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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10696: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte III): Um operação com baixas de um lado e outro (2ª sequência): uma evacuação em helicóptero Alouette II


Foto nº 20


Foto nº 19


Foto nº 14


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 8



Foto nº 7



Foto nº 9



Foto nº 10


Foto nº 11



Foto nº 12

Foto nº 1


Foto nº 1  (do lote "Guerrilheiros mortos" )



Foto nº 2 (do lote "Guerrilheiros mortos" )


Guiné > Região de Tombali > Guileje > > CCAÇ 726 (out 64/jun 66) > s/d > Uma "operação militar"... Segunda (e última)  parte... 

Não se percebe, na ausência de legendas, se o burro ou mula é um despojo de guerra (foto nº 20). Sabemos que nessa época o PAIGC usava animais de carga para transporte de armas e munições, nomeadamente no norte da Guiné (região do Oio). A foto nº 20 sugere "partilha de despojos", depois de um bem sucedido assalto ao objetivo (*)... 

A foto nº 19, tudo indica que seja de um guerrilheiro morto nesta operação. Já as outras duas fotos (nº 1 e 2) do lote "Guerrilheiros mortos", não temos a certeza se dizem respeito a esta operação... É muito provável até que não. Por outro lado, não é nossa intenção chocar ou melindrar os nossos leitores mais sensíveis: é bom não esquecer que estávamos em guerra, e que há alguns fotográficos de camaradas nossos que documentam esse facto...

Também não temos a certeza se todas as fotos dizem respeito à "mesma" operação... As fotos nºs 5,6,7,8, 9, 10, 11 e 12 formam uma sequência lógica e cronológica: houve pelo menos um ferido (, africano, provavelmente milícia,) das NT, ferido esse que é levado em maca improvisada até a uma clareira na mata (fotos nºs 5 e 6), esperando a chegada de um heli; o local para o heli pousar em segurança  é devidamente sinalizado por granada de fumos e panos vermelhos (fotos nºs 7,8, 9 e 10); a seguir, um outro ferido (que parece ser um soldado metropolitano), é  levado às costas (foto nº 11), e colocado numa espécie de maca afixada na parte lateral esquerda do heli, um AL II, portanto do lado de  fora, e evacuado  para o HM 241 (Bissau) (foto nº 12).

 É-nos mais difícil perceber o que se passa na foto nº 14 (abertura de uma cova ?) e sobretudo na foto nº 1 (restos humanos ? material do IN escondido ?). (LG)

Fotos: © Alberto Pires (Teco) (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento. [Editadas por L.G.]. Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Alberto Pires, mais conhecido por Teco,  natural de Angola, ex-fur mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)... A companhia esteve em Guileje entre Outubro de 1974 e Junho de 1966. Ocupou Mejo e mantinha lá um destacamento em 1965 (*).

As fotos que estamos a publicar pertencem a um lote que o Teco pôs à disposição do Núcleo Museológico Memória de Guiledje e do nosso blogue (são mais de 60 fotos). Não trazem legenda, mas estão agrupadas por temas: (i) CCAÇ 726 (Guileje); (ii) construção de abrigos (Guilje); (iii) destacamento de Mejo; (iv) operação militar; e (v) guerrilheiros mortos (neste caso, são apenas duas as fotos disponibilizadas)...


Estas fotos que publicamos hoje, têm a ver com uma "operação militar" (não se sabe onde nem quando, de qualquer modo só pode ter decorrido  entre 1964 e 1966,  durante a comissão da CCAÇ 726, numa  época em que ainda se usava o capacete de aço). São 20 imagens no total, numeradas de 1 a 20, e que foram todas editadas por nós, com vista à melhoria da sua resolução e qualidade. 

Não sabemos qual a ordem lógica e cronológica destas 20 fotos, pese embora a sua numeração. Presumimos que as NT partiram de Guileje, e progrediram até um objetivo IN (*). Houve contacto, mortos e feridos, helievacuações, destruição de uma tabanca (ou acampamento temporário: parece-nos mais verosímil ser uma tabanca, uma vez que há estruturas de adobe, paredes, cobertura de capim...).

Nesta segunda sequência mostra-se o resto das fotos, incluindo uma notável sequência de uma helievacuação: na época, 1964/66, ainda não havia o heli Alouette III, apenas o II (**)... Não sabemos se o contacto havido na altura com o IN, aconteceu  no assalto ao objetivo ou no regresso a Guileje. 

Peço tanto ao Teco (que esperamos venha a aceitar o nosso convite para integrar formalmente a nossa Tabanca Grande, e que tem um fabuloso álbum fotográfico sobre a Guiné, estimado em 500 fotos)  como ao Carlos Guedes (, nosso grã-tabanqueiro, e também camarada do Teco na CCAÇ 726), que nos ajudem a esclarecer esta e outras dúvidas.  

De qualquer modo, são imagens, muito sugestivas, que valem por si e que nos ajudam a recordar muitas das nossas operações efetuadas nas difíceis condições do teatro de guerra da Guiné.

_________________


Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10690: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte II): Um operação com baixas de um lado e outro (1ª sequência)

(**) Sobre o Alouette II vd os seguintes postes:





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968).

Fotos: © Alberto Pires (Teco)./ AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.



7 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5420: FAP (38) : O helicóptero Alouette II ou uma arrepiante viagem na 'montanha russa' até ao HM 241 (Jorge Félix)


(...) Como o teu Blogue, já nosso, tem antes de mais, a qualidade de recordar para tratar, vou falar do Heli onde aprendi a pilotar os "zingarelhos" e está numa foto deste P5417. A foto do Alberto Pires [Teco] era a BW [preto e branco] e eu dei-lhe uma coloração para se perceber melhor.

O heli era o Alouette II (dois). O que está na foto [, acima,] já tem rodas, os que conhecia eram todos com Patins. Nesta altura, os feridos eram transportados no "caixão" que eu destaquei a amarelo. Podes imaginar como arrepiante seria vajar, amarrado e bem amarrado, naquele cubículo do lado de fora da carlinga...

Cada um de nós teve o pior da guerra, (eu felizmente tinha whisky servido de bandeja à chegada na placa), mas um ferido evacuado num Heli Al II, deve ter tido a pior experiência da sua vida.

Como é que de um Blogue tão extenso fui dar importância a este pequeno acontecimento? (...)


23 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970

(...) "A partir daí a guerra na Guiné estava instalada e assim que foi possível fomos colocadas na Base de Bissalanca, para o início das evacuações aéreas com enfermeiras. Havia os aviões Auster e os helicópteros Alouette II; nestes não nos era possível acompanhar de perto os feridos, os quais eram transportados fora do helicóptero, numa espécie de caixas colocadas por cima dos patins do heli, uma de cada lado. Nos Auster a maca quase entrava pela cadeira ao lado do piloto e na cauda do avião. 

"Felizmente mais tarde chegaram os DO-27 e os Alouette III, onde passámos a fazer inúmeras evacuações, adaptando e modificando os meios sanitários e a nossa actuação, com a finalidade de uma mais eficaz prestação de cuidados aos feridos, os quais iam sendo cada vez em maior número. Infelizmente tivemos que chegar a fazer evacuações no Dakota, quando havia ao mesmo tempo muitos feridos e a pista era adequada para a sua aterragem." (...) 

Vd. também Wikipedia > Aérospatiale Alouette II (em português)

(... ) O Alouette II é um helicóptero ligeiro, produzido, sob diversas versões, pelo construtor aeronáutico francês, SNCASE, que em 1957deu origem à Sud Aviation, em 1970 à Aérospatiale, em 1992 à Eurocopter e que em 2000 passou a integrar a EADS (...)

Foi o primeiro helicóptero do mundo, motorizado com turbina a gás a ser certificado para voo.

As versões militares eram usadas essencialmente em, fotografia aérea, observação, salvamento marítimo. ligação e treino. Na parte civil era usado essencialmente na evacuação médica principalmente em grande altitude, tirando partido do seu motor de turbina. (...)

sábado, 6 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10490: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (3) (José Martins)

Todos fomos INFANTES: 
Infantes na Idade; 
Infantes no Esforço; 
Infantes no Combate; 
Infantes na Nobreza, 

Somos soldados mal-amados, não só depois de mortos, mas ainda em vida!
 
Monumento de homenagem AO VALOR DO INFANTE, em Mafra


Os que caíram pela Pátria!

Os soldados não morrem, apenas tombam no campo da honra!

Desde o inicio desse ano de 1961 que, ano após ano, Portugal mobilizou o seu povo para, de armas na mão, dar combate a movimentos de libertação que a 4 de Fevereiro de 1961, em Angola; a 23 de Janeiro de 1963, na Guiné; e em 24 de Setembro de 1964 em Moçambique, iniciaram a luta armada pela sua libertação.

Embarque de militares para África. Lisboa> Cais da Rocha Conde Óbidos> 18 de Agosto de 1965> Embarque, no T/T Niassa, do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades para o TO Guiné. 
© Foto: Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados. 


Seguem-se treze anos de incertezas e ansiedade, resultado de uma guerra, que a principio foi denominada como “acção de polícia”, que fez deslocar para África mais de 800.000 militares, na sua maioria milicianos, além de muitos recrutados nos próprios Teatros de Operação, africanos e europeus, tendo sido contados, no final da guerra, mais de 9000 efectivos tombados, não estando incluídas neste número as populações atingidas por actos de guerra ou efeitos colaterais. Quando os primeiros efectivos foram mobilizados e partiram para Angola, era provável que a “possibilidade de morte em combate” não estivesse na mente dos militares, em especial os conscritos – militares do serviço obrigatório – porque “ainda andavam no ar” as notícias e as fotos dos massacres iniciais, assim como a “promessa” de rápida resolução da revolta.

Falavam que o inimigo da Pátria estava muito mal armado, dispunham apenas de catanas e algumas, poucas, armas de caça. Bastava a tropa aparecer, mostrar-se no terreno e os terroristas fugiriam a bom fugir.

Deixando o perímetro urbano, as unidades encarregadas da reocupação e restabelecimento da ordem nas zonas sublevadas, defrontam-se com as primeiras “contrariedades” da situação de guerra.

Lançada a operação, não havia possibilidade de “voltar atrás”. As primeiras contrariedades, humanas, foram levantadas pelas doenças originadas, ou pelo clima, ou pelas águas utilizadas ou pela alteração drástica da forma de alimentação, mas, também, devido à exaustão pelo esforço dispendido; havia também que ter em conta os ferimentos contraídos nos trabalhos de recuperação das vias. Os doentes e/ou os feridos “entravam de baixa” e seguiam nas viaturas, uma vez que não existiam meios aéreos para proceder a evacuações e, muito menos, podiam dispensar viaturas e homens, para os fazer regressar ao ponto de apoio mais próximo. Só os mais graves eram evacuados.

As estradas/picadas estavam obstruídas, ou por abatines ou por valas, o que levava à intervenção da Engenharia, enquanto a Infantaria procedia à segurança das forças empenhadas na recuperação das mesmas, o que causava atrasos no execução das missões traçadas e planeadas para rapidamente atingirem os objectivos.

Cemitério Militar de Bissau – Talhão Central 
© Foto: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (DR)

Mas os rios também apresentavam as suas dificuldades. Para que fosse possível a sua travessia/cambança, era necessário reparar e/ou reforçar as pontes, ou mesmo construir novas pontes de raiz. No entanto, tudo isto fazia/faz parte das operações militares que, no início da última das campanhas portuguesas em África e, como guerra que era, custou os muitos mortos nas fileiras dos últimos Soldados do Império.

Ao surgirem os primeiros tombados em campanha, há que dar destino aos corpos dos combatentes, pelo que se aplicaram as normas seguidas durante a I Grande Guerra e durante os anos em que Portugal permaneceu nas suas possessões: sepultar os corpos na território em que ocorreu o óbito, numa campa devidamente identificada, no cemitério da localidade mais próxima da unidade, sendo a mesma unidade responsável pela sua manutenção, o que muitos de nós pudemos verificar aquando da nossa passagem por aquelas terras. Alguns, devido a causas várias, tiveram que ficar em campas isoladas no local em que tombaram.

As famílias tinham, porém, a opção de fazerem trasladar os corpos dos seus entes queridos para serem inumados junto dos seus antepassados, desde que o requeressem e se, cumprindo determinadas regras, para o que foram sendo difundidos diversos documentos.

O Exército assume o encargo de trasladar as ossadas dos militares, cinco anos após o seu enterramento, mesmo quando a trasladação fosse pedida pela família, de acordo com a Circular n.º 5/PJ, da 1.ª Repartição do Estado-Maior do Exército, de 27 de Fevereiro de 1961. Para que tal fosse possível, as famílias teriam que apresentar requerimento e efectuar um depósito de uma caução, variável entre dez a quinze mil escudos, podendo ser substituída por declaração de entidade ou pessoa, considerada idónea pelos serviços militares, para assumir o encargo das despesas.

Em Novembro de 1961, assume, também, o encargo das diligências com o desembaraço alfandegário dos corpos e o transporte dos mesmos para a Capela do Hospital da Estrela, em Lisboa, onde os mesmos seriam entregues à família, que se encarregaria do seu transporte e sepultamento.

Por despacho do Subsecretário de Estado do Exército de 28 de Fevereiro de 1963, passa a garantir o transporte gratuito dos corpos, em navios fretados, sendo as despesas por conta da família, a partir do cais de desembarque.

Porém, no mês de Março de 1963, novo despacho do Subsecretário de Estado do Exército, passa a facultar a utilização dos barcos fretados para a trasladação das ossadas ou corpos dos militares que fosse feita por iniciativa das famílias.

Trasladação de restos mortais de militar. 
© Foto José Martins

Nova circular, de 15 de Junho de 1965, estabelece que a trasladação dos corpos de militares falecidos terá de ser a pedido da família e por sua conta, mediante caução a indicar pelo Depósito Geral de Adidos. Facilitava o transporte gratuito das urnas, em navios fretados, garantindo também o desembaraçamento alfandegário das mesmas e o transporte até à capela do Hospital Militar Principal, à Estrela, em Lisboa. As famílias podiam pedir o transporte gratuito, para as suas localidades, dependendo a sua atribuição das disponibilidades da instituição militar.

A 4 de Fevereiro de 1966, cinco anos após o início da guerra, são aprovadas as “Normas Reguladoras de Trasladações de Ossadas Militares”, que estabelece a gratuitidade do transporte das ossadas dos militares falecidos no Ultramar, para a Metrópole ou Ilhas Adjacentes, quer a trasladação fosse solicitada pela família ou por iniciativa do Exército. Neste último caso, previa-se que a remoção fosse feita para um Ossário Militar Central, em Lisboa, ou para Ossários Militares a construir em cada uma das Províncias Ultramarinas.

A publicação do “Regulamento das Trasladações”, em 2 de Março de 1966, visou reunir todas as disposições sobre esta temática, aplicando-se a todos os restos mortais dos militares falecidos ou inumados no Ultramar. O Exército garante o transporte dos corpos e ossadas, assim como os encargos pela obtenção de toda a documentação necessária para o efeito, desde o território onde o militar tenha tombado, até Lisboa, assim como o transporte até ao local de enterramento indicado pela família. O transporte dos corpos ou ossadas, será efectuado por transporte militar ou fretado. Se fosse desejo da família e/ou a pedido desta, esse transporte poderia ser efectuado nas carreiras regulares existentes, tendo de depositar as verbas de 1.953$50 no caso da Guiné; 2.990$00 para Angola e 5.520$00 de Moçambique. O requerimento deveria ser apresentado ao Ministro do Exército, e ser acompanhado por documento emitido pela autoridade que superintendesse na administração do cemitério – Município, freguesia ou outra entidade – comprovando que estava assegurado local para depósito do corpo do seu familiar.

Das normas referidas anteriormente, até 4 de Fevereiro do 1966, embora nos pareça que não estivesse a ser “cumprida na totalidade”, constava a obtenção de declaração de responsabilidade da despesa que fosse necessária para a trasladação das ossadas e corpos, caso a família os reclamasse. Esta questão foi, em muitos casos contornada pelas unidades que, aquando de algum infausto acontecimento, todos os elementos se prontificavam a participar, proporcionalmente ao seu vencimento ou pré, nos custos da trasladação.

Era preocupação constante do Exército, pela literatura consultada, tratar com toda a dignidade possível os corpos dos militares “Tombados na campo da honra”. Antes do embarque, a cada militar teria sido entregue uma chapa de identificação, em metal - porém nem todos a receberam – no formato redondo, que deveria ser colocada ao pescoço com uma corrente metálica, “picotada a meio”, contendo em cada metade o número de identificação ou número mecanográfico assim como o último nome.

A metade superior, da chapa de identificação, acompanharia os restos mortais do militar, enquanto a “segunda metade” seria colocada na urna, para identificação. Também seria efectuado o registo do local de sepultamento, assim como a movimentação do corpo, a fim de haver uma noção exacta da sua localização.

As causas, que originaram os 8290 militares tombados em campanha [1], são mais vastas que as que se deparam na nossa vida quotidiana. Além dos riscos inerentes ao “estar vivo”, há a questão de, simultaneamente, se estar “em guerra”, o que também implica o manuseamento de armas, munições e explosivos.
 ____________

[1] – Dos tombados em campanha, de acordo com o 1.º Volume da Resenha Histórico Militar das Campanhas de África (1961-1974), páginas 264, 265 e 266, foram as seguintes as causas e números, nos três Teatros de Operações:

Angola

Em combate: 1306 militares = 40,09%;
Acidente com arma de fogo: 344 militares = 10,56%;
Acidente de viação: 860 militares = 26,39%;
Outras causas: 748 militares = 22,96%;

Total: 3258 militares = 39,3% no universo de 8290 tombados durante o conflito.
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Guiné

Em combate: 1240 militares = 59,90%;
Acidente com arma de fogo: 207 militares = 10,01%;
Acidente de viação: 153 militares = 7,39%;
Outras causas: 470 militares = 22,70%;

Total: 2070 militares = 24,98% no universo de 8290 tombados durante o conflito.
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Moçambique

Em combate: 1481 militares = 50%;
Acidente com arma de fogo: 234 militares = 7,90%;
Acidente de viação: 467 militares = 15,76%;
Outras causas: 780 militares = 26,34%;

Total: 2962 militares = 35,72% no universo de 8290 tombados durante o conflito.
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Totais nos 3 TOs

Em combate: 4027 militares = 48,58%;
Acidente com arma de fogo: 785 militares = 9,47%;
Acidente de viação: 1480 militares = 17,85%;
Outras causas: 1998 militares = 24,1%.
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A causa “outras causas”, onde se incluem as “doenças, afogamentos, agressões físicas, electrocussão, queda do cima de árvore, incêndio, explosão de combustíveis, ou outras”, era agravada com o facto dos militares se encontrarem em territórios em que, o clima era muito diferente do das suas terras de origem; a qualidade das águas, quer para a confecção da comida quer para beber, ou a mesmo destinada à higiene diária; os próprios alimentos, muitos dos quais produzidos na metrópole, entre eles os chamados “frescos”, e transportados para os territórios em guerra, que obrigava a muitos transportes e armazenagens, algumas das vezes em locais sem as condições mínimas; a maior ou menor resistência às situações de combate e, sobretudo, à angustia da espera ou a expectativa do “minuto seguinte”; a correspondência, único “elo de ligação” com o passado recente e com a família e amigos, era a diferença entre o “tudo ou nada” para um bom equilíbrio dos militares; o intervalo, irregular, que mediava a chegada ou a inexistência de correspondência, também podia desequilibrar mentalmente muitos dos nossos militares, mesmo sem a existência de notícias “menos boas”; neste grupo também se incluem os “acidentes” ocasionados com a actividade dum destacamento ou quartel, entre elas quedas e outros trabalhos. Também houve acidentes de aviação, com quedas de aeronaves ou causas fortuitas na entradas ou saídas das aeronaves, por locais não aconselhados, nomeadamente junto às hélices.

Outra causa que provocou baixas nas nossas tropas foram os “acidentes de viação”. Razões? Várias, naturalmente. Cabe aqui referir que, na maior parte das vezes, o Exército, dado ter sido a Ramo das Forças Armadas que mais militares empenhou nestas campanhas, não “olhou” muito para as qualificações/especializações civis dos seus recrutados, excepção feitas aos licenciados em medicina.

Hospital Militar de Bissau nos anos 70 

Mas, voltando à condução, e sobre esta matéria os próprios “especialistas militares” muito terão a dizer, já que para muitos deles, era a primeira vez que se sentavam aos comandos de uma viatura.

O “parque automóvel militar” era farto em marcas e modelos. A necessidade da existência de viaturas “a andar fosse em que condições fosse”, daí que a forma e comportamento das viaturas, assim como a maior ou menor condição e/ou comportamento do condutor, pudesse estar na causa dos acidentes, não esquecendo as condições das vias de comunicação, que variavam muitíssimo de local para local.

Mas havia outro tipo de acidentes: os “acidentes com arma de fogo”, cuja fronteira com falecimento/ferimentos em combate, é muito estreita e sujeita a classificações subjectivas. Dentro destes acidentes, muitos e variadas armas: além das espingardas “G3” ou “FN”, também existiam outras mais antigas e menos seguras, como a FBP, Walther, ou outras; as granadas de mão, ofensivas e defensivas, de morteiro ou de “bazooka”, com algum tempo de armazenamento, poderiam apresentar graus de maior ou menos segurança; armadilhas e minas, especialmente as minas montados pelo inimigo, e para cuja desmontagem havia prémios pecuniários, contaram para o número dos “atingidos”; os ”tiros inopinados”, também apontados com origem em suicídios ou homicídios, que só os próprios poderiam apontar as razões, consequências funestas, também, do “fogo amigo”.

Alpoim Calvão e o seu grupo de combate. 

Os “ferimentos em combate” que seria a causa que mais baixas provocava, quer em tombados directamente quer em consequência dos ferimentos obtidos nos combates, foi, sem réstia de dúvida, a que mais traumas provocou, dado que muitas vezes havia a “impotência dos enfermeiros de guerra” em fazer parar o “avanço do fim”, sendo a grande esperança, de todos, a descida dos céus dos Anjos da Guarda, em forma de Enfermeiras Pára-quedistas, visto que isto significava a evacuação para a retaguarda e a chegada de uma nova esperança.

A morte, por si só, já é traumática. Vejamos que, na actualidade, quando há um acidente, sejam quais foram as circunstâncias, as autoridades iniciam todos os esforços para a recuperação do corpo, “para que haja funeral e se possa fazer o luto”.

Esse sentimento de ausência, agravado pela chegada do fatídico telegrama de má noticia, sentiram muitas famílias, do lado de cá, mas também o sentiram os militares que foram privados da presença dos seus camaradas, e muitos tiveram de ser recolhidos, no campo de batalha, quando atingidos pela explosão das granadas ou minas e eram projectados para vários locais, como Luís de Camões descreve, como se tratasse de uma antecipação, nos primeiros quatro versos do Canto III, Estrofe LII de “Os Lusíadas”:

“Cabeças pelo campo vão saltando, 
Braços, pernas, sem dono e sem sentido 
E de outros as entranhas palpitando, 
Pálida a cor, o gesto amortecido.”

A preparação dos corpos e a sua colocação no ataúde, era feito pelos camaradas, alguns deles observando a morte pela primeira vez, e isto depois de aguardarem algum tempo pela chegada da urna, que eram “equipamentos” que não existiam no quartel das forças em quadricula.

Para o equilíbrio emocional dos combatentes, era necessário retirar os corpos do destacamento, o mais rápido possível. Também era necessário, e urgente, fazer chegar, tão breve quanto possível, para que a família fizesse o luto e o enterro, no Campo Santo da aldeia, vila ou cidade. Também era necessário proceder, com cuidado mas com urgência, a elaboração do competente “auto de morte em serviço”, para que pudesse ser atribuída à família - pais, esposa ou irmãos menores - a respectiva pensão de sangue que, muitas vezes, ia minimizar os problemas pecuniários da família que, privada de parte do salário que o militar auferia antes da sua incorporação, dependia da parte do pré que ficava na metrópole.

Cemitério com campas de militares 
© Foto: José Martins

Para haver luto, para haver funeral, para haver pensão de sangue, era “obrigatório” haver corpo. Talvez por isso, quando acontecia que, no final dum combate mais duro e que provocava, além dos feridos muitos mortos, mesmo que alguém tivesse sido “retido pelo inimigo”, ou numa linguagem mais terra a terra, ter sido feito prisioneiro, na ausência desse conhecimento e na impossibilidade de identificar os “restos mortais” dos tombados, eram “repartidos” pelo número dos que “não responderam à chamada”. Daí o ter acontecido que, quando os desaparecidos foram resgatados ou libertados, ao regressarem às suas terras de origem, se viram confrontados com a existência de campas em seu nome, que eram objecto de veneração das suas famílias e amigos. São as “malhas que o Império tece”, ou teceu.

Durante treze anos foram tomadas, quer pelos Governos quer pela Assembleia Nacional, medidas tendentes a levar a “bom porto” as politicas que iam implantando nos antigos territórios portugueses, enquanto os militares, cumprindo as sua comissões de serviços nas diversas possessões, davam tempo para que se resolvesse a situação pela via politica, até que o denominado Movimento das Forças Armadas, idealizado e executados por militares do Quadro Permanente e do Quadro de Complemento, originou a queda do regime nascido do Estado Novo, implantando um regime democrático no país.

Estava consumada uma operação militar, no território continental ou metropolitano, que abria as portas à “Descolonização e à Liberdade”

Militares na madrugada do 25 de Abril 
© Foto Google (DR)

Porém, o Dia da Liberdade, começou para muitos militares muito mais cedo. Na década de 50 do Século XX, o tempo de Serviço Militar Obrigatório era de 18 meses que, grosso modo, correspondia a seis meses de instrução básica e especialidade, acrescida de um ano de serviço efectivo. Muitos destes militares foram destacados, em missão de reforço, para os antigos territórios, onde foram surpreendidos com o início das hostilidades, hostilidades essas que já vinham dando sinais de evidência. Assim, os que foram “surpreendidos” pela mobilização com embarque aprazado “para os próximos dias”, partiram e regressaram mas já com as suas vidas adiadas. A sua mobilização, nalguns casos, tinha sido efectuada já com alguns meses de serviço efectivo e, ao voltarem, apenas tinham em mente recuperar o emprego que tinham deixado e recomeçar a viver. Falar da guerra? Não, muito obrigado, Era já passado e, para quê falar de “coisas” que, por não serem próximas dos interlocutores, seriam sempre de “duvidosa veracidade”, facto que ainda hoje perdura.

E o que acontecia a quem “estava na lista de espera”?
Só muito recentemente, e por muito incrível que possa parecer, só muito recentemente se “começou a falar disso!”.

A ideia transmitida “urbi et orbi”, em 1961 pelos governantes, é de que estaria para breve o “fim da guerra”, chegando a ser “anunciado o seu fim”, pelo que mais valia aguardar o correr do tempo. Assim, melhor seria, não fazer futurologia. Foi a ida, para todos, mas no regresso, faltaram alguns. Os que tombaram.

Mas houve, nestes regressos, algo estranho.

Dos que partiram muitos não regressaram e, muito provavelmente, nunca voltarão. Ficaram “perdidos” nas matas, savanas e bolanhas de África. Ficaram presos ao calor da terra, ficaram indelevelmente ligados ao fascínio daqueles povos. Antes da apresentação para o serviço militar, quais eram as motivações que estes jovens tinham? Que futuro, pós África, os esperava?

Os que trabalhavam no campo, Portugal tinha lavradores, sabiam que as colheitas dos anos seguintes não seriam feitas pelas suas mãos, Os que trabalhavam nas fábricas, Portugal tinha operários, sabiam que aquelas máquinas não seriam manuseadas, nos anos seguintes, pelas suas mãos.

Os trabalhavam nos escritórios das empresas, Portugal tinha empregados, sabiam que as contas não seriam escrituradas, nos exercícios seguintes, pelas suas mãos. Os estudantes nas escolas, Portugal tinha estudantes, sabiam que os testes, dos anos escolares seguintes, não seriam escritos pelas suas mãos.

Tinham o futuro suspenso e, caso tudo corresse bem, tinham um “afastamento do mundo” de cerca de três anos.

O regresso ao porto de partida – Lisboa 
© Foto UTW (DR)

Dos que partiram, nem todos regressaram ou regressaram precocemente, por razões diversas: o clima, a alimentação, a desidratação, o isolamento, a ansiedade e, até a falta de noticias da família; os acidentes de viação, a utilização e/ou o manuseamento de armas, em condições anómalas, ou quedas sofridas durante as operações ou nos serviços do aquartelamento; o rebentamento de minas e armadilhas, accionadas inadvertidamente aquando da montagem e/ou desactivação: a não resposta à chamada, durante alguma acção, de camaradas desaparecidos, nos rios ou nas matas, por se terem perdido ou terem sido capturados; os feridos em combate, atingidos por tiros, estilhaços de granadas e/ou rebentamento de engenhos explosivos, de que resultaram ferimentos graves e mutilações, quer nos atingidos quer nos camaradas próximos. Muitas destas razões provocaram a evacuação dos “atingidos directamente” para um posto de socorro de retaguarda e, nalguns casos, o regresso ao Teatro de Operações, mas para outra unidade, já que a sua ausência havia sido complementada por novas mobilizações.

“Mas quando alguém do nosso grupo cai, 
‘inda é pior, ‘inda sofremos mais. 
Faz-nos sentir, faz-nos pensar 
Talvez da próxima vez 
Seja eu, quem vai tombar!”

Versos ouvidos, repetidos, sentidos e sofridos por quem por lá andou.

A queda de alguém que “tombou no campo da honra” era, e ainda é, terrível não só por quem o passou directamente, mas de quem dele teve conhecimento, mesmo que indirecto e, por força da sua vivência de guerra, acabou por causar traumas, muito semelhantes, aos que foram atingidos directamente.

A guerra acabou, o tempo passou, a idade chegou!

O “fantasma dormente”, porque nunca tinha adormecido, resolve manifestar-se na sua plenitude, fazendo regressar o “passado” que se pretendia esquecido. A nossa vida passa a ser um turbilhão, uma roda-viva que não nos permite parar e não mais nos dá tréguas. No nosso subconsciente voltamos a envergar a farda, voltamos a partir no barco, tomamos a arma em nossas mãos e, para nosso mal, voltamos a viver o que já tínhamos vivido. Não era uma nova vida nem um regressar ao passado. Havia rostos novos. Havia locais não conhecidos e não identificados.

Há braços que se estendem na nossa direcção, mas não agarramos!
Há bocas que gritam, mas não conseguimos ouvir a sua voz!
Há corpos que se querem levantar, e não podem!
Há quem queira regressar, e não sabe o caminho!

Quem será que nos acena, quem será que nos chama, quem é que se quer levantar, quem é que não sabe o caminho? Quem será?

Cemitério de Gabú (antiga Nova Lamego) – Leste da Guiné 
© Foto: Revista "Combatente", edição 339, Março 2007, pág. 40

Só podem ser ELES, os nossos camaradas. Ficaram lá, na terra que já não é Portugal. São os Combatentes que querem “regressar a casa”.

A Liga dos Combatentes, através do seu programa da Conservação das Memórias, já localizou a maior parte dos corpos que por lá ficaram; em Lisboa existe local para os receber, na Cripta do Cemitério Militar do Alto de São João ou no Campo Santo das suas terras; as Normas aprovadas pelo Estado-Maior do Exército, não foram revogadas; a nossa vontade e o nosso desejo indómito de os trazer de volta, existem. Nem todos os que faltaram “à chamada” poderão voltar. Muitos não estão localizados, pois o tempo que passou, os locais onde foram sepultados alterou-se; muitos foram abraçados e arrastados pelas fortes correntes dos rios; outros ficaram retidos pelo inimigo e morreram no cativeiro; outros tombaram no terreno durante o combate, e os seus corpos não foram recuperados.

Não estão localizados, mas continuam presentes na nossa memória, e o seu esforço jamais será esquecido por nós, seus camaradas de armas que, infelizmente, cada vez mais, nós somos menos. Menos em tudo.

Mas o que é que aconteceu no tempo “pós guerra”? Qual foi a reacção do Povo Português face ao regresso dos seus membros “tornados militares”?

Enquanto da Grande Guerra o país assistiu à saída dos seus soldados que, ou foram voltando à medida que iam sendo dado como incapazes para o serviço e, apesar das muitas promessas nunca foram substituídos, viram regressar, os sobreviventes, num ritmo acelerado, mediando entre a partida e a chegada cerca de dois anos.

Na Guerra Colonial, depois de um “andar rapidamente e em força” para África, as unidades iriam, inicialmente para Angola, e de seguida para a Guine e Moçambique, e após, entre dezoito e vinte e quatro meses, seriam substituídas por novas unidades idas da metrópole, para que os substituídos regressassem. E tal foi o ritmo com que se procederam a estas partidas e chegadas, que se tornou “normal” o movimento registado no Cais da Rocha do Conde de Óbidos. De tal forma que só os familiares, mais próximos, e os amigos chegados, se apercebiam “destas viagens”, excepção apenas para as comunidades aldeãs do interior. A partida e a chegada, dos militares das unidades mobilizadas, mediavam cerca de vinte e quatro meses, mas entre os primeiros e os últimos soldados a partir e a regressar, mediaram catorze anos.

Depois do apontar destas diferenças, e do facto de em 1919 as forças políticas serem “uma continuidade no tempo e no espaço”. Em 1974 houve a substituição do Governo por uma Junta de Salvação Nacional, mas e curiosamente, formada por militares e antigos combatentes. Mas soprava, e soprava com muita força, “um vento de mudança” que alterou radicalmente os festejos à recepção dos soldados regressados da França, para gritos de “fascistas e colonialistas” vertendo sobre os últimos dos “últimos Soldados da África”, a raiva contida e, nesse momento incontida, por um regime ditatorial. Os soldados eram da mesma massa; os objectivos eram e foram a defesa das colónias; só os tempos tinham mudado.

O Movimento Nacional Feminino, com defeitos para uns e virtudes para outros, era uma organização que conhecia, quer na metrópole quer em qualquer um dos teatros de operação, o pensar e as necessidades das famílias e dos militares. Começou em 28 de Abril de 1961 e, terminou, com a revolução de Abril em 1974. Muita falta fez na assistência, não só aos militares que ficaram com deficiência, mas também às suas famílias. Ninguém estava preparado para o tempo que se seguiu, e dura ainda, Foi como a Cruzada das Mulheres Portuguesas, organização criada em 20 de Março de 1916, formada por senhores ligadas ao poder político, e que se dedicou a formar e/ou preparar, as suas voluntárias, para actuarem como enfermeiras, não só na retaguarda como junto aos Hospitais de Sangue do CEP.

Local onde se respira, Lealdade, Heroicidade, Memória e Saudade. Cripta dos Combatentes – Alto de São João - Lisboa 
© Foto José Martins

A Cruzada criou um Instituto de Reeducação de Mutilados de Guerra, para acompanhar e assistir os soldados mutilados e feridos na sua recuperação; teve a seu cargo a educação e apoio escolar de 285 órfãos de guerra, rapazes e raparigas, tratando da sua integração na sociedade; este movimento só foi extinto em 1938, dezanove anos depois da guerra terminar, tendo o seu património transferido para a então Liga dos Combatentes da Grande Guerra.

No que respeita a perpetuação da memória e do esforço dos militares que participaram na Grande Guerra, tombados no Campo da Honra, o Governo promove a trasladação dos corpos de dois soldados tombados, um em Moçambique e outro na Flandres, decisão inscrita no Diário da Câmara de Deputados, em 18 de Março de 1921, a inumar na Sala do Capítulo da Batalha, em cerimónia militar e nacional, a realizar em 9 de Abril do ano seguinte.

Também, em 3 de Dezembro de 1921, foi constituída a Comissão dos Padrões da Grande Guerra que, ao longo de 25 anos, acompanhou a construção de muitos padrões erigidos aos combatentes tombados, erigidos pelas autoridades concelhias e pelo povo de norte a sul da país, ilhas adjacentes e diversos locais nas colónias, colocando o nome dos seus conterrâneos que haviam partido e por lá haviam ficado.

Quanto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, a ideia da sua construção foi lançada em 29 de Janeiro de 1987, no 13.º ano após o fim da mesma, vindo o mesmo a ser inaugurado, junto ao Forte do Bom Sucesso, em Lisboa, no dia 15 de Janeiro de 1994, ou seja quase vinte anos após o fim da guerra. Nesse mesmo ano foi efectuado o 1.º Encontro Nacional de Combatentes, que se tem realizado, anualmente, no dia 10 de Junho de cada ano.

Logo no 1.º Encontro, foi encarada a ideia de colocar, nas paredes do forte que rodeia o monumento lápides, tendo inscritas o nome de todos os militares que tombaram em África, nas últimas campanhas, o que veio a acontecer, tendo as mesmas lapides sido inauguradas na manhã do dia 5 de Fevereiro de 2000, ficando todo o envolvimento monumental completo, seis anos após a inauguração.

Com a Bandeira Portuguesa, apertada contra o peito. 
© Foto Google (DR)

Resta-nos ver este nosso país, Portugal que foi D'aquém e de Além-mar, cumprir o que prometeu aos seus soldados: devolvê-los ao país que os viu nascer, porque, os que voltámos e ainda aqui estamos, firmes e vigilantes, e cientes de que ainda hoje a Pátria nos chama, porque todos nós somos soldados mal-amados, não só depois de mortos, mas ainda em vida!

José Marcelino Martins
29 de Setembro de 2012
____________

Notas de CV:

Assim termina a publicação trabalho que o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) dedicou aos militares que caíram pela Pátria, enviado ao Blogue em mensagem do dia 30 de Setembro de 2012.

Vd. postes da série de:

4 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10479: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (1) (José Martins)
e
5 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10486: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (2) (José Martins)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9464: Lista dos feridos graves na emboscada de 14 de novembro de 1968, em Ponta Coli, Xime (Manuel Moreira, CART 1746, Biossorã e Xime, 1968/69)

1. Mensagem de onte, do nosso camarada Manuel Moreira:

Luis, em relação à coluna de 14 de Novembro de 1968, acrescento que nela ia também o Cap Vaz, Comandante da Companhia.

Tenho os nomes dos feridos nessa emboscada [, em que morreu o Fur Mil SAM Fernando Dias, e] que são :



Fur Mil Art  Raul Alexandre Cabral Adão
Fur Mil Art José da Conceição Joaquim
1º Cabo Radiot  Laurentino Campos Ribeiro
Sold Atir António Alberto Quinteiro
Sold Trms Manuel Jesus Carneiro Melo
Sold Cond Auto José Maria Sousa Franco
Sold Atir José Maria de Oliveira
Sold Cond Auto José Moniz Vieira
Sold Atir Joaquim Anacleto Antunes
Sold Atir João de Jesus Costa
Sold Ap Morteiro Manuel Pinto Regadas
Sold Milícia Tchunca Baldé
Caçador Nativo Seco Fati
Caçador Nativo Bacar Condé
1º Cabo Atir Guilherme Madeira da Silva

Estes foram os principais feridos com gravidade .

O 1º Cabo Mec Auto Carlos Vidal Pinheiro que referi anteriormente (*), não consta desta lista por não haver gravidade no ferimento, sofreu apenas um raspão num joelho .

Espero te tenha dado a informação que pedias .

Um Abraço

Manel Moreira

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 4 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9442: In Memoriam (108): Fur Mil SAM Fernando Maria Teixeira Dias, da CART 1746, morto na emboscada de 14 de Novembro de 1968, perto da Ponta Coli, Xime (Manuel Moreira / Rui Dias Moreira)

domingo, 2 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6294: Estórias do Tomás Carneiro (2): De Binta a Jugudul


1. O nosso Camarada Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor da CCAÇ 4745/73 - Águias de Binta (Binta, Cumeré e Farim – 1973/74), enviou-nos dos Açores onde vive, uma mensagem com data de 27 de Abril:


Olá camaradas e amigos,

Hoje envio-vos a última parte da minha história da guerra.
Como já havia dito noutro texto anterior, tinha que dormir em Jugudul para fazer o transporte do pessoal, para os trabalhos na frente da estrada Jugudul/Bambadinca.
Debaixo de fogo INNo dia 9 de Maio de 1974, em Jugudul formamos a coluna como de costume e arrancamos estrada fora. Ele chegou-se para mais perto de mim
e disse-me: “Isso não é nada!”

Entretanto apareceram os enfermeiros que começaram a tratar-me. Não tenho mais estórias, nem histórias, para escrever. Fotos: © Tomás Carneiro (2009). Direitos reservados.____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 de Janeiro de 2010 >
Guiné 63/74 – P5659: Estórias do Tomás Carneiro (1): De Binta a Jugudul


O IN havia preparado bem esta emboscada, porque, ao mesmo tempo, atacaram também o quartel no intuito de não deixar sair socorros à nossa coluna.
Atacaram em toda a zona da frente do quartel e conseguiram colocar uma morteirada certeira no espaldão do morteiro de 81 mm, onde morreu um furriel miliciano e feriu com gravidade um 1º cabo.
Quando o combate acalmou puseram-me na caixa de um Unimog 404 e transportaram-me para Mansoa.
Ali chegado e a bater os dentes de frio (sinal evidente de febre), deitaram-me numa ambulância, que logo de seguida partiu para o Hospital Militar de Bissau.
No HMB, fui directo para o bloco, onde fui visto por dois médicos e um 1º sargento enfermeiro (creio que o seu nome era Santos), tendo-me preparado para uma cirurgia, com anestesia de meio corpo.
Disseram-me que não era grave, mas quando estavam a operar, alertaram-me para a necessidade de me extrair o testículo direito.
Meus amigos, aqui é que começou o meu maior drama, eu, um puto de 21 anos cheio de vida, estava a ver-me privado de uma coisa tão importante do meu corpo.
Chorei silenciosamente a pensar no que seria meu futuro assim mutilado.
Finda a intervenção fui para a enfermaria, permanecendo aí em estado de recuperação. Uma semana depois alguém me disse que tinha um colega numa outra enfermaria e fui vê-lo.
Era o 1º cabo que tinha sido ferido no espaldão e estava crivado de estilhaços, mas consciente. Falamos sobre o sucedido e então é que soube que o furriel tinha morrido no ataque, que acima acabei de descrever.
Entretanto tiram-me a algália e quando fui urinar verifiquei, com enorme espanto, que estava a urinar para trás e para a frente. Conclusão, tinha a uretra “partida”.
Fui então evacuado para o HMP à Estrela, em Lisboa, por avião, no dia 13 de Junho à noite.
Chegado ao aeroporto, meteram-me numa Morris com capota e segui para as urgências, após o que me mandaram numa ambulância, para um quartel na Graça tendo aí passado a noite.
De manhã, falei com o oficial-de-dia, contei-lhe a minha situação e ele mandou-me de volta para o hospital, ficando lá internado na enfermaria de urologia.
Um dia ou dois depois, estava eu encovado na cama e chegou junto de mim um médico, que começou a consultar-me.
Como entretanto comecei a chorar, ele perguntou-me o que se passava e eu contei-lhe as minhas preocupações quanto ao futuro, dizendo-lhe que me tinha sido retirado um testículo.
Ele começou a sorrir e explicou-me: “A partir de agora, você tem que fazer com um, o que os outros fazem com dois… mais nada!”
Senti-me mais aliviado a partir daí.
Fui submetido a muitos exames e a 4 operações, duas delas duplas, pelo que fiquei no hospital 23 meses.
Sofri muito nesse tempo sem ter a família perto, que me prestasse algum apoio e carinho.
Fui sempre bem tratado pelo pessoal que ali trabalhava e familiares de outros doentes, que lá se encontravam hospitalizados, tendo ganho algumas boas amizades.
Quero aqui agradecer, justa e sentidamente, a um Homem - o Doutor Barcelos Vaz -, que me ajudou muito, física e psicologicamente, e deixar-lhe aqui, caso ele tenha conhecimento desta mensagem, um grande abraço Amigo e um Muito Obrigado por tudo.
Outro grande abraço meu, vai para o 1º Sargento Lopes que sempre bem-disposto e brincalhão, comigo e com os outros Camaradas que com ele trabalhavam, me transmitiram ânimo e disposição, que muito me ajudaram a ultrapassar os piores e mais dolorosos momentos da minha vida.
Foi assim que terminou a guerra para mim.
Daqui para afrente, continuarei a ler este grande blogue, enquanto a saúde e o discernimento mo permitirem.
A partir deste momento passo novamente à condição de silêncio, sobre esta fase da minha vida, porque eu não gosto de falar muitas vezes sobre o que passei então.
As fotos foram tiradas no HM de Bissau.
Um abraço daqui do meio do atlântico com muita amizade para todos vós e até breve no nosso V Encontro, em Monte Real.
Tomás Carneiro
1º Cabo Cond CCAÇ 4745


Decorria tudo bem, com uma Daimler à frente, um Unimog 411 logo atrás (penso que nesta segunda viatura viajava o Cap. Contreiras, que vinha a comandar o pessoal) e depois vinha eu, numa Berliet repleta de trabalhadores, uns apeados e outros sentados.
Quando nos faltava cerca de 600/800 metros para chegar ao quartel, eis que rebentou um “fogachal” tremendo que não consigo descrever por palavras.
De imediato travei a viatura, que se colou de imediato ao piso da estrada e, como é de prever, o pessoal que eu transportava projecta-se para a frente, caindo uns por cima dos outros, tocando-me uma parte deles em cima.
Livrei-me rapidamente deles e lancei-me para o chão, rastejando para debaixo/frente do carro e fiquei, agora eu, ali colado ao asfalto da estrada.
Como a estrada tinha uma pequena inclinação, reparei que a Berliet começou a deslizar na minha direcção e como eu estava deitado entre os rodados, levantei-me de repente e desatei a correr para o mato, em busca de alguma protecção.
Corria agachado, como mandam as regras, quando senti uma queimadura na nádega esquerda. Lancei-me para o mato que estava num plano mais baixo que a estrada, para me tentar abrigar do fogo do IN e senti uma nova dor, na parte frontal (zona inguinal direita), onde coloquei a mão e senti qualquer coisa quente e viscosa.
Olhei para a mão e vi sangue. Fiquei aterrado e pensei: “Estou ferido!”
A meu lado estava um trabalhador que olhou para a minha mão e perguntou se eu estava ferido. Disse-lhe que sim.
Tirou o seu quico e pô-lo em cima da ferida para estancar o sangue.
Depois continuou a falar comigo, continuadamente, a transmitir-me confiança e “força”.
Este Guineense dava-se muito bem comigo e, habitualmente, andava sentado ao meu lado nas viaturas.
Não sei quanto tempo demorou o tiroteio, mas, para mim, foi muito tempo e, ainda por cima, no estado em que eu me encontrava.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2335: A trágica morte do Cap Rui Romero: 10 de Julho de 1966, dia de correio (Artur Conceição)

1. Em meados deste ano, apresentou-se o soldado de Transmissões de Infantaria da CART 730/BART 733, Artur Conceição. Soldado de Transmissões de Infantaria numa Companhia de Artilharia ? Interrogou-se o nosso editor Carlos Vinhal.

Recordemos a resposta do Artur:

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal,

Sou o Artur António da Conceição. Estive na Guiné de 65 a 67. O Carlos Vinhal perguntava-me no mail de boas vindas “o que fazia um militar que tinha duas especialidades: ser condutor e ainda exercer a especialidade de transmissões, devia ser complicado.”

Aqui vai a minha resposta: O que fazia um soldado de Transmissões de Infantaria Condutor Auto, numa Companhia de Artilharia, na Guiné nos anos de 65/67?

Fui incorporado no CICA4 em Coimbra em 21 de Outubro de 1963. Em 1963 começava a Guerra na Guiné, em Angola já ia com dois anos e em Moçambique ainda não tinha começado.

Quem nesta fase tinha conhecimentos práticos da guerra que nos esperava ? É nesta época que aparecem umas especialidades meio esquisitas, ou seja, faziam moda sem se pensar na sua utilidade prática.

Eu nunca vi nenhum condutor a conduzir com um AN/PRC-10 às costas!!!...Tal como muitas modas também esta não pegou!!! Mas no 4º turno de 63 e no primeiro de 64, penso que não houve mais, saíram: Transmissões Inf Condutor Auto, Radiotelegrafista Condutor Auto, Ponteneiro Condutor Auto e Auxiliar de Serviço Religioso Condutor Auto.

As duas últimas ainda teriam alguma razão de existir, agora as duas primeiras não me parece que fizessem muito sentido. Deveria ser muito interessante ir a conduzir com uma mão e com uma chave de Morse na outra, ou debaixo de fogo a tremer como varas verdes e a comunicar em Morse. Havia de sair uma coisa jeitosa!...

Na Guiné tanto eu como os restantes Transmissões Condutor Auto fazíamos parte da Secção de Transmissões, que era composta por um Furriel, um 1º Cabo Cripto, dois 1ºs Cabos Radiotelegrafistas, dois 1ºs Cabos Radiotelegrafistas condutor auto, um 1º Cabo de Transmissões, um soldado de Transmissões, e dois soldados de Transmissões condutor auto.

Em termos de funções, fazíamos todos a mesma coisa, inclusive cripto quando era necessário. Como eu era de 1963, e todos os restantes eram de 1964, ainda me calhou em sorte fazer a escala e tomar conta do material. Prémio de especialidade, era só para os radiotelegrafistas.

A minha Companhia chegou à Guiné em Outubro de 64, eu só cheguei em Fevereiro de 65, e fui logo direitinho a Bissorã em coluna militar com os primeiros tiros pelo caminho, entre Mansoa e Bissorã.

Depois de algumas operações com emboscadas e alguns ataques durante dois meses, fomos parar a Jumbembem. Em Jumbembem a estadia não foi muito má em termos de operações com emboscadas ou ataques ao aquartelamento.

Nessa altura a zona Norte era calma, dado que fazia fronteira com o Senegal. Quando em coluna para ir a Farim gastar uns pesos, ou ficar a manter a segurança junto ao rio Lamel, ou ir a Canjambari, utilizava-se um AN/GRC-9 instalado num Unimog com fundo em sacos de areia e paredes de chapas de bidon recheadas de areia; mas o condutor ia no lugar do morto.

Em Agosto de 1966 a minha Companhia regressou com 22 meses de comissão, e até essa data quem tivesse 16 meses de Guiné vinha também embora. Acontece que nesta data chegou directiva no sentido de que quem não tivesse ido de início teria de ficar até completar 24 meses. Como eu era um rapaz cheio de sorte e como ainda tinha pouco tempo de tropa, tive de gramar mais 6 meses.

Fiquei dois meses no QG (Quartel General) onde tinha como tarefa uma vez por dia e cerca das 18 horas, apanhar a Press Lusitana. Todos os dias ouvia sermão do então Capitão Garcia dos Santos (2) porque só apanhava as notícias desportivas e pouco mais.

Eu estava demasiado cansado e depois de 18 meses de mato não era o mais indicado para aquela tarefa, e fui substituído por um fresquinho acabado de chegar de Lisboa.

Os últimos quatro meses fiz serviço na PIDE em Bissau. Nessa altura os postos da PIDE estavam equipados com Emissores/Receptores de capacidade muito superior aos das NT, que eram na altura o AN/GRC-9.

Se acontecesse um ataque numa unidade do mato que precisasse de pedir socorro e o seu rádio não fosse suficiente, recorria ao posto da PIDE para comunicar com Bissau. Era minha missão fazer a ponte para o QG. Nunca aconteceu...

Como tinha de estar oito horas de serviço por dia em sistema de turnos, com uma folga no final, tinha de ter qualquer coisa para entreter. Quando o turno era de dia batia-se à máquina tudo o que era dito pela Rádio Argel e pela Rádio Moscovo, que tinha sido previamente gravado numa fita magnética. Quando era de noite, fazia o meu trabalho e o do operador da PIDE, e ainda dava para passar pelas brasas.

Como era minha intenção não voltar para a mesma actividade que tinha antes do serviço militar, fui-me valorizando profissionalmente, e no fim de quatro meses utilizava bem uma máquina de escrever e uma chave de Morse, porque protegido como estava a mão não me tremia.

Fui convidado para ficar, mas eu agradeci muito e fugi a sete pés. Também não eram esses os meus planos. Em Jumbembem utilizava-se só Fonia, porque para transmitir grafia não se pode tremer, e eu tremia em permanência. O meu amigo Saramago chamava-me o gelatina.
E era mais ou menos isto o que fazia um soldado de Transmissões Condutor Auto.

2. O Artur Conceição esteve num Batalhão que, como muitos outros, passou por Brá numa primeira fase. Dispersou as companhias pela intervenção, até lhe ser atribuída a zona de Farim e distribuiu-as por Farim (sede do Batalhão), Jumbembem e Cuntima (Colina do Norte).
Foi um Batalhão que deixou história, com muito para contar. E o Artur voltou, estes meses depois, a enviar-nos nova mensagem.

Meus Caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote

Se entenderem que o conteúdo possa ter implicações, de ordem afectiva ou outras por parte dos familiares, não incluam no blogue.

Um abraço,
Artur Conceição

Era domingo, dia 10 de Julho de 1966, um dia como tantos outros
por Artur Conceição

Pela manhã realizou-se a habitual ida a Farim para levar o correio com destino à Metrópole. Já se encontrava em Jumbembem a Companhia que iria render a CART 730, e cujo número não me recordo.

O correio com destino à CART 730 havia sido entregue como habitual, dois dias antes, a partir de uma avioneta que largava os sacos, mas como a Companhia de rendição ainda não tinha assentado arraiais, o seu correio tinha ficado em Farim, onde era preciso ir buscá-lo para distribuição.

A Companhia que ia render a CART 730 tinha chegado cerca de uma semana antes e foi recebida sem qualquer euforia, que seria mais do que natural, mas talvez tivesse havido um grande respeito por quem chegava e que tinha ainda 2 anos de Guiné pela frente. Pairava no ambiente um certo desalento face ao comando da Companhia entre os homens que nos iam render.

Eu próprio tive uma situação bem complicada, ao ser advertido por estar a colocar água nas baterias que alimentavam o posto de rádio e que se encontravam ligadas em série e depois em paralelo de modo a garantirem 12 volts no terminal, que era a voltagem a que trabalhavam os AN/GRC-9. No entender de quem me dirigia tal advertência o que deveria ser colocado nas baterias seria petróleo e não água, para não enferrujar as baterias. Pelo que estaria a danificar o material intencionalmente.

Era habitual na distribuição de correio ser feita uma separação prévia por classes. O correio dos Oficiais ia para um lado, o dos Sargentos para o outro e finalmente o das praças era distribuído através de chamada pelo 1º Cabo escriturário ou pelo Sargento dia.

A distribuição do correio ocorria na parada quando, subitamente, se ouviu um disparo. Eu estava de serviço no posto de rádio e, a dois metros do local do disparo, que havia acontecido no gabinete mesmo ao lado.

O Capitão Rui António Nuno Romero tinha sido vítima de acidente mortal com arma de fogo. No chão estavam espalhadas várias cartas e também muitas fotos.

Perante o cenário, a minha reacção foi de fuga. Não me perguntem porquê. Porque ainda hoje não consigo explicar. Como estava de serviço tive de regressar rapidamente ao meu posto para enviar o pedido de evacuação. Foi a única vez que enviei uma mensagem com grau de urgência Zulu.
A foto recorda o momento da evacuação, onde se pode ver uma das nossas enfermeiras páraquedistas, e que, nesse tempo na Guiné, não seriam uma dezena. Foto de Artur Conceição. Direitos reservados.
4. No mesmo dia respondemos:

Artur, Caro Camarada,

Compreende-se o cuidado que pões na tua mensagem. E, no entanto, o facto ocorreu, estavas lá, foste testemunha. Também ouvi falar do caso, embora as minhas memórias já não sejam muito precisas. Que não foi caso único.

Os nossos Camaradas têm estado calados sobre casos idênticos, mas enquanto lá estive, tive conhecimento de um ou outro acidente desse género. Tinha-se-me varrido o caso do Cap Rui Romero e, ao ler a tua mensagem, num instante, veio-me à memória.(...)
Se pertenceste ao BART 733 tens muito para contar. O vosso Batalhão andou por quase toda a Guiné, esteve uns tempos baseado em Brá, com as companhias em intervenção, até renderem o BCAV 490 (o do Como) em Farim, Jumbembem e Cuntima. As minhas memórias estão correctas?
Quanto á publicação do sucedido com o nosso infeliz Camarada Rui Romero e, tal com tem acontecido com tantos outros casos (a guerra também foi feita de casos desses), não vejo impedimento em apresentar um testemunho público. E a família teve certamente conhecimento da forma como ocorreu.
Um abraço, Camarada Artur. Se quiseres tens muito para contar, porque o teu Batalhão foi um actor muito interveniente naqueles tempos.
vb

5. Na volta, responde o Artur Conceição

Caro Camarada V. Briote

Todas as tuas memórias estão correctas. Já lá vai tanto tempo que por vezes até nos interrogamos se terá sido mesmo assim.

O BART 733 havia partido para a Guiné em Outubro de 1964, e era comandado pelo Tenente-Coronel Glória Alves, que já tinha sido meu comandante no RI 11 em Setúbal, tendo sido substituído pelo então Major Carvalho Fernandes e que era o segundo comandante.
Só cheguei à Guiné no dia 17 de Fevereiro de 1965, e nesse mesmo dia fui levado para Brá onde se encontrava a CCS do BART 733.
O Artur com o Capelão que celebrou a missa, em Brá no dia 18 de Abril de 1965, Domingo de Páscoa

Três dias depois 20 de Fevereiro (sábado) passava por cima de Brá a caminho do Hospital um helicóptero que transportava o Baleizão (Manuel Graça Bexiga Troncão, era o seu nome), atingido mortalmente, e mais dois camaradas feridos, pertencentes à CArt 730 que nesse dia andava em intervenção na zona do Olossato.
Dois dias depois, segunda-feira segui em coluna para Bissorã onde se encontrava a minha companhia e que partilhava as instalações locais com uma Companhia do BCAV 645 (*), Águias Negras, comandado pelo Tenente-Coronel Henrique Calado.
No sábado a seguir, quando já tudo se preparava para ir dormir, houve ordem para preparar para uma saída para o mato. Foi toda a noite a andar sem saber muito bem por onde, uma vez fomos enganados pelos guias, e acabámos por envolver ao amanhecer um objectivo que não era o desejado. O João Parreira não achou piada nenhuma...

Fomos esperados no caminho de regresso onde levamos porrada e cerca das duas da manhã foram fazer-nos uma visita a Bissorã. Este ataque a Bissorã aconteceu de Domingo de Carnaval, dia 28 de Fevereiro, para segunda-feira.
Depois de participar em mais algumas operações de risco descontrolei o sistema nervoso e entrei em estado de hipotermia. Quem diria... Com um calor daqueles!...

O Dr. Afonso perante tal situação mandou-me em consulta externa para o Hospital de Bissau. Durante algum tempo estive em Brá onde se encontrava a CCS do Bart 733.
Lembro-me muito bem dos três grupos de Comandos que partilhavam o mesmo refeitório, em horários diferentes, e que ficava do lado direito quando se entrava no aquartelamento. Era um luxo…! Até comíamos em pratos….!
Também me lembro de um protesto dos Comandos por causa da alimentação que pôs tudo em sentido. Já lá estarias nesta altura? Deve ter acontecido em Abril de 1965. De camaradas dos Comandos, só me lembro do Furriel Joaquim Carlos Morais, que namorava uma enfermeira pára-quedista, vitimado numa sexta-feira pela manhã, no dia 7 de Maio de 1965, e do Vila Franca, por ter assistido a um episódio com ele que me deixou incrédulo.
Na consulta externa era assistido por um psiquiatra de seu nome Pimenta, natural de Coimbra, e que foi de facto extraordinário.

Num dia em que tinha consulta, quando cheguei ao Hospital estavam a chegar feridos graves, e um deles necessitava de uma transfusão directa porque os médicos iam ter de lhe cortar uma das pernas. Aceitei o desafio com coragem embora não tivesse sido fácil.
Não sei o seu nome nem o seu posto porque nunca mais voltei a entrar no Hospital, mas sei que era um camarada nosso que estava muito pior do que eu.
Estava na maca quando o Dr Pimenta deu por mim. Deu-me alguma coragem e disse que depois me esperava quando eu saísse do bloco.
Tivemos uma conversa prolongada e ele perguntou-me se eu já me sentia em condições de voltar para o mato sem ter problemas.
Entretanto a CCS já tinha ido para Farim, e em Brá só tinham ficado dois quarteleiros para tomar conta de algum material, e deixaram-me órfão. A CART 730 tinha partido de Bissorã rumo a Jumbembem. As alternativas eram poucas, e nestas condições aceitei ir-me embora.
Dois ou três dias depois enfiaram-me num caixote voador rumo a Farim. Fiquei alguns dias em Farim, e quando pedi alojamento mandaram-me para um grande armazém que nem portas tinha, onde havia umas camas e uns colchões empilhados. Montei uma cama com um colchão em cima, e tentei dormir. Não tinha lençóis, nem manta nem mosquiteiro e durante a noite acordava para matar os percevejos com uma tábua de uma caixa de batatas, antes que me furassem a roupa que tinha vestida.
Quando veio coluna da CART 730 a Farim, lá fui rumo a Jumbembem onde estive durante cerca de 15 meses sem problemas de maior.



Missa celebrada pelo Capelão do 733, no refeitório da CART 730, em Jumbembem

Em Jumbembem em cima de um barracão que serviu de caserna nos primeiros tempos, que ficava logo a seguir ao aquartelamento do lado direito, na estrada que dava para Cuntima. Eu sou o que está de boina e camuflado, do meu lado direito está o Norberto que era do Pelotão de Camjambari e que tinham vindo para Jumbembem por troca de um pelotão da CART 730, para recuperar fôlego. Do meu lado esquerdo está o Cabo cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre e que era Sabatista. Mais ao lado o Morais Castela que era natural de Viseu. Na queda o meu grande amigo Guilherme Augusto LEAL Chagas que é natural de Elvas.

Menciono aqui o nome do Major Carvalho Fernandes, e quero deixar a promessa de que um dia falarei deste grande amigo, porque entre os militares do Q.P. também havia homens muito bons, que não podemos nem devemos esquecer.

O dia hoje não está famoso, mas prometo que na próxima contarei coisas mais divertidas.

Um grande abraço,
Artur António da Conceição
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Nota de vb: vd posts:

(1) Sobre o Artur Conceição vd. posts.
Guiné 63/74 - P2291: Convívios (36): XII Convívio dos combatentes da Freguesia de Campia, no dia 10 de Novembro de 2007 (Artur Conceição)
Guiné 63/74 - P1989: Homenagem ao António da Silva Batista (Artur Conceição, CART 730, Jumbembem, 1965/67)
Guiné 63/74 - P1824: O Aeroporto de Jumbembem e os ecologistas 'avant la lettre' (Artur Conceição)
Guiné 63/74 - P1772: Tabanca Grande (5): Também quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página (Artur Conceição, CART 730, 1965/67)

(2) Tenente coronel na altura do 25 de Abrild e 1974, fez parte, com Otelo Saraiva de Carvalho, do Estdao Maior do MFA (Movimento das Forças Armadas), sendo o responsável pelo plano de transmissões. Hoje é general na reforma. É o presidente da Assembleia Geral da Associação 25 de Abril.
(*) Deve ler-se: "...com a Cart 643, comandada pelo Cap Ricardo Lopes da Silveira, e que pertencia ao BART 645 'Águias Negras'."Agradecemos ao Abreu dos Santos a correcção.