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sexta-feira, 29 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16031: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (4): O segredo do Jorge, um conto do José Teixeira (régulo da Tabanca de Matosinhos)

O segredo do Jorge

por José Teixeira


O Jorge viveu a infância e os primeiros anos da sua juventude no mundo do “nós”. Nós, os portu­gueses, os melhores do mundo; nós, os portugue­ses, os descobridores e senhores de grandes possessões em África, na Índia e na Oceânia; nós, os portugueses, uma plêiade fantástica de heróis, de aventureiros e de santos; nós, o homem branco, senhor do mundo.

Na ciência, pontificavam os ilustres brancos. Na religião, o “deus” era branco, e os seus seguidores eram brancos. Tinham ido, nos tempos de anta­nho, para África, para a América e para a Índia levar a “boa nova” de paz e amor aos “outros”, os selvagens, coitados.

Quem caminhava a passos largos para con­quistar a Lua eram os homens brancos. Na polí­tica, sabia, apenas, que, em Portugal, havia um famoso branco, adorado e temido por todos os “outros” brancos.

No início da sua vida, neste espaço terrestre onde nasceu, foi descobrindo que ali também ha­via o “outro”; ou, melhor, “outros” que se dife­ren­ciavam pela casta: os iguais, pobres e humildes, que tiravam o chapéu e se curvavam respeitosa­men­te perante o “outro”, o senhor das terras e ha­veres, de quem dependiam para sobreviver, pelo trabalho, de sol a sol, que lhe prestavam em troca de uma tijela de caldo e uns tostões para matar a fome aos filhos.

A sua grande descoberta, e que o marcou para toda a vida, aconteceu quando desvendou que ele existia porque existia o “outro” e lhe servia de es­pelho vivo. Porque o “outro” andava de pé, come­çou a tentar pôr-se de pé e viu que podia dar pas­sos – os primeiros passos, a grande novidade. Depois foi toda uma vida a olhar para o “outro” e a imitá-lo, para o bem e para o mal. Deste modo, construiu o seu “eu”, a sua personalidade; desco­briu as suas capacidades e potencialidades e a for­ma de as pôr em prática. Se o “outro” não exis­tisse, o Jorge seria apenas um animal, dife­rente dos outros animais pelo dom de saber pensar, mas nunca seria, na realidade, o homem que é e de que se orgulha de ser.

Ao encontrar-se no cosmos, protegido por um deus branco, sentiu que, afinal, era um privile­gia­do. Era branco, e havia os brancos, e os “ou­tros”, pobres coitados, incultos, selvagens, incivi­li­zados, que era preciso salvar para o seu deus branco. Os europeus dos tempos de outrora, capitaneados pelos “nossos”, os heróis portugue­ses, tinham em­pre­en­dido grandes expedições para localiza­rem os “outros”, conquistarem as suas terras, explorarem as suas riquezas e converterem-nos à sua religião. Agora, continuavam a “protegê-los” com as suas armas e a enviar os seus missionários para os converterem ao seu deus, porque os deuses dos “outros” eram falsos. Estranhamente, só muito mais tarde desvendou que, afinal, “nós”, os europeus, ganhávamos fortunas colossais com a escravização, humana e económica, dos “outros”, os tais coitadinhos que precisam de ser salvos…

O “nós”, Portugal, encheu-se, assim, de orgulho pelas “descobertas” de terras que fez, como se elas não existissem desde sempre; pelas riquezas que explorou e roubou aos “outros”, e que aliava à “salvação” das suas almas, aqueles “outros” que tinham história e culturas e projetos de vida pró­prios, terras para cultivarem, e famílias estrutura­das à sua maneira.

Um dia, Jorge, a mando dos dominadores do “nós” – os senhores do mundo –, foi até África para mostrar aos “outros” que quem mandava éramos “nós” – os brancos –, com todo o poder na ponta das suas armas de guerra, e sofisticadas estratégias militares. Aterrou numa aldeia cheia dos “outros”, os selvagens, de quem se afirmava que não aceitavam ser portugueses. Contudo, ao internar-se pela tabanca (1) dentro, armado de uma potente arma, viu-se rodeado por um grupo de simpáticas crianças negras que, disputando-lhe os dedos das mãos, gritavam, alegremente, “beran­co! beranco!” (2),  numa atitude de boas-vindas, o que confundiu e perturbou profundamente o seu espírito.

Tocavam-lhe com as suas mãozitas e, depois, examinavam-nas atentamente, como que para comprovar se, por acaso, não tinham ficado bran­cas. Deliciavam-se a massajar-lhe o cabelo louro, liso e macio, e riam-se, riam-se…

Ali, embalado pela música das crianças, encon­trou uma sociedade aparentemente muito pobre, para
os seus padrões de vida, mas rica de valores humanos, em que o conceito de solidariedade e respeito pela pessoa era igual, ou até superior, ao que ele tinha aprendido no meio do “nós”, os senhores do mundo. Estranhamente, pela primei­ra vez, sentiu que era branco e um branco no meio dos “outros”, os pretos.

Que grande desco­berta cultural a que fez, nesse fim de tarde! Observou a cor da sua própria pele e a importância que esse pormenor tinha no seu próprio destino. Nunca o tinha feito. E foi uma nova luz para a sua própria história.

Jorge sentia-se o “outro”, e registou na sua mente que, afinal, não há brancos nem pretos; há, apenas, pessoas de pele diferente, com capaci­dades e potencialidades, com culturas e religiões, com sonhos e ambições, mas pessoas que mere­cem ser respeitadas. Sentiu, perante a reação das pessoas, que a cor da sua pele, aliada ao poder da arma, que trazia à tiracolo e o acompanhava sem­pre, eram fatores de separação ou talvez de medo. E ficou triste.

Estava no meio de um povo que amava a vida, tanto quanto ele, e que tinha uma estrutura familiar
bem definida, com as suas crianças cheias de vida e com direito a um futuro promissor, me­tido no meio de uma guerra que não queria, mas suportava com estoicismo e esperança.

As pessoas que o compunham cantavam e dançavam as suas modinhas, como ele, na sua terra longínqua. Saíam de madrugada para a lala (3), para amanhar as terras e colher o pão, como também ele o fizera tantas vezes.

Sentavam-se à sombra das árvores no calor da tarde para conversarem, o que lhe recordava, com saudade, os tempos em que ele se aninhava na borda do campo, à sombra das videiras carre­gadas de cachos de uvas doiradas, para saborear a merenda – quantas vezes –, uma sardinha frita com um naco de boroa e um copo de vinho. Eram um pouco preguiçosos, pensava, sem se aperceber de que o calor era abafante e de que o suor lhe escorria pelo peito, mesmo quando estava sentado à sombra do embondeiro a jogar às cartas ou a escrever uma carta para a namo­rada.

E tinham medo, um terrível medo da morte, que espreitava pelos canos das armas a todo o momento, tal como ele.

Deixaram-no entrar no seu ciclo de vida e nas horas vagas da guerra. Jorge embrenhava-se na tabanca, como se fosse na sua aldeia. Discutia-se futebol com emoção ou jogava-se, tantas vezes, com uma bola de trapos. Criou amizades e até se apaixonou pela bajuda (4), que, segundo ele, foi a mulher mais bela que conhecera em toda a sua vida.

Sobre essa paixão, escreveu uns tempos mais tarde:

“Tinha uma pele de uma suavidade intensa, pigmentada com laivos do sangue vermelho que a impregnava e lhe dava vida, transformando o negro, negro, numa coloração rosada; divinal para os meus olhos sedentos. Assim era a pele daquela jovem africana, de corpo esbelto e seios firmes, que avistei ao pôr o pé naquela tabanca, pela primeira vez. O Sol, ao fazer incidir sobre ela os seus raios doirados, dava ainda mais beleza àquele corpo talhado por mão divina em noite de lua cheia.

Os meus dedos, agilmente, tatearam os pomos ardentes que lhe saltavam do peito descoberto, atraídos pelo sorriso cativante e acolhedor que me devorou as entranhas, na ânsia de neles encontrar a chave da porta do futuro, que me esperava na­qu­ele chão vermelho.

Um olhar, profundo e firme, vindo de uns olhos amendoados e de um negro fascinante disse-me que estava a ser ousado em demasia, enquanto duas mãos firmes me retinham o gesto, ficando entrelaçadas nas minhas mãos atrevidas.

Tal como o olhar, as mãos daquela jovem de 18 anos, calejadas pelo duro trabalho da labuta na “lala”, deixavam passar um calor humano de boas-vindas que me encadeou o coração àquela terra e às suas gentes.


A Fatmata, assim se chamava a deusa que penetrou tão docemente no meu coração, foi, de ora em diante, a luz que me iluminou o caminho por entre a floresta da vida que trilhei, ao longo do tempo que se seguiu a este encontro feliz com a sua comunidade.

Estávamos na flor da juventude. Provínhamos de lugares e culturas tão diferentes, tanto quanto é diferente a cor da água e a cor do vinho tinto. Uma coisa, nós tínhamos em comum: a vida. E a vida merece ser vivida com garra e doação, o que fizemos nos seis meses que convivemos. Aprende­mos a conhecermo-nos melhor como pessoas e a respeitarmos a essência de cada um. Pela sua mão penetrei na comunidade local e na sua cultura an­cestral, que desconhecia inteiramente. Foram li­ções de cultura, saberes e práticas, por vezes es­tranhos, mas com sentido para a vida da sua etnia e do seu mundo, localizados no espaço e no tempo histórico. Aprendi a ser um deles – Perdi-me na prisão dos seus braços, encandeado pelo seu olhar cativante e desafiador, e fizemos das nossas vidas o mais belo templo do amor.

Da louca corrida do tempo, ficou apenas a sua imagem, colada à suavidade da sua pele.”



Gerou-se, então, uma tremenda desordem na sua mente. Foram meses de interrogações a si próprio, com respostas confusas; meses de silên­cios e sofrimento.

Tinha o poder das armas do seu lado. Havia uma população autóctone que nem por sombras era hostil ao seu país, bem pelo contrário, dava mostras de uma extrema fidelidade a Portugal, e havia um inimigo na mata a combater. Um povo ras­gado ao meio. Irmãos contra irmãos. As ordens superiores do “outro”, e que mandava nele, eram no sentido de destruir o inimigo e de assegurar o bem-estar da população que lhe era fiel. Mas, do outro lado, nas tabancas dos “outros” que sonha­vam com a construção de um país novo, liberto das peias do colonialismo, havia irmãos dos seus amigos africanos, havia esposas, havia mulheres, crianças e velhos.

O Kebá, seu amigo, disse-lhe, um dia, que uma das esposas e dois filhos tinham optado por com­bater pelos “outros”. Era mais uma razão para se recusar a pegar numa arma, o que não era muito bem visto pelos “senhores” dos galões doirados que mandavam em “nós” e não sabiam o seu segredo, pois, se o soubessem, rotulavam-no de amigo dos “outros” e enviavam-no para a Ilha das Galinhas (5).

Os duros combates sucediam-se. A morte en­tra­va ruidosamente e ceifava as vidas daquela gente. Choravam-se os mortos. Os de cá, ex­pres­sando a dor, mas, quando os mortos eram irmãos do outro lado, abafava-se a dor no silêncio e talvez no ódio.

As crianças saltavam-lhe para os braços, puxa­vam-lhe pela pera, tiravam-lhe os óculos. Ele corria atrás delas e, se caíam no chão, curava-lhes as feridas. Ao cair da noite, sentava-se à porta das moran­ças (6) com os mais velhos em amena cavaqueira. O velho Samba, com as suas histórias, mitos e lendas do povo e, os fatos reais de uma vida rica de expe­riências e a defesa do Corão como livro sagrado e do Islamismo como a religião única e verdadeira, era um homem culto e experiente. Tinha sido durante muitos anos cozinheiro num hotel, na cidade. Quando a guerra eclodiu, decidiu abandonar a profissão e regressar para junto do seu povo, para o organizar na defesa contra o ini­migo, a quem ele chamava o “irmão que andava enganado”.

O Abdulai, com as suas perguntas numa preo­cupação
contínua de apreender novos saberes e conhecimentos da cultura do seu irmão beranco, aprendera a ler e “devorava” tudo o que lhe apa­recia, fossem jornais, revistas de quadradinhos, ou livros.

Um dia, lera algo que o perturbou profun­da­mente: “Os horrores do holocausto”. Descarregou em Jorge todas as questões que tal leitura lhe levantara e transformou uma noite de esplendo­roso luar na noite mais escura que Jorge viveu na sua vida. Às perguntas: Por que aconteceu o holocausto, como puderam matar tanta gente que não andava na guerra, por que as mataram, e tantas outras questões que o Abdulai levantou, ele não foi capaz de responder e, sobretudo, encontrar a mínima justificação. Nessa noite, pela primeira vez, sentiu vergonha de ser branco; sentiu-se cúmplice dos crimes cometidos.

Aliu, o homem que detinha o poder gentílico, bamboleando-se na sua rede à porta do seu harém, e Jorge, sentado no banquinho de três pernas, perdidos pela noite dentro e trocando conhecimentos entre duas culturas tão díspares, tanto quanto a sua forma de ser e estar na vida, ou discutindo religião, em que o Islamismo se aproximava do Cristianismo, e vice-versa, no que respeita ao amor de Deus pelos homens e no res­peito que o homem deve ter pelo seu semelhante.

Outras vezes, eram as bajudas, a sua tentação noturna. Perdia-se com elas nas conversas de amor e paixão, sempre em tom baixo, à porta do abrigo e de ouvido atento aos sinais do “outro”, os da outra banda. De vez em quando, aparecia o velho Samba com um sorriso maroto a lembrar o perigo e a mandar recolher.

Nunca a vida tivera tanto valor como naqueles tempos, os melhores tempos da sua juventude. Jorge deixou que o seu sangue embebesse o sofrimento, as alegrias e as esperanças daquele povo e sentiu-se perdido. Ele tinha de ser um dos “outros”, os verdadeiros donos da terra perdidos nas duas frentes da guerra, sem deixar de ser ele, próprio. Mas como?

Havia ainda muito tempo para penar naquela inóspita terra vermelha, regada de sangue e lágrimas por ordem do “outro” que mandava na Metrópole ou “pátria-mãe”, como gostava que se chamasse ao Portugal europeu.

Sabia o rigor das regras militares a que estava submetido, desde que se tornou mancebo e en­trou no quartel, tinha vinte anos. Sabia que, numa vivência em estado de guerra, como aquela em que estava envolvido, há momentos em que “ou matas ou morres”, como diz o povo, na sua sabe­doria popular. Sentia que não tinha o direito de matar, tal como tinha aprendido na catequese que uma velha e rabugenta, mas muito querida, lhe tinha ministrado em criança.


O dilema bailava-lhe dentro da sua mente em sofrimento, e foi crescendo, crescendo, quase o coibia de pensar. A sua consciência impedia-o de agir com a violência das armas, pelo perigo de matar alguém. Impedia-o, também, de desertar ou, de algum modo, de mostrar o seu desacordo quanto às regras e ordens que lhe eram impostas. A morte de camaradas brancos e africanos, caídos por balas ou estilhaços assassinos, perturbava-o e obrigava-o a um estado de alerta e tensão perma­nentes. Isolava-se dos camaradas, fechava-se em si, e resistiu à tentação do álcool, mas já não era o mesmo rapaz alegre e comunicativo. Se o queriam ver feliz, era acompanhá-lo nas suas idas à ta­banca.

Um dia, caiu numa emboscada. Atirou-se para o chão, protegeu-se atrás de uma árvore e deixou-se estar de arma calada. Mandado avançar numa tentativa de envolver o inimigo, seguiu os seus ca­maradas de arma em posição de ataque, sem dar fogo. Descobriu, então, que se podia “fazer guer­ra” de uma forma passiva, não intervindo: to­mou a decisão. Guardou ciosamente o seu segredo durante o resto da longa comissão.


E quantas vezes, perante as situações de morte e de sofrimento que, à sua volta, grassavam na sequência das duras lutas travadas, a tentação de reagir pela força da sua arma teve de ser repelida pela consciência, num combate constante entre o coração e a razão!

Os camaradas foram-se apercebendo da mu­dan­ça que nele se operou. Tornou-se, de novo, um
companheiro alegre e comunicativo. Participa­va nas animações que, esporadicamente, os ca­ma­radas promoviam a pretexto de um aniversá­rio, de uma remessa de iguarias que alguma mãe enviara, numa tentativa de aliviar o isolamento e o sofrimento do filho querido, perdido na guerra. Deliciavam-se com os fadinhos de Coimbra, que Jorge tão bem cantava, mas, quando saíam para o mato, em missão, dita de soberania, à procura do inimigo, Jorge transmudava-se. Fechava-se em si próprio, no silêncio e na atenção aos movimentos que podiam vir da traiçoeira mata.

Terminada a comissão de serviço, regressou à sua terra natal – o Porto –, onde o esperava a família para lhe fazer uma viva e calorosa receção. Recorda-se que só se sentiu liberto do fantasma da guerra quando, ao chegar à estação de Gaia, avistou o seu Porto. Do que resta do primeiro encontro com a família, só se lembra de abraçar a mãe e dizer-lhe ao ouvido: “consegui”.

Ele conseguira cumprir a promessa que fizera à sua mãe na hora da partida para a guerra. Não matar!

José Teixeira



O Zé Teixeira: (i) tem cerca de 300 referências no nosso blogue;

(ii)  foi 1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; 

(iii) está reformado como gerente bancário; 

(iv) vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; 

(v) é dirigente no movimento nacional escuteiro, onde é conhecido o "esquilo sorridente";

(vi)  é um dos régulos da Tabanca de Matosinhos e continua a ser um dos nossos grã-tabanqueiros mais solidários e inquietos; 

(vii)  como eu gosto de lembrar, o Zé foi talvez dos poucos de nós que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal, pela sua generosidade, coragem, inteligência emocional e demais qualidades humanas), conseguiu saltar a 'barreira da espécie': ele, tuga e cristão, foi aceite e amado pela população fula e muçulmana, e ainda hoje tem verdadeiros amigos, fulas, lá Guiné-Bissau profunda... Ele é amado, mimado, adorado quando lá volta (e já lá voltou não sei quantas vezes!] (LG)

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Notas do autor

(1) tabanca – aldeia

(2) beranco - branco

(3) lala – campo

(4) bajuda - rapariga casadoira

(5) Ilha das Galinhas – ilha do arquipélago dos bijagós na Guiné-Bissau – antigo campo de prisioneiros no tempo da guerra colonial.

(6) morança – casa típica da Guiné-Bissau coberta com palha de capim.


Fotos do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

28 de abril de  2016 > Guiné 63/74 - P16026: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (3): Imagens com história... separadas por 44 anos: Xime (1972) e Monte Real (2016) (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

26 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P16019: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (2): Dez comentários aos primeiros 1500 postes

26 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P16018: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (1): Heróis de uma guerra que nunca existiu e que por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu (Luís Graça)

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15556: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (50): Na minha língua materna, o fula, não existe a expressão "Feliz Natal"... Mas felizmente que a Guiné-Bissau é um país de tolerância religiosa, em que as duas religiões monoteístas, Islamismo e Cristianismo, coexistem bem com o animismo


Guiné-Bissau > Bissau >  2004 > Festa do Tabaski (ou do carneiro) (em árabe, Aïd el- Kebir ou Aïd el-Adha) > O nosso grã-tabanqueiro Cherno Baldé com os seus 4 filhos...  A festa do Tabaski (designação corrente nos países de forte tradição muçulmana da África ocidental)  é, a seguir à festa do fim do Ramadão, a mais importante do Islamismo, equivalente ao Natal cristão. A data é variável, em 2015, foi a 24 de setembro.

"Segundo o Islamismo, o filho herdeiro de Abraão foi Ismael e não Isaac. Esta festa é a comemoração do Livramento, do filho de Abraão que foi substituído por um cordeiro no momento exato em que seu pai iria sacrificá-lo, em obediência ao Senhor. Esta providência divina livrando (segundo o Islão) a Ismael, pai da nação árabe e antepassado do profeta, é lembrada anualmente por todo o povo muçulmano, como a Festa do Sacrifício ou a Festa do Cordeiro." (Fonte: Ordidja)

Foto: © Cherno Baldé (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legenda: LG]



Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A cerimónia do Tabaski... em que pela primeira vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol... Uma das portuguesas foi a Catarina Meireles, médica, antiga aluna do nosso editor Luís Graça e amiga do nosso grã-tabanqueiro João Graça... Nesta foto temos uma vista geral da assembleia, durante a cerimónia do Tabaski, na aldeia mandinga de Tabatô, a escassos 10 km de Bafatá, na estrada Bafatá-Gabu. É a terra do nosso grã-tabanqueiro Mamadu Baio, ator e músico. (*)

Foto: © Catarina Meireles (2010). Todos os direitos reservados[Edição e legenda: LG]


1. Mensagem, de 29 do corrente, do nosso amigo  Cherno Baldé em resposta a um pedido do nosso editor ("Eh!, Cherno Baldé, aí em Bissau, bom dia!... Como se diz 'Feliz Natal'  na tua língua, em fula ?") (**)

Bom dia, amigo Luis! Que a paz esteja contigo e que tenhas um feliz Natal junto a familia.

Na minha lingua materna (Pullar), não existe a expressão "feliz Natal" porque o Natal é uma invenção recente, histórica e religiosamente falando, pois fosse mais antigo seria aceite e incorporado nas festividades religiosas muçulmanas porque o Profeta Mohamed sempre se via como o Profeta da continuidade das duas grandes religiões monoteistas anteriores e não enveredou pela ruptura, mesmo se os 'Surats' chamados de Medina são muito críticos em relação aos Cristãos e sobretudo aos Judeus que a habitavam e que estavam relutantes em o reconhecer como verdadeiro profeta e acima de tudo unificador.

Mas, ser Guineense significa, de uma certa forma, situar-se um pouco no meio das duas religiões e sobretudo solidarizar-se com os irmãos das outras confissões o que, penso eu,  representa uma particularidade específica da Guiné-Bissau, país onde a maioria muçulmana nunca esteve em confronto com a minoria cristã e onde os adeptos das religioes monoteístas nunca estiveram muito afastados das práticas e cultos animistas.

Esta convivência pacífica, em parte, é uma herançaa e resultou da prática colonial que ao mesmo tempo que promovia a religião cristã no seio dos povos do litoral animista e anti-colonial, era obrigada a colaborar com os muçulmanos por força da sua moderação e aliança no seio do "pacto colonial".

Já deixei os meus contactos para um possível encontro com o João Martel e a Ana Maria Gala [, voluntários na Missão da Cumura].

Para si e a todos os editores, assim como todos os restantes Régulos, Almamis, Conselheiros e Djargas da Tabanca Grande os meus votos de um bom e excelente novo ano, cheio de prosperidade, saúde e longa vida.

Um abraço amigo de muita saudade desde Bissau (Guiné-Bissau).
Cherno A. Baldé, Chico de Fajonquito

PS - Sobre o que disse antes, queria acrescentar o facto amplamente conhecido de que o venerando Cherno Rachid de Quebo (Aldeia Formosa) era um dos mais bem escutados Conselheiros do gen Spínola durante todo o período que esteve na Guiné como Governador e Com-Chefe da Provincia e, certamente os dois se terão influenciado mutuamente, facto que vem reforcar a tese da convivência pacífica.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6695: Memória dos lugares (89): Bafatá, Tabatô, Tabaski 2009: Não há preto nem branco, somos todos irmãos, disse a Fátima de Portugal numa cadeia de união... (Catarina Meireles)

 (**) Último poste da série > 1 de agosto de 2015 >  Guiné 63/74 - P14956: Relativamente ao desaparecimento do Alferes Leite, trata-se de um caso do qual ouvi falar desde a minha infância (Cherno Baldé)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13822: (In)citações (71): Djarama (obrigado) a este "santástico" blogue por nos proporcionar um espaço de diálogo e de (re)encontro entre o passado, o presente e o futuro (Djuli Sal, neto do Cherno Rachide Djaló)


1. Comentário, de hoje (*), do nosso leitor, Djuli Sal, neto do Cherno Rachide [Djaló], do Quebo (ex-Aldeia Formosa), que morreu em 1973 ) (**):

[De acordo com o seu perfil no Google +,  "trabalhou em DGCI, fequentou a Universidade Colinas de Boe/Washinton State Uviversity; vive em Hafia,Bissau] [foto à esquerda]

Grato pela adopçao do termo "SANTÁSTICO" (*), agradeço a vossa amabilidade.

Ao meu ver,  este blog representa um veículo de divulgaçaã e contextualização da rica história da Guiné-Bissau.

Aos mais velhos proporciona uma autêntica nostalgia... Para os mais novos (como é o meu caso) é um meio de aprendizagem e de reencontro com as nossas verdadeiras raízes... 

E a todos faculta uma outra face da história, com possibilidades de fazer comparação com o passado recente e o presente, com intuito de projetar um futuro melhor... Um futuro liberto dos erros do passado, através de um novo raiar de sol da esperança de dias melhores rumo ao tão falado desenvolvimento do pais.

Mas para que tudo isso aconteça, os herdeiros da pátria do Cabral têm que enveredar pelo verdadeiro diálogo, perdão e reconciliação entre todos.

O meu obrigado do fundo do coração vai para a direção deste blog, por nos ter proporcionado um espaço de diálogo e encontro com a nossa histria.´

Djarama  (***)
Djuli Sal
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de abril de  2011 > Guiné 63/74 - P8149: (Ex)citações (138): Sou o neto do Cherno Rachide (Djuli Sal)

(...) Olá, amigos, estou muito grato por esse santástico trabalho realizado por essa equipa de emprendedores que conseguiram reavivar a esperança de um povo esquecido no tempo.... o povo de Quebo (ex-Aldeia Formosa).

Sou neto do Tcherno Rachid Djaló [assinalado na foto, em rectângulo verde, tendo atrás, enquadrado por rectângulo a vermelho, o Cap Mil Vasco da Gama, Aldeia Formosa, Janeiro de 1973 ], e estou muito contente por essa iniciativa.(...) 


(...) O termo santástico deve ser lido como santo e fantástico (...)


(**) Al-Hajj Cherno Rachid Djaló parece ser a designação correta... Cito o especialista Francisco Proença de Garcia, oficial superior do exército português [, autor de  Guiné-Bissau 1963-1974: Os movimentos independentistas, o Islao e o poder português / Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia. -Porto, 1996. -  (Texto policopiado) 283 f. : il. ; 30 cm. - Bibliografia, f. 268-283. - Tese de mestrado em Relaçoes Internacionais, Universidade  Portucalense, 1996]. Está disponível no sítio Triplov.com

(...) "Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).

(,,,) Sabe-se que foi disponibilizada uma verba de 200 mil dólares pela Presidência do Conselho de Estado para custear as despesas com a peregrinação a Meca para diversas personalidades destacadas da Comunidade. Na Guiné-Bissau, assim como em toda a África Ocidental, realiza-se a designada “peregrinação por procuração”, ou seja, emerge de uma comunidade um elemento para efectuar a peregrinação. Este elemento executa a peregrinação e obtem, na viagem, a bênção para toda aquela comunidade que suporta as despesas de tão honrosa missão. A comunidade em questão encarrega-se da família do peregrino, enquanto ele está ausente. O valor da peregrinação também envolve este procedimento. Se, por outro lado, o grupo social não realizar aquele esforço, podemos dizer que a peregrinação é afectada.

A peregrinação desempenha um importante papel político, uma vez que une muçulmanos de todo o mundo. Ao regressarem, os peregrinos são portadores do título honorífico de “Al-Hajj” (peregrino), o qual confere um estatuto aristocrático no plano sócio-religioso. De acordo com o Supintrep nº.11, entre 1959 e 1972, sob o patrocínio do Governo da antiga Província Portuguesa, visitaram Meca 230 peregrinos.(...)

(***) Último poste da série > 24 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13795: (In)citações (70): África meteu-se-nos debaixo da pele (Juvenal Amado)

sábado, 18 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13751: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XIV: março de 1973: (i) uso, pela primeira vez no setor, de foguetões 122 mm, num ataque ao Xime; (ii) flagelada, também pela primeira vez, a coluna logística Bambadinca-Xitole; e (iii) mal estar, entre os pais fulas e mandingas, islamizados, pela excessiva orientação cristã dos textos didáticos usados nas escolas bem como pelos castigos corporais









Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca > Subsetor de Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A aldeia de Samba Juli, em autodefesa. Pertencia oa regulado de Badora.

Foto: © Humberto Reis  (2005). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Continuação da publicação da história do BART 3873 (que esteve colocado  na zona leste, no setor L1, Bambadinca, 1972/74) a partir de cópia digitalizada da história da unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte.

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972/74; foi voluntário para a CCAÇ 12 (em 1973/74); economista, bancário reformado, foto atual à esquerda].

O grande destaque do mês de março de 1973, dois meses depois da morte de Amílcar Cabarl (1924-1973) vai para:


(i)  O uso, pela primeira, no setor, de foguetões 122 mm, num ataque ao Xime;

(ii) A saída de efetivos do PAIGC, da Frente Bafatá-Xitole, para o reforço do sul;

(iii) A transferência da CCÇ 12, para o Xime, como unidade de quadrícula, ao fim de 4 anos a atuar como unidade de intervenção, indo substituir a CART 3494 (que vai para Mansambo);

(iv) Mansambo continua sem ser atacado ou flagelado;

(v) Conclusão de 9 escolas no setor;

(vi) Suscetibilidade e mal-estar das populações islamizadas do setor (fulas e mandingas) em relação às escolas dos filhos, devido à orientação cristã dos livros e dos professores, mas também dos castigos corporais;

(vii) Flagelação, pela primeira vez, da coluna logística Bambadinca-Xitole;

(viiii) As NT auxiliam a população da bela tabanca de Samba Juli na reconstrução de moranças destruídas pelo fogo.

[Imagem à direita: capa do livro de leituras da 3.ª classe, o mais ideológico e etnocêntrico dos manuais escolares em vigor no Estado Novo. Os manuais escolares eram “especialmente elaborados pela Direcção – Geral do Ensino Primário, tendo em conta as necessidades culturais e profissionais dos meios populares” do Portugal europeu, continental e atlântico, mas não das populações da Guiné, por exemplo, que eram  na sua grande maioria animistas e muçulmanas.  O Livro da Terceira Classe, Ed. Domingos Barreira, 4ª Ed., 1958  esteve em uso durante décadas. E tinha, como os outros, uma segunda parte reservada ao ensino da "doutrina cristã". Cortesia do portal da Instuto de Educação da Universidade de Lisboa]


Março de 1973: Pela primeira vez, no tempo do BART 3873, o IN usa foguetões contra o Xime, e é flagelada a coluna de reabastecimento Bambadinca-Xitole.




Adicionar legenda



(Continua)
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sábado, 15 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12839: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte VIII): fotos de Canquelifá, na fronteira nordeste: bajudas, final da festa do Ramadão, descanso dos guerreiros...


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70)  > Bajudas (1)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70)  > Bajudas (2)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >    Festa do final do Ramadão (1)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  Festa do final do Ramadão (2)... O Valdemar em tronco...


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70)  >  Festa do final do Ramadão  com o cap mil Pinto a assistir (1)... A meio, sentado, fardado...


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >   Festa do final do Ramadão  com o cap mil Pinto a assistir (2)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >   Festa do final do Ramadão  com o cap mil Pinto a assistir (3)´


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70)  >     Conversas entre o Porto e Lisboa... Vários graduados...


Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]



1. Continuação da publicação das Memórias de um Lacrau ... Texto e fotos enviadas, em 9 de fevereiro último, pelo Valdemar Queiroz {, foto atual à esquerda] (*)

Diz a última parte do texto, muito laconicamente:

"Depois, a partir de Nova Lamego, andámos em intervenção na zona leste, a nível de dois pelotões, por Cabuca, Cancissé, Madina Mandinga, Dara, Piche, Ponte Caium, Dunane, com permanência perlongada em Canquelifá, até nos fixarmos em Paunca e Guiro Iero Bocari."

Vamos apresentar fotos, com legendas destes vários lugares por onde passou o nosso camarada Valdemar Queiroz, esperando que ele e outros "lacraus" complementam esta informação.

Hoje são fotos da estadia em Canquelifá, junto à fronteira, a nordeste:  bajudas, final da festa do Ramadão, descanso dos guerreiros...

Sobre Canquelifá temos cerca de 8 dezenas de referências no nosso blogue. Nesta altura (1968/70), estava sediado em Piche o BART 2857, com a CCS em Piche e as subunidades de quadrícula em Bajocunda (CART 2438), Canquelifá (CART 2439) e Piche (CART 2440). Ver aqui o respetivo sítio.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série  > 12 de março de  2014 > Guiné 63/74 - P12827: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte VII): Fotos de estrada, onde a velocidade máxima era de 40 km (e nas povoações, 35 km)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12420: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte V): Rezando ao mesmo Deus... e (sobre)vivendo num ambiente concentracionário e claustrofóbico como eram os nossos aquartelamentos...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >Foto nº 1A > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão  (pormenor)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2 > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2A > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão (pormenor)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3 > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3A > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão (pormenor)

 

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 4 > Soldados construindo a capela cristã.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 4A > Soldados construindo a capela cristã (pormenor)

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição; L.G.]


 1. Continuação da publicação das Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte V)


[Foto do Jorge Pinto, na época, à esquerda]


Em Fulacunda não havia igreja nem capela cristã. Também não havia mesquita apesar de a população,  maioritariamente Beafada, ser islamizada.

Durante o Ramadão, a população fazia as suas cerimónias religiosas debaixo de um frondoso mangueiro (fotos nº1, 2 e 3, publicadas acima).

Na foto nº 4, vê-se soldados construindo uma capela... Por iniciativa de alguns soldados houve permissão para a construção de um espaço católico de oração, no quartel junto ao refeitório.

Muitas vezes ao final do dia vi grupos de soldados a rezar o terço neste espaço por eles construído. Penso que nunca chegámos a receber a visita do capelão do batalhão, que vivia na sede em Tite, nem de qualquer outro clérigo católico.

2. Comentário de L. G.: 

Já no poste anterior (*), eu comentei o seguinte: vendo a serenidade com que tu, Jorge, apareces nas fotos, e ao mesmo dando-nos conta, pela informação que temos sobre Fulacunda, que estava praticamente isolada por terra, permito-me perguntar-te como é que o pessoal (guineense e continental) lidava com um ambiente concentracionário e claustrofóbico como deveria ser o desse "campo fortificado"... Ainda para mais vocês fizeram a comissão inteirinha em Fulacunda...

Em suma, qual foi o vosso segredo [, para além da fé, para os que eram crentes...] para poder manter a saúde física e mental ? E, em última análise, "sobreviver" ?

Eu sei que havia situações parecidas, mas o vosso isolamento físico terá sido um dos piores... (embora houvesse barco quinzenal, pelo lado sul; embora houvesse população; embora houvesse a FAP, etc.). Fico impressionado ao ler que nem sequer o capelão do batalhão, ali ao lado, em Tite, vos terá ido ver ou rezado uma simples missa... Um alfabravo. LG

PS - Já agora, lembras-te como é que passaste o teu primeiro Natal em Fulacunda ?  Em boa verdade, deves lá ter passado lá dois Natais: 1972 e 1973...
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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12106: Estórias avulsas (69): Em memória do meu amigo Mamadú, pescador do Xitole, que pescava no Rio Pulom (Jorge Silva, ex-fur mil, CART 2716, Xitole, 1971/72)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > BART 2917 (1970/72) > Forças da CCAÇ 12, a descansar na Ponte dos Fulas (sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal), por ocasião de uma coluna logística Bambadinca - Xitole (Xitole era a unidade de quadrícula, do Setor L1, mais a sul; era a sede da CART 2716, em 1970/72).

Perspetiva: norte-sul, quando se vem de Bambadinca e Mansambo para Xitole e Saltinho.  A ponte, em madeira, de construção ainda relativamente recente e em bom estado, era vital para as ligações de Bambadinca e Mansambo  com o Xitole, o Saltinho e Galomaro... A ponte era defendida por um 1 Gr Comb do Xitole, em permanência, dia e noite... Na foto sãos visíveis, em segundo plano à esquerda, o fortim; em terceiro plano, ao fundo, à direita, as demais instalações do destacamento.

Foto do álbum de Arlindo T. Roda, ex-fur mil da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > Ponte dos Fulas, sobre o Rio Pulom. Perspetiva: sul-norte. A coluna logística, vinda do Xitole, regressa a Bambadinca, deixando atrás o destacamento da Ponte dos Fulas. Foto do álbum de Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Humbero Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Mensagem do Jorge Silva  (que entrou para a Tabanca Grande em 23/8/2010; de rendição individual, esteve na Guiné entre 1/5/71 e 24/04/73, tendo passado pela CART 2716 e pelo BENG 447)


Luís Graça,

Um abraço e parabéns pelo óptimo trabalho que tens produzido no blogue que, cada vez mais, agrega ex-combatentes.

Baseado na realidade que vivi no Xitole, produzi um texto cujo tema reputo de interesse e que publiquei, em 28 de setembro último, no blogue da CART 2616.

Se o pretenderes divulgar e te der mais jeito em pdf, anexo-o neste formato.

Jorge Silva
ex-Fur Mil,
CART 2716 (Xitole,1971-72)
e BENG 447 (Bissau 1972/73)





Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1955) / Escala 1/50 mil > Subsetor do Xitolke > Posição relativa da Ponte dos Fulas sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal... Ficava na estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho... A oeste, o triângulo Galo Corubal / Satecuta / Seco Braima, controlado pelo PAIGC.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).


2. Em memória do meu amigo Mamadú, pescador do Xitole

por Jorge Silva

A expressão raças humanas (branca, negra, etc.) resulta de um conceito antropológico antigo e ultrapassado, cada vez mais em desuso, embora o racismo continue a ser uma infeliz e nociva realidade.

Creio que em vez dessa divisão por raças em função da cor da pele devemos considerar, tão só, uma única raça: a raça humana.

Claro que há pessoas com cores de pele branca, negra, amarela e, até, vermelha. Tal como há pessoas que, apesar da cor da pele ser branca, têm olhos azuis, enquanto outros os têm verdes, ou castanhos, ou cinzentos, ou pretos... E há outras que sendo designadas por terem pele branca afinal têm-na muita morena (escura mesmo) e, a par disso, cabelos muito escuros (mesmo pretos), enquanto também as há de pele nitidamente branca e com cabelos loiros.

Hitler foi um verdadeiro e demoníaco “mestre” nestas distinções. E por isso tornou-se o primeiro responsável pelo genocídio de milhares e milhares de seres humanos, para além das nefastas consequências de uma guerra mundial que prejudicou de forma irreparável a humanidade. Hitler não quis ou não foi capaz de perceber que tal diversidade humana é um dom da natureza e uma mais valia da humanidade. E por isso procurou destruir a obra humana, criada pela própria natureza, cuja diversidade os homens se encarregaram de ir enriquecendo ao longo de milhares e milhares de anos.

Ao contrário de Hitler saibamos, pois, aproveitar a riqueza dessa diversidade. E para tal ultrapassemos preconceitos com mais informação válida e mais conhecimento, pois enquanto eles persistirem não seremos capazes de compreender as diversas realidades, costumes e culturas.

Eu tive a sorte de ter a oportunidade de poder começar a compreender as referidas diferenças a partir de 1971.

Com 22 anos fui para a Guiné (Xitole). Branco, e crescido no meio de brancos, fui conviver com negros. Católico,  fui para o meio de muçulmanos, de etnia Fula.

Tive lá um amigo especial, o pescador do Xitole que, na altura,  teria 40 e tal anos, mas que quando tinha apenas 15 anos foi levado de Dakar pelos franceses até Paris para, mesmo sendo menino, ser incorporado no exército francês e ser forçado a participar na última guerra mundial.

O pescador (que,  se a memória não me falha,  se chamava Mamadú), era um homem maduro, vivido e culto. Quando estive destacado na Ponte dos Fulas, juntamente com o David Guimarães, o pescador acompanhou-nos e, com excepção dos fins de semana, em que ia para junto da família, permaneceu connosco cerca de um mês, para lançar as redes no Rio Pulom e capturar o peixe que nos saciou a fome.

Nas muitas conversas que tive com o Mamadú, um dia perguntei-lhe porque é que os homens do Xitole passavam os dias sentados na aldeia enquanto as mulheres se entregavam à vida dura da agricultura, inclusive com filhos às costas e outros a seu lado. E, soltando o que me ia na mente, perguntei-lhe porque é que tais homens não ajudavam as mulheres nos trabalhos agrícolas e, ainda de forma mais directa, se tal se deveria ao facto de esses homens não gostarem de trabalhar...

O meu amigo pescador captou-me o preconceito e,  com imensa calma, feita de muita sabedoria, o Mamadú perguntou-me se na minha terra (Porto) eu encerava o chão, lavava a louça, lavava a roupa à mão, estendia a roupa para secar, passava a roupa a ferro, etc., etc.

Estávamos em 1972 e, também por preconceitos, tudo isso era, inquestionavelmente, trabalho de mulher. De tal modo que qualquer homem que assumisse a realização dessas tarefas seria alvo de epítetos nada abonatórios nem desejáveis.

Naturalmente respondi-lhe que não, o que correspondia à verdade. Mas mesmo que assim não fosse ter-lhe-ia dito na mesma que não. Com um sorriso amigo e de compreensão ele explicou-me que lá no Xitole as coisas também funcionavam de idêntico modo, pois trabalhar a terra era serviço exclusivo de mulher, pelo que se algum homem fosse ajudar a mulher a trabalhar a terra perderia a consideração e o respeito da aldeia.

E, completando a lição, o Mamadú explicou-me que os Fulas eram comerciantes por natureza, pelo que estavam sentados à espera que a guerra acabasse para, sem correrem perigos, poderem trilhar as matas, de aldeia em aldeia,  com a mercadoria às costas, para comercializarem os seus produtos e sustentarem a família.

Percebi, então, que esses amigos Fulas do Xitole não eram malandros. A guerra é que o era. De tal forma que nem sequer os deixava trabalhar.

Aprendi, então, que não devia avaliar os outros à luz da minha cultura e dos meus valores e muito menos com a mente envenenada por preconceitos. O meu amigo Mamadú, pescador do Xitole, ensinou-me isso e muitas coisas mais. E com isso ajudou-me a crescer e a ser homem.


Há pouco tempo informaram-me que ele já teria falecido, o que muito lamento. Evoco-o deste modo, cumprindo uma obrigação que tinha para com esse amigo, já que deixei passar a oportunidade de, olhos nos olhos, lhe agradecer o quanto me ensinou, com uma paciência, uma maturidade e uma humildade difíceis de igualar, a atestar que tive o ensejo de ter estado diante de um homem culto e bom de pele negra.Obrigado, Mamadú, velho pescador do Xitole. E, apesar de ser católico,  desejo que Alá te guarde.

Jorge Silva [, foto à esquerda, do tempo da CART 2716, Xitole, 1971/72]




Página do blogue da CART 2716 (Xitole, 1970/72), Amigos do Xitole,  criada e administrada pelo Jorge Silva
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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12105: Estórias avulsas (68): Do meu Álbum de Fotos sobre Galomaro 2 (José Ribeiro)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12050: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (17): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (I): A capela






Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 1 > Vistas diversas da capela. Na pequena festa de inauguração da capela,  e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Início das cerimónias do Ramadão. O régulo em traje de gala.


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68).

O Zé Neto, como era conhecido entre nós, é um dos primeiros 50 camaradas a ingressar no nosso blogue. Hoje somos 12 vezes mais, a maior parte dos tabanqueiros não o conheceram nem têm acesso à sua colaboração, dispersa, incluindo as valiosas fotos do seu álbum . Daí também esta nova edição dos seus postes sobre Guileje, no ano em que celebramos o 9º aniversário. Por outro lado, fez 40 anos, a 22 de maio de 2013, que as NT retiraram de Guileje.

2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte V:  Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (I)


Uma das boas características do meu pessoal era a de que não gostavam de estar parados nos intervalos das operações. Cada um, nas suas profissões ou aptidões, ia bulindo e foi assim que  (i) se reconstruíram e melhoraram abrigos, (ii) se implantou uma horta que aproveitava a água, depois de decantada, dos chuveiros das praças e (iii) se construiu a obra mais emblemática que deixámos em Guileje: a Capela.

Por sugestão do capelão, Padre João Batista Alves de Magalhães, que apenas pediu um coberto para oficiar a missa quando ia a Guileje, pois dava a volta a toda a área da responsabilidade do batalhão, os Furriéis Maurício (Transmissões) e Arclides Mateus (Atirador), ambos com conhecimentos de desenho de construção civil, planearam e dirigiram a construção do pequeno templo.

Vinte ou trinta anos depois muito se falou em ecumenismo e outras ideias do mesmo sentido, mas nas profundezas da Guiné isso já se praticava.

Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.

As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse. Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo.

Saliento o facto ocorrido durante a festa do fanado em que as meninas foram preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais.

Atraídos pela música, os militares metropolitanos acercaram-se do local onde decorria o ritual – as meninas postadas à volta do enorme almofariz enquanto as mulheres, com o pilão, moíam cereais cuja farinha se derramava sobre as cabeças das ainda crianças – e sem quaisquer constrangimentos dançaram e cantaram como se fossem parte da cerimónia.

Houve nesta festa uma excepção que me apraz referir: eu fui o único fotógrafo autorizado a registar as cenas preliminares. Na palhota onde se procedeu à cirurgia nem pensar.

Tal deferência nada tinha a ver com o meu cargo ou posição na companhia, mas sim porque quando o correio me trazia os slides revelados, eu montava o cenário e mostrava à população as suas caras e os seus lugares que provocavam grandes ovações e expressões de alegria dos visados. Era o que chamavam de cenima do nosso sargenti.

(Continua)

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