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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5296: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (7): Mascotes e animais de estimação e/ou companhia - Os gatos….

1. Mensagem de Hélder Sousa, ex-Fur Mil de Transmissões TSF (Bissau e Piche, 1970/72), com data de 15 de Novembro de 2009:

HISTÓRIAS EM TEMPO DE GUERRA
MASCOTES E ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E/OU COMPANHIA
OS GATOS…

Como de costume, quando escrevo algo sobre os tempos vividos na Guiné, é motivado por vários elementos que vão aparecendo e que depois de os remoer, um pouco, acabam por me fazer lembrar das situações ou acontecimentos. Vem isto ao caso dos ‘postes’ relativamente recentes em que se falou de aves, pássaros vários, morcegos, ‘ui uis’ e quejandos e da quantidade e variedade de comentários que suscitou.

A propósito deles ficámos a saber de ‘pardais amestrados’, de convívios com morcegos, da admiração pelos jagudis (quase sempre confundidos com perus pelos periquitos…). Também já se tinham referido a cães que, por todas as tabancas, quartéis e aquartelamentos, eram muitas vezes a grande companhia para as solidões.

O Caçador

Até se fez referência a uma tresloucada acção de ‘matança’ de cães que, algures no mato (longe de Bissau, portanto) incomodavam quem não deviam… Igualmente sabemos de periquitos e outras aves que ajudavam a passar o tempo das ‘horas mortas’. Aqui e ali são também conhecidas as proximidades com aqueles animais que, na generalidade, referimos como macacos. E por aí fora.

Eu e o Caçador

Não me apercebi de coisas estranhas, mas possíveis, como ter como mascote ou companhia crocodilos, osgas, iguanas, grilos ou cobras (de várias espécies) mas não posso jurar que não os houvesse… Agora, o que mais me intriga, é a falta de referências aos gatos.

É que esses animais, sempre com o seu estilo particular, lá como cá e noutras partes por onde existem, estiveram presentes durante as nossas ‘comissões de serviço’.

A Morcona

Eu sei que falar de gatos é um pouco ‘abichanado’ mas mesmo assim, se me permitirem, eu vou referir-me a eles.

E, para começar, apresento um poema que o nosso camarada Marques Lopes fez publicar na “Tabanca de Matosinhos”, no início de Agosto passado, em homenagem a um seu amigo entretanto falecido fazia 6 meses, sendo esse o autor do poema e de seu nome Fernando Vale.

O GATO

O gato é um felino
Aristocrata
Sempre usou laço
Nunca quis gravata

O gato é um felino
Snob
De trato fino
Até vaidoso

O seu andar?
Suave, silencioso
Independente
Misterioso

Nunca submisso
Mostra unhas
Também os dentes
Se em duelo
Tanto for preciso

Usa bigode
Destemido, soberbo
Sempre snobe
Não conhece o medo

O seu porte
A muitos humanos
Não agrada
Mas este felino
É um nobre
Capaz de ronronar
Ao exigir uma carícia
É snobe
Mantém sempre
A cabeça levantada
É nobre
Até mesmo quando caga

O gato é um felino
Aristocrata
Sempre usou laço
Nunca quis gravata

(Fernando Vale, 28.02.2008)

Ora acontece então que durante a minha permanência no “Centro de Escuta” os gatos foram a minha companhia, principalmente durante as longas noites de serviço e disso não posso, nem quero, esquecer-me.

Disse durante a noite porque tanto a “Morcona” como o “Kiki” só nesse período se deixavam ver. Não sei porquê, nunca me disseram nem consegui descobrir, durante o dia desapareciam completamente das vistas e só depois do sol-posto apareciam. Houve também um outro, o “Caçador”, que era completamente diferente.

Esse dava-se a ver durante o dia e deixava-se agarrar. Chamei-lhe assim porque era um caçador nato, apanhava tudo o que podia, ratos, sapos, lagartos ‘paga-dez’, até cobras e víboras e depois muito vaidoso carregava as presas e vinha oferecer-me, numa espécie de deferência.

Tudo começou pela “Morcona” que era a gata-mãe dos outros dois, em ninhadas diferentes. Quando cheguei á “Escuta” essa gata estava no forro da casa, tendo entrado para lá por essa ocasião por um buraquito, mas pelo qual já não podia sair.

Pensámos em deixá-la por lá, mas sempre havia o perigo de alguma incomodidade pelo cheiro e não só, e eu, aos poucos, fui tentando cativar a sua confiança, através da comida que lhe levava pelo alçapão de acesso existente na “Escuta”, o que acabei por conseguir. Traindo a sua confiança conquistada com tanto trabalho, consegui agarrá-la e fazê-la passar por esse alçapão, recuperando igualmente três pequenos gatitos.

Inicialmente ficou ‘louca da vida’ mas acabou por não rejeitar as crias, as quais foram acondicionadas no que seria a chaminé da casa onde vivia que era contígua ao “Centro de Escuta”, de modo bem disfarçado e que lhe deu bastante privacidade.

Esta ninhada esteve na origem de um episódio bem caricato passado com o meu amigo Nélson Batalha, de quem aqui já falei no Blogue.

Nessa ocasião era hábito, aos sábados, o Sr. Comandante do que viria a ser o Agrupamento de Transmissões, Sr. Ten-Coronel Ramos, passar revista às instalações, incluindo-se aqui os alojamentos dos Sargentos, que muito se incomodavam com esse aparente atestado de menoridade (o Sr. Comandante ia ver se os quartos estavam bem arrumados e limpos…).

Nesse sábado o Nélson saiu de serviço às 7 da manhã e foi dormir para o quarto, preocupado com a existência da ninhada de gatos e com o que sairia da ‘vistoria’ rotineira.

Como fui eu que o substitui no serviço, estava na “Escuta” quando o Sr. Comandante e comitiva passaram por lá e procurando-me antecipar à continuação da visita à casa ao lado, onde era o nosso quarto e também a improvisada ‘maternidade’, fui lá ver se estava tudo bem camuflado (e estava!) e quis avisar o Nélson da iminente presença das chefias, só que a sua preocupação fez com que ele, estremunhado, gritasse bem alto:

- Eh pá, tira-me daí esses cabrões! - (é claro que ele se referia aos gatos, que achava serem da minha responsabilidade…)

Só que não houve tempo de intervalo entre o meu aviso e a presença dos ‘superiores’ que, como devem calcular, não tendo conhecimento da existência dos gatos, ‘não tiveram dúvidas’ a quem aquele impropério se dirigia!

Como o meu amigo Nélson estava nas ‘boas graças’ do Sr. Comandante por ter sido ferido e evacuado de Catió, em resultado de ferimentos ocorridos num ataque àquele aquartelamento e era um ‘bom cartaz’ demonstrando assim que o pessoal do STM também corria riscos, a coisa passou ‘à pala’ de o Nélson ainda estar um bocado ‘apanhado’ e com sobressaltos resultantes dos ferimentos…

Pelas fotos que anexo podem ver o porte altivo da “Morcona” e as expressões argutas do “Caçador”. Do “Kiki” não encontrei, ainda, qualquer foto.

Peço desculpa por vos tomar tempo com estas coisas menores mas acho que também devem fazer parte do ‘levantamento’ que aqui, dia a dia, fazemos das nossas memórias, e a questão dos animais de companhia ou mascotes não são despiciendas, pois muitas vezes serviram para nos fazer sentir que ainda éramos humanos.

No meu caso, e tratando-se de gatos, não posso dizer que eram as minhas mascotes ou animais de companhia, já que foi muito mais eles a escolherem-me do que eu a eles. Volto a utilizar (com a devida vénia) as palavras do Marques Lopes que cita Manuel António Pina em artigo do “Jornal de Notícias”, de que “nunca viu um gato a fazer habilidades num circo...”, para ilustrar bem o que se entende da ‘personalidade’ felina.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Trms TSF

Fotos: © Hélder Sousa (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5081: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (6): O Primeiro Bonzinho

1. Mensagem de Hélder Sousa* (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Setembro de 2009:

Caros Editores

Já faz algum tempo que tinha intenção de vos enviar esta história para a colocarem no Blogue se acharem interessante.

Demorei este tempo porque tentei arranjar algumas fotos que pudessem acompanhar o texto mas a verdade é que não tenho mais nada agora. Por isso, se quiserem utlizar algumas das que já aí têm, à vontade!

Um abraço
Hélder Sousa


O Bonzinho

Como de costume, são várias as fontes que fazem lembrar certas passagens nos idos anos da Guiné.

Este caso também não foge à regra. A lembrança destes pequenos episódios vem por diversos motivos: seja a sempre cantada diferença entre os milicianos e os profissionais, sejam os actos irreverentes da juventude, seja a irracionalidade de muitas decisões em tempo de guerra, sejam ainda outras questões que igualmente se tem aflorado no nosso Blogue.

Desta vez lembrei-me do Bonzinho….

Quem era o Bonzinho? Bem, era um 1.º Sargento, cujo nome não me consigo lembrar, se é que alguma vez cheguei a saber, homem afável, já de certa idade (é sempre bom dizer isto quando não se sabe ao certo) bastante mais velho do que nós, jovens na casa dos 23, 24 anos, que tinha sido prisioneiro na Índia e que os serviços do Exército acharam por bem colocar na Guiné, nas Transmissões, no ano de 1971, algures aí por Agosto ou Setembro.

Pois o nosso Bonzinho foi alojado num dos três quartos da casa anexa ao Centro de Escuta, onde eu e outros Furriéis vivíamos e desenvolvíamos a nossa ocupação e logo fez notar as suas características: pessoa extremamente afectada psicologicamente, carente da família (estava ausente e creio que foi assim até ao fim), dependente de muita medicação, desejoso de congregar amizades e apoios, de carácter afectivo, profissional e social, mas sempre de uma correcção exemplar e de uma exagerada bonomia, daí alguém o cognominar de O Bonzinho, já que quase sempre colocava aquele jeito, aquela postura que costumamos associar aos sacerdotes, de mãos postas e meneando a cabeça ao falar, quase num sussurro.

Pois, como é de calcular, dado o meu feitio, acabei por ser um dos apoios morais do nosso Bonzinho, quase um confidente, e isso levou-me a entrar num jogo que hoje não me dá particular orgulho. Consigo levar o meu comportamento à conta da juventude, da sua irreverência e também à conta do clima que se vivia.

A coisa era simples e consistia numa pergunta que eu fazia invariavelmente todos os dias de manhã, mal via o Bonzinho, à guisa de cumprimento, repetida exaustivamente durante meses.

Colocava o meu ar mais sacaninha e perguntava:

- Então, meu Primeiro está melhorzinho hoje?

E a resposta, infalível, invariável em todas as vezes que perguntei, sempre com a mesma tonalidade, a mesma teatralidade, as mesmas ênfases, os gestos repetidos e colocados nos momentos certos, como numa peça, era:

- Oh bigodes! (Era assim que ele se referia a mim, por na ocasião ser portador dum bigode tipo António Matos). Isto é uma colite espasmótica de origem nervosa (dizia com ar beatífico e sofredor, inclinando a cabeça levemente para a direita), o cólon dilatado, sabe? (aqui abria mais os olhos e acompanhava com um menear afirmativo), não tem cura! (agora o menear era em negação).

Seguia-se a minha réplica:

- Ahhh!

E pronto, no dia seguinte, e no outro e no outro e no outro, a mesma pergunta, a mesma resposta e a mesma reacção… coisas de apanhados

Mas para terem uma ideia mais aproximada de como era o Bonzinho conto mais duas.

Um dia estava a passar no corredor e do quarto dele chegaram uns lamentos, uns soluços. Perguntei o que se passava, se estava doente ou se precisava de alguma coisa, mas vi que estava com o correio na mão e cheguei a temer que fossem más notícias. Disse-me ele então:

- Oh bigodes, a minha família, a minha família, não gostam de mim! Olha para o que a minha filha me escreve!

Tive alguma relutância em aceder a ler mas lá lhe fiz a vontade. E o que é que dizia a carta, que eu entretanto comecei a ler em voz alta?

- Paizinho, gostamos muito de saber que vai bem, que a sua saúde se tem mantido, que está mais ambientado mas, por favor, não necessita ser tão pormenorizado…..

Aqui ele interrompeu-me para dizer:

- Estás a ver, estás a ver?, não querem que eu escreva!.

Disse-lhe que não era isso que parecia, que talvez eles não tivessem muito tempo por causa do dia-a-dia e que umas quantas linhas chegariam…

Aí ele saca da carta que estava a escrever (já ia na 4.ª folha…), dá-me a ler, dizendo:

- Achas que é muito pormenor? - E vi o seguinte:

- Hoje, levantei-me às 6.50, fui fazer o meu serviço, que bastante me aliviou (não esquecer a colite espasmótica!) e depois fui novamente deitar-me. Às 8.00 levantei-me outra vez, tomei os comprimidos do jejum, fui tomar banho e fazer a barba. Antes de sair para tomar o café tomei a ampola e os comprimidos amarelos….

Bem, a coisa continuava com este tipo de relatório datado e circunstanciado e aí eu disse-lhe:

- Oh meu Primeiro, talvez fosse suficiente, para não preocupar a sua esposa e a sua filha, que lá longe não lhe podem valer, que o meu Primeiro escrevesse a dizer que vai bem, que se alimenta bem, que toma a medicação toda, que se tem divertido, que tem amigos, etc. e sem escrever este tipo de relatório que elas não percebem…

A sua reacção foi:

- Achas?, então tá bem!

Uma outra faceta que vos pode ajudar a perceber o Bonzinho tem a ver com o facto, acho que bastante corriqueiro, de cantarolar enquanto fazia a barba, de porta aberta, partilhando com todos os seus dotes canoros.

Tinha essencialmente três músicas no reportório. Uma não me consigo lembrar, mas era menos relevante.

As outras duas eram… “Avé, avé, avé Maria, Avé, avé avé Maria. A treze de Maio, na Cova da Iria…” e por aí fora e a outra, está bem de ver, era … “Heróis do mar, nobre Povo, Nação valente e imortal….”.

Para esta última, o meu camarada Nelson Batalha, de quem já falei, sempre que saía de serviço do turno da noite e ia dormir, costumava aparecer em cuecas e em sentido pedindo:

-Oh meu Primeiro, pare lá de cantar o Hino porque sempre que o oiço tenho que me colocar em sentido e assim não consigo dormir…

Bem, acho que já deu para entender como era o Bonzinho. Um homem bom, um bom homem, apanhado pela voragem da lógica da guerra, colocado junto de jovens que também teriam as suas pancadas.

Mais uma vez realço que isto não tem nada a ver com o dramatismo das situações passadas lá longe, no Vietnam mas, já que se está a tentar montar o puzzle da memória dos tempos de guerra, estes eram aspectos humanos que certamente também devem contar.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil
Transmissões TSF

Hélder Sousa, O Bigodes

Foto editada por CV


Nesta foto, Hélder Sousa com os camaradas Fernando Roque e Nelson Batalha

Fotos: © Hélder Sousa (2008). Direitos reservados.

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5053: Agradecimento colectivo ao ilustre grupo de amigos do Blogue (Hélder Sousa)

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4474: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (5): Os meus livros

domingo, 7 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4474: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (5): Os meus livros

1. Mensagem de Hélder Sousa, ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72, com data de 17 de Maio de 2009:

Caros Editor e Co-Editores

Junto envio um texto que podem publicar, se entenderem e quando entenderem.

Não é propriamente uma história retratando algum caso concreto, trata-se de relembrar alguma vivência em tempo de guerra, partindo das reflexões que alguns episódios recentes me fizeram ter.

Aceitem um forte abraço, deste vosso amigo e camarada da Guiné.
Se quiserem podem repetir esse abraço mais duas vezes.
Hélder S.


OS LIVROS….

Nas duas últimas histórias que enviei, referi os elementos que fizeram actuar a memória para alcançar o conteúdo dos mesmos. Para este escrito a situação não será diferente. De facto, são muitas vezes os estímulos, os impulsos recebidos, que fazem o clic indispensável para que a história apareça.

Desta vez temos três entradas.

Por um lado (primeira entrada) uma reportagem que vi hoje (dia 15 de Maio) na RTP1 a propósito do livro do Gen. A. Spínola e em que a determinada altura o apresentador/narrador Rui Morrison, salvo erro, relaciona o aparecimento desse livro, “Portugal e o Futuro”, como sendo um factor determinante nos acontecimentos que vieram a desembocar nas acções do “25 de Abril de 74”, relacionando esse facto com outros em que o aparecimento de livros com grande divulgação geraram alterações significativas nas sociedades em que surgiram (e não só, digo eu), referindo os casos de Thomas Payne na América, cujo livro deu origem à Revolução Americana, o do francês Thiers (também salvo erro) cujo livro deu um contributo decisivo para a Revolução Francesa, o do Vladimir Ilitch Ulianov (Lenin) com o livro “O Estado e a Revolução” saído em Fevereiro de 1917 e que deu origem à Revolução Bolchevique na Rússia.

Outro factor de lembrança (segunda entrada) foi ter participado no passado sábado 9 de Maio, em Vila Franca de Xira, na apresentação pública dum “Manifesto da Memória”, produzido por uma Comissão de redacção constituída por elementos que participaram na Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense. O objectivo desse “Manifesto” é o deixar memória registada das acções e actividades que foram levadas a efeitos por aquela entidade e que se entende dever deixar para que alguém, que possa e queira, aproveite a experiência desse trabalho e, eventualmente, possa encontrar aí caminho ou inspiração para enfrentar os problemas de hoje. A entrada é motivada por nessa “Memória” se entender e afirmar que pertencemos à geração do Livro. Que grande parte da nossa acção e formação girou à volta da Biblioteca, dos seus livros, do estudo e debate dos seus conteúdos, o que é bem verdade.

A última entrada é provocada por uma foto do então Furriel Henriques colocada no P4306, o qual aparece com aquele seu ar de rato de biblioteca, com os óculos típicos e os papéis debaixo do braço, em inequívoca atitude ilustradora de quem se interessava pelas questões intelectuais, tendo inclusive merecido uma referência nesse sentido, colocada num comentário, pelo Miguel Pessoa, especulando se aquele visual não seria perigoso no sentido do IN eventualmente identificar por ele alguém mais graduado, e obtendo uma resposta do Henriques/Luís Graça revelando que aquilo era apenas por ronco, já que via bem ao perto e ao longe, tendo apenas alguma maior sensibilidade à luz. Ao menos não eram Ray-Ban, senão ainda o poderíamos confundir com o A.B.... vade retro!

Da conjugação destas entradas acabei por me lembrar que na Guiné não deixei de pertencer à tal geração do livro, persistindo em mantê-lo por companhia e como elemento essencial de vida. A prová-lo está essa foto que envio, tirada no quarto, em Bissau, na moradia anexa ao Centro de Escuta onde prestava serviço. Estou a ler um jornal que me chegava por correio, visto ter assinatura, e que se chamava “Comércio do Funchal”. Na mesa de apoio, ao lado da cama, é visível um livro intitulado “As Minhas Universidades”, dum conhecido autor russo. Por debaixo desse, está um livro encapado que não me consigo recordar o que seria. Ao lado está um livro sobre economia, que cheguei a estudar com mais dois camaradas de serviço, sendo que para isso aproveitava os turnos de serviço nocturno, das 01.00 às 07.00, para passar a folhas A4 dactilografadas e com papel químico, para serem lidas e comentadas posteriormente. Por debaixo dos envelopes das cartas de avião está um outro livro encapado, mas esse sei que seria um livro intitulado “A Mãe”, do mesmo autor de “As Minhas Universidades”. Tinham capas para furtar a curiosidade dos bisbilhoteiros e/ou bufos e tentar preservar o mais possível a integridade física (a minha).

Na outra foto que também anexo, tirada numa das esplanadas do Pelicano, em que estou com os Furriéis Mil. Fernando Roque e Nélson Batalha, no dia do meu aniversário em Outubro de 71, também é visível que em cima da mesa se encontra uma capa com um livro dentro. Trata-se de uma preciosidade chamada “O elefante”, dum autor polaco de nome Mrozeck, sendo um livro de contos dos quais alguns foram lidos para mais do que os elementos que ocupavam a mesa em que me encontrava na esplanada do Bento, provocando enormes e saudáveis gargalhadas, já que os contos escolhidos a isso se prestavam.

Por tudo isto que agora recordo, bem assim como as viagens feitas com o atrás mencionado Fur Roque, de moto (Honda?), até Nhacra, para assistir a algumas sessões culturais (digamos assim) que por vezes lá ocorriam, convivendo com outros elementos dos quais retenho a lembrança dum antigo colega de escola e outras vivências, o Fur Mil Bento Luís, e que se passavam na CCAV então comandada pelo Cap Mário Tomé, reforço a ideia de que o livro foi não só uma incontornável companhia para ultrapassar as situações vividas como também a fonte onde fui beber a informação, o conhecimento, a cultura, a formação e tudo o mais que ajudou a moldar-me.

Disse acima que foi, mas é para mim bastante claro que ainda é, pelo menos quando se cultiva a atitude de reflectir o que se lê e se procura discutir o que se lê, no sentido de elevar o conhecimento e não nos limitarmos à reacção, quantas vezes impulsiva, quantas vezes boçal, quando confrontados por qualquer questão ou simplesmente para dar uma opinião.

Caros camaradas, desculpem estas reflexões sobre “memórias de tempos de guerra” mas podem crer que a guerra se travou em muitas frentes… e de muitas maneiras! Até para criar condições para acabar com ela!

Um abraço para toda a Tabanca!

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF

Bissau > Hélder Sousa, no quarto. Na mesinha de cabeceira, os inseparáveis livros

Na foto, Hélder Sousa com os camaradas Fernando Roque e Nelson Batalha


2. Pequeno apontamento de CV:

"A Mãe" e "As Minhas Universidades" são livros de autoria de Máximo Gorki, pseudónimo de Alexei Maximovich Peckov que nasceu em 1868 na cidade de Nijni-Novgorod, chamada mais tarde de Gorki em sua homenagem, e que faleceu em Moscovo em 1936. Tem uma vastíssima obra literária.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4316: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (4): A bazuca em rajada

domingo, 10 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4316: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (4): A bazuca em rajada

A BAZUKA EM RAJADA

Esta história tem os seguintes considerandos iniciais.

A sua lembrança é motivada pelo comentário do Alberto Branquinho à minha história anterior, em que ele sublinha que a sua insistência em negar-se a “falar de si ou do seu umbigo” tem como alvo “aqueles que falam/escrevem só e sempre sobre o seu próprio umbigo”. Acho que o compreendo!

Por outro lado tive sempre a tentação de reagir a um artigo publicado no P2264, que é uma espécie de carta escrita pelo Luís Graça a um seu amigo (o Tony Levezinho) transformando-o em interlocutor imaginário daquilo que observou durante uma estadia em Bissau quando, durante algum tempo, esteve “desenfiado” do “Vietnam”.

Para além de considerar essa carta muito interessante, pelo seu conteúdo, pelos pressupostos, até por referir algumas situações ou episódios que eu, ao tempo, “vivia” cá na chamada “Metrópole”, e também para além de retratar, com bastante azedume, aliás, alguma da “fauna” de Bissau, há lá um aspecto que eu próprio testemunhei mais tarde, provando que, nesse capítulo, pouco ou nada se alterou entre o “tempo” do Luís e o meu “tempo”.

Refiro-me ao facto “as tropas especiais” normalmente se “pavonearem” por Bissau, nos períodos em que por lá andavam. Mas, em termos de “exageros de actividade operacional”, também havia, e muito, quem gostasse de contar as suas histórias, as suas aventuras, os seus actos inigualáveis de heroísmo, sempre mais, maiores e mais ousados que o do “contador” antecedente.

Sempre tive alguma dificuldade em entender porque deveriam ser “heróis” aqueles que tinham (têm) como mérito o “saberem matar muito, destruir muito”, em detrimento daqueles que “salvaram, construíram, ajudaram, muito ou pouco”. Certamente será um problema meu, que passará com o tempo, ou então, não!

Foi então a junção destas duas lembranças, “os que falavam de si” e os que exageravam até à náusea, que me fez recordar este pequeno episódio.

Num daqueles dias em que a paciência estava esgotada, vá lá agora lembrar-me porquê, em que não havia paciência para aturar as fanfarronices, as idiotices desbocadas, o exacerbamento do ego de alguns daqueles elementos da “fauna” de Bissau, estando no bar de Sargentos de Santa Luzia, depois do almoço, deixei-me estar na roda de “heróis” que contavam as suas façanhas.

Como disse, a paciência não era muita e depois de ouvir três ou quatro episódios em que haviam sempre emboscadas com, invariavelmente, dois bigrupos (não sei porquê, mas isto dos dois bigrupos era infalível, parecia o Juca Chaves a parodiar o Gary Cooper), em que os personagens “contadores da história” acabavam por ser o elemento decisivo para a resolução do problema e em que em resultado da sua acção os elementos do IN caíam que nem tordos, a fazer lembrar os filmes de “faroeste” com os índios a serem dizimados às dúzias, não me contive e disse que também tinha uma história parecida para contar.

Tendo em conta a minha atitude normalmente reservada, ficaram admirados que tivesse alguma coisa a revelar, mas dispuseram-se a ouvir.

Então eu disse que também se tinha passado comigo uma situação semelhante às que eles tinham estado a contar, que tinha ocorrido numa coluna em que vinha inserido, pouco depois do k3 (era sempre bom referir estes locais de respeito), a qual caiu numa emboscada medonha, eram pelo menos dois bigrupos, talvez até três, e em que a rapaziada ficou tão surpreendida que saltámos dos “unimogs” e alguns até abandonaram os seus equipamentos.

Os “gajos” estavam em cima da gente, a coisa estava feia e eu, que até nem era nada dado a actos de heroísmo, nem sei o que me passou pela cabeça, saltei do chão, agarrei na bazuca que tinha ficado em cima da viatura, coloquei-a junto à cintura, enfrentei os gajos fazendo a “menina” cantar… rá tá tá tá tá tá tá tá, rá tá tá tá tá tá tá tá,. Com esta minha intervenção os tipos assustaram-se, a nossa malta ganhou ânimo e conseguimos abortar a emboscada com poucos feridos e causando inúmeras baixas ao IN.

Propuseram-me um louvor e colocaram-me na “Escuta”. Era por isso que agora eu estava lá.

Como calculam, após alguns breves instantes de perplexidade e de estupefacção (não se esqueçam que isto se passa no Bar, após o almoço…) um dos ouvintes diz: “é pá, mas a bazuca não dispara em rajada!”

Aí eu disse: Ai não? E porquê? Na minha história dispara, sim senhor! Então vocês podem contar as histórias como querem, com as invenções que entendem, e eu não posso? Pois estão enganados, na minha história há uma bazuca que dispara em rajada e vai ficar sempre assim, porque essa é a minha verdade, vocês fiquem com as vossas! Passem bem!

Após esta saída de cena, houve desmobilização geral. Alguns ainda pretenderam empertigar-se um bocado, sentindo-se ofendidos na sua honra, pela dúvida lançada quanto à veracidade das suas histórias, mas foi sol de pouca dura pois começaram a discutir entre eles, cada qual desmentindo os outros.

Reconheço que foi uma atitude pouco conciliadora e certamente injusta para com aqueles que na verdade enfrentaram reais situações mas, como disse, a paciência tem limites e, também em boa verdade, aquelas conversas já enjoavam. Mas foi quase “remédio santo” pois durante bastante tempo não houve bigrupos…

E pronto, esta história já está!

Um abraço para toda a Tabanca!

Hélder Sousa

Fur. Mil. Transmissões TSF

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Nota de MR:

Vd. último poste da série em: 22 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4235: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (3): Recordar aos poucos ou circuncisão espectacular

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4235: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (3): Recordar aos poucos ou circuncisão espectacular

1. Em 21 de Abril, Helder Sousa (*), ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72, enviou-nos esta mensagem, relembrando uma mais antiga:

Caro Editor-Chefe.

No passado dia 24 de Março enviei este mail para o endereço recomendado do Blogue.
Foi só para ele.
Como entretanto li que, devido à possibilidade de acumulação de material, era recomendável enviar-te também para este teu endereço do gmail, aqui o estou a fazer.
Se achares que deve ser encurtado ou coisa assim, podes dizer que tratarei de o dividir como conseguir.

Até lá, votos de continuação de bom trabalho (mereces mais do que uma menção honrosa, mereces AJUDA!) e até breve.

Um abraço
Hélder S.


2. Mensagem anterior com data de 24 de Março de 2009:

Caros camaradas Luís, Carlos e Virgínio

Junto anexo um texto que escrevi a propósito da questão das memórias.

A partir duma pequena parte dum texto colocado no Blogue, recordei-me dum episódio que se tinha passado comigo e da qual já nem me lembrava.`

É essa situação que relato.

Acho que o processo da reconstituição da memória colectiva deve passar por um processo semelhante, com avanços assentes nos vários contributos que todos, e cada um, consigam fazer aportar a este rio comum, que é o nosso Blogue.

Se acharem que tem cabimento, publiquem.

Um abraço para toda Tabanca, do tamanho do rio que escolherem.
Hélder Sousa


RECORDAR AOS POUCOS

Esta coisa da memória de cada um, tem que se lhe diga.

Vou relatar um episódio que se passou comigo, que agora recordei, e desde já peço desculpa, principalmente ao Alberto Branquinho, por ir falar de mim e do meu umbigo…. ou quase!

Durante anos praticamente esqueci a Guiné mas através do nosso Blogue, pelas leituras dos relatos, das histórias dos vários intervenientes, pelas conversas que entretanto se vai tendo com os novos amigos ou com os antigos reencontrados, lá se vai fazendo cada vez mais luz.

Por exemplo, tenho dito que passei cerca de 6 meses (não chegou bem) em Piche, junto da sede do BCAV 2922. Sei que cheguei lá no início de Dezembro de 1970, dia 4 ou 5, não me lembro bem, e regressei a Bissau no final de Maio de 1971, salvo erro a 25, pelo menos é neste momento a ideia que tenho. Pelo meio, aí pelo dia 15 de Abril de 1971 (desta data tenho a certeza) fui a Bissau onde passei lá alguns dias, voltando a Piche talvez uma semana depois.

É absolutamente certo que me lembro como foi a primeira viagem de ida. Fui num avião grande, cheio de gente, militares e nativos que tinham estado em Bissau num acontecimento promovido pelo General Spínola e que se chamou Congresso dos Povos ou coisa assim parecida, que levava também várias caixas com material e alimentos e voei até Nova Lamego. Aí fiquei um ou dois dias (não me lembro exactamente) e depois integrei a coluna para Piche.

Quando vim a Bissau, em 15 de Abril de 1971, para recolher o material com vista a reequipar o novo Posto de Transmissões de Piche, fiz a coluna de Piche a Nova Lamego, segui depois até Bafatá integrado num conjunto de viaturas que também para lá se dirigiam. Aí segui para Bambadinca num combóio de apenas 2 Unimogs. Em Bambadinca estive com um Fur Mil de Transmissões do curso anterior ao meu, chamado Vítor Caniços, que me contou ter havido na véspera (14 de Abril de 1971) um forte ataque a Catió onde o meu amigo e colega de curso Nélson Batalha (de quem já falei), conterrâneo de Setúbal do Vítor, tinha ficado ferido e alvo de evacuação para Bissau. Fui depois até ao Xime e aí embarquei na Bor até Bissau.

Não consigo recordar-me como fui até ao Xime. Se foi ainda no mesmo dia, se fiquei dum dia para o outro em Bambadinca, nem que transporte tomei. Do Xime recordo-me da rampa que me pareceu íngreme (coisa rara na Guiné) até ao cais. A viagem que fiz na Bor não foi muito distinta do que já li no Blogue. A emoção da descida rápida do Geba estreito, a carga absolutamente indescritível daquele ferry, com material e equipamentos militares, elementos da população, animais soltos e em gaiolas, tudo numa absoluta molhada, a atenção sempre ao máximo à espreita do que se podia passar nas margens, que se revelavam misteriosas e perigosas. Mais à frente, quando o Geba se alarga a perder de vista, depois de receber o Corubal, com o barco bem afastado das margens, começa a levar com ondulação forte, de frente, que fazia refrescar toda aquela parafernália de pessoas e coisas que se amontoavam a descoberto. Aí a molhada ficou toda molhada!

Chegado a Bissau, apresentei-me junto do meu comando das Transmissões, visitei o meu amigo ferido no Hospital (eu tinha jogado às moedas com ele para ver quem ia para Piche e quem ia para Catió), inteirei-me do que tinha que fazer quando regressasse ao mato, identifiquei o material e, passados uns dias lá fui de volta a Piche. Ainda hoje não me consigo lembrar o que fiz e como foi.

Quando em Piche a missão ficou cumprida lá regressei finalmente e Bissau, em princípio para ir (pensava eu, como me tinham prometido) para Teixeira Pinto ou Bolama, como recompensa por ter sido destacado para zona considerada problemática (aqui para nós, qual é que não era?), mas acabei por me imporem o Centro de Escuta. Mas isso é outra história.

O que importa é que essa viagem final, aquela que me levou de vez de Piche a Bissau, também está obliterada. Não me consigo lembrar o que fiz. Tenho uma vaga ideia de ter ido de coluna até Nova Lamego mas depois suspeito que tomei um avião.

Circuncisão ao vivo e a cores

Portanto, como disse, isto da memória vem aos poucos, à medida que se vai lendo e relacionando as coisas. Sendo assim, ao ler o P4013 (**), com o relato de passagens do livro “Diário de Guerra” de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins), lá aparece o registo que no dia 10 de Maio de 1965 o autor desse livro esteve no HM 241.

Reza assim o tal registo:

“Hospital Militar de Bissau, para uma pequena intervenção cirúrgica. Circuncisão, isto é, um corte no freio, que tinha dificuldade em arregaçar.

Se tivesse nascido judeu, ter-me-ia poupado ao incómodo nesta idade de quase um quarto de século.”


Esta anotação fez-me recordar que uma situação semelhante se passou comigo e que afinal, não havendo naquele tempo Serviço Nacional de Saúde nem tendo a esmagadora maioria dos pais dinheiro para gastar com médicos, onde só se ia (os que iam) quando alguma doença mais visível aparecia, muitos jovens daquela época tinham problemas parecidos e cuja resolução só seria ultrapassada pelo tempo. À data, antes da entrada no serviço militar, havia em Vila Franca de Xira, onde vivia, um médico, carinhosamente conhecido como médico dos pobres, o Dr. Rodrigues Pereira, pai de um homem muitas vezes citado no nosso Blogue, principalmente através dos escritos do Beja Santos e da Cristina Allen, o Dr. David Payne, que ajudava em muita coisa mas não era possível atender a tudo e a todos.

Por isso, quando estava em Piche, alguns camaradas relataram os seus problemas e como eles tinham sido resolvidos graças à intervenção dos médicos do Batalhão que se disponibilizavam para o efeito.

Comecei também a ganhar coragem para me submeter à necessária intervenção cirúrgica e fiquei esperando pela oportunidade. O BCAV 2922 tinha no seu quadro três Alferes Médicos, Hermano Gouveia, Fausto Gomes e Roando Álvares, e havia um, pelo menos, sempre em permanência na sede do Batalhão. Comecei a tentar convencer o Dr. Hermano mas acho que foi com o Dr. Fausto que fui à faca.

Quando finalmente ficou acordado o dia, o que acham que aconteceu? Uma coisa simples, como a relatada no livro do Cristóvão? “”, nada disso!

O médico resolveu transformar aquela pequena intervenção cirúrgica numa aula pública e de ensino colectivo.

Quando me encontrava deitado de costas em cima da marquesa, em situação, digamos assim, indefesa, calças em baixo, com o médico e o Furriel Enfermeiro Santana (já nos conhecíamos de Santarém) a começar os preparativos para desinfecção e outros procedimentos, a sala de operações foi literalmente invadida por todo o pessoal afecto ao serviço de saúde e também por mais meia dúzia de outros amigos que se divertiram desinfectando tudo o que podiam. Aquilo é que foi uma alegria! Tintura de iodo e outros desinfectantes pintando desenhos vários no peito, barriga, umbigo (cá está o umbigo), pernas, enfim….

Nessa altura o Dr. disse que tinha boas e más notícias para mim. É que não tinha agulhas finas para dar a injecção com o anestésico no local a cortar, o que queria dizer que iria doer mais mas, por outro lado, sendo a agulha mais grossa também corria menos riscos de se partir… Além disso, para compensar, iria providenciar uma espécie de anestesia apropriada à circunstância, que me faria não sentir a dor da própria injecção, coisa que na altura não percebi o que podia significar.

Então, no meio daquela feira, daquela alegre confusão (alegre para eles, que eu transpirava como se pode calcular e estava muito apreensivo) o nosso Dr. faz um sinal com a cabeça ao Furriel Santana que se encontrava ao meu lado direito e que me afinfa uma valente cotovelada na zona do fígado, abaixo das flutuantes, que me tirou literalmente o ar, provocou uma dor e uma contracção muscular por toda essa zona que me fizeram ficar imóvel e, enquanto isso, o maquiavélico Dr. aplicava a tal injecção com a agulha grossa.

Feito isso, que eu nem senti, passou a fazer o que tinha de ser feito, cortando e cozendo e tudo correu depois como previsto.

Medicado e entrapado lá recebi a recomendação de agora, durante uns dias, nada de esforços…”. Isso é que era bom… nessa mesma noite, o IN, como que para entrar também na festa, lá resolveu fazer uma flagelação, com alguma intensidade, e vá de ir para a vala de protecção, tentando rastejar o menos possível. Resultado, um ponto rebentado e novos cuidados

E pronto, este relato já está!

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
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OBS:- Os editores agradecem a compreensão do Helder Sousa e o reenvio deste texto, que damos hoje a conhecer aos nossos leitores.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4025: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (2): "Conta-me como foi" ou há mesmo coincidências

(**) Vd. poste de 11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4013: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (V): Do Tejo ao Geba (17 de Abril de 1965/25 de Maio de 1965)

sexta-feira, 13 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4025: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (2): "Conta-me como foi" ou há mesmo coincidências

1. Mensagem de Helder Valério Sousa(*) (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 10 de Março de 2009:

Caros camaradas Editor e co-Editores e restantes membros da Tabanca

Em anexo envio-vos um texto que, caso entendam ser merecedor de publicação, podem utilizá-lo quando acharem mais oportuno.

Trata-se de uma situação real, por mim vivida, e que quase vi decalcada num episódio que passou no último domingo na RTP1.

Ele há cada coisa!

Um abraço do tamanho do rio que escolherem, que mais gostarem.
Hélder Sousa


Hélder Sousa, Fur Mil Trms TSF, algures na Guiné no exercício das suas funções


SERÁ QUE HÁ DETERMINISMO? E COINCIDÊNCIAS?

APRENDER A SER TSF


Tem passado na RTP1, aos domingos à noite, uma série que salvo erro se chama “Conta-me como foi”, que em certa medida retrata a evolução histórica da sociedade portuguesa percorrendo os anos 60 e entrando agora nos anos 70 do século passado.

A história centra-se numa família lisboeta e aparenta ser narrada pelo filho mais novo dessa família, o qual à data frequenta a escola primária e está permanentemente, com dois colegas e vizinhos, arranjando sarilhos, problemas e situações caricatas devido à sua grande curiosidade, espírito inventivo e ansiedade de aprender mais.

A família tem um pai que é (era) funcionário público e ainda biscatava numa tipografia, estando agora a trabalhar no ramo imobiliário (está-se a assistir ao começo do desenvolvimento da construção desregrada), uma mãe que tem vindo a evoluir de dona-de-casa para empreendedora no ramo das modistas, uma avó (mãe da mãe) sempre presente e pronta a ajudar em tudo o que for necessário, um irmão que é estudante universitário, agora em vésperas de poder ingressar no serviço militar, que já se envolveu nos movimentos estudantis, uma irmã que também tem vindo a fazer um percurso no sentido da emancipação da mulher, tendo ido em viajem a Inglaterra contrariando as ordens do pai e experimentando agora a vida de teatro que também é alvo de muitas reacções familiares.

Mas vou ficar por aqui na narrativa e enquadramento da série porque isto, em si mesmo, pode exacerbar os ânimos dos bernardos e argumentarem que não tem nada a ver com o Blogue. Não será bem verdade porque a época retratada é a época vivida por nós, o que pode ser contestado é o percurso narrativo, que podia ser qualquer outro, mas ainda assim, para mim, está muito bem.

Sendo assim, a que propósito é que vem isto?

É que por acaso, no episódio de ontem, quando os três rapazes estavam conversando com um jovem do bairro, que vai embarcar para a Guiné, procuraram saber como depois eles se comunicavam e lá veio a indicação de que seria através dos rádios, através das transmissões. Perguntando daqui, pesquisando dali, o senhor do quiosque arranjou-lhes um livro com o alfabeto morse, falou-lhes do telégrafo e eles foram procurar a ajuda do professor para a melhor forma de tratar do assunto e depois, com a ajuda de alguém que lhes disponibilizou equipamento de telegrafia, inclusive uma chave de morse, lá foram montando umas comunicações para funcionar entre a casa de dois deles.

Pois não é que me revi quase totalmente na situação? E sabem porquê?

Porque quando frequentava o 1.º ano do então Curso de Montador Electricista na Escola Comercial e Industrial de Vila Franca de Xira eu e o meu vizinho do andar de baixo (João Cunha) fizemos quase exactamente o mesmo. Ele tinha um primo que trabalhava nos CTT e que nos arranjou uns equipamentos (chaves de morse e ponteiras de escrita em tambor) que nos permitiu fazer uma ligação entre as nossas casas, através de fios lançados exteriormente e passando pelas janelas. As bobinas foram feitas por mim na Oficina de Electricidade e lembro-me de como tínhamos um conjunto de pilhas que permitiam fornecer a energia necessária.

Foi muito engraçado, tínhamos o conhecimento do código morse e obviamente que o utilizávamos para comunicar coisas que só nós entendíamos, pelo menos nas redondezas isso era verdade. E esses pequenos segredos tornavam-nos importantes.

Não sei exactamente a importância que isso possa ter tido no meu enquadramento na vida militar, se foi alguma predestinação, se aquando dos testes psicotécnicos ter referido o conhecimento do código morse teve algum efeito decisivo, ou qualquer outra coisa, a verdade é que no final da recruta, no 1.º Ciclo do CSM, em Santarém, saiu a minha especialidade e lá estava indicado TSF, assim, simplesmente, e fui o único em todos os elementos que compuseram a 3.ª incorporação de 1969.

Acreditem ou não, na ocasião nada me ocorreu, até porque não estava a ver o que é que aquilo queria dizer, nem me souberam (ou quiseram) informar, apenas quando fiquei com a guia de marcha para o BT (Batalhão de Telegrafistas) é que percebi o que poderia significar e só nessa ocasião é que me veio à lembrança que já tinha sido telegrafista. Sempre é bom treinar!....

Portanto, a questão coloca-se. Há predestinação? Há coincidências?

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil
Transmissões TSF
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3981: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (1): Aprender a ser solidário

quarta-feira, 4 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3981: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (1): Aprender a ser solidário

1. Mensagem de Helder Sousa(*), ex-Fur Mil de Transmissões TSF (Bissau e Piche, 1970/72), com data de 21 de Fevereiro de 2009:

Caros amigos e camaradas Editor e co-Editores

Em anexo envio um texto com uma história que, se eventualmente encontrarem algum interesse, podem publicar no nosso Blogue.

Ocorreu durante a Especialidade (2.º Ciclo do CSM) e tem o mérito de, para além do anedótico da situação, revelar a capacidade que havia de se gerarem laços de solidariedade e de resistência, já prenunciadores da disposição que se ia aos poucos alastrando, e também aborda (ao de leve) um outro aspecto que já foi também aflorado num outro texto do Blogue, que é a situação de alguns elementos profissionais irem vivendo e alimentando esquemas remuneratórios alternativos resultando tal, muitas vezes, em prejuizo do pessoal comum.

Cumprimentos
Hélder Sousa


APRENDER A SER SOLIDÁRIO OU UM SALAME DE CHOCOLATE ESPECIAL

A história que quero partilhar convosco teve lugar durante o período do meu 2.º Ciclo de Instrução do CSM o qual, por ser da Especialidade TSF, foi efectuado no então Batalhão de Telegrafistas (BT) à Graça, em Lisboa, decorrendo do final de Setembro de 1969 a Janeiro de 1970.

Fui testemunha directa e parte interessada e envolvida, do acontecimento que a seguir relato, que se passou na segunda quinzena de Outubro de 1969 (em plena época de eleições, lembram-se?) e relembro-o agora principalmente para salientar e reforçar a ideia que a tomada de consciência de cada vez mais elementos da nossa juventude questionando a guerra de África foi sendo feita de modo progressivo e com base em situações com que se viam confrontados, de que o episódio que se segue é um exemplo.

Os dois personagens que acabaram por ser as vítimas desta história foram o Fernando Cruz e o Mário Miguel Rodrigues que foram Fur Mil Transmissões TSF em Nampula, Moçambique. Ambos homens do norte, o Cruz do Porto e o Mário de Barcelos, que foram músicos nos seus tempos de juventude (o Cruz confessou-me que se encontra on de road again), são dois bons amigos, que também seguem o nosso Blogue e que, por via disso, conversando sobre tempos passados, relembraram este episódio que agora passo então a relatar.

O que é que o poderá tornar interessante?

Antes do mais porque, estando eu já em Bissau, portanto em 1971 ou 1972, não sei agora precisar, acabei ouvindo a história, deturpada, como é natural, pois é sabido que quem conta um conto aumenta um ponto e quem a relatava não sabia que eu tinha sido contemporâneo e que por tal poderia fazer correcções ao seu relato, mas também não me dei ao trabalho de o desdizer, já que tenho a ideia de que estava muito mais bem composta, romanceada e bastante lisonjeira para toda a rapaziada do Curso, transformados em verdadeiros heróis, contra as arbitrariedades e desmandos da hierarquia e seus lacaios.

Além disso nem sempre havia disposição, mesmo estando em Bissau, longe do Vietnam, como o Luís Graça escreveu naquela carta dirigida ao seu amigo e que já foi publicada no Blogue, não havia disposição, dizia eu, para grandes discussões. Assim deixei passar as deturpações naquela época e já nem me lembrava da história não fosse o Blogue e os amigos que o lêem.

Depois, porque para lá do caricato da situação, podemos encontrar muitas coisas que devem merecer reflexão e até, porque não, discussão sobre o que se perdeu ou não desde esses tempos, como sejam a solidariedade, o espírito de grupo, a unidade contra situações opressoras, bem assim como relembrar os tais desmandos que ocorriam muitas vezes em nosso prejuízo e muitas mais em benefício dos prevaricadores.

O caso em questão aconteceu, porque já vinha sendo hábito desaparecerem coisas das nossas mesas junto às camas e também dos nossos armários, sendo a vítima principal o Mário Miguel Rodrigues que tinha por norma comprar umas bolachas de chocolate que vinham em caixa metálica de formato rectangular. Andávamos todos aborrecidos com a situação, que ocorria por norma durante a nossa permanência nas aulas, num edifício distante da caserna, e as desconfianças iam, naturalmente, para quem fazia a faxina ou a supervisionava.

Deste modo, tiveram uma ideia para apanhar o ladrãozeco e resolveram passar aos actos. Mas vou deixar o Cruz relembrar os factos. Escreveu-me ele o seguinte:

“…quanto ao incidente na Graça, em Lisboa, as bolachas eram roubadas do armário metálico e eu, numa hora de inspiração intestinal, substitui as bolachas na caixa por um apropriado excremento e coloquei a mesma na parte superior e exterior do armário. Ainda mais fácil do que quando as guardava dentro dele e ao mesmo tempo evitava algum odor menos agradável que ficasse no interior. Mas foi tiro e queda. Não me lembro da marca das bolachas mas eram boas com certeza. Sei que a caixa era rectangular e do trabalho complicado que foi acertar na dita sem danificar a mesma. Obra de arte! (hoje talvez a pudesse expor em Serralves!!! ) Bem...

Nós fomos para as aulas e nessa mesma manhã perto da hora do rancho o Sargento A quis saber quem tinha colocado a caixa em cima do armário. Claro que na altura ninguém se acusou e só eu e o Mário Miguel sabíamos do facto e fomos disfarçando como podíamos.

O tipo (acho que era um Cabo RD) levantou a tampa e, sem ver o conteúdo, pois já era hábito sacar as bolachas, meteu a mão e... sujou os dedinhos. Chamou o Sargento, alegou que tinha ido lá porque cheirava mal, que andava a ver se a camarata tinha sido limpa e que nunca tinha roubado bolachas etc., etc. O Sargento leva a novidade ao Capitão. O Capitão, de que neste momento não sei o nome, quando mais tarde nos inquiriu, quis saber quem foi, começou com um ar muito sério, riu, gozou com o assunto, que nunca tinha tido um caso semelhante, de tal forma que cheguei a pensar que estava safo, mas perante a pressão do Sargento A que era um cara de pau, nos prendou com 3 dias de detenção por autoridade do Comandante Ca FT/BT (Companhia Formação Transmissões/Batalhão Telegrafistas) em 31 Outubro 1969 “por haver introduzido dejectos na camarata infringindo os n.ºs 4 e 9 do Art.º 4 do RDM”.

Esta brincadeira fez com que ficasse de faxina às latrinas pelo menos durante uma semana. Ainda hoje me lembro bem de lavar aqueles poleiros e os azulejos com ácido de baterias (o detergente da época para as pôr a brilhar) e ainda hoje me admiro como alguns gajos tem tão fraca pontaria, mesmo sendo ele cego... E o buraco não era tão pequeno assim...! Acho que o Miguel apanhou castigo igual.

O Capitão deu uma descasca no RD, acreditou que as bolachas estavam a ser repetidamente roubadas mas, perante os factos e falta de provas de roubos anteriores, só eu e o Miguel nos lixámos. O Cabo ficou conhecido pelo Cabo da merda.

Mas nós só nos acusámos como autores materiais e cúmplices do sucedido na aproximação do fim-de-semana, porque havia os camaradas casados, o Reis e o Marques, que queriam muito ir a casa e enquanto não aparecessem os infractores não havia fim-de-semana para ninguém. Todos ficavam no quartel a fazer serviços. Não me lembro bem quanto tempo durou a nossa resistência, (eu e o Miguel discutimos a situação várias vezes até chegarmos a uma decisão), mas perante o quadro que se apresentava e num espírito de camaradagem assumimos a autoria e o fim-de-semana foi radioso para todos... menos para nós. Levei tudo na maior. Afinal três dias passam depressa. E ainda nos divertimos com o truque de deixar cair as moedas no muro do Quartel que era contornado pelo passeio exterior e pela abertura na vedação ficar a ver as pessoas na parte de fora a procurar no chão pelas moedas que achavam tinham deixado cair! Por vezes não controlávamos o riso e lá vinha palavrão como moeda de troca.

Só o toque a detidos a horas inesperadas e a lenga-lenga que tínhamos de dizer ao Oficial de Dia... “apresenta-se o Soldado Miliciano n.º 18489568 que se encontra detido... blá, blá, blá...” não era música para os meus ouvidos nem a letra era agradável. O estar detido não impediu que fosse várias vezes comer qualquer coisa (o bitoque lisboeta) tomar café e beber uns copos na tasca que ficava mesmo em frente da porta de armas. Os Sargentos que estavam na porta normalmente eram compreensivos e os Oficiais eram milicianos e nós não íamos fugir. Ser TSF era outra coisa!...”

Desta história o que eu quero ressaltar são, essencialmente, duas coisas:

- a solidariedade (cumplicidade) que se conseguiu gerar entre nós, um grupo de jovens que só se conheciam há apenas 5 semanas, que, eventualmente, teriam as suas rivalidades, pois faziam-lhes crer que a posição relativa numa lista de classificação podia ser motivo para uma não mobilização (de facto isso aconteceu para os 2 primeiros classificados que eram os 2 que eram casados na altura, lá os conseguimos colocar aí) e que aguentaram sem vacilar, sem bufar, todas as pressões para que houvesse denúncia dos delinquentes;

- a situação de relativa, chamemos-lhe assim, corrupção, com o Sargento A a gerir os serviços a matar (dizia-se) e portanto com os seus homens de mão sempre prontos para o que fosse preciso e protegidos quanto bastasse, com o tal Cabo RD em serviço permanente e que obviamente mereceu todo o empenho do A em sua defesa junto do Capitão que, realmente, perante os factos, e com a impossibilidade de provar que tinham havido roubos anteriormente e que tinham sido efectuados pelo mesmo faxineiro, não tinha outra alternativa, face aos regulamentos, senão aplicar a tal porrada.

E a vida continuou, mais fortes e solidários e em plena época de eleições, as eleições de 1969!

Um abraço!
Hélder Sousa
Fur Mil Trms TSF

Miguel Rodrigues e Fernando Cruz em Nampula
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3926: Efemérides (17): Piche, 22 de Fevereiro de 1971 ou... Carnaval, nunca mais! (Helder Sousa)