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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14242: Manuscrito(s) (Luís Graça) (45): A arte lusitana de bem comunicar em toda a parte...



Uma carraca portuguesa em Nagasaki, fins do séc. XVI/princípios séc. XVII. Pintura de biombo nanban. Kano Naizen - Kobe City Museum., Imagem do domínio público (Fonte: Cortesia de Wikipedia)


(...) "O Comércio Nanban (japonês:南蛮貿易, nanban-bōeki, "Comércio com os bárbaros do Sul") ou Período do Comércio Nanban (japonês: 南蛮貿易時代, nanban-bōeki-jidai, "Período do comércio com bárbaros do Sul") na história do Japão compreende o período que vai da chegada dos primeiros europeus, oriundos de Portugal, em 1543, até sua exclusão quase total do arquipélago entre 1637 e 1641, com a promulgação do "Sakoku" - o Édito de Exclusão." (...)  (Fonte: Wikipédia > Período Nanban)



1. A atual geração de gestores das nossas empresas, os putos que fazem gala de exibir o seu diploma de MBA tirado nas melhores universidades europeias e norte-americanas, não sabem o que é a comunicação face a face. Vivem na aldeia global mas só conhecem a comunicação virtual, à distância. São dos que se gabam de despedir trabalhadores por email… As más notícias agora vêm por email. E já não há a pancadinha nas costas, à moda antiga autoritário-paternalista… O tecnocrata não precisa nem sabe nada de comunicação humana... Lembra-me a história de um desgraçado que só soube que tinha sido despedido, quando foi ver o saldo da conta bancária no fim do mês… Era dos que nunca viam a caixa de correio electrónica...


2. Lembro-te também de ter lido que, em 1995, há 20 anos atrás, os trabalhadores portugueses eram, em toda a União Europeia (UE), aqueles que tinham menos probabilidades de ter uma discussão franca, cara a cara, com o seu chefe acerca do seu desempenho profissional… Apenas 23% admitiam que isso acontecia contra 41% no conjunto dos então 15 da UE, segundo os resultados do Segundo Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho, realizado nesse ano pela Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, com sede em Dublin. O português não é(era) treinado para dar notícias, nem boas nem más.

3. E, todavia, os estrangeiros têm (ou tinham, no século passado) um arreigado estereótipo, a nosso respeito: "Les portugais sont toujours gais". Leia-se: os portugueses são… pobretes mas alegretes. Hoje há outra versão que por aí corre: os portugueses veem-se gregos para poder continuar a viver em Portugal, que é(era) a sua terra de origem.


4. Quando chegámos ao Japão no final da 1ª metade do Século XVI, os nativos acharam-nos com “falta de maneiras” porque, além de comermos com as mãos, expressávamos os nossos sentimentos em público, sem ponta de pudor!… Comer com as mãos, era inconcebível para um japonês feudal, em que as relações sociais ainda eram (e continuaram a ser até à era meiji) feudais, as do servo e do suserano… Etnocêntricos, como qualquer povo, chamaram-nos “bárbaros do sul”… Mas exprimir as emoções em público era tabu… Mesmo assim devem ter-nos achado uns "gajos porreiros", ou pelo menos tiveram a santa paciência de nos tolerar durante um século... E incorporaram, no seu vocabulário, mais de 2 centenas de palavras portugueses... A língua, o comércio e os jesuítas foram os principais veículos de intercâmbio entre os dois povos: exemplos de palavras portuguesas de origem japonesa: biombo, catana; exemplos de palavras japonesas de origem portuguesa: amanderu (amêndoa), bauchizumu (batismo), beranda (varanda), bisuketto (biscoito), botan (botão), kapitan (capitão), kappa(capa), koppu (copo), kasutera (castela, bolo tipo pão de ló), kompeitou (confeitos, doces), karuta (carta), pan (pão), shabom (sabão), shabon dama (bola de sabão), tabako (tabaco), etc.


5. Afinal, em que é que ficamos? Haverá uma arte lusitana de bem comunicar ? Comunicar, na verdade, não é fácil… mas é preciso. Muitos dos nossos conflitos em casa e no trabalho começam justamente por falhas no processo de comunicação. Não sei se há uma “arte lusitana de bem comunicar em toda a parte”… Mas somos capazes de exprimir emoções e sentimentos por formas culturais como o fado, que os atuais filhos do “sol nascente” apreciam de sobremaneira, quando vêm a Lisboa, como turistas… São os “toyotas” (outro estereótipo) que enchem (ou enchiam há uns anos atrás) as casas de fado do bairro Alto e de Alfama… Será a atração dos contrastes ? Dois povos que vivem nos antípodas, afinal tão próximos e tão afastados…

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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10620: Questões politicamente (in)correctas (41): A origem da palavra Turra (António Rosinha)

1. Mensagem do António Rosinha, de 13/1/2007, que esteve para ser publicada na série Questões politicamente (in)correctas, sob o poste P1426, e que por qualquer razão (falha técnica ou erro humano, os dois bodes expiatórios do costume) não o foi... 

O poste  [ Guiné 63/74 - P1426: Questões politicamente (in)correctas (17): A origem da palavra Turra (António Rosinha)] estava em rascunho, em fase de edição, creio até que chegou a ser publicado... O nº 17 da série acabou por ser atribuído a um poste do Amílcar Mendes (*). E o texto do Antº Rosinha acabou por ir para ao "limbo" (, mas não para o lixo)... Cinco anos no limbo!...  Fomos recuperá-lo. Vê agora a luz do dia, com outra numeração por causa da cronologia... . Com o nosso pedido de desculpas ao Antº Rosinha (que está connosco, de pleno direito, desde 29 de novembro de 2006) (**) e,claro,  também aos nossos leitores. Na numeração dos nossos postes fica em branco o nº 1426... (LG)


2. A origem da palavra Turra,
por António Rosinha

Tuga, portuga, caputo, chicoronho, cabeça de porco, baranco, chindele, e por fim cubano, já ouvi esses nomes dirigidos a mim e a outros,  ao vivo e a cores. In loco. Nem todos eram depreciativos, mas alguns eram. Logo que sejam ditos em português, ou crioulo, madeirense ou carioca ou baiano, para mim é fabuloso.

Isto tudo para dizer qual o mês e o ano em que surgiu uma palavra que para muita gente não tem justificação: TURRA (terrorista) e a sua motivação. Pois, apesar da muita informação descarregada neste Blogue, penso que esta explicação que vou dar, e é dos livros, não foi lida aqui.


15 de Março de de 1961. Pois houve um movimento, União dos Povos do Norte de Angola, UPNA, depois UPA, depois FNLA, que provocou actos de terrorismo, contra brancos, mulatos, negros que não fossem Bacongos (***), que a par de outro terrorismo que se desenvolvia nos vizinhos Congo Belga, Ruanda e Burundi, explica uma grande parte do apoio popular que o Governo Português teve em todas as frentes, que sem esse apoio não aguentaríamos...13 longos anos.

Para quem assistiu "tudo a meter o rabo entre as pernas"e a fazer as malas, eu não era excepção, e saber que o 1º classificado do meu pelotão do CSM, angolano, mestiço, uma simpatia, já na sua actividade civil, foi na leva, toda a gente tinha alguém conhecido que tinha morrido (nem descrevo os processos usados, e depois a reacção).


Para quem assistiu, ficou no ar a palavra terrorismo (TURRA). E por uns pagam outros. Foi tão revoltante que todos os mestiços, negros assimilados com estudos que já enchiam as repartições e escritórios, brancos angolanos, guineenses e moçambicanos de várias gerações, e que todos eram pela independência das colónias - não o escondiam, tanto na tropa como no desporto como no ambiente profissional (posso noutro ambiente mencionar nomes públicos, vivos uns e falecidos outros)- , todos se viraram contra as independências de qualquer maneira, e não alinharam com Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Chipenda, etc. Até porque todos os vizinhos independentes viviam em constantes matanças étnicas.(Será que acabou?).

A origem da palavra foi só esta, e justificadíssima. Essa palavra foi aproveitada para todos os fins. Muitos conhecem esta história,  concerteza. Outros, verifico que não (****).
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)

Último poste da série > 15 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6854: Questões politicamente (in)correctas (40): A guerra colonial: todos querem ser heróis! (Carlos Geraldes)
(**)  Vd. poste de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(***) Etnia do norte de Angola, que outrora (antes da conferência de Berlim, de 1885, que retalhou o continente africano pelas principais potências coloniais europeias, era o povo que vivia no Reino do Congo):

(...) "A luta anticolonial divide-se em três grupos que refletem diferenças étnicas e ideológicas: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), multirracial e marxista pró-URSS, com predomínio da etnia quimbundo; a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), anticomunista, sustentada pelos EUA e pela República Democrática do Congo (ex-Zaire), com base na etnia bacongo (norte do país); e a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), com forte presença da etnia ovimbundo (centro e sul), inicialmente de orientação maoísta, que depois se torna anticomunista e recebe o apoio do regime sul-africano do apartheid. Independência" (...).

Fonte: Sítio brasileiro Mulheres Negras: do umbigo para o mundo > Angola

Segundo o sítio da CIA, com dados estatísticos sobre Angola,  
os bacongos representariam 13% da população. Restantes: Ovimbundos: 37%; quimbundos: 25%; mestiços: 2%; Europeus: 1%; outros: 22%. [Consult. em 4/11/2012].

(***) Vd. também a opinião do linguista Rui Ramos, colaborador do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:


(...) [Pergunta] Li algures que a palavra tuga era pejorativa. Não a encontro em nenhum dicionário mas de facto tornou-se conhecida pois foi o nome dado à Selecção Nacional aquando do Mundial 2002.  A pergunta é: a palavra existe? E é pejorativa? Manuela Couto, Portugal
[Resposta] A palavra «tuga» é de facto pejorativa. Surgiu em contraponto à palavra «turra» («terrorista») que os colonos portugueses em África usavam para designar os que, com armas, se opunham ao colonialismo. 

Surgiu na década de 60, já em plena luta armada de libertação nacional. Eu próprio a usava, já inserido na luta clandestina do MPLA em Luanda, para falar dos «soldados portugueses em Angola». «Turra-Tuga» é uma dicotomia que faz parte integrante da luta anticolonial e que, já se vê, define o «lado mau» da luta.

Por isso eu desde o início considerei que a palavra tinha sido muito mal escolhida para a selecção portuguesa devido à carga guerreira, colonial e incivilizada, porque parece homenagear um dos períodos mais tristes da História de Portugal.

Em sentido mais amplo temos a expressão «pula» (os imigrantes africanos tratam, invariavelmente, os brancos por esta palavra) (*****). 
Rui Ramos (2003) (...) 



(*****) Vd. poste de 26 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que pode dar jeito integrar no nosso léxico (Luís Graça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)

(...) Pula. Pessoa branca (pejorativo). O mesmo que braga, cangando, tuga.(...)

O termo "turra" já está  grafado nos dicionários de língua portuguesa (por ex., o Priberam) como substantivo, com o significado de "guerrilheiro dos movimentos independentistas africanos nos tempos da guerra colonial portuguesa".

Vd.  também a Infopédia:  Turra, forma de turrar;

(i) turra, nome feminino: 1. popular, pancada com a testa; cabeçada; marrada; 2. figurado,  teima; birra; disputa (...)

(ii) turra, nome masculino: gíria, depreciativo, nome atribuído pelos militares portugueses aos combatentes independentistas africanos, durante a guerra colonial portuguesa;
(iii) andar às turras, andar desavindo

(Derivação regressiva de turrar) (...)

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10463: Estórias cabralianas (74): Danado para as cúpulas... (Jorge Cabral)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Jorge Cabral, ele mesmo, ex-alf mil art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71.

Foto: © Jorge Cabral (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mais um estória do nosso alfero (*)... Começou em abril de 2007,  a nº 1... Já lá vamos na 74, à espera do lançamento do prometido livro de antologia que será, dizem, um acontecimento social de arromba na noite de Lisboa... (LG) (**)

Danado para as cúpulas ? 
por Jorge Cabral


 – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? –  perguntei-lhe um dia destes, porque  habitualmente me socorro da sua memória. Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do Bart 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu  Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.
Cúpulas ? Quais cúpulas?

Lá lhe relatei o encontro com o Belmiro, um Rapaz dos  Morteiros, que esteve connosco largos meses. Vinha com um cunhado e a certa altura  afiançou-lhe:
Aqui o Alferes era danado para as cúpulas!

Não percebi.. Sorri e concordei:
– Pois era !  Mas a expressão não me saiu da cabeça.

Danado para as cúpulas? Matutei, matutei e penso que descobri.

Em Missirá, a mesa das refeições servia também de secretária, na qual escrevíamos  as nossas cartas e aerogramas. No início até me pediam para escrever às namoradas. Mas depois da má experiência, documentada na estória “O Básico Apaixonado” (***), passei a funcionar como uma espécie de Ciberdúvidas [da Língua Portuguesa]:
 – Meu Alferes,   como se escreve isto? Meu Alferes como se escreve aquilo?

Ora, uma tarde o Belmiro perguntou-me:
– Meu Alferes, f…..é com u ou com o?
– Mas para quem estás a escrever? Põe copular, é assim que se diz.

Não sei se seguiu o meu conselho. A carta era para o irmão e certamente o Belmiro  gabava-se das suas proezas sexuais.

Mais de quarenta anos depois deve ter relembrado a palavra.
– Mas atenção,  Belmiro, como  a outra, esta também se escreve com um o.

Bem, aqui entre nós, o ou u não interessa mesmo nada. Até porque é bem melhor de fazer do que de escrever…

 Jorge Cabral
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Notas do editor:

(*) Últimos postes da série, publicados no ano em curso:

29 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10307: Estórias cabralianas (73): O Conde de Bobadela (Jorge Cabral)

(...) Estou no Tribunal de Mafra à espera de um Julgamento, quando uma mulher me interpela:
- É o Senhor Conde, não é?

Hesito, mas para evitar mais conversa, respondo:
-Sou sim. Como vai a senhora?
-Ai, que já não se lembra da Aurora! Eu trabalhava em casa do Senhor D.Ilídio. O Senhor Conde ia lá muito, quando estava na tropa. (...)


9 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)

(...) Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia. Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”. Resolvi pois gravar uma das minhas noites. (...)
(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

3 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9304: Estórias cabralianas (70): Sambaro, o Dicionário e o Afecto (Jorge Cabral)

(...) Agora que tenho tempo, tornei-me um caminheiro. Logo pela manhã abalo pela cidade. Travessas, calçadas, pátios, becos, vilas, percorro devagar essa Lisboa escondida, quase invisível. Foi num desses passeios que encontrei Ansumane. Um negro velho e calvo, que entre a Travessa da Lua e o Beco das Estrelas, arengava em crioulo. (...)

(**) O nosso alfero veio logo protestar: "Luís, a antiguidade é um Posto! Comecei em Dezembro de 2005! O 'Básico Apaixonado' é de 7 de Janeiro de 2006, tendo sido posteriormente republicado". 

 E eu tive que lhe dar razão: "Querido 'alfero': Os meus neurónios já não andam bem!... Fui lá atrás, a dezembro de 2005 (!), aos postes da I Série (que já ninguém lê), descobrir algumas preciosidades tuas, as primeiras estórias cabralianas, de que fiquei logo fã, repubicadas depois,  mais tarde,  na série do mesmo nome... Bato-te a pala e peço-te mil e uma desculpas pelo lapso biocronológico. É verdade, aqui(e lá) a antiguidade é(era) um posto... Foi "pela mão do Humberto Reis" que a gente se reencontrou em Lisboa, em dezembro de 2005... Abraços, longos. Luís".
  
(***) Vd. poste de 23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

(...) O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão. Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8951: Humor de caserna (23): Uma insubordinação do c... ou uma viagem pelo polissémico país do c...!!!

1. Termos (ou expressões) considerados “insultuosos” no meio civil, à luz das nossas regras de boa educação e urbanidade, incluindo as regras do nosso blogue (ou livro de estilo),  podem ter outra leitura, apreciação ou abordagem,  vistas  de dentro da “caserna da tropa" e, consequentemente,  à luz do sacrossanto  RDM.

É, pelo menos, essa opinião dos senhores jurisprudentes, civis e militares… Ou, pelo menos,  de alguns. O termo em causa é o nosso tão familiar c..., típica forma de “linguagem de caserna”... Mas podiam  ser outras armas de arremesso do nosso arsenal de insultos verbais, em contexto castrense ou fora dele, algumas usadas até no nosso blogue, no calor das nossas batalhas que, felizmente, são apenas verbais: por exemplo,  fascho, comuna, corno, tuga, turra, filho da puta, cabrão, panasca, fujão, penetra…).


Das Caldas (onde o Bordalo Pinheiro transformou o  c... em faiança artística, e onde no RI5, no CSM, eramos tratados de c... para baixo) a Tavira (onde sofremos pra c... nas salinas), de Mafra (onde o cadete na formatura, na parada do EPI, não podia mexer uma pestana nem que lhe passasse um c... pela boca) a Bedanda (onde o obus 14 dava um coice pra c ...), enfim, por toda a parte onde andámos fardados e calçados pela tropa o dito c... acompanhou toda a nossa alegre e divertida vida militar... 


Mais: é um verdadeiro ferrete, faz já parte do nosso ADN... Falo por mim que já não o dispenso no meu léxico, com 4 anos de tropa mais... 36 anos de conbíbio com a gente nortenha pela bia uterina... 

Esta peça de jurisprudência, de que já dei conhecimento ao nosso “alfero Cabral” (sendo ele um fino e erudito colecionador desta produção dos nossos jurisconsultos), merece figurar (em forma de excerto e link) no nosso blogue e na nossa série Humor de caserna… 


Aqui fica, para os efeitos que foram julgados convenientes ou que se mostrem devidos (memória futura, enriquecimento linguístico, resiliência ao stress, reforço do sistema imunitário, preservação dos usos e costumes, desopilanço dos tabanqueiros, proteção da dentadura do proletariado, etc.) (LG)


PS - Ah!, já me esquecia,  tiro o quico e bato a pala ao senhor relator...



Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  (reproduzido parcialmente com a devida vénia...)


Processo:  1/09.3F1STC.L1-9
Relator:  CALHEIROS DA GAMA
Descritores:  INSUBORDINAÇÃO POR OUTRAS OFENSAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão:  28-10-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão:  NEGADO PROVIMENTO



(...) Sumário

I - A palavra “caralho”, proferida por militar (Cabo da Guarda Nacional Republicana), na presença do seu Comandante, em desabafo, perante a recusa de alteração de turnos, não consubstancia a prática do crime de insubordinação por outras ofensas, previsto e punível pelo artigo 89º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar.

II - Será menos própria numa relação hierárquica, mas está dentro daquilo que vulgarmente se designa por “linguagem de caserna”, tal como no desporto existe a de “balneário”, em que expressões consideradas ordinárias e desrespeitosas noutros contextos, porque trocadas num âmbito restrito (dentro das instalações da GNR) e inter pares (o arguido não estava a falar com um oficial, subalterno, superior ou general, mas com um 2º Sargento, com quem tinha uma especial relação de proximidade e camaradagem) e são sinal de mera virilidade verbal. Como em outros meios, a linguagem castrense utilizada pelos membros das Forças Armadas e afins, tem por vezes significado ou peso específico diverso do mero coloquial.

(...) Decisão Texto Integral:

(...) Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:  


(...) Se bem compreendemos, parece que para a Digna Magistrada do MP a ser por alguém proferida a palavra “caralho” esta terá de ser sempre entendida, seja em que circunstancialismo for, como ofensiva do bom nome honra e consideração quiçá de todos quantos estejam à volta de quem a proferiu, ainda que não lhes seja dirigida (vd. conclusões C) e D) do recurso).

Afigura-se-nos que, manifestamente, sem razão.

Segundo as fontes, para uns a palavra “caralho” vem do latim “caraculu” que significava pequena estaca, enquanto que, para outros, este termo surge utilizado pelos portugueses nos tempos das grandes navegações para, nas artes de marinhagem, designar o topo do mastro principal das naus, ou seja, um pau grande. Certo é que, independentemente da etimologia da palavra, o povo começou a associar a palavra ao órgão sexual masculino, o pénis. E esse é o significado actual da palavra, se bem que no seu uso popular quotidiano a conotação fálica nem sequer muitas vezes é racionalizada.

Com efeito, é público e notório, pois tal resulta da experiência comum, que CARALHO é palavra usada por alguns (muitos) para expressar, definir, explicar ou enfatizar toda uma gama de sentimentos humanos e diversos estados de ânimo.

Por exemplo “pra caralho” é usado para representar algo excessivo. Seja grande ou pequeno demais. Serve para referenciar realidades numéricas indefinidas (exº: "chove pra caralho"; "o Cristiano Ronaldo joga pra caralho"; "moras longe pra caralho"; "o ácaro é um animal pequeno pra caralho"; "esse filme é velho pra caralho").

Por seu turno, quem nunca disse ou pelo menos não terá ouvido dizer para apreciar que uma coisa é boa ou lhe agrada: “isto é mesmo bom, caralho”.  Por outro lado, se alguém fala de modo ininteligível poder-se-á ouvir: "não percebo um caralho do que dizes" e se A aborrece B, B dirá para A “vai pró caralho” e se alguma coisa não interessa: “isto não vale um caralho” e ainda se a forma de agir de uma pessoa causa admiração: "este gajo é do caralho" e até quando alguém encontra um amigo que há muito tempo não via “como vai essa vida, onde caralho te meteste?”.

Para alguns, tal como no Norte de Portugal com a expressão popular de espanto, impaciência ou irritação “carago”, não há nada a que não se possa juntar um “caralho”, funcionando este como verdadeira muleta oratória. 

Assim, dizer para alguém “vai para o caralho” é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade “ai o caralho” ou simplesmente “caralho”, como parece ter sucedido na situação em apreço nestes autos. No primeiro caso a expressão será ofensiva, enquanto que, ao invés, no segundo caso a expressão é tão-só designativa de admiração, surpresa, espanto, impaciência, irritação ou indignação (cfr. Dicionários da Língua Portuguesa da Priberam e da Porto Editora 2010).

Para a primeira hipótese vale aqui, entre outros e por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 1997 (in www.dgsi.pt) onde se expendeu em síntese que: “Integra a prática de um crime de injúrias, qualificado em razão da qualidade profissional do ofendido, subchefe da PSP, aquele que, ao dirigir-se-lhe, no exercício das suas funções, diz "vai para o caralho".” (…)

(...) DECISÃO

Em conformidade com o exposto, tudo visto e ponderado, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando, nos seus precisos termos, o despacho recorrido de não pronúncia do arguido A....
Sem custas, por não serem devidas.
Notifique-se nos termos legais. (O presente acórdão, integrado por vinte e uma páginas com os versos em branco, foi processado em computador e integralmente revisto pelo desembargador relator, seu primeiro signatário – artº 94º, nº 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 28 de Outubro de 2010

Desembargador J. S. Calheiros da Gama
Juiz Militar Major-General Norberto Bernardes (...)

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Nota do editor:

domingo, 9 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8875: (In)citações (34): Que país é este, Portugal, que faz de poetas soldados e de soldados poetas ? (Cherno Baldé)

1. Comentário de Cherno Baldé [, na foto à esquerda, estudante em Kiev, Ucrânia, ex-URSS; em 1989], ao poste P8861:

 
Caros amigos,

Sobre Portugal, muitas vezes, apeteceu-me perguntar:
- Que país este que faz de poetas soldados e de soldados poetas?...

Ao Luís Graça quero aqui apresentar as minhas desculpas pela desatenção e irregularidade e dizer que estou muito satisfeito pela forma como apresenta os meus textos na nossa Tabanca, com ou sem acordo ortográfico. Na verdade, tento escrever respeitando o acordo, mas nem sempre consigo fazê-lo por ignorância minha e nem sempre me soa tão bem, por força do hábito.

Eu estou de acordo com o A. Almeida, quando diz que o mais importante é "Ter algo a dizer e dizê-lo".

Na minha opinião, não obstante o acordo assinado, se Portugal quiser manter uma certa originalidade da sua/nossa língua, terá que investir nas novas tecnologias da informação porque constatei que neste momento, o tradutor do Google faz a tradução em português do Brasil e vai ter muita aceitação entre utilizadores não portugueses.

Pessoalmente não tenho nada contra e confesso que nem sempre compreendia os meus professores em Portugal, quando nas recomendações de leitura omitiam os autores e/ou traduções brasileiras, quando a maior parte dos livros recomendados estavam em inglês ou francês.

Até prova em contrário, não vejo nenhum inconveniente em utilizar o termo rafeiro que preferi ao termo cão, mais pejorativo mas nem por isso menos digno. O cão é um animal que simboliza a mais forte e a melhor da lealdade.

Fico muito grato a todos pelo apoio moral e encorajamento.

Um grande abraço a todos,

Cherno Baldé

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Nota do editor 

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8767: O que se comprava em Bissau com o patacão da guerra? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (3) (Augusto Silva Santos / Hélder Sousa / Juvenal Amado / Luís Borrega / Luís Dias / Rui Santos)



Uma carta de condução "paga" com o patacão da guerra...

Foto: © Augusto Silva Santos (2011). Todos os direitos reservados



1. Mensagem, com data de ontem, do Agusto Silva Santos, relacionado com o último poste aqui publicado (*):


Olá Luís, boa tarde!


Ainda falando sobre o que se comprava na Guiné, nomeadamente em Bissau, com o patacão da guerra, lembrei-me que recentemente ao ter necessidade de renovar a minha carta de condução, fui descobrir no meio de muitas coisas que tenho arquivadas (algumas relíquias), um documento datado de 07-12-1973, relacionado precisamente com este tema.


Estando eu colocado em Brá, portanto muito perto de Bissau, e a muito pouco tempo de acabar a comissão e do desejado regresso à metrópole (o que efetivamente aconteceu em 22-12-1973), resolvi investir o patacão que me restava para tirar a carta de condução.
O documento,  em anexo, foi aquele que me permitiu, aqui chegado, fazer a troca para a carta como então a conhecíamos.


Ainda tentei encontrar o documento (fatura/recibo) sobre o que então paguei (seria interessante), mas já não sei onde ele pára. Passados quase 40 anos, sinceramente também já não me recordo da quantia, mas tenho noção que não foi muito se comparado com o que teria de pagar aqui.


O que eu posso dizer, é que naquela altura o patacão da guerra me deu imenso jeito.
Por certo esta situação foi também comum a muitos dos nossos camaradas, ou seja, aproveitar para tirar a a carta de condução na Guiné.  Era o aproveitar do tempo e do dinheiro para alguma coisa útil.


Se achares interessante,  p.f. edita.


Um Abraço
Augusto Silva Santos


2. Seleção de comentários  ao postes P8766 (*) e P8764 (**)


2.1. Hélder Valério Sousa [, foto à esquerda, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72]
Realmente, dos polos ou camisetas já não me lembrava, mas é verdade que também comprei pelo menos uma Fred Perry. Quanto aos relógios havia quem gostasse mais dos Ómega e dos Tissot (comprei um destes na casa Salgado & Tomé, dum tio do então Cap Cav  Mário Tomé).

Das bebidas, o Zé Martins lembrou o Dimple de que depois vi fazerem-se muitos candeeiros com aplicação de abajur nas garrafas vazias.

Das estatuetas que o Magalhães Ribeiro mostra,  também tenho algumas em madeira preta. E trabalhos (roncos) com missangas. E pulseiras.

Quando regressei também lá vim com serviços de chá e de café do chamado "bago de arroz".

Uma outra coisa que carreguei e que já tinha trazido de Piche,  foram duas peles de cobra que foram destinadas a sapatos.

2.2.  Luís Borrega [, foto à direita, ex-Fur Mil Cav e MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72]

Eu, em Bissau, quando lá estive por ocasião de férias (2 vezes), a aguardar embarque para o CIM de Bolama para dar instrução de Minas e Armadilhas, e aguardar o regresso, passei pelo Taufik Saad, e comprei uma OLYMPUS Trip 35 , na 1ª vez, (onde tirei muitos slides e que continua a funcionar), um relógio YEMA Rally, um rádio relógio SHARP (só funciona a parte do rádio), além de imensos roncos chineses para oferecer. E lá se foi o último patacão...

PS – Lembro-me que foi comprado na Casa YEMA em Bissau.

2.3. Juvenal Amado [, foto à esquerda, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74]
Eu ganhava 960 pesos por ser 1º cabo e já com prémio de viatura. Se não estou em erro,  era obrigado a deixar parte na Metrópole, com o que paguei a minha viagem em Outubro de 1972. O resto mal dava para o tabaco e ir uma ou duas vezes a Bafatá.

Por isso roncos, máquinas fotográficas e aparelhagens de som... KÁ TEM.

2.4. Luís Dias [, foto à direita, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74]


Na verdade, na Guiné comprávamos muitos objetos que não tínhamos oportunidade de adquirir na metrópole, nomeadamente aos preços que lá se praticavam.

Tenho também estatuetas do tipo que o Eduardo apresenta  na foto (trouxe montes delas, para distribuir pela família), machadinhas (símbolo da fertilidade - uma macho e outra fêmea), espadas e punhais fulas, anéis e alfinetes de peito ou para colar trabalhados em prata (Bafatá) e colares e pulseiras em missangas.

Em matéria de bebidas,  tínhamos a Coca cola (Coke), que na metrópole não existia - só aquela que refere o José Marcelino Martins - e os Whisquies para todos os gostos e preços (Monks, President, Dimple, Logan, Martins, Balentines, Something Special, Antiquary, Old Parr, etc.).

Como o Helder Valério também trouxe uma pele de jiboia, já curtida mas, mesmo assim, acabou por se estragar ao fim de alguns meses.

Saudosos tempos para esse tipo de compras.


2.5. Rui Santos [, foto à direita, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65]

Embora em 1963/64/65 não houvesse muitas ofertas dos produtos já mencionados, afora os whiskies, as máquinas fotográficas, binóculos, máquinas de filmar, em especial vendidas, se não me engano, na Casa Tauffik Saad perto da Amura.

Tenho um serviço de café,  irmão gémeo do que o Edurado nos mostra em suas excelentes fotos, duas máscaras e dois bustos em madeira negra, e aquelas peças de artesanato que adquiri em Bedanda,  feitos do material dos invólucros das balas, por sinal alguns muito mal executados, mas tinha dois muito bonitos que ofereci a amigos, quando cheguei à metrópole.

Há que não esquecer aqueles produtos que vinham da África do Sul, belos chocolates, leite creme e enlatados diversos, muito superiores aos nossos... à época.

Muito obrigado por me terem feito recordar...

[Revisão / fixação de texto, em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico]: L.G.

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Notas do editor:

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7758: Notas de leitura (201): Política Cultural Portuguesa Em África O Caso da Guiné-Bissau, de Mário Matos e Lemos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
Este “balanço cultural” tem o seu significado, abarca as iniciativas culturais que foram tomadas pelas autoridades portuguesas e seus representantes em Bissau após a independência e até à época do conflito político-militar de 1998-1999.
Não conheço reflexão mais detalhada, quem possuir mais elementos neste domínio, por favor, dê-nos informação.

Um abraço do
Mário


Política cultural portuguesa em África:
O caso da Guiné-Bissau

Beja Santos

Mário Matos e Lemos foi jornalista, colaborador da televisão, conselheiro de imprensa e conselheiro cultural e director do Centro Cultural Português de Bissau entre 1985 e 1998. É autor de vários trabalhos sobre a Guiné, como “A Revolta de 1931 na Guiné”, “Os Portugueses na Guiné” e “O Primeiro Fotógrafo de Guerra Português – José Henriques de Mello”. Em “Política Cultural Portuguesa em África, o caso da Guiné-Bissau, 1985 – 1998”, edição de autor, 1999, procedeu a um balanço sobre esses anos de trabalho na Guiné-Bissau.

Começa por reflectir sobre a vida cultural existente em Bissau em 1985 e as suas estruturas de apoio: Centro Cultural Português, Centro Cultural Francês, Centro Cultural Líbio e Centro de Estudos Brasileiros ainda em construção; não havia televisão e havia a rádio oficial, o jornal “Nô Pintcha” era publicado episodicamente e com uma tiragem duvidosa. O cinema UDIB passava diariamente filmes de todas as nacionalidades imagináveis, preferentemente de guerra ou de pancadaria. Havia uma livraria do Estado onde se encontrava toda a espécie de obras publicadas pela editora progresso, de Moscovo, havia ali revistas soviéticas e revistas e livros cubanos. Livros portugueses encontravam-se os que tinham chegado às prateleiras, sobrantes da I Feira do Livro Português. Esta pobreza cultural não era fruto do acaso: em 1974, ao atingir a independência, a Guiné-Bissau contava apenas com 14 licenciados a trabalharem no seu território; doze anos depois, o INEP publicou estatísticas segundo as quais os quadros médios e superiores ascendiam a 1400 pessoas, com uma formação muito heterogénea. Recorde-se que nesses tempos ainda era frequente ser considerado antipatriota quem falasse bem português e o utilizasse fora de funções oficiais, o que contrariava a política sempre defendida por Amílcar Cabral. Os novos detentores do poder pretenderam transformar o crioulo em língua nacional. À época em que Mário Matos e Lemos chegou a Bissau já se discutia a liberalização que começou a concretizar-se a partir de 1987. Só a partir daqui é que o abastecimento do mercado conheceu alguma abundância foram aparecendo restaurantes e cafés, hotéis e residenciais. Faz ainda algumas observações sobre o acordo de arranjo monetário e a adesão da Guiné-Bissau à zona do Franco CFA (Franco da Comunidade Francófona Africana) que mereceu muita contestação devido à perda de fontes de receita já que as alfândegas constituíam a maior parte da fiscalidade.

Dado este pano de fundo, o autor lança-se sobre o quadro cultural: a questão da língua era gravíssima, falada incorrectamente pela maior parte dos professores, havia a ideia de utilizar o crioulo no ensino, isto quando o crioulo não é uma escrita definida e só lê crioulo quem conhece o português. Mário Matos e Lemos observa que na época existia uma fraca percentagem de guineenses que comunicavam entre si em crioulo e questiona se a língua de ensino podia ser o crioulo e quais os inimigos do uso do português (enuncia os franceses, os suecos e até algumas organizações portuguesas). O Centro Cultural Português procurou reagir enveredando por três áreas de actuação: intensificação dos cursos de português, desenvolvimento da biblioteca e organização de manifestações como espectáculos de cinema ou feiras de livros portugueses. Repertoria seguidamente a evolução da língua portuguesa no Centro Cultural que aparece calendarizada. Dá seguidamente ênfase à presença da língua portuguesa através da formação de professores guineenses. Ao Centro ocorriam muitas solicitações como, por exemplo, as autoridades da Guiné terem mostrado interesse em que Portugal recuperasse os retratos dos antigos governadores, muitos deles já em mau estado. Lisboa nunca deu qualquer resposta. Fez-se uma exposição de fotos dos retratos, era evidente o estado de deterioração de muitos. Valia a pena (este um à parte meu) saber o que restou desta galeria de retratos depois do conflito político-militar de 1998-1999. Destaca-se o acervo da biblioteca, as iniciativas em programa de rádio, os filmes, as conferências, os recitais de música, colóquios de historiadores, edições de livros de autores guineenses.

Outras iniciativas merecem destaque: o Projecto África, do ICALP, a cooperação com a Escola Superior de Educação de Setúbal, a criação da Faculdade de Direito, o projecto da criação da televisão, o restauro do Baluarte de Cacheu, o apoio à conservação dos arquivos guineenses e às novas instalações do Centro Cultural. À guisa de conclusão, escreve o autor: “Os Governos portugueses de depois do 25 de Abril, todos os Governos portugueses, herdaram o dilema de Marcelo Caetano: independentemente de ser Portugal o país doador internacional em todas as áreas – salvo no ensino, o que é significativo – ninguém sabe o que fazer com a Guiné-Bissau. No entanto, tal como Marcelo Caetano disse a Spínola, não se pode abandoná-la ostensivamente e é preferível sair derrotado. Todavia, a guerra travada depois da independência era, evidentemente, outra, era a batalha pela Língua Portuguesa, na qual o aliado era o próprio poder constituído e a maioria do povo guineense e o adversário era o mesmo que, no século XIX, perante a indiferença de Lisboa e o desespero de Honório Barreto, absorveu Casamansa”.

O autor termina o seu livro com uma explicação para a revolta militar de 1998-1999. Vamos referi-la em separado.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7751: Notas de leitura (200): Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7744: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (12): Os guineenses apenas assumem o idioma português como lingua oficial

1. Mais um texto do nosso camarada e amigo António Rosinha, enviado em mensagem do dia 4 de Fevereiro de 2011


Caderno de notas de um Mais Velho -12

Os guineenses apenas assumem o idioma português como língua oficial


Caros editores, para publicação se houver espaço.

Sou a favor do acordo ortográfico, e que esse acordo ortográfico seja democraticamente aceite após discussão pública por estudiosos, ou seja, a maioria de estudiosos decide.

Tanto portugueses como angolanos emitem opinião sobre o acordo, tanto a favor como contra. No entanto é difícil ouvir opinião de guineenses ou mesmo de cabo-verdianos.

Os angolanos que viviam em maioria em regiões isoladas sem escolas nem contactos com missões religiosas nem islâmicas, existia apenas a tribo com sua língua e seus usos e costumes, ouviam a língua portuguesa apenas quando iam ao comerciante branco ou mestiço mais próximo, comprar o sal e os seus panos.

No entanto os estudantes citadinos angolanos antigos (1950/60), discutiam com qualquer beirão, minhoto ou algarvio que o português de Luanda era mais perfeito e correto que qualquer outro da metrópole.

Os brasileiros também se consideram mais bem falantes do português, que nós portugas.

Embora com várias explicações possíveis, os guineenses mais falantes de crioulo, francês e as próprias línguas maternas, tomam a língua portuguesa apenas como língua oficial.

Enquanto em Angola já se vê o uso do português com o mesmo àvontade com que fazem os brasileiros, já criam palavras, frases, termos e sotaques que mais não é que enriquecimento da língua portuguesa, na Guiné, e mesmo Cabo Verde, o uso do português é feito por uma minoria, e mesmo essa minoria o usa apenas "oficialmente".
Gostaria de estar enganado nesta opinião que estou a emitir, mas é um sentimento que não me sai da cabeça, que uma das muitas razões que explicam o fraco uso do idioma português tanto na Guiné como em Cabo Verde faz parte ainda de um já gasto mas necessário e oportuno sentimento anti-colonial.

Claro que a desorganização política da Guiné destes anos afastou para o exterior os cidadãos mais bem preparados e mais letrados, o que também explica o fraco uso da língua portuguesa.

Mas custa a compreender, como os políticos guineenses conseguiram matar tantas ajudas, portuguesas e suecas, para o ensino escolar, e outras áreas.

Talvez tenham aprendido connosco que, como dizem quase todos os nossos ex-colonizados, que os portugueses foram bons mestres, apenas no que é negativo.

Evidentemente que o acordo ortográfico pouco conta para a nossa geração, mas se houver de facto uma uniformização aprovada cientificamente por maioria, vai ajudar a manutenção e divulgação do português pelos quatro cantos do mundo lusófono, o que será para os mais novos uma herança para a qual a nossa geração contribuiu com alguns anos da nossa juventude e muitas famílias perderam parentes.

Sou daqueles que não concordava em 1961 com a solução do Kennedy como hoje dizem muitos historiadores, pois que os americanos já tinham feito as Coreias, já estava incendiado o Zaire e surgiu o Vietname. No caso das colónias portuguesas era para ficar tudo em pó sob os pés de Kennedy e Brejnev.

E aí, da língua e da presença portuguesa, nem com velas como as de Timor salvavam fosse o que fosse.

Um abraço para todos
Antº Rosinha
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7454: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (11): O PAIGC que nos saiu na rifa, a Portugal e à Guiné: Cumbe di Baguera / Ninho de abelhas

terça-feira, 25 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6468: Em bom português nos entendemos (8): Francofonia 'versus' lusofonia ? Não, o problema é outro: Haja mais Estado, mais Governo! (Nelson Herbert)







Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Fotos da Seamana > Janícia Ampa Ungha Sambú, pequena aluna da 2ª classe da Escola de Verificação Ambiental (EVA) de Suzana, no norte da Guiné-Bissau, prepara-se com orgulho para mais um dia de aulas. Título da foto: Cadernos escolares para alunos das EVA; Data de Publicação: 17 de Janeiro de 2010; Data da foto: 9 de Janeiro de 2010; Palavras-chave: Ensino Ambiental.

Ela foi um dos 4.000 alunos beneficiados por cadernos escolares especialmente mandados fazer e doados pela Fundación Juan Perán-Pikolinos de Espanha, para as onze escolas EVA do norte do país.

Com uma capa muito bonita onde se lê “Juntos vamos proteger o tarrafe na Guiné-Bissau” e onde se vê uma fotografia deste tipo de vegetação e dos benefícios que traz para as populações locais (caranguejos, peixes, ostras, camarões, pau de pilão, lenha e madeira para cobrir as casas), estes cadernos incluem ainda o mapa da Guiné-Bissau e o período de degradação do lixo que se deita na natureza.







Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Fotos da Seamana > Título da foto:
Conferência ambiental da escola EVA de Cubampor; Data de Publicação > 21 de Março de 2010; Data da foto: 6 de Fevereiro de 2010; Palavras-chave: Ensino ambiental

Desde o início deste ano de 2010, a Rede das EVA (Escolas de Verificação Ambiental) da zona Norte, têm vindo a organizar conferências em cada uma das 11 escolas integradas nesta Rede, com o objectivo de fazerem uma reflexão e assumirem os seus compromissos ambientais a curto prazo.

Dos quatro temas em causa, Água, Terra, Energia e Ar, só os 3 primeiros foram considerados os mais importantes para a Guiné-Bissau e aqueles que estavam a ser mais ameaçados, pelo que eram prioritários para uma intervenção destas escolas.

Esta acção inscreve-se igualmente na contribuição do nosso país para a Conferência Internacional Infanto-Juvenil dos países de língua portuguesa, cujo lema é “Vamos cuidar do Planeta” e que se realizará de 5 a 10 de Junho deste ano, no Brasil.





Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Fotos da Seamana > da foto > O orgulho de saber escrever;: Data de Publicação > 7 de Fevereiro de 2010; Data da foto > 20 de Maio de 2008; Palavras-chave > Alfabetização.


É com muito orgulho que Bissam Galissa escreve o seu nome, materializando o sonho de toda a sua vida: ser alguém na sociedade, saber assinar e concitar o respeito de todos os membros da sua comunidade.
No passado ela era obrigada a colocar a sua impressão digital em documentos e cartas, o que lhe provocava um grande mal-estar social no relacionamento com as outras pessoas. Hoje, ela sabe que tem todo o respeito do marido e dos filhos porque, como eles sabe ler uma carta sem ajuda de outros, não precisando de partilhar assuntos pessoais com mais ninguém e fazendo as próprias contas da sua actividade económica, a horticultura.




Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Fotos da Seamana > Título da foto: Aprender a escrever para tomar conta do seu negócio; Data de Publicação > 14 de Março de 2010; Data da foto > 8 de Fevereiro de 2010; Palavras-chave: Alfabetização.

Hoje, Alima Fati, sob o olhar atendo e satisfeito das suas colegas vendedoras, Quinta Lima e Angélica Mango, regista directamente no seu bloco de notas, as receitas da venda dos seus produtos hortícolas no Mercado Comunitário de S.Domingos.

Hoje, depois de aprender a ler e a escrever num dos círculos de alfabetização promovidos pela AD em todo o sector geográfico, ela gere melhor o seu negócio, registando as despesas e receitas que vai fazendo, podendo assim melhor utilizar os lucros obtidos com a sua actividade de “bideira”.

Hoje, tal como ela, centenas de outras mulheres frequentam cursos de alfabetização em português apoiados pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional, com a supervisão de especialistas cubanos, que introduziram a metodologia de alfabetização via televisão, designada por AlfaTv.


Fotos (e legendas): ©  AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). (Com a devida vénia...)



1. Sobre a questão levantada pelo Eduardo Campos, "francofonia 'versus' lusofonia" (*), eis o comentário do nosso amigo e membro da nossa Tabanca Grande, Nelson Herbert, jornalista guineense a trabalhar e a viver na América, e que merece o devido destaque como poste (**):


Caro Campos:

Relativamente ao fenómeno linguístico de que foi testemunha, ele existe, por razões óbvias,ligadas ao intenso fluxo populacional, de e para um e outro lado da fronteira... em todos os domínios, com destaque para o comércio, entre a Guiné e as suas duas "francófonas fronteiras". Um fenomeno regional e vivenciado em toda essa nossa Africa, com o francês ou o inglês a se imporem de forma alternada e regional,como uma espécie de língua franca...

Alarmismos a parte, idêntica experiência encontramos no Norte de Angola, na fronteira com a República Democrática do Congo,mas nem por isso a língua portuguesa esteve alguma vez em perigo !

A entrada do pais da "Zona do Franco CFA" e o estatuto de país-membro da CEDEAO, acredite,  em muito mais terão contribuido para essa experiência por si vivenciada, do que qualquer actuação da Françaa, digna desse feito !

Mas o problema da língua portuguesa, no caso concreto na nossa Guiné não se resume hoje a um caso de mais Françaa menos Portugal ou vice versa.

Encarar o debate desse prisma tem porventura os seus riscos: o seu cunho paternalista! Aliás, longe de se estar perante um naco de terra em disputa de carácter linguístico entre as duas outroras antigas potencias coloniais, a história comum, que nem "ferro em brasa" costuma por conseguinte deixar, indelével,  as suas marcas!

No caso da Guiné, por mais ténue que pareça à vista desarmada, a língua portuguesa faz parte da nossa genética cultural e linguística,isto apesar do bom senso nos impelir também a admitir que se hoje ela é pouco ou mal falada na Guiné, a realidade de per si resulta, em certa medida, de uma herança colonial...

E temos tido,  neste blogue,testemunhos de experiências de militares portugueses que,  de arma em tiracolo, às costas,  deram o seu contributo ao combate de um "analfabetismo" crónico, particularmente nas zonas rurais que,  como atesta a historia recente do país, acabaria por ser fatal aos ideais de construção de um Estado moderno... ou no mínimo tolerante !

Por conseguinte, o problema da língua portuguesa na Guiné, neste caso o do seu ensino , está de forma intrínsica ligado à ausência de políticas de educacão e porque não à decadência do próprio sistema educativo de um Estado de há muito em franca derrocada !

Haja mais Estado e mais Governo, resgate-se por iniciativa nossa com o imprescíndivel concurso dos parceiros internacionais, Portugal entre eles, a língua comum e sobretudo a dignidade dos guineenses!

Mantenhas

Nelson Herbert

USA

Segunda-feira, Maio 24, 2010 4:33:00 PM

PS - Fui docente, numa época em que todo o sistema educacional da Guiné era dominado por técnicos, pedagogos e especialistas cubanos, mas nem por isso a língua de Cervantes se impôs à nossa língua comum!

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
                                                                                        
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6461: Histórias do Eduardo Campos (13): Língua Portuguesa na Guiné: Em Perigo?

(**) Último poste desta série > 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6015: Em bom português nos entendemos (7): O kapuxinho vermelho, contado aos nosso netos, de Lisboa a Dili, de Bissau a S. Paulo (Nelson Herbert / Luís Graça)

sábado, 8 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6343: Dando a mão à palmatória (24): Alpoim Calvão (e não Galvão...)

1. Alpoim CALVÃO (e não Galvão) como aparece, erradamente, em vários postes do nosso blogue (na I e II Séries) bem como  noutros sítios, na Net, por vulgar erro de simpatia. Uma simples pesquisa no Google com o marcador "Alpoim Galvão" deu-nos mais de 7 mil referências...

As nossas desculpas ao próprio, capitão de mar e guerra , na reforma, e hoje empresário na Guiné-Bissau,  de seu nome completo Guilherme Almor de Alpoim Calvão. Como é do domínio público, foi o comandante da Op Mar Verde (Conacri, 22 de Novembro de 1970), operação em que participou o nosso camarada Amadú Djaló, autor do livro Guineense, Comando, Português (Lisboa, 2010). Curiosamente, Alpoim Calvão esteve recentemente em duas sessões de lançamento de livros relartivos à guerra colonial na Guiné: o livro do Amadu, e a biografia de Spínola, da autoria de Luís Nuno Rodrigues.

Julgamos já ter corrigido, tão rápido quanto possível,   esse lamentável erro, pelo menos na II Série do Blogue (*).

Vd. Wikipédia > Guilherme Almor de Alpoim Calvão

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Nota de L.G.:


(*) Vd. alguns dos postes onde é referido o marcador Alpoim Calvão, já corrigido::

21 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)

5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3272: A novíssima literatura da Guerra Colonial (Leopoldo Amado)

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2398: Evocando os furriéis da 1ª CCA, João Uloma e Carlos França : Acreditas que ainda sonho com aquela cabeça ? (Jorge Cabral)