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domingo, 25 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15289: Meu pai, meu velho, meu camarada (47): A minha mãe terá adorado esta fotografia do seu namorado, pelo aprumo e elegância, realçados pela distinção da farda que lhe assentava tão bem, que se lhe assemelhava a um general conquistador (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 21 de Outubro de 2015:

No quarto dos meus pais, lembro-me desde criança, da fotografia deste jovem soldado. A minha mãe por não ter outra fotografia dos bons tempos de namorados, em que ambos trocavam olhares com promessas de beijos e palavras cheias de significado e de futuro, tirou esta fotografia da caderneta militar deste soldado garboso e colocou-a num lugar de destaque no quarto do casal.

Nesses tempos antigos do século XX, até à década de cinquenta, em que todos os militares tinham direito a uma farda número um, com dólman e quepe, semelhante aos dos oficiais superiores, em lugar do quico e do blusão verde dos nossos tempos, a minha mãe, costureira e esteta amadora, terá adorado esta fotografia do seu namorado, pelo aprumo e elegância que já lhe reconhecia, realçados pela distinção da farda que lhe assentava tão bem, que se lhe assemelhava a um general conquistador.

Emídio Baptista, meu pai

A fotografia dos últimos trinta anos ou talvez mais, já não será a original, pois a minha irmã mais nova, que sempre gostou de recordações da família, mandou fazer uma cópia e guardou para si uma delas.

À minha mãe, esse retrato de militar, devia trazer à memória recordações gratas da sua juventude e do seu namorado, tão discreto mas que sabia tão bem dizer-lhe as palavras apropriadas, que acompanhadas por um sorriso afável, lhe adoçavam os dias, a faziam sonhar e lhe prometiam um futuro radiante.

Apesar de todas as contrariedades e dissabores próprios do casamento, a minha mãe continuou a confiar para sempre nesse homem, que ela conheceu menino, adolescente e jovem.

Ele morava tão perto da sua casa, a menos de 100 metros. Aos 19 anos, por morte do pai dele, por ser o mais velho de 4 irmãos, teve que tomar conta da casa de lavoura e de dar todo o apoio possível à sua mãe viúva. Nesses anos e em anos anteriores teve tempo e oportunidade de avaliar esse vizinho, da idade dela, que passava à sua porta com as vacas e vitelos, com o carro puxado pelas vacas, vazio, para trazer cortiça, trigo, ou lenha, ou outros produtos agrícolas, ou com as charruas e os arados para lavrar as hortas, as oliveiras ou os campos de trigo e centeio. Muitas vezes se terão cumprimentado conforme os usos e costumes da terra: Bom dia Maria! Bom dia Emídio! E pela urgência das lides quotidianas ou pela timidez de um ou do outro, a troca de palavras terá ficado por aí.

Afinal, apesar do silêncio, da reserva e da dureza da vida após o casamento, o seu homem não era pior do que todos, mesmo irmãos ou cunhados. O seu homem era trabalhador e responsável e nunca faltaria com o indispensável às necessidades da família que ia aumentando ano após ano. Nessa sociedade patriarcal todos tinham essa máscara ou marca de rudeza, que tinham herdado dos pais e avós que lhe dava autoridade, até demasiada, mas que lhe iria também exigir muitas responsabilidades. O sustento da mulher de dos filhos ficaria para sempre a seu cargo, bem como todos os trabalhos agrícolas. A mulher teria o encargo de criar os filhos e de ajudar em alguns trabalhos agrícolas menores, se possível, como por exemplo alguma ajuda no tratamento da horta.

A minha mãe, uma mulher inteligente, acreditava na escolha da sua vida, pelo conhecimento e enamoramento que terá crescido dentro dela desde criança, ao longo dos anos, pela forma gentil com lhe terá dito que gostava dela e pelo seu sorriso simpático de garoto brincalhão ou trocista. Na fotografia desse soldado, a melhor representação do seu amor juvenil, que imaginou para a vida inteira, a minha mãe apostou todo o seu projecto de vida.

Apesar dos seus silêncios, do seu feitio reservado que não lhe conhecia bem dos tempos de namorado, os filhos iam nascendo para alegria dela, cada qual o mais belo (os filhos são sempre tão lindos), para compensar desgostos passageiros. Ao seu marido autoritário ela sabia que o sabia vergar e moldar aos seus gostos quando fosse necessário. Recordo-me bem quando plantávamos a horta, com feijões, tomates, cebolas, batatas, pepinos, melões, etc., as guerras que a minha mãe tinha com o meu pai, por ele não lhe querer garantir um bom lote de terreno para plantar as suas flores: os crisântemos, as sécias e as zínias. A nossa mãe ganhava sempre.

Quando os filhos começaram a crescer, depois de fazerem a escola primária, a minha mãe lutou como uma leoa para que a todos fosse garantida toda a continuação da educação escolar possível.

O nosso pai já a pensar que com a ajuda dos quatro filhos varões podia aumentar bastante a riqueza da família teve que se curvar perante as exigências da mulher, que não sendo autoritária, se sabia impor em defesa das suas flores e dos seus filhos, os bens que mais amava.

A vida deste militar, garboso e aprumado, com o mesmo porte que conservaria para o resto da sua vida civil, continua a ser para mim um enigma, já que ele nunca falava do seu passado, civil ou militar, nem das suas recordações da meninice ou da juventude. Sei somente algumas coisas que a minha mãe ou outros contaram.

Consta-se que era da arma de Cavalaria e que terá tido uma repreensão por um dia ter vergastado um cavalo mais rebelde. Terá passado por Mafra em 1939, por onde eu passei 30 anos mais tarde. Sei que escrevia cartas muito meigas à namorada que a minha irmã mais nova, já depois da sua morte, morreu cedo, aos 59 nos, encontrou numa arca de madeira. no meio de lençóis de linho.

Cartas que tinham sempre no cabeçalho duas palavras: Minha Maria. A minha irmã, sempre a mais nova, teve tempo de ler duas cartas porque entretanto foi encontrada pela nossa mãe, nesse delito de inconfidência, as cartas, com os segredos desses namorados, terão sido queimadas ou bem escondidas, o que se sabe é que não mais foram encontradas.

Esta é a minha homenagem singela, que se me permitem os meus camaradas, presto a estes dois guerreiros que lutaram até ao limite das suas forças, pelo futuro dos filhos, e que a todos deixaram uma herança tão grande em valores humanos: honra, honestidade verticalidade, companheirismo, dedicação e solidariedade .

Um abraço.
Francisco Baptista
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OBS: 
- Foto editada por CV
- Título do poste da responsabilidade do editor 
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14648: Meu pai, meu velho, meu camarada (46): O meu avô, cruz de guerra de 1ª classe, esteve na I Grande Grande, nas margens do rio Rovuma, norte de Moçambique.... Quando regressou, trouxe com ele um "filho da guerra", que seria mais tarde o meu pai, que eu sempre adorei e adoro (Jaime Machado, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70; membro do Lions Clube Lusofonia)

terça-feira, 28 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14938: (Ex)citações (287): Certa vez fui a Teixeira Pinto, e na estação dos CTT marquei dia e hora para telefonar para casa... A família reuniu-se em peso, reunida, ansiosa, à espera do telefonema... Mas eu não consegui lá voltar nesse dia e hora...A família ficou em pânico, como seria de imaginar (Leão Varela, ex-alf mil, CCAÇ 1566, Jabadá, Pelundo,Fulacunda e S. João, 1966/68)


Guiné > Região de Quínara > São João > CCAÇ 1566 (JabadáPelundo,Fulacunda e S. João, 1966/68) > "O meu pelotão. Eu, o dos óculos escuros,  entre os meus camaradas e amigos gurriéis Valente, à minha direita, e Matos, à minha esquerda. Foto tirada já em S. João, após mais uma patrulha de combate."

Foto (e legenda): © Leão Varela (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: CV]


1. Comentário de Leão Varela ( ex-alf mil, CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo,Fulacunda e S. João, 1966/68);

Carlos Amigos e Camaradas

Ainda a sondagem sobre  quem fez chamadas telefónicas da Guiné para casa. (*)

Passou-me em falso o período para responder... mas já agora ainda me atrevo a dizer que eu fiz uma e de uma estação dos CTT que não vi mencionada, Teixeira Pinto, estava eu, então, destacado no Pelundo com meu pelotão (o 1º pelotão da CCAÇ 1566).

Uma das nossas missões era patrulhar a estrada entre o Pelundo e Teixeira Pinto o que aproveitávamos para no caminho encher 2 ou 3 bidons de água para beber e tomar banho.

Certa vez, numa dessas deslocações fui até Teixeira Pinto onde alguém me informou da possibilidade de, por marcação do dia e hora, fazer na Estação dos CTT uma chamada para casa. Assim fiz. Marquei o dia e a hora...só que nesse dia - já não sei porquê - não me foi possível deslocar a Teixeira Pinto. Como em casa foram avisados de que eu ia telefonar,  toda a minha gente aguardava o telefonema, que não fiz, à volta do telefone. Parece que, ao não receberem nenhum telefonema meu,
 ficaram em pânico.

Por mim, voltei a marcar outro dia e lá consegui telefonar.. mas jurei para nunca mais pregar sustos desses à minha família.

Desta pequena história fica a mensagem de que em TEIXEIRA PINTO havia Estação dos CTT e o registo constante sobressalto com que as nossas famílias andavam por cá. (**)

Forte e amigo abraço para todos

Leão Varela

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14937: Sondagem: Resultados definitivos (n=152): cerca de 55% do pessoal nunca fez uma chamada telefónica para a metrópole... Admite-se que essa proporção fosse, na realidade, ainda maior

(**) Último poste da série > 23 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14925: (Ex)citações (286): Fiz um telefonema surpresa para o meu irmão, no dia e hora do seu casamento, em 16/10/1971, em Guimarães...Tive que marcar a chamada oito dias antes, na casa do régulo de Bula que servia de posto dos CTT... (António Mato, ex-alf mil MA, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14764: Filhos do vento (36): SIC, Jornal da Noite, hoje, 4ª feira, 18, 20h00-21h30; e revista do jornal "Público", domingo, 21: "Tivemos a felicidade de acompanhar o António Bento, que esteve em Angola entre 1973 e 1975, e era furriel, e ir com ele ao encontro do filho que ele nunca conheceu, deixou a mulher com quem viveu durante um ano grávida" (Catarina Gomes, jornalista)

1. Mensagem da nossa amiga Catarina Gomes,  jornalista do "Público", coautora da reportagem sobre os "Filhos do Vento" e "O Meu Filho Ficou lá"; filha de ex-combatente da guerra colonial (em Angola), escreveu o livro "Pai, tiveste medo ?" (Lisboa, Matéria Prima Edições, 2014):

Data: 16 de junho de 2015 às 10:19
Assunto: Reportagem Angola

Caro professor,

Tal como lhe tinha dito, desde a ida à Guiné a a reportagem dos "filhos do vento",  fiquei com vontade de contar uma história ao contrário, pelo lado de um pai de um "filho do vento". Tivemos a felicidade de acompanhar o António Bento, que esteve em Angola entre 1973 e 1975,  e era furriel, e ir com ele ao encontro do filho que ele nunca conheceu, deixou a mulher com quem viveu durante um ano grávida.

É dessa aventura que dá conta a reportagem que sairá publicada na revista do "Público", no domingo dia 21 de Junho, e no Jornal da Noite da SIC,  esta quinta-feira dia 18 de Junho.

Espero que a reportagem possa inspirar muitos pais a olharem para o passado e talvez a lembrarem-se que deixaram um filho para trás.

Aqui lhe deixo  os dados da conta  bancária da:

Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau (Fidju di Tuga)
Banco da África Ocidental em ligação à conta do Montepio em Lisboa.


114011010114

Um abraço
Catarina


2. Quinta-feira, dia 18 de junho, no 'Jornal da Noite', SIC [20h00-21h30], 

Grande Reportagem SIC: "O meu filho ficou lá" 


Sinopse:

A Guerra Colonial levou milhares de soldados portugueses para África e deixou por lá muitas crianças sem pai, filhos de militares portugueses que acabaram as suas comissões de serviço e regressaram a Portugal. Há quem desconheça que por lá deixou um filho, há quem o esconda porque construiu uma nova família após o regresso e há quem nunca esqueça o que se passou.

Já na parte final do conflito, António Bento foi enviado, por dois anos, para Angola onde prestou serviço militar entre 1973 e 1975. Foi colocado no interior de Angola, na província de Luena, perto da fronteira com a Zambia.

Durante a comissão de serviço, António Bento apaixonou-se pela angolana Esperança. O soldado chegou mesmo a mudar-se e a ir viver para casa de Esperança, numa aldeia perto do quartel. Mas no início de 1975, a comissão de serviço termina e António Bento regressa a Lisboa pouco antes do filho de ambos nascer. O ex-combatente nunca esqueceu que se tinha despedido de uma mulher grávida.

A longa guerra civil em Angola e as dificuldades de comunicação com o interior do país foram algumas das barreiras que impediram António Bento de descobrir o paradeiro do filho. Mas nunca desistiu.

Hoje "Zito", o filho de António e de Esperança, tem 40 anos, a mesma idade de Angola independente. E só ao fim de 4 décadas pai e filho encararam-se, pela primeira vez, olhos nos olhos.

"O Meu Filho Ficou Lá " é a história de uma viagem ao interior de Angola e à emoção do primeiro encontro entre um pai e um filho. Uma 'Grande Reportagem' em parceria jornal Público /SIC.

Reportagem : Catarina Gomes
Ricardo Rezende (imagem e som)
Montagem: Ricardo Rezende | Rui Berton
Uma parceria jornal Público / SIC
Coordenação: Cândida Pinto
Direcção: Alcides Vieira | Rodrigo Guedes de Carvalho

Fonte: Cortesia de:

SIC | Ana Margarida Morais
Assistente Gabinete de Comunicação e Relações Externas

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sábado, 2 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14556: Blogoterapia (268): Vitórias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 28 de Abril de 2015:

A família junta o passado e o presente e perspectiva o futuro. 
Nesta foto estão os meus pais, irmãos, a minha mulher, a minha filha e sobrinhos, para além do Caramba. 
Três combateram na Guiné, um em Moçambique e o meu sobrinho prestou serviço durante o processo do referendo em Timor e mais tarde fez duas comissões no Iraque.
É a minha família mais chegada e quando estávamos todos era uma alegria. 

Um abraço a todos os camaradas
Juvenal Amado



VITÓRIAS

Sentado na enorme sala de espera das consultas externas do Hospital de Leiria, olho rostos, tento adivinhar o que se passa por detrás dos semblantes mais ao menos fechados...
Na sua maioria são gente para a minha idade e como o meu avô diria, eram rapazes do meu tempo.

Mas voltando aos “fregueses” da sala de espera, ponho-me a pensar que muitos dos homens foram combatentes, jovens, fortes, e hoje estão doentes, cansados das agruras da vida, saudosos daquele tempo em que afrontavam a vida como se nada lhes pudesse provocar beliscadura. Quantos estiveram na Guiné, Angola, Moçambique? Quantas esposas quanta madrinhas de guerra? Os progenitores são na esmagadora maioria uma recordação e uma saudade.
A saúde já não é a mesma e essa é que é a verdade indiscutível.

Há pouco tempo recebi a notícia de que o Silva dos Carvalhos estava a fazer hemodiálise e quando comentava o facto com outro camarada, fiquei a saber que o “Ermesinde” também está à espera de um transplante renal, o Narciso foi operado a tumor no cérebro, o Alfredo “estufa” teve um AVC e não sai da cama nem fala, também o “sacristão” esteve muito mal e isto para não falar nos que já nos deixaram.

Através dos semblantes dos utentes na sala de espera tento adivinhar o calvário que cada um está a passar por detrás do olhar absorto.
Quantos filhos e quantos netos terão? Quantas brigas, quantas derrotas e quantas vitórias, constarão na bagagem de cada um?
Os filhos e netos serão a sua vitória da vida sobre a morte?

Há dias assisti a um diálogo num filme que encerrava uma grande lição de vida.
Uma idosa judia, sobrevivente de um campo de morte nazi que ostentava a tatuagem de um número no braço e que estava muito doente, tinha ao redor da cama sete filhos, mais de uma dezena de netos e alguns bisnetos.
O médico disse – então tem aqui a sua família?
Ela respondeu, que sim e que aquela família, era a sua vingança sobre quem tentara aniquilá-la e através dela, toda a sua descendência. A prole tão numerosa era a sua vitória sobre os sofrimentos que lhe tinham infligido.

Fiquei a remoer nas suas palavras pois elas eram um grito de vitória, não em forma de batalha ou guerra ganha, mas sim em forma de sobrevivência e de prolongamento do seu nome, quando tudo tinham feito para lho apagar.

Em Monte Real também soube que alguns camaradas não estavam na sua melhor forma, mas mesmo assim ali estavam também a celebrar outros tempos, novas e velhas amizades. Alguns levaram esposas filhos e netos. Estarmos ali, foi celebrarmos uma vitória onde só a vida e a paz podem e devem ser vencedoras.

Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14555: Blogoterapia (267): Num Ápice, fico Anestesiado, a Mente o Obriga (Mário Vitorino Gaspar)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14166: Notas de leitura (672): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (4): Como era Alcobaça nos tempos dos primeiros Coelhos

 


1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex- Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica mais um apontamento, ainda dedicado a Alcobaça.



Parte IV

Que figuras notáveis: - É o tempo de (entre outros) Manuel Vieira Natividade (que nasceu em 1860 no Casal do Rei), do Dr. Brilhante, do Dr. Décio Sanches Ferreira, de António de Sousa Neves. Joaquim Ferreira de Araújo, que em 1878 é o fundador da Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça, é também figura de destaque na sociedade alcobacense.

Que qualidade de vida: - O estado moral e intelectual da maioria moradores era baixo.
Em geral não eram letrados e o pouco tempo livre, depois das suas duras ocupações diárias, era passado em tabernas.
Quem tinha posses, ou necessidade de viajar, apanhava os carros da Mala Posta, na Rua D. Pedro V. Uma viagem à Batalha, com partida de diligência, frente ao Hotel Alcobacense, demorava duas horas e custava 3.000 réis (3$000).


O Asilo da Infância Desvalida de Álvaro Possolo prestava serviços humanitários e dava assistência às crianças. Desde 1888 funcionava a Associação dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, de que foi 1.º Comandante Manuel Vieira Natividade.



O Hospital da Misericórdia de Alcobaça, inaugurado em 15 de Agosto de 1890, passa por grandes dificuldades económicas em 1900.


Em redor do coreto do “Rossio” já havia 22 candeeiros com luz eléctrica.
Em 30 de Abril de 1899 as gentes de Alcobaça viram passar pela primeira vez um automóvel!

Que hábitos: - Só nas famílias abastadas havia alguma convivência entre senhoras e meninas, através de reuniões em casa de uns e de outros.

Nas classes mais elevadas os homens, depois do trabalho, iam para as boticas e não é difícil adivinhar quem frequentaria os saraus literários, o teatro e os bailes de máscaras.


Nas classes baixas os homens trabalhavam de sol a sol, faziam umas “libações” no “pós-laboral” e seguiam para casa normalmente “entornados” onde os esperavam as mulheres e os filhos, eventualmente candidatos a uns sopapos para “animar” o serão! As mulheres tinham filhos, criavam-nos como podiam e, sempre que tinham algum tempo disponível, “faziam meia“ e juntavam-se para conversar. Para “teatro” bastavam-lhes as “comédias” e os “dramas“ diários, embora um grupo teatral alcobacense – Grupo Dramático Villa Nova – tivesse conseguido grande aceitação junto de uma população menos favorecida mas, nem por isso, menos ávida de conhecimento.

E os nossos COELHOS?

No “moinho do Couto” trabalhava-se bastante. A roda vertical, exterior ao edifício, era movimentada dia e noite, pelo rio.


A moagem funcionava no piso térreo e a habitação era no primeiro piso. No piso térreo, iluminados por uma pequena janela, alinhavam-se quatro pares de mós, duas para o trigo, talhadas em calcário (as alveiras) e duas para o milho, talhadas em granito (as segundeiras)

E nos primeiros anos do novo século chega ao fim a vida do “Casal Fundador". Em 1901 morre a “Avó” ROSA MARIA, de que infelizmente pouco se sabe.)

É o ano em que chegaram a Alcobaça os refugiados boers da Guerra do Transvaal).

E cinco anos depois, em 1906, deixa o mundo dos vivos o Avô Porraditas com 80 anos de idade. Uma vida de trabalho e canseiras iniciada ao som dos assobios dos búzios de barro presos nas espias das velas brancas de linho dos Moinhos de Alqueidão da Serra e terminada junto às águas calmas do Rio Alcoa, em terras de Santa Maria de Alcobaça.


Os “sete magníficos” começam a voar sozinhos, ou melhor, porque são COELHOS ganham direito às suas raízes... enfrentando a vida sem desfalecimentos – a maioria deles à martelada porque... trabalham a arte do ferro... e são bons no seu ofício.

Serralheiros e, nos intervalos, bombistas: Quatro irmãos (o Joaquim, o Zé “Preto”, o Júlio e o António “Russo” ), hábeis serralheiros, com oficina na Rua Frei Estêvão Martins, viveram intensamente os tempos conturbados do assalto ao Quartel em Janeiro de 1919.


A página 137, do livro de Bernardo e Silvino Villa Nova, “Breve História de Alcobaça” é referido que em 11 de Janeiro de 1919, civis armados, auxiliados por oficiais revoltosos de Regimento de Artilharia 1, aquartelado em Alcobaça, tomaram posse do quartel, prenderam o Comandante e alguns oficiais e seguiram para Santarém, principal núcleo do movimento revoltoso.

No dia 13 seguinte, encontrando-se Alcobaça desguarnecida, entrou nela tropa de Infantaria 7, fiel ao Governo, tendo-se seguido a prisão de largas dezenas de pessoas... e até 24 do mesmo mês viveu-se um regime de terror, com violação de domicílios e atropelos vários.

Pois também os quatro irmãos da nossa história e a sua oficina estivaram na mira das forças da ordem de então por terem sido denunciados por inimigos políticos. Eram acusados do fabrico de bombas para a revolução.

Foi um elemento da GNR, que no final da busca, certamente cansado, enfarruscado e desiludido por nada ter encontrado que proferiu a frase que veio a tornar conhecida a oficina dos 4 irmãos:
- Que oficina danada!...


Quanto às bombas elas estavam lá perto, dentro de um cesto que, preso por um arame, estava mergulhado nas águas escuras do Rio Baça que passava nas traseiras da oficina.


Se têm aberto a janela enferrujada das traseiras e puxado o arame estes nossos parentes teriam ido mesmo presos. Parafraseando a histórica expressão do soldado da GNR tiveram uma sorte danada!... O dia a dia da oficina era duro, trabalhando-se de sol a sol, recebendo-se à semana por conta das obras encomendadas.


Vestiam fatos de ganga, fechados até ao pescoço, e protegiam a cabeça com bonés com pala de oleado.

Pela ordem natural das coisas estes nossos COELHOS da primeira Geração vão envelhecendo junto dos COELHOS da segunda geração, que se fazem à vida desfrutando... novos tempos... num Portugal e numa Alcobaça um pouco melhor da que tiveram seus Pais e Avós.
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Notas do editor

(*) Poste anterior de 14 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14149: Notas de leitura (670): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (3): Como era Alcobaça em 1890

Último poste da série de 19 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14163: Notas de leitura (671): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14149: Notas de leitura (670): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (3): Como era Alcobaça em 1890

 


1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex- Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica mais um apontamento, este dedicado a Alcobaça.


Parte III

Que população e que administração:

Em 1890 a vila tinha cerca de 1700 habitantes enquanto o concelho de Alcobaça tinha 33.039.
No mesmo censo são “contados” para o distrito de Leiria 250.154 habitantes.


São Presidentes de Câmara nos primeiros anos do novo Século, Vitorino Avelar Fróis (2-01-1900 a 31-08-1900) e José de Almeida e Silva (01-09-1900 a 1-01-1902).

O edifício da Câmara funcionava num prédio de gaveto no Rossio com a Travessa da Cadeia.

Que militares:

Nos antigos Claustros do Rachadouro estão instalados os Regimentos de Cavalaria 9, Artilharia 1 e, mais tarde, Cavalaria 4.


“Cavalaria 9” foi o primeiro regimento a instalar-se na vila – em 1884 – tendo permanecido em Alcobaça cerca de 15 anos.

Que indústrias:

No início do século XX com as fábricas a laborar em pleno e a agricultura florescente regista-se um surto de desenvolvimento.


A Fábrica de Fiação e Tecidos, de Joaquim Ferreira Guimarães, onde chegam a laborar 1000 operários por dia (em turnos - com 500 teares e 14.000 fusos), a Fábrica de Papel na Casa do Engenho (de Manuel dos Santos Silvério e Joaquim Silvério Raposo), a Fábrica de Louças de José Reis (1875), a Fábrica de Compotas e Conservas de frutas de Manuel Natividade e Araújo Guimarães (Natividade & C.ª) -1887 - e ainda... moagens, serralharias, oficinas de carruagens, cordoarias, etc.

Que comércio:

No espaço em redor do Mosteiro abrem vários estabelecimentos comerciais: sapataria de Manuel Ribeiro Maranhoso, farmácia de Manuel Vieira Natividade, casa comercial de Narciso Monteiro, estabelecimento de João Ferreira da Silva, loja de ferragens e drogaria de José Maria Furtado Santos, mercearia de António Lúcio Taveira Pinto, farmácia de Marques da Silveira, sapataria de João Elias d’Oliveira, etc.
Também na Praça D. Afonso Henriques se estabelecem vários comerciantes.
O Hotel Alcobacense funciona na Rua Frei Fortunato.

Que vida social, que distracções:

Saraus literários, sessões políticas, bailes de máscaras pelo Carnaval e Mi-Carene.


Touradas na Praça da Rua Afonso de Albuquerque, de Vitorino Avelar Fróis. A construção da Praça teve lugar em 1899.

Que cultura:

No antigo Refeitório do Mosteiro funciona o Teatro Alcobacense (inaugurado em 1840) onde são levadas à cena comédias, dramas, operetas, ópera e revistas pelas melhores companhias do País.


Desde 1887 que havia um Coreto Municipal.
O Clube Alcobacense, detentor de uma excelente biblioteca, funciona desde 1889. Aliás o Gabinete de Leitura, que tinha sido fundado em 1875, chegou a ter 5000 volumes para uso dos seus sócios.

Que Imprensa Local:

O primeiro jornal a ser publicado é o “Correio de Alcobaça”, que é fundado em 1889. No ano seguinte – em 1890 – saiu o primeiro número da “Semana Alcobacense” que se veio a publicar durante 33 anos…


Há ainda registo de uma revista chamada “Perfis”, que também foi editada no mesmo ano, e de que só teriam sido publicados 5 números.
Em 26 de Maio de 1891 surge o jornal “De Alcobaça”, que tem uma actividade regular durante cerca de 5 anos.
O “Noticias de Alcobaça”, de que é Director Guido Coelho da Silva, imprime os seus primeiros números em 1899 (tem vida longa e meritória, com tiragens até 1932).
E quem é que lê os jornais desse tempo? Com toda a certeza poucos leitores pois o analfabetismo no País rondava os 78,6% numa população de 4.231.336 habitantes!


Parece-nos oportuno referir que a Escola Adães Bermudes, na Roda, só vem a ser instalada em 1907.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 8 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14130: Notas de leitura (667): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (2): Portugal é uma monarquia sem monárquicos

Último poste da série de 12 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14142: Notas de leitura (669): “Guiné 1968, o regresso dos heróis”, por Domingos Gonçalves, edição de autor, 2001 (Mário Beja Santos)