para a operação de Canquelifá, que corre bem. “No dia 7Jan voltámos ao mesmo quartel e cometemos um erro que foi fatal para Jaime Mora e outras pessoas”.

(ii) – Nesse dia, a determinada altura, “detectada a presença de um grupo do PAIGC, um pelotão de comandos africanos [um bigrupo da CCAÇ 21] acaba por surpreendê-los pela rectaguarda, precisamente no momento em que Amâncio Lopes, Jaime Mota e os restantes guerrilheiros procediam à recolha de dados para mais um bombardeamento ao quartel de Canquelifá”.

(iii) – Essa emboscada fatídica, segundo Amândio Lopes, “aconteceu já ao fim da tarde, quando ele e os seus homens aguardavam que escurecesse um pouco mais para procederem ao bombardeamento do quartel de Canquelifá e, como era hábito, desaparecerem rapidamente do terreno”.

(iv) – “Estávamos a comunicar, o cubano [?] sentou-se num bagabaga, o Jaime Mota sentou-se também um pouco atrás de mim, o radialista guineense também, e havia mais três elementos do meu staff para definir a direcção do fogo (só na artilharia, éramos uns sete ou oito elementos)”.

(v) – Nesse momento, sentimos tiros. “Na fuga, eu (Amâncio Lopes) ensaio ir numa direcção, no que um dos guineenses me grita, aflito, ‘por aí não, camarada Amâncio, porque o tiro está a vir dessa direcção’”.

(vi) – Invertemos a fuga. No recuo, verificámos que nem o Jaime Mora nem o cubano [?] estavam connosco. Mandei toda a gente parar e eu disse: ‘falta-nos o Jaime e o cubano’. O artilheiro guineense me diz: ‘camarada Amâncio, na direcção em que o Jaime e o cubano ficaram, não há chance… se você quiser ficar também… Pense bem. Não podemos voltar, porque se o fizermos será a nossa morte também”.

(vii) – Por outro lado, Honório Chantre (1941.10.25-2020.07.20), que, depois da independência da Guiné-Bissau, foi Ministro da Defesa Nacional de Cabo Verde, entre 1981-1986, recorda o seu conterrâneo como um homem muito ponderado e seguro, afirmando: “o Jaime não foi tropa portuguesa, mas tinha uma formação militar muito sólida. Esteve em Cuba, na União Soviética e tinha experiência de combate adquirida no terreno da Guiné. Juntamente com Amâncio e o Bibino, ele tinha a quarta classe daquele tempo, feita nos anos quarenta ou cinquenta, ao contrário de alguns colegas de Santo Antão que foram alfabetizados por nós em Cuba”.

(viii) – Depois… Depois, a confirmação da morte de Jaime Mota. Esta aconteceu na sequência da “operação de recolha e transladação dos três cabo-verdianos inumados em território da Guiné-Bissau”, em que participaram António Leite, Amâncio Lopes e Eduardo dos Santos. É referido: “fomos ao Leste e conseguimos localizar os restos do Jaime Mota, que pouco restava. Mesmo assim, foi fácil, porque sabíamos que ele tinha um dente de ouro e encontrámos uma caveira com dente de ouro”. (…)


Termino esta narrativa, com a mesma dúvida como comecei… Será que este documento, onde se procurou separar o caminho do “real” do da “ficção”, tem alguma utilidade?

Pelo menos, para mim, ajudou-me a compreender melhor alguns dos episódios mais marcantes e mais sofridos dos “encontros” tidos, de ambos os lados, nas matas de Copá e Canquelifá, situadas na Região do Gabú, Leste da Guiné-Bissau, entre o Natal de 1973 e 7 de Janeiro de 1974.

Obrigado pela atenção.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

08Fev2022

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Notas do editor:


Último poste da série > 15 de outubro de  2021 > Guiné 61/74 - P22631: Memórias cruzadas nas 'matas' da Região do Óio-Morés: o caso da queda do "T-6 FAP 1694", em 14out1963, incluido no documentário "Labanta Negro!", realizado pelo italiano Piero Nelli, 28 meses depois (fev 1966) (Jorge Araújo)

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22085: FAP (124): António Galinha Dias, o ex-fur mil pil, que fez a helievacuação do cap cubano Peralta, em 18 de novembro de 1969 (Miguel Pessoa, cor pilav ref)


Foto nº 1 A > Mira-Sintra / Meleças > 2018 > O ex-fur mil pil António Galinha Dias, BA 12, Bissalanca, 1968/70. É hoje sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda. com sede em Évora.


Foto nº 1 >  Mira-Sintra / Meleças > 2018 > Convívio de pessoal da FAP que voou na Guiné. O segundo a contar da esquerda é  ex-fur mil pil António Galinha Dias, que fez a helievacuação do cap cubano Pedro Rpodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, sendo a enfermeira paarquedista a Maria Zulmira.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do Miguel Pessoa, herói dos céus da Guiné, ferido em combate por um míssil Strela, ex-ten pilav, BA12, Bissalanca, 1972-74, hoje cor pilav ref, com mais de 2 centenas de referências no nosso blogue:

Date: quinta, 8/04/2021 à(s) 14:50
Subject: Piloto do heli que evacuou o Peralta (*)

Olá, Luís.

Encontrei esta foto do Galinha Dias,  tirada num convívio de pessoal que voou na Guiné, realizado em 2018. 

O Galinha Dias é o 2º da esquerda, de blusão cor de tijolo [. Foto nº 1, acima]

Abraço.  Miguel
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quinta-feira, 18 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22015: FAP (123): Em louvor do ex-fur mil pil av António Galinha Dias e da tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) que fizeram a evacuação Ypsilon do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, na sequência da Op Jove (Jorge Narciso / Maria Arminda)


O ex-fur mil pil av António Galinha Dias 
e a tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira (1930-2010)


1. Comentário, ao poste P22014,  do Jorge Narciso, ex-1.º cabo esp, MMA, BA 12, Bissalanca, 1969/71, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2009:

Abraço para o editor de serviço

Há algum tempo que não passava pelo Blogue, o que por mero acaso resolvi fazer hoje e, surpresa, vejo uma foto minha neste 1.º Post, visível,

Li e percebi a associação dos dois eventos relatados.

Sem aparentemente nada a recordar, notei no entanto a dúvida quanto a quem seria o Piloto da evacuação e lembrei-me que num almoço de convívio de pessoal da BA12 tal assunto veio à baila e, através do próprio, soube (apesar de ter participado, jamais me relembraria) que o Piloto foi o António Galinha e a enfermeira a Maria Zulmira
Mais um Abraço
Jorge Narciso

18 de março de 2021 às 01:15

2. Comentário do editor LG:

Em informação complementar,por email, o Jorge Narciso precisou que se trata do António Galinha Dias, ex-fur mil pil av. É de Torres Novas, vive hoje em Évora e tem página no Facebook (, embora inativa desde 1 de julho de 2019), e donde com a devida vénia fomos buscar a foto que publicamos acima. Sem querer fazer concorrência ao excelente blogue dos Especialistas da Base 12, Guiné 1965/74, e muito menos melindrar o seu fundador e editor principal nosso querido amigo, camarada e nosso grã-tabanqueiro, Victor Barata, convidamos o António Galinha para se juntar à Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas, onde, de resto, o pessoal da FAP, que andou pelos céus da Guiné daquele tempo, está também muito bem representada.

Por sua vez. a Maria Zulmira [André Pereira] [1931-2010] tem 8 referências no nosso blogue.


3. Reprodução, com a devida vénia de um testemunho da Maria Arminda [Santos],  ex-ten enf pqdt, publicado no blogue dos Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, em  17 de outubro de 2010 (**):


(...) Como sempre refiro: A vida São os Dias que nos Lembramos. Quando o contrário acontece, em que já não estamos cá fisicamente ou a nossa memória partiu para outros universos de pensamentos, a vida deixa de ser real.

São essas as razões porque a memória dos Homens, anda por vezes distraída mas enquanto a minha não se ausentar totalmente,  quero, não só recordar mas ainda para que fique para a história, pelo menos como registo neste blogue, quem foi a Enfermeira Paraquedista que assistiu e tratou o Capitão do Exército Cubano ao serviço do PAIGC, Pedro Rodriguez Peralta, ferido e evacuado da zona do Guileje.

Sempre que se fala da captura do Capitão Peralta, fico muito triste e decepcionada. Na recente publicação pelo jornal Correio da Manhã, intitulada “As grandes Operações Militares da Guerra Colonial “, e até noutras publicações anteriores por outros órgãos de comunicação social, são referidos os nomes dos oficiais que planearam e executaram a “Operação Jove”, realizada em 18 de Novembro de 1969 pelas Tropas Paraquedistas na zona do Guileje. Foi nessa operação que foi ferido e capturado o referido oficial cubano e mais não dizem, ficando a narrativa incompleta.

Quando foi solicitada, pelo Sr. Capitão Paraquedista Bessa uma evacuação urgente, foi enviada de helicóptero uma enfermeira paraquedista a quem foram dadas ordens expressas,para fazer tudo, mesmo tudo o que estava ao seu alcance,  para salvar aquele ferido que se encontrava em péssimas condições físicas e em estado de choque, não podendo falhar nada para que o doente chegasse vivo ao hospital e em condições gerais estáveis para ali ser intervencionado de imediato.

A enfermeira iria fazer o que sempre fez aos feridos em situações semelhantes, mas a carga emocional foi grande pelo tom imperativo que envolveu a recomendação.

Logo que o ferido lhe foi entregue procedeu de forma adequada,  estabilizando o seu estado geral, terminando com a colocação do seu casaco de camuflado para o aquecer até chegar ao hospital.

No fundo não fez mais do que fazia habitualmente; a carga emocional é que foi muito maior, porque ela sentiu o peso da importância daquela vida para os militares envolvidos na operação, a importância para a própria organização militar e logicamente para o país, dadas as características do prisioneiro ferido. Só começou a aliviar o seu stress depois de o entregar no Hospital Militar de Bissau, vivo e em condições para novas intervenções só feitas a nível hospitalar.

Parece que a enfermeira não teve importância nenhuma, muito menos mérito nenhum em toda esta história.

Nós éramos tão poucas, não seria difícil aos investigadores e autores dos artigos informarem-se dos nomes da enfermeira, do piloto e eventualmente do mecânico, que tal como a enfermeira passaram por níveis acrescidos de stress na missão deste acontecimento muito especial e que foi sem dúvida com grande mérito para as nossas tropas, tendo ficado por esse facto, na história da guerra da Guiné.

Para que conste, e para que pelo menos fique registado no blogue dos Especialistas da Base Aérea 12 o nome da citada enfermeira: Maria Zulmira Pereira André, tenente graduada enfermeira Paraquedista, foi a enfermeira que foi buscar nas matas do Guileje o Cubano, senhor capitão Peralta.

Tenho pena de não referir os nomes do piloto e do mecânico porque na questão de evacuações, éramos um todo, cabendo a cada um a sua tarefa específica, complementávamo-nos para que a missão fosse bem sucedida. Mas também eu desconheço quem foram eles.
Sempre que falava com a Zulmira sobre este acontecimento e que ia dizer aos distraídos que tinha sido ela a tal enfermeira, respondia-me com esse seu modo conciliador: "Deixa lá, Maria Arminda, não te aborreças, não tem importância nenhuma não falarem de mim, isso hoje não interessa, já passou".

Não é bem assim, minha amiga, e agora que já não estás entre nós, tomo esta atitude para honrar a tua memória, pela pessoa boa que sempre foste, pelos amigos que fizeste, pelo extraordinário desempenho profissional e com espírito de missão que sempre puseste ao serviço de todos.

Grata pela oportunidade de dar a conhecer este pormenor da Operação Jove e da importância que a enfermeira Zulmira André teve na vida do Capitão Peralta e na projecção do êxito da mesma captura pelas tropas paraquedistas.

Com os meus Cumprimentos

Maria Arminda
ex-tenente enfermeira paraquedista
 

(**) Vd. poste:

Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 >  domingo, 17 de outubro de 2010 > Voo 1956 Que fique para a História