Mostrar mensagens com a etiqueta morna. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta morna. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20335: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (113): Nha Maria Barba, ou avó Barba, a grande cantadeira de mornas da ilha da Boa Vista, foi minha vizinha, em Bissau: morávamos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a dos serviços metereológicos e da messe de sargentos da FAP... (Nelson Herbert, Mindelo, Cabo Verde)


Guiné > Bissau > s/d>  Nha Maria Barba, com um dos seus netos... Morava na Rua Eng Sá Carneiro, frente à messe de sargentos da FAP. Viveu na Guiné desde os anos 40.

Foto (e legenda): © Nelson Herbert  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Bissau > c. 1975 > Roteiro da cidade pós-independência > Rua Eduardo Mondlane (Antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro), que parte do Chão de Papel (Av do Brasil), atravessa a Av Amílcar Cabral, a artéria central  (. a antiga Av República, ) e vai até ao Hospital Simão Mendes, ao cemitério municipal  e à antiga zona industrial...

Era a rua dos Serviços Meteorológicos e da messe de sargentos da FAP... O nosso amigo Nelson Herbert lembra-nos que "Nha Maria Barba viveu na Guiné, na então Rua Engenheiro Sá Carneiro, a rua dos Serviços Meteorológicos, numa casa... de três moradias (nasci e cresci numa das moradias adstritas) , mesmo defronte à Messe dos Sargentos da Força Aérea .(Com a independência, foi a primeira chancelaria da embaixada da China.) "


1. Mensagem de anteomtem, dia 10, enviada ao  Nelson Herbert Lopes  [, jornalista, nascido em Bissau, filho da antiga glória do futebol cabo-verdiano e guineense, Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill; viveu nos EUA, onde trabalhou na VOA - Voice of America; vive hije no Mindelo; tem ceca  de 60 referências no nosso blogue; toto à esquerda]

Meu caro amigo.. e "mano":

O que é que tu sabes (, a gente trata-se por tu, em homenagem aos nossos "velhos" que estiveram como expedicionários, no Mindelo, no RI 21, em 1943) sobre a "história" desta mítica morna, a "Maria Barba", e da sua intérprete original, que seria da Boa Vista, e que terá inclusive morrido na Guiné-Bissau, em 1974 ?...

A morna era ainda muito popular no tempo dos nossos "velhos"... Vê o que podes saber mais... Mantenhas. Luís (*)

2. Resposta imediata do Nelson Herbert,antigo jornalista da Voz da América, agora a viver no Mindelo:

Conheci de facto Nha Maria Barba... ou avó Barba vizinha de toda uma vida e como diria o mindelense “ d’mema solera d’porta”... cresci praticamente com ela por perto... seus netos figuram entre os amigos de berco da Rua Engenheiro Sa Carneiro (, a rua da messe dos sargentos da FAP) (**)...

Mas aqui ficam mais  alguns apontamentos (e um texto, de um investigador da Universidade de Cabo Verde, o António Germano Lima, a publicar posteriormente, na íntegra ou como nota de leitura.) (***)


Morna,  Património Imaterial da Humanidade / UNESCO, por Nelson Herbert


A homenagem de António Germano Lima a uma das mais influentes cantadeiras de mornas... Nha Maria Barba, minha vizinha de uma mesma “solera de porta” na antiga Guiné Portuguesa...

Nha Maria Barba viveu e faleceu na Guiné, estando os seus restos mortais sepultados no Cemitério Municipal de Bissau.

Retenho ainda hoje a imagem desta boavistense, negra e alta, de uma voz singular na interpretação de mornas e acompanhada ao violão por um outro boavistense, também ele emigrado para a Guiné, de então, -refiro-me pois a “Zezinho Caxote”...

Que viva a Morna, Candidata a Patrimóio Imaterial da Humanidade.


______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"

(**) Vd. 11 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13718: Recuerdos de uma infância: a Nha Maria Barba, a avó Barba, cantadeira de mornas, da Boavista, minha viziinha de Bissau (Nelson Herbert, VOA - Voice of America)

(...) Nha Maria Barba viveu na Guiné, na então Rua Engenheiro Sá Carneiro, a rua dos Serviços Meteorológicos, numa casa... de três moradias (nasci e cresci numa das moradias adstritas) , mesmo defronte a Messe dos Sargentos da Força Aérea .(Com a independência, foi a primeira chancelaria da embaixada da China) .

Sobre esta senhora postei há uns anos, na minha página do Facebook,. um pequeno texto de homenagem..que aqui partilho...

 (...) Nha Maria Barba ou avó Barba, minha vizinha de soleira de porta geminada, na Guine dé minha infância e adolescência...

Os restos mortais desta senhora, natural da ilha da Boavista, Cabo Verde, repousam hoje no cemitério municipal de Bissau !

Uma das relíquias da música de Cabo Verde é da autoria de Nha Maria Barba, aqui na voz do rei na Morna, Bana ! (...)

 Até à independência da Guiné Bissau, a então Emissora Oficial da Guiné Portuguesa conservava registos da voz desta senhora na interpretação de algumas das mais antigas mornas de Cabo Verde.(...)

Para quem frequentava a Messe dos Sargentos da Força Aérea, esporadicamente era natural, nos serões da noite da nossa/minha rua de infância, ver Nha Maria Barba, com Zezinho "Caxote" ao violão (este um cabo-verdiano amante das serenatas que emigrou para a Guiné) interpretar algumas das lindas mornas de Cabo Verde...

Em jeito de rodapé, recordo-me entretanto, e perfeitamente, apesar da magistral interpretacão da morna em questão pela voz do Bana, de Nha Maria Barba queixar-se da 'adulteração" de algumas estrofes da composição original de sua autoria...

"Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto
Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto"

Negava, por exemplo, que no original da composicão, tenha se referido ao pai, nos termos em que a versão interpretada pelo Bana o faz: "Nha Pai e Malandre" ( Meu pai e um malandro)-

Apenas tenho vivas recordaçõees de uma mulher...da avó Barbara, figura que marcou a minha infância e adolescência em Bissau. (...)

(ª***) Último poste da série > 15 de outubro de 019 > Guiné 61/74 - P20243: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (111): Notícias do Fernando Jorge Gonçalves, o "Spinolazinho", mascote da CCAÇ 3373 (Empada, maio de 1971/ maio de 1972), filho da professora da escola primária local, e amigo do alf mil Quintas, infelizmente já falecido

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20332: Historiografia da Presença Portuguesa em África (185): O modelo (Maria Barba) e o fotógrafo (José Bacelar Bebiano)... A propósito de uma morna "imortal"...Resta saber quem era o "senhor tenente Serra"...evocado na letra "Mária Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más...


Cabo Verde > José Bacelar Bebiano > c. 1926/32 > Retrato de duas mulheres... Nanie Lima, que vive nos EUA, com antepassados na ilha da Boa Vista, Cabo Verde, diz que a Maria Barba seria a primeira das duas mulheres, a da esquerda... O Nelson Herbert, nosso amigo da Tabanca Grande, teve-a em Bissau como vizinha e amiga da família, conforme relato que publicaremos em próximo poste... Confirma-se portanto que a cantadeira, autora da "imortal morna", emigrou nos anos 40 para a Guiné, onde morreu com cerca de 64 anos... Na mesma altura, no Mindelo, o "meu pai, meu velho, meu camarada" (*) ouvia, pela primeira vez, a música nostálgica e letra pungente desta morna, sem saber que a sua autora já tinha emigrado (ou estava em vias de emigrar) para a Guiné para fugir da fome e da miséria...


Cabo Verde > José Bacler Bebiano > 1926/32 > Euipa da missão... Bacelar Bebiano é 2º, um dos outros pode ser o tenente Serra....O talvez não: estão todos à civil... O tenente Serra podia não fazer parte da missão, estando destacado, na altura,  na ilha da Boa Vista por razões de serviço militar...

Cortesia de Instituto de Investigação Cientifica Tropical (IICT),

1. O seu a seu dono... A foto de "duas mulheres, Boavista, 1926" (*), tem uma marca de água... que me levou ao portal do Instituto de Investigação Cientifica Tropical (IICT), Lisboa, Portugal. Essa foto tem autoria: José Bacelar Bebiano, e foi obtida no âmbito da Missão Geográfica de Cabo Verde (1926-1932).

O que diz o sítio do IICT nem que localizei a foto de cima, a das duas mulheres:

Missão Geográfica de Cabo Verde 1926-1932 [Negativos originais]

Negativos correspondentes ao álbum MGG/Alb14, com o mesmo título. No interior da caixa com os negativos contem um papel datilografado com a seguinte inscrição "Centro de Documentação Científica - Uma caixa contendo 14 caixinhas com negativos de Cabo Verde e Angola, enviados pelo Exmº Senhor Bacelar Bebiano. Lisboa, 27 de Outubro de 1962. recebido por Enrique Cortesão." Existe um mapa online com a distribuição dos Marcos Geodésicos pela Ilha. Disponível no ACTD em: http://actd.iict.pt/maps/cvsa; Author: José Bacelar Bebiano; Local: Cabo Verde; Data: 1926-1932

Ficha técnia da foto "Retrato de Duas Mulheres"
Data da captura / Date photo taken 1926-1932
Tema / Topic Missão Geográfica de Cabo Verde 1926-1932 [Negativos originais]
Localidade / Local Cabo Verde
Fotógrafo / Photographer José Bacelar Bebiano
Copyright Instituto de Investigacao Cientifica Tropical, Lisboa Portugal
Tipologia / Source Fotografado a partir do negativo em vidro original 6x9cm, cota MGG/VC 42
Número ID / ID Number 25419
Data da digitalização / Date scanned 2013-04-11
Instituição / Institution Instituto de Investigação Científica Tropical
Proveniência / Provenance IICT/Cartografia; Centro de Documentação e Informação; Centro de História
Entidade Detentora / Custodian Instituto de Investigação Científica e Tropical


2. Para se perceber o contexto da letra  (pungente) da morna "Maria Barba"

(i) "Manga" devia ser no norte da ilha da Boa Vista, ciclicamente atingida por pragas de gafanhotos;

(ii) por outro lado, é bom não esquecer a mortalidade devida a seca e fome: a crise de 1941-1943, terá matado em todas as ilhas mais de 24 mil pessoas. [Vd. CARREIRA, António. Cabo Verde: aspectos sociais. Secas e tomes do século xx. Lisboa: Ulmeio, 1984. p. 17-19[

(iii) se a cantadeira Maria Barba emigrou, nessa altura, em que parte da Guiné terá vivido ? E onde é que morreu? Se morreu em 1974, alguns de nós podê-la-ão ter conhecido...Foram estas questões que eu pus ao nosso amigo Nelson Herbert. no pressuposto de que a terá conhecido na Guiné.

(iv) O Nelson Herbert acabou de me confirmar, ontem,  às 16h11: "Conheci de facto Nha Maria Barba... ou avó Barba,  vizinha de toda uma vida e,  como diria o mindelense, “ d’mema solera d’porta”... Cresci praticamente com ela por perto... seus netos figuram entre os amigos de berço da Rua Engenheiro Sá Carneiro (a rua da messe dos sargentos da FA), em Bissau"...

Mandou-me mais alguns apontamentos e postes, a propósito... De facto, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

3. A modificação da letra original parece-nos ter sido muito "infeliz"... Não sei  quem terá sido o responsável: refiro-me à versão "popularizada" pelo grande Bana, de quem eu tenho, de resto,  grande apreço como  cantor...

No contexto (desgraçado) daquela ilha (Boa Vista ) e daquele arquipélago (Cabo Verde) nos duros anos de 1920/30/40, quem é que se podia dar ao luxo de ter "um pai malandro"?... Uma filha nunca o diria, lamentaria, isso, a sua ausência, a sua morte...

"Malandro" talvez no Mindelo / São Vicente, terra do Bana e da Cesária, mas na Boa Vista, terra da Maria Barba, por favor!...

Há concessões de mau gosto, e esta parece ser uma delas: a morna, tal como o fado (e o tango), tem um origem (mítica) na prostituição e na malandragem dos portos atlântico...

4. Na letra original da "Maria Barba" o senhor engenheiro é... o fotógrafo José Bacelar Bebiano, que chegará a "ministro das colónias" no 5º governo da Ditadura Militar, que esteve em vigor entre 10 de novembro de 1928 e 8 de julho de 1929, liderado por José Vicente de Freitas, e sendo o ministro das Finanças o Prof Oliveira Salazar.

Encontrei, além disso,  mais a seguinte referência ao José Bacelar Bebiano, de resto autor de diversas obras, em especial de geologia de minas, em Angola.

Geólogo (1894-1967): Foi um dos pioneiros no estudo científico do ultramar português. A partir de 1919 dedicou-se aos estudos geológicos e mineiros em Angola, Moçambique e Cabo Verde, os quais se tornaram de extrema importância. A sua formação iniciou-se em Lisboa, na Escola Politécnica, mas depois prosseguiu os estudos em Londres, na Royal School of Mines, onde se formou em Engenharia de Minas e Geologia. Presidiu a Junta das Missões Geográficas e de Investigação Coloniais e foi ainda ministro do Comércio e das Colónias.

Resta-nos saber quem seria esse tenente Serra que devia integrar a missão, chefiada pelo engº José Bacelar Bebiano... (**)

Na letra original, atribuída à cantadeira Maria Barba [ou Bárbara] (Boavista, 1910-Bissau, 1974), a última parte reza assim:

(...) Maria Barba não me esquecerei de vocês
Principalmente de ti, Maria Barba,
Maria Barba,
Não me esquecerei das cantadeiras
Nem das lavadeiras, nem de ti Maria Barba.

- Saúde, Sr. Tenente, saúde Sr. Inginher,
Saúde e vivas, pâ Vossas Excelências 

______________

sábado, 9 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"



Com a devida vénia, da página do Facebook do Instituto do Património Cultural da República de Cabo Verde.


1. Lê-se na ONU News, com data de anteontem, dia 7

"A morna de Cabo Verde deu mais um passo no processo de inscrição para o Patrimônio Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco. Nesta quinta-feira, o Comitê de Avaliação do Patrimônio Cultural aceitou a inscrição do gênero musical, mas a decisão final será ratificada, em dezembro, pela Unesco, durante reunião na Colômbia."

O dia foi de grande júbilo  para todos os cabo-verdianos, dentro e fora da Pátria, e naturalmente para os amigos de Cabo-Verde e da sua música, em geral, e da morna, em particular,

Falando à ONU News, da cidade da Praia, Sandra Mascarenhas, diretora do Instituto do Património Cultural, "explicou o impacto da decisão para o povo em Cabo Verde e nas diásporas cabo-verdianas pelo mundo":

“A inscrição da morna na lista representativa da Unesco representa para os cabo-verdianos o reconhecimento daquela que consideram ser a sua música maior, um reconhecimento identitário por excelência. À semelhança do que aconteceu com o fado, eleva a morna a uma categoria que transcende o próprio país. Para a diáspora, que sempre se vê e se revê na morna, será um reconhecimento daquilo que os identifica como cabo-verdianos. É a autoestima de toda uma nação que é elevada.”

E acrescenta o ONU News: "Tradicionalmente, a morna é tocada com instrumentos acústicos, sobretudo violão, e canta temas como amor à terra, partida para o estrangeiro e saudade".


2. O "meu pai, meu velho, meu camarada", Luís Henriques (1920-2012), estaria hoje feliz, se fosse vivo e estivesse lúcido, com esta notícia... Ele que tanto amava Cabo Verde (onde foi expedicionário, em 1941-43) e que me passou o gosto pelas mornas e pela morabeza cabo-verdiana... 

Cantarolava, em crioulo,  algumas mornas do seu tempo, que acabaram por  me ficar na memória como a célebre "Maria Bárbara, canta mais uma morna",  celebrizada já no meu tempo pelo grande Bana (que eu descobri no pós-25 de Abril, por volta de 1979/80,   no seu restaurante "Monte Cara", na Rua do Sol ao Rato; com outro nome, o sítio já era popular tornou-se popular, em finais de 1976, graças sobretudo à música do grupo Voz de Cabo-Verde, a mítica banda de Luís Morais & Companhia)

Há tempos deu-me curiosidade em saber quem era essa "Maria Barba"e o que dizia a letra da morna... Encontrei o seguinte no Blogue ArrozCaTum > terça-feira, 11 de agosto de 2015 >

 [8362] - A SAGA DE MARIA BARBA...  [Excertos, com a devida vénia...]

(...) O amigo Artur Mendes é senhor de uma curiosidade científica acima da média e essa característica não é raro colocá-lo na senda de autênticas pérolas da História e das Gentes de Cabo Verde... Neste caso, colocou-se em contacto com a Nanie Lima, que se apelida a si própria de "The Creola Genealogist" - e de quem há dias publicámos umas fotos antiquíssimas - no sentido de tentar desvendar o segredo de Maria Barba de quem, afinal, apenas se conhecia o nome da Morna com o mesmo nome e que o Bana popularizou... Pois bem...Nanie Lima não se deu por achada e respondeu à curiosidade do Artur com o trabalho que passamos a reproduzir, depois de traduzido do original, em inglês dos EUA...

Foto: Dias Mulheres da Boa Vista, 1926. Nanie Lima (2015),
 com a devida vénia
"Há algum tempo postei no Face Book uma foto com o título "Retrato de Duas Mulheres", que ilustrava as figuras de duas jovens e que concitou grande curiosidade...(Duas mulheres da Boavista - 1926).

Muita gente me perguntou quem eram elas mas, ao tempo, eu não fazia a mais pálida ideia... Por isso, foquei toda a minha atenção naquilo a que eu chamo "os narizes Lima" e constatei que elas tinham o mesmo nariz da minha avó Joana Fortes Lima Gomes e de outro membro da família, o Padre Manuel Antonio de Brito Lima (...).
Maria Barba, Boavista, s/d.
Foto de Nanie Lima (2015)

A foto das duas mulheres foi reeditada por vários amigos e, por fim, obtive de Joana Lima Ramos, da Boavista, a informação de que se tratava de Maria Bárbara e Nha Luci... À minha insistência para confirmação, garantiu que, na realidade, se tratava de MARIA BARBA, a célebre cantadeira de mornas que, no auge da sua carreira, chegou a cantar na I Exposição Colonial de Lisboa  [, ou melhor do Porto, no Palácio Cristal], em 1934...

A única foto que dela consegui não é de grande qualidade e não faz decerto jus à sua figura,  ela que era ainda muito jovem quando casou, tendo tido o primeiro filho em 1930...A foto é de 1926.

Maria Barba (Bárbara) nasceu na Boavista, em 1910 e ali faleceu, em 1974. Ficou célebre através da morna "Maria Barba" que me habituei a ouvir, vezes sem conta, durante a minha infância... Sinto-me, pois, honrada por poder dar este testemunho de uma mulher da ilha dos meus antepassados Limas! (...)



3. "Maria Barba", cantada por Bana, letra recolhida e fixada pelo autor do blogue "ArrozCaTum, Zito Azevedo


Maria Barba, canta mais uma Morna
Para despedida do Sr. Tenente Serra ) (2 vezes)

S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más 
‘m ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Pâ matança di gafanhôt
Oh, Sr. Tenente, oli cóbe d’plícia e cheo
Djál bem bscóme
Ai, s’um ca bai, el tâ mandam’
Prese pâ Porte, oi, oi,...


Quem é o chefe desta povoação ?
Porque Maria Barba tu não vais ainda (2 vezes)

Nôs cóbe-chef ê Nhô Tôc d’Chuc Canóche
Amim’ ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte
Amim’‘m câ tem q’êm raspondê pa mim,oi,oi 
Maria Barba, canta mais uma Morna

Porque eu falarei com o vosso cabo chefe, 
Maria Barba, canta mais uma Morna
Se tu fores presa, responderei por ti.

Saúde, Sr. Tenente, saúde Sr. Inginher
Um muito obrigada de Maria Barba
Oh S’nhôr Ten. Serra ora bocê bai pâ Lisboa
Ai câ bocê squêcê di nôs, oi, oi, ...

Maria Barba não me esquecerei de vocês. 


4. Tradução das partes em crioulo para português, da responsabilidade do editor LG,  a partir de versão francesa (cortesia de "Cape Vert, Mindelo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" )

(...)

- Senhor tenente,
eu não posso cantar mais,,
Tenho de ir ar à Manga
Para caçar gafanhotos.
Oh, senhor tenente, tem ali o cabo chefe
que me vem buscar,
se eu não for, ele vai-me mandar
para a prisão do porto.
(...)

- O nosso cabo chefe chama-se
Nho Toc d'Chuc Canoche,
Vou a caminho da Manga,
A minha mãe está doente, o  meu pai já morreu,
Ai, não tenho ninguém que cuide de mim.

(...)
Saúde, senhor tenente,
Saúde, senhor engenheiro,
Um muito obrigado da Maria Bárbara,
Oh, senhor tenente Serra,
Quando regressar a Lisboa,
Não se esqueça de mim. (...)


5. Nota do editor do blogue ArrozCaTum:
O amigo Adriano [Miranda Lima, membro da nossa Tabanca Grande, colaborador permanente do blogue Praia do Bote}, que teve conhecimento deste trabalho, ainda andou a indagar por informações do "tenente Serra" e chegou à conclusão de que não era oficial do exército...Houve, depois, informação obtida por Rui Machado, de que teria sido um oficial da Armada que terá estado destacado na Boavista em serviços de hidrografia e se terá encantado pelas mornas de Maria Barba-
6. Notas,  em francês,  do sítio  "Cape Vert, Min(delo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" , taduzidas para português pelo nosso editor LG (e que este  não pôde  validar pelo confronto com outras fontes, para além da Nanie Lima)

A jovem Maria Barba [, nascida na Boavista, em 1910,]  tinha dois filhos. [O primeiro nasceu em 1930, tuinha ela 20 anos, segundo Nanie Lima.]

Em junho de 1934, integrou a delegação cabo-verdiana enviada à Exposição Colonial Portuguesa no Porto [, e não em Lisboa, como escreveu, por lapso, a Nanie Lima]...

Mais tarde,  já no início da década de 1940, quando a seca e a fome atingiram o arquipélago [, 1941/43,], ela deixou a ilha de Boa Vista e partiu para o continente africano.

Desembarcou na Gâmbia e estabeleceu-se na Guiné-Bissau onde morreu em 1974. [Nanie Lima diz que ela nasceu e morreu na Boa Vista.]

Por sua vez, a equipa que o tenente Serra acompanhou, percorreu o arquipélago de julho de 1926 a dezembro de 1931 [, no ambito de uma missão geográfica.] 

Em Boa Vista, este militar terá tido duas filhas com D. Vitória Santos Brito. Em Lisboa, ele interpretará esta morna perante vários amigos e terá escrito a Dona Vitoria para apresentar cumprimentos à Maria Barba..

Quanto à praga de gafanhotos, a que se refere a letra da morna... Eram frequentes nessa época, e ainda hoje.  E cada família era obrigada a enviar um dos seus elementos para combatê-los, protegendo as culturas da ilha. Na véspera do encontro com o tenente Serra, a Maria Barba estava escalada para esse efeito, e não tinha quem a pudesse substituir [, tendo o pai morrido e a mãe estando doente: "Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte". ]

Ao que parece, muitos  anos mais tarde, Bana gravou a morna, modificando a letra  (ou alguém por ele...), ao falar de um "pai malandro" ["Nha mae é fraca e nha pai é malandre"], uma versão que terá chocado a criadora deste tema, que continuou a interpretá-lo sem nunca, todavia,  ter conseguido  obter o reconhecimento (legal) da sua autoria. É considerada um a"morna tradicional".

[Mas estas notas foram  publicadas em 2015, no sítio "Cape Vert, Mindelo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" , baseando-se  nos "trabalhos sucessivos de Noel Fortes, Rui Machado e Otilia Leitão. Fizemos uma adaptação livre das notas.]
_________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17602: Meu pai, meu velho, meu camarada (58): Ilha de São Vicente, Lazareto - Parte I [álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943]

sábado, 24 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17507: Memória dos lugares (361): Mindelo em plena II Guerra Mundial, visto por Manuel Ferreira (1917-1992) (João Serra)


Manuel Ferreira (1917-1992), cap SGE reformado, escritor, professor universitário 
(Foto: cortesia de João  Serra / Página do Facebook Antifascistas da Resistência)


 


Capa da 1ª edição de Morabeza: contos de Cabo Verde, Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1958.





João Serra

1. M
ensagem de João Serra, com data de 20 do corrente:


Caro Luis Graça,


Preparei este texto sobre o Manuel Ferreira no Mindelo, em complemento da publicação e apelo que fizeste recentemente na tua Tabanca (termo aliás também referido pelo MF nesta selecção que te envio). (*)


Se achares que vale a pena publicá-lo, fica à tua disposição. (**)


Segue também duas fotos das capas de Morabeza.

Um forte abraço,
João Serra



2. Mindelo 1941-1946, visto por Manuel Ferreira

por João Serra



Capa da 2ª edição, refundada
e aumentada (Lisboa, Ulisseia, 1965)

Data de 1958, a 1ª edição de Morabeza, o livro de contos de Manuel Ferreira, escrito no ano anterior, nas Caldas da Rainha, onde chefiava a secretaria do Regimento de Infantaria 5.

A obra foi em 1957 distinguida com o prémio Fernão Mendes Pinto e editada pela Agência Geral do Ultramar. Uma segunda edição, “refundida e aumentada”, saiu em 1965, com prefácio de José Cardoso Pires. Desta edição não constam os textos iniciais da primeira, uma espécie de crónica da chegada e encontro do autor, furriel miliciano do exército expedicionário português, com São Vicente e o Mindelo. 

Recorde-se que Manuel Ferreira permaneceu em São Vicente entre 1941 e 1947, ali concluiu o antigo curso liceal (secção de letras), casou [,  com Orlanda Amarílis,] e teve o seu primeiro filho.

O texto que se segue é uma pequena antologia sobre a experiência cultural de Manuel Ferreira nesses longínquos anos 40 do século passado, organizada a partir dos textos da 1º edição de Morabeza (e que não constam da 2ª).


(i) A primeira impressão: 
terra de solidão


A primeira impressão que se colhe quando se fundeia no Porto Grande de São Vicente é a de estarmos diante de uma terra áspera, ardente, dominada pela solidão e pela tristeza, como se tivesse sido colocada em meio do oceano para penitência perpétua. [p. 11]

Por assim dizer, terra sem árvores, a ilha de São Vicente, por onde os cicerones de ocasião rebentam por todos os lados, na esperança de magras moedas, encaminhando, muitas vezes, o turista a locais de amor duvidoso - não possui nenhuma daquelas atracções que prendem logo de entrada o visitante. Há nela um ar tristonho, baço, em certos dias; carregado de luz crua, noutros. Pensões improvisadas, casas de café e chá sem espavento; desguarnecida de pontos tornados aprazíveis pela arborização cuidada ou jardinagem de esmero - forasteiro que a percorra mais do que uma escassa hora encontra-se saciado e convencido de que Mindelo está visto - e Cabo Verde é aquilo. Terra de calor. De montes secos e requeimados. Terra de solidão. [p. 13]


(ii) Impressão corrigida: 
amorabilidade


Não, poderei agora afirmar. Cabo Verde não era apenas a terra de solidão. A terra de calor. Terra de còladera e rochedos vulcânicos talhados a pique sobre o mar. Não, não era, amigos.

E além do que procurei dizer, dando uma tosca ideia de alguns aspectos e anotando, ao de leve, vários episódios, há ainda qualquer coisa mais que me escapa e não saberei definir, concretizar. [...].

Mas aquilo que assinalei a esse encanto indefinível e lírico que anda esparso, ao cair de certas tardes macias, ao pôr do Sol, mesmo ao rés do mar, e ainda a simplicidade das gentes, formarão, de algum modo, aquele conjunto de elementos que me levaram a admirar a também a amar, de maneira estranha, a terra mestiça plantada a meio do oceano Atlântico. [p. 37]

Por isso se precavenha o passageiro apressado, o turista à procura de exotismo. Cabo Verde não será apenas aquilo que os seus olhos observam quando o navio fundeia no Porto Grande de São Vicente. Nem tão-pouco a pobreza que depois se depara na cidade. Mesmo que vá a Santo Antão e oiça a toada plangente do trapiche e dê uma saltada ao interior de Santiago para se surpreender com o batuque ou a tabanca, corra à Brava a admirar as belas mulheres de tez clara - está longe de saber o que é a terra mestiça.

Cabo Verde tem de grande, e isso deve ser motivo de orgulho, uma afectividade que nos amarra e seduz. É a "morabeza", sentimento intrínseco do povo crioulo. Amorabilidade, característica da raça e se traduz nos seus modos ternos, na sua dedicação, na afabilidade da sua gente simples:


Gente do Mindelo
Nô abri nô braço
Nô pô coraçon na mão
Pá nô dâ um abraço

Abraço de morabeza
De nôs de São Vicente
...

Xavier Cruz, Morna [p. 39-40]




(iii) Encontro e descoberta: identificação 

com a gente das ilhas


Mas certa vez, na pensão nha Camila confraternizava um grupo de rapazes, moços do liceu, que se reencontravam em São Vicente, regressados de férias nesse dia. Brindes, abraços, canções. E, pressentindo-nos desembarcados de recente data, quiseram que se lhes juntássemos e bebêssemos em comum. Violas, cavaquinhos, e violinos deliciaram-nos com sambas e mornas. Retribuir-lhes com fados, como propuseram, não foi possível. Nem com uma simples canção popular - o mais apropriado ao ambiente. [p. 19]

Muitos de vocês, nos seus verdes dezassete anos, viviam um período de curiosidade e alguns mesmo de autêntica inquietação.

Eram poetas esses rapazes que eu fui encontrar. Novos, todos alunos do liceu, estudantes de sonho, queiriam descortinar e interpretar o mundo que os rodeava, nesse tempo ensanguentado pelas invasões nazis. [p. 20]

Nada conhecia de Cabo Verde, e nesse tempo, muito longe andava se pensar que ali começava a germinar uma literatura característica, mas de feição universalista. [p. 22]

E, um belo dia, apareceram com três números de Claridade. Revelação que me deu fundo contentamento por verificar fenómeno de inteligência e sensibilidade tão eloquentemente documentado naquelas terras distantes. Pouco depois lia Arquipélago e Ambiente, do Jorge Barbosa, nesse tempo "na ilha tão desolada rodeado pelo Mar" [Ilha do Sal] a ver passar os barcos, ficando

"... por instantes
construindo
fantasiando
cidades
terras distantes
..."


T
udo isto me dava uma sensação íntima, o gozo de imprevista descoberta! [p. 24]

Em resumo: um mundo novo nascia para mim, ali no meio do mar nas ilhas solitárias:
...

que não são
San Sebastian, Carlton ou Palm-Beach
Tantas
quantos
os dedos compridos da mão
...
Atentas vigias do mar

Nuno Miranda, nº 1 da Certeza, [p. 26]


E
ntretanto lia Chiquinho em folhas dactilografadas, o bom romance de Baltasar Lopes da Silva. [p. 26]

Ouvia de António Aurélio Gonçalves novelas de sua autoria e recebia dele os primeiros e grandes conselhos sobre o fenómeno da criação literária, técnica de romance, factura do conto - a propósito de capítulos e pequenas histórias que lhe levava a casa, trémulo e feliz, nas tardes serenas e pacatas do Mindelo... [p. 26]

... Mindelo, cidade sem imprensa, sem tertúlias, sem rádio durante o dia - e, de noite, só quando a central Bonnoci se dignava. [p. 26]

Eis como descobrira a grande, a bela face de Cabo Verde: a sua espiritualidade. A sua vida criadora, a sua integração no mundo do progresso das ideias, a sua participação no domínio da Cultura. [28]

Durante a última guerra, com a presença da tropa, o ritmo da vida do arquipélago, em muitos aspectos foi alterado, e daí terem surgido várias mornas alusivas a factos que mais chocaram a população, principalmente a de São Vicente [Bèlèza, pseudónimo de Xavier Cruz, compôs uma morna intitulada “punhal de vingança” onde refere que as moças agora só se encantam com “furrié”]. [p. 30]

E houve um momento em que comecei a sentir a morna na própria carne, comunicando-me emoção profunda, virgem. Ouvia um fado - e ele pouco me dizia à minha saudade de emigrante. Ouvia uma morna e sentia a força emocional a dominar-me, a percorrer-me de alto a baixo, como se este canto trouxesse o mistério da minha raça. E então chegava à conclusão de que se assim acontecia era porque eu estava identificado com a gente das ilhas. É porque lhes sentia o sofrimento, os anseios, comungava das suas dores, vivia o seu drama e a sua luta. [p. 31]

Evidentemente que para esta identificação com o povo cabo-verdiano muito contribuiu também a sua hospitalidade, o convívio. [p. 33]

O cabo-verdiano faz questão de receber a gente do Continente. Sem subserviências, sem mesuras. De coração nas mãos. Ama as reuniões íntimas, com chá, com música, com historietas e conversas alegres, limpas de linguagem. É um povo comunicativo e expansivo. [p. 33]


_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17499: Agenda cultural (568): Exposição comemorativa do 1º centenário do nascimento de Manuel Ferreira (1917-1992), a ser inaugurada em 18 de julho próximo, no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha, e que deverá seguir depois, em setembro, para a terra natal do escritor e oficial do exército, Leiria (João B. Serra)

5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17434: Efemérides (255): centenário do nascimento do escritor, investigador e professor de literatura africana de expressão portuguesa, o leiriense Manuel Ferreira (1917-1992), capitão SGE reformado, ex-furriel miliciano, expedicionário em Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, mobilizado em 1941 pelo RI 7 (Leiria)...Também fez comissões na Índia (1948-54) e em Angola (1965-67). "Creio que se pode perceber que estamos perante uma trajectória humana singular" (disse-nos o seu biógrafo, João B. Serra)

sábado, 11 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13718: Recuerdos de uma infância: a Nha Maria Barba, a avó Barba, cantadeira de mornas, da Boavista, minha viziinha de Bissau (Nelson Herbert, VOA - Voice of America)

1. Mensagem, com data de ontem, do nosso amigo guineense, Nelson Herbert, hoje a viver nos EUA,  onde trabalha na VOA - Voice of America, Voz da América

Assunto: Recuerdos de uma infancia !

Luis Graca, linda homenagem/referência essa a Nha Maria Barba . ou avó Barba, minha vizinha em Bissau (*)...

Nha Maria Barba viveu na Guiné, na então Rua Engenheiro Sá Carneiro, a rua dos Serviços Meteorológicos, numa casa...de três moradias (nasci e cresci numa das moradias adstritas) , mesmo defronte a Messe dos Sargentos da Forca Aérea .(Com a independência, foi a primeira chancelaria da embaixada da China) .

Sobre esta senhora postei há uns anos, na minha página do Facebook,. um pequeno texto de homenagem..que aqui partilho...

Clicar: Bana / Maria Barba > http://youtu.be/bTwZ-x-7DAw

Arquipélago de Cabo Verde, Barlavento. Posição rekativa
da ilha da  Boa Vista, a que fica mais a leste, a e menos
de 500 km da costa  africana. Fonte: Cortesia de Wikipédia.
"...aqui a homenagem a esta cantadeira de mornas...que na década de 30/40, brilhou na interpretação e divulgação da morna, estilo musical ilhéu (**)... a partir sobretudo da então Guine portuguesa, onde viveu [, de 1940 a 1974,] toda uma vida e deixou descendentes...

Nha Maria Barba ou avó Barba, minha vizinha de soleira de porta geminada, na Guine dé minha infância e adolescência...

Os restos mortais desta senhora, natural da ilha da Boavista, Cabo Verde, repousam hoje no cemitério municipal de Bissau !

Uma das relíquias da música de Cabo Verde é da autoria de Nha Maria Barba, aqui na voz do rei na Morna, Bana !

Até à  independencia da Guiné Bissau, a então Emissora Oficial da Guiné Portuguesa conservava registos, da voz desta senhora na interpretação de algumas das mais antigas mornas de Cabo Verde."

Para quem frequentava a Messe dos Sargentos da Força Aérea, esporadicamente era natural, nos serões da noite da nossa/minha rua de infância, ver Nha Maria Barba, com Zezinho "Caxote" ao violão (este um caboverdiano amante das serenatas que emigrou para a Guiné)  interpretar algumas das lindas mornas de Cabo Verde...

Em jeito de rodapé, recordo-me entretanto, e perfeitamente, apesar da magistral interpretacão da morna em questão  pela voz do Bana, de Nha Maria Barba queixar-se da 'adulteração" de algumas estrofes da composição original de sua autoria (*)...


"Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto
Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto"

Negava, por exemplo, que no original da composicão, tenha se referido ao pai, nos termos em que a versão interpretada pelo Bana o faz: "Nha Pai e Malandre"  ( Meu pai e um malandro)-

Apenas tenho vivas-recordaçõees de uma mulher...da avó Barbara, figura que marcou a minha infância e adolescência em Bissau.

Nelson Herbert
____________________

Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série >  9 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13713: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (6): Homenagem a Mário Lima e Aguinaldo de Almeida, já falecidos, meus colegas do BNU, em Bissau (António Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, vive hoje nos EUA)

(*ª) A morna é agora candidata a Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO.  E eu apoio, de todo o coração, essa candidatura. (LG)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13713: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (6): Homenagem a Mário Lima e Aguinaldo de Almeida, já falecidos, meus colegas do BNU, em Bissau (António Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, vive hoje nos EUA)



Aguinaldo Almeida (já falecido), quadro do BNU de Bissau e autor da introdução, que a seguir se publica, nos Cadernos de Poesia "Poilão", editado pela secção cultural do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU - Banco Nacional Ultramarino, Bissau.




Fotos: © Albano de Matos (2014). Todos os direitos reservados



Albano Mendes de Matos
1. Mensagem,  de 7 do corrente, do Albano de Matos


Caro Luís,

Só agora vi que o nome do Aguinaldo não está correto. É Aguinaldo Almeida.

O Aguinaldo esteve na minha casa no verão de 1974, quando vim da Guiné, de férias, depois, perdi-lhe o rasto. Ele estava cá, de férias.

Envio a foto do Aguinaldo e o original da Introdução do POILÃO, que ele assinou.
Abraço.




Elemento gráfico da capa do documento policopiado do Caderno de Poesias "Poilão", editada em dezembro de 1973 pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (O GDC dos Empregados do BNU foi criado em 1924).

Considerada a primeira antologia da poesia guineense, esta edição (, 700 exemplares, policopiados, a stencil, ) deve muito à carolice, ao entusiasmo, à dedicação e à sensibilidade sococultural de dois homens: (i) o Aguinaldo de Almeida, caboverdiano funcionário do BNU, infelizmente já falecido(segundo informação que nos acaba de dar o nosso grã-tabanqueiro António Medina); e (ii) o nosso camarada Albano Mendes de Matos (hoje ten cor art ref; tenente  art,  GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74;  foi o "último soldado do império"; é natural de Castelo Branco, vive no Fundão; é poeta, romancista e antropólogo].


2. Mensagem que enviei há dias, em 7 deo corrente,  ao nosso camarada da diáspora António Medina [ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, foi funcionário do BNU, Bissau,  de 1967 a 1974; vive hoje nos EUA]:

Assunto: Colega do BNU, em Bissau, Mário Lima, poeta

António: Como vai essa saúde ? E a disposição ? Viste o poste sobre o teu aniversário ?

Outra coisa: ainda te tembras do Mário Lima, teu colega  do BNU e patrício ? Escrevia poesia e está nesta antologia, organizada pela vossa casa de pessoal, em dezembro de 1973... E de uma tal Maria Caela ? Tens alguma pista sobre esta mulher ?... Vê aqui (*).

Manda notícias. Um abraço fraterno. Luís Graça
António Medina



3. Resposta do António Medina, na volta do correiro, 
8 de Outubro de 2014 às 00:22

Meu caro Luis:

Antes de mais os meus cumprimentos e agradecimentos pelos teus votos de Feliz Aniversário no Blogue e que tomei conhecimento naquele mesmo dia. Infelizmente tinha acabado de falecer no Rio de Janeiro um meu irmão, vitima de doenca, que me transtornou um pouco.

O Senhor Mário Lima foi de facto meu colega no BNU em Bissau, na altura desempenhando as funções de Chefe de Servicos. Funcionário muito competente, era amigo e respeitava os seus subalternos, procurando e contribuindo para que todos os mais jovens tivessem boa aprendizagem do sistema bancário, o que fez com que a Filial de Bissau fosse conhecida como Campo de Treino, para posteriormente serem transferidos para outras paragens.

Mário Lima.
Foto: Cortesia de RTC

Óptimo tocador de violão, algumas vezes aos sábados não se importou que o visitassemos para se ouvir o seu dedilhar pelas cordas bem afinadas do seu instrumento, interpretando mornas e coladeiras.

O Mário Lima na cidade da Praia, depois da Independência, foi um dos negociadores que ajudou a implementar o Banco de Cabo Verde, foi um dos seus Directores em exercicio até se reformar. Faleceu a 7 de Janeiro deste ano corrente de 2014, vítima de doença prolongada.

Maria Caela (*), nome que vive no meu subconsciente até agora, imagino se tratar de alguma morena criola, dengosa, da Boa Vista donde Mário Lima também era natural e que por qualquer razão lhe mereceu os versos. Assim como existe uma outra morna de nome Maria Barba (Bárbara), também da Boa Vista, pessoa esta já de certa idade que ainda conheci em Bissau (**). Entretanto te prometo olvidar meus esforcos no sentido de obter informações sobre a Maria Caela.


Guiné > Bissau > c. 1965/66 > Um edifício que faz parte das memórias e do imaginário de juventude de alguns dos nossos camaradas de armas, como o Virgínio Briote.


Foto: © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados


Já agora aproveito para  prestar,  a tíulo póstumo,  uma pequena homenagem a Aguinaldo Almeida colega e bom amigo. Impulsionador de várias actividades entre empregados do BNU, lecionando em horas extras alunos que precisavam de melhor preparação académica para um futuro melhor, preparando Ralies Auto, etc, ainda me lembro da apresentação da peça teatral "A Hora de Todos",  na Associação Comercial de Bissau, que bastante agradou os assistentes.

Por agora é tudo.
Um abraco do colega e camarada
AMedina


3. Recorde da  imprensa caboverdiana sobre o Mário Lima, que nos mandou o António Medina:

A Semana > 21 de dezembro de 2007

Notícias > Mário Lima prepara livro sobre a banca

21 Dezembro 2007

O escritor Mário Lima tem em preparação um livro sobre a história da banca em Cabo Verde. Quadro do Banco Nacional Ultramarino durante 21 anos, o autor decidiu juntar duas das suas paixões: a literatura e o mundo das finanças.

A obra, em fase de revisão, abordará a génese e aspectos vários da história e evolução das instituições bancárias do país.

Mário Lima, natural da Boa Vista, foi durante 21 anos quadro do BNU, sendo que parte do período que passou na instituição foi vivido na Guiné Bissau onde também colaborou em alguns jornais. Viveu também em São Tomé e Príncipe antes de retornar a Cabo Verde.

Em São Vicente, onde estudou o secundário, foi fundador da Academia Cultivar, de onde saíram alguns dos criadores do jornal Certeza: Nuno de Miranda, Arnaldo França e Tomaz Martins.

Ensaios, crónicas e crítica literária fazem parte da sua produção intelectual, onde se destaca também um conto - O Emigrante - vencedor de uma menção honrosa.

Membro fundador da Associação de Escritores Cabo-Verdianos, Mário Lima tem se dedicado, desde há muitos anos, à poesia e, em Março deste ano, publica finalmente o seu primeiro livro: Minhas Aguarelas no Espaço e No tempo traz poemas inspirados pelas vivências e observações do quotidiano. A obra será em breve secundada pela publicação do seu novo livro, desta feita de cariz histórico/científico.

(Reproduzido aqui com a devida vénia)

 _____________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13703: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (5): dois poemas do caboverdiano Mário Lima, "Retrato de Maria Caela" e "Menina Santomense"....Quem teria sido essa mulher fatal, caboverdiana, Maria Caela, que um dia saltou no cais do Pidjiguiti ?

(**) Ver aqui a letra desta morna, a que o Bana, o "rei da morna",  deu a sua voz inconfundível. A melodia parece ser do final do séc. XIX, enquanto a  letra original seria  da cantora Maria Bárbara,,, É um tocante diálogo - podia ser um fado de despedida! -  entre o tenente Serra, e a Maria Bárbara, a quem ele pede para cantar mais uma morna, na sua festa de despedida, a caminho de Lisboa (***)...

Maria Barba [Bárbara] | Bana [Adriano Gonçalves mais conhecido por Bana (Mindelo, Cabo Verde, 1932 – Loures,   2013]


Maria Bárbara, canta mais uma morna,
Senhor Tenente um' ca podê cantà màs,
Maria Bárbara, canta mais uma morna
Senhor Tenente um' ca podê cantà màs.

Um' ti ta bai nha caminho pa manga
Pa matança di cafanhot'
Um' ti ta bai nha caminho pa manga
Pa matança di cafanhot'

Senhor Tenente Serra kuand' bôcê bà pa Lisboa
Ca bôcê s'quècé di nôs
Senhor Tenente Serra kuand' bôcê bà pa Lisboa
Ca bôcê s'quècé di nôs

Maria Bárbara, eu não hei-de esquecer,
Eu não hei-de esquecer principalmente de ti,
Maria Bárbara, eu não hei-de esquecer,
Eu não hei-de esquecer principalmente de ti.

Maria Barbara, canta mais uma morna,
SenhorTenente um' ca podê cantà màs,
Maria Barbara canta mais uma morna,
Senhor Tenente um' ca podê cantà màs

Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto
Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto

Um' ti ta bai nha caminho pa manga
Pa matança di cafanhot'
Um' ti ta bai nha caminho pa manga
Pa matança di cafanhot'

Senhor Tenente Serra kuand' bôcê bà pa Lisboa
Ca bôcê s'quècé di nôs 
Senhor Tenente Serra kuand' bôcê bà pa Lisboa
Ca bôcê s'quècé di nôs

Maria Bárbara, eu não hei-de esquecer,
Eu não hei-de esquecer principalmente de ti,
Maria Barbara, eu não hei-de esquecer,
Eu não hei-de esquecer principalmente de ti...


[ Letra recuperada por LG, a partir daqui:

http://www.cifraclub.com.br/bana/maria-barbara/  ]

(***) Eis a história desta morna (e dos seus protagonistas):

 A Semana > Opinião > Otília Leitão > Postal de Lisboa, 20 Março 2008

(...) Clarisse [Pinheiro, a viver em Portugal] fala com emoção de sua “mãe Bárbara” ou da “Maria Barba”, a autora da morna com o seu nome, que a voz do grande Bana imortalizou. É uma das mais belas e mágicas músicas que eu, como muitas outras pessoas que conheço, interiorizei como uma grande paixão do oficial de cavalaria e engenheiro civil, Serra, obrigado a partir para Lisboa. Afinal, era uma desgarrada de despedida e saudade porque o amor era pela Victória, sua amiga, de quem o Tenente que habitava numa rocha, teve duas filhas que vivem actualmente na América. (...)

Os protagonistas que deram alma a esta morna cantada também por outras vozes da modernidade, já morreram. Ele em Lisboa. Ela, no dizer de Clarisse, uma “moça bonita” da Boa Vista que tinha a particularidade de ser “tão expressiva na alegria como na tristeza”, morreu, na Guiné-Bissau, ao fim de 34 anos, em 1974, no raiar da Independência. (...)

(...) Desde criança, Maria Bárbara cantava tão bem que era habitual vê-la em cima de uma cadeira, de vestido domingueiro, animando festas e convívios, conta Clarice. “Eu era ainda bébé, nem tinha dentes, quando a minha mãe veio cantar ao Palácio de Cristal no Porto, e foi recebida e cumprimentada por Craveiro Lopes” (****), diz a filha reportando-se a 1940 quando Maria Barba, em representação da colónia de Cabo Verde, participou na grande Exposição do Mundo Português. Pese embora a insistência de alguns empresários para que a sua mãe ficasse em Portugal, ela escolheu regressar à Boa Vista. Pouco depois parte para a Guiné.

Por causa da letra de “Maria Barba” - a morna mais antiga que faz uma referência a Lisboa e a primeira que foi gravada na sua versão integral e a duas vozes (Luís de Matos e Maria Alice) no CD “Lisboa nos Cantares Cabo-verdianos” - não resisti a uma provocação: “Oh Clarisse! Quantas paixões silenciosas, por diversos motivos, não existiram?!”. Mas Clarisse foi convicta: “Não! Ele era casado com a Victória! Essa era a sua paixão!” e sorriu. É seguramente uma Morna de despedida e saudade de alguém muito estimado, mas que tem uma postura típica do período colonial em que Lisboa, a cidade que Hans Christian Andersen já em 1866 considerava “luminosa e bela”. Era o "Eldorado", de onde se esperava que viesse a salvação de todos os males do arquipélago.

 Clarisse Pinheiro desmistifica a minha ilusão doce e diz-me que Maria Barba quer satisfazer o pedido do Tenente Serra em cantar mais nessa festa de despedida. Contudo tem uma tarefa a cumprir: ”Tinha que ir fazer uma matança de gafanhotos”, uma praga que afectava as culturas e que obrigava a que cada família cedesse uma pessoa para o fazer. Como o pai já tinha falecido e a mãe era “fraca” ela era a representante da família.

Testemunhos de vários artistas boavistenses, como António “Sancha” Neves e Noel Fortes, referem a existência de várias versões desta Morna do final do século passado, da qual a Maria Barba aproveitou a melodia para improvisar. A versão do grupo Djalunca da Boa Vista parece ser a mais fiel à letra original (...).

Clarisse Pinheiro que ouviu muitas vezes sua mãe cantar, disse que Bana se encontrou com Maria Barba na Guiné, onde ouviu pela primeira vez na rádio a sua morna. “Não há registo, não há direitos de autor, nunca foi reposta essa verdade”, observa a filha mais nova de Maria Barba que apenas conheceu Bana em Portugal, num espectáculo na FIL, movida por esse «ânimu»s que lhe fora transmitido pela mãe. No entanto, explicou, foi um cumprimento fugaz e banal, esfumando-se a expectativa de qualquer eventual reconhecimento, disse.

Clarisse nasceu em Santa Catarina, Santiago, em 1932, de um parto solitário executado pela sua própria “mãe Barba” e testemunhado pela sua irmã Aldônça, então com dois anos. Divergências entre o casal, ligadas ao facto da sua mãe, ainda menor, ter sido raptada pelo marido e de um casamento mal visto pela família, fizeram Maria Bárbara regressar à Boa Vista, dias depois, de barco. Ainda em 1940 e porque a crise da segunda guerra mundial se fazia sentir no aumento do custo de vida, as três, aconselhadas por um tio escrivão, rumaram à Guiné num barco de Manito Bento que, antes de chegar ao destino, se perdeu pela Gâmbia. (..)

Tinha 16 anos quando sua irmã, que vivia em Bafatá, casou com um bisneto do governador Honório Barreto, e viveu na Guiné-Bissau até 1980. Geria uma farmácia do seu companheiro que conheceu na pele as perseguições da PIDE (polícia política do regime colonial). Actualmente, Fernando Lima, com 80 anos, é apenas seu amigo. Ali conheceu Amilcar Cabral, entre outras destacadas personalidades que recorriam aos seus serviços. “O pai de Aristides Pereira (primeiro presidente de Cabo Verde independente) era padre e baptizou os meus filhos”, recorda. Clarisse, não conhece Cabo Verde. Apenas aqui voltou em 1957, aos 25 anos para descobrir no Tarrafal, seu pai, que entretanto já tinha onze filhos... Nunca mais voltou e as suas referências reportam-se essencialmente à Guiné-Bissau. Não resistindo à continuada degradação da sua vida, num período pós-revolucionário, fixou-se em Portugal onde estão também dois filhos e quatro netos, sem que alguma vez se tenha desligado desta triologia feminina: a mãe e as duas irmãs. (..,)

 [Excertos reproduzidos com a devida vénia]

(****) Lapso: deve ter sido o Òscar Carmona, por ocasião da Exposição Colonial, inaugurada no Palácio de Cristal, em junho de 1934... O Craveiro Lopes foi o presidente da República, do regime do Estado Novo, que se lhe seguiu, depois da sua morte em 1951...

A Maria Bárbra, que teve a primeira filha, em 1930, e ainda era menor quando casou, terá nascido nos primeiros anos da República, em meados da década de 1910... Morreu em 1974, com cerca de 60 anos... Em 1934, quando veio ao Palácio de Cristal, deveria ter 20 anos,,,Viveu 34 anos na Guiné, para onde foi viver em 1940... Mas antes disso ainda esteve, "em representação da colónia de Cabo Verde", na Exposição do Mundo Português (que decorreu en Lisboa, entre 23 de Junho e 2 de Dezembro de 1940).

O António Medina diz que ainda a conheceu, em Bissau, já com uma "certa idade", ou seja,  precocemente envelhecida... Esta história da festa de despedida do tenente e engenheiro Serra ter-se-á passado no final dos anos 20...

Há divergência entre a letra original e letra cantada pelo Bana... Ela não diz que o pai é malandro, mas, sim, que já morreu... E como a mãe, era fraca, ela tinha de ir, por ordem da polícia, matar gafanhotos, como representante da família, pelo que não podia ficar a cantar na festa de despedida do senhor tenente:

(...) Amim’ ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte
Amim’‘m câ tem q’êm raspondê pa mim,oi,oi (...)

E o tenente responde:

Maria Barba, canta mais uma Morna,
Porque eu falarei com o vosso cabo-chefe,
Maria Barba, canta mais uma Morna,
Se tu fores presa, responderei por ti.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11094: Memória dos lugares (212): Ilha da Brava, Sotavento, Cabo Verde... Em homenagem a Clara Schwarz (n. 1915, Lisboa) e ao seu saudoso cretcheu Artur Augusto Silva (1912, Brava -1983, Bissau) (João Graça / Luís Graça)









Cabo Verde > Ilha da Brava > 6 de novembro de 2012 > Algumas fotos da ilha onde nasceu o grande poeta Eugénio Tavares (1867-1930)... mas também Artur Augusto Silva (1912-1983), advogado, jurista, estudioso dos usos e costumes dos fulas, mandingas e nalus da Guiné, poeta, contista, pai do nosso amigo Pepito e o grande amor da vida de Clara Schwarz da Silva, que hoje faz 98 anos, sendo a decana da nossa Tabanca Grande... ["Brava é uma ilha e concelho do Sotavento de Cabo Verde. A sua maior povoação é a vila de Nova Sintra. O único concelho da ilha tem cerca de sete mil habitantes. Com 67 km², Brava é a menor das ilhas habitadas de Cabo Verde, e tem uma densidade populacional de 101,49/km². A ilha tem uma escola, um liceu, uma igreja e uma praça, a Praça Eugénio Tavares". Fonte: Wikipédia]

É em homenagem desta grande senhora (, ela própra um monumento à vida,  ao amor, à inteligência e à coragem,) que hoje publicamos fotos recentes da Ilha da Brava, tiradas pelo nosso grã-tabanqueiro João Graça, aquando do Festival Sete Sóis Sete Luas, 20ª edição. Elas estavam aqui prometidas, para este dia, aos nossos amigos Pepito e Clara [, foto à esquerda, em 1947, subindo o Chiado, com o marido, Artur Augusto Silva: foto gentilmente cedida pelo Pepito].

Para além dos laços que nos unem a todos, aqui na Tabanca Grande, a Clara Schwarz dá-nos o privilégio de ser nossa amiga, minha, do  João Graça, da Alice e da Joana. Queremos homenageá-la, neste dia tão especial em que celebra as suas 98 primaveras (!), não só com essas fotos recentes da terra do seu "cretcheu", mas também com  um poema de Eugénio Tavares, "Força de Cretcheu",  talvez "o mais belo poema e a mais bela canção de amor de Eugénio Tavares", na opinião dos especialistas da sua obra, Carlota de Barros e Viriato de Barros)...

[Ouvir aqui uma interpretação deste poema na "voz de ouro" da cantora Gardénia Benrós, artista cabo verdiana que vive nos Estados Unidos...É também a nossa homemagem a todos os "(e)ternos namorados" da Nossa Tabanca Grande, justamente no Dia dos Namorados, e muito em especial a todos as nossas queridas mulheres...][LG].


Força de Cretcheu
por Eugénio Tavares

Ca tem nada nes' vida
mas grande qui amor,
se Deus ca tem medida,
amor inda é maior,
amor inda ê maior
maior que mar, que céu
ma de entre otos cretcheu
di meu inda ê maior

Crecheu más sabe,
É quel que é de meu.
El é que é chabe
Que abrim nha ceu...
Crecheu mas sabe
É quel
Que q'rem...
Se já'n perdel
Morte já bem...

Ó força de cretcheu,
Abri nha asa em flor
Pam pode subi ceu,
Pam bá pidi simenti
De amor coma es di meu,
Pam bem da tudo gente,
Pa tudo conchê céu! 


[Fonte: EugenioTavares.org. Reproduzido com a devida vénia...]

Fotos: © João Graça (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
____________

Nota do editor:

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10793: Meu pai, meu velho, meu camarada (35b): José Baptista de Sousa (1904-1967), capitão médico-cirurgião, expedicionário, um 'anjo di céu', em São Vicente, fev 1942/ set 1944 - Parte II(Adriano Miranda Lima)



Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Setembro de 1944 > Baptista de Sousa recebendo o diploma do iate Morabeza. Foto cedida por Valdemar Pereira




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Setembro de 1944 > Baptista de Sousa no hospital civil de S. Vicente. Foto cedida por Valdemar Pereira.


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Setembro de 1944 > Entrega solene do iate Morabeza a Baptista de Sousa. Foto cedida por Valdemar Pereira




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Setembro de 1944 > Baptista de Sousa fundeando o Morabeza frente à Praia de Bote. Foto cedida por Valdemar Pereira.



1. Segunda (e última) parte do texto do nosso grã-tabanqueiro Adriano Lima, natural de Mindelo, São Vicente, cor inf na reforma, residente em Tomar  [, foto à direita] (*):

Dr. José Baptista de Sousa, um “anjo di céu” que pousou em S. Vicente 

Texto: Adriano Miranda Lima [, foto à esquerda]
Fotos: Valdemar Ferreira


(Continuação)

Mas o apreço pelo médico não resultou só do seu exercício profissional e da sua bondade. Suscitou admiração pública a sua coragem cívica e moral quando recusou escrever em atestados de óbito que a causa de muitas mortes não era outra senão a fome que desgraçadamente assolava as nossas ilhas, contrariando o que as autoridades oficiais do Regime impunham aos profissionais da Saúde sobre o assunto. Ao proceder desse modo, Baptista de Sousa agia apenas em conformidade com a sua consciência de homem e com os valores morais que estribam a ética e a deontologia da sua profissão, certamente indiferente às consequências em que poderia incorrer na sua carreira militar, e mesmo ao juízo que os seus pares mais conservadores ou timoratos poderiam fazer sobre o seu gesto desassombrado.

Mas não foi meramente circunstancial a atitude do médico. Ele era efectivamente um homem de espírito livre e dotado de vincada consciência política, como aliás viria a demonstrar em etapas futuras da sua vida. Como era de prever, a sua atitude de rebeldia contra a inverdade e a iniquidade viria a trazer-lhe alguns custos pessoais e atinentes à evolução justa da sua carreira militar. Excederia o âmbito desta narrativa fundamentar exaustivamente tudo o que pesquisei no âmbito do seu processo militar. É verdade que o juízo de quem analisa o conteúdo da sua folha de serviços funda-se mais na omissão do que na explicitude, busca-se mais nas entrelinhas do que na factologia do registo formal. É que no antigo regime havia formas dissimuladas de exercer a retaliação sobre alguém em termos profissionais, havendo o cuidado de minimizar a sua percepção exterior quando esse alguém era figura socialmente prestigiada.

No entanto, convém dizer não me parece que haja razões para pensar que a hierarquia militar local, na pessoa do Brigadeiro Comandante das Forças Expedicionárias, Augusto Martins Nogueira Soares, olhasse de soslaio para o êxito social do seu subordinado ou lhe retirasse apoio moral por qualquer razão. Os factos demonstram o contrário. O Brigadeiro atribuiu ao seu médico um muito expressivo louvor, que se pode considerar em perfeita sintonia com as homenagens que a sociedade civil lhe prestou:

“Louvo o capitão médico José Baptista de Sousa pela excepcional qualidade dos serviços prestados durante o período em que desempenhou o cargo de Chefe dos Serviços Cirúrgicos das Forças Expedicionárias de Cabo Verde. Como cirurgião muito hábil, permitiu a recuperação de muitos militares em situações desesperadas, e alguns lhe ficaram devendo seguramente a vida. Sempre pronto e solícito para todos, quer militares quer civis, a sua competência e a afabilidade do seu trato fizeram-no apreciar e estimar e o tornaram um elemento de valor no estreitamento das relações entre as Forças Expedicionárias e a população de Cabo Verde, que por várias maneiras lhe expressou a sua gratidão pelos valiosos e desinteressados serviços, em manifestações partidas de todas as classes sociais e das entidades oficiais da Colónia, dando assim um valioso exemplo no cumprimento dos seus deveres cívicos e militares.”

Além disso, veja-se, como é patente na fotografia [, à direita], que o Brigadeiro Comandante lidera a comitiva de despedida do seu subordinado, ladeando-o e acompanhando-o até ao cais da despedida, o que não é procedimento habitual numa Instituição que se pauta por rigidez protocolar. No rosto do Brigadeiro ia certamente estampada uma expressão de orgulho e satisfação por um oficial que prestigiara o Exército e a Nação com a sua conduta humana e profissional.

Mas o mesmo creio não poder dizer-se do Governador da Colónia, que, no âmbito das suas funções, não reconheceu pública e formalmente os serviços do médico, o que só poderia ter sido vertido em louvor oficial. E ele tinha sobejas razões para o fazer relativamente a um médico que pôs a sua ciência e o seu bisturi ao serviço dos hospitais civis, salvando muitas vidas. É caso para se dizer que a carta de alforria do Governador se prendia a uma lógica diferente da que pauta a Instituição Militar, sobretudo quando esta é servida por homens que sabem o que é a honra, a coragem, a lealdade e a camaradagem. Parece ter sido o caso do Brigadeiro Nogueira Soares, Comandante das Forças Expedicionárias.

Mas o que é realmente extraordinário é a expressividade das homenagens e manifestações de carinho que a sociedade civil mindelense prodigalizou a Baptista de Sousa. Se o louvor militar tem o valor formal que tem, maior é louvor que ele deve ter auscultado, sem precisar de estetoscópio, no coração do povo do Mindelo. Inúmeras homenagens públicas tinham sido dias antes da sua partida prestadas ao doutor Baptista de Sousa pela sociedade mindelense, quer por entidades oficiais quer privadas, como bem refere no seu louvor o Brigadeiro Nogueira Soares. Uma delas, de entre várias, mas esta de grande simbolismo, é a morna “Engenheiro Humano”, com música e letra de Jorge Monteiro, morna que continua a ser ouvida com emoção nos dias de hoje. [Vd. aqui, no You Tube, essa linda morna, na interpretação de Gardénia: Engenheiro Humano, Baptista Sousa]

 Outra homenagem foi a oferta de um pequeno iate ao Dr. Baptista de Sousa, construído nos estaleiros de S. Vicente, iate a que se deu o nome de “Morabeza”, custeado por subscrição pública na cidade, por iniciativa do conhecido industrial Manuel de Matos, dono da Fábrica Favorita. Todo o povo da cidade, rico, remediado ou pobre, contribuiu com pouco que fosse, mas a parte leonina do custo coube àquele industrial. Valdemar Pereira, para ilustrar a veemência do sentimento popular, refere que o seu tio Jom Bintim lhe contou que uma mulher do povo que cosia sacos ao pé da Alfândega teve estas significativas palavras: “cirê ta custá-me 3 testom; ma pa iate de senhor dator um ta dá 10.000 reis” (3).

Contou-me um tio meu que, no acto solene da entrega do iate, o doutor Adriano Duarte Silva, deputado por Cabo Verde, encerrou com estas exactas palavras a prelecção que proferiu: “…Quando estiverdes a velejar no Tejo, no Estoril ou em Cascais, Morabeza (nome do iate) vos fará lembrar este povo altaneiro que sabe amar e compreender aqueles que o amam e compreendem."

Mas os caminhos de um regime político ditatorial não coincidem com as veredas do coração humano. Infelizmente, Baptista de Sousa viria a sofrer as consequências de ter pisado o risco vermelho ao escrever nas certidões de óbito que a causa de algumas mortes em Cabo Verde era a fome. Viria a verificar-se, com efeito, uma sucessão de episódios futuros elucidativos do revanchismo institucional exercido sobre o médico, visando prejudicar ou no mínimo restringir as condições em que poderia dar uma expressão alargada à sua actividade profissional.

Por exemplo, em vez de ser colocado no Hospital Militar Principal, como pediu depois da missão em Cabo Verde, o que era mais que justo e oportuno, foi colocado no Regimento de Cavalaria da Guarda Nacional Republicana, situação mais compatível com o desempenho de um médico de clínica geral do que o de um reputado cirurgião, aí permanecendo quase um ano. É bem possível que Baptista de Sousa, fora do horário militar, tenha exercido cirurgia nos hospitais civis, para manter elevados os seus níveis de proficiência técnica.

Deixa de prestar serviço na Guarda Nacional Republicana em 1945, e a partir daí e até Março de 1947 é colocado no Hospital Militar Regional nº 3, em Tomar, e logo a seguir no Hospital Militar Regional nº 2, em Coimbra. Não se pode deixar de olhar com desconfiança para a sua colocação em hospitais militares regionais, órgãos do serviço de saúde militar onde não se realizam intervenções cirúrgicas importantes, estas só cabendo ao Hospital Militar Principal, para além do facto de essa situação o ter deixado fora da sua área de residência, Lisboa, onde naturalmente melhor se conjugavam os seus interesses de ordem profissional e académica.

É evidente que qualquer oficial médico, no posto de capitão, estava e está sujeito a colocações em qualquer estabelecimento do Serviço de Saúde Militar, e Baptista de Sousa não podia ser excepção. Contudo, estamos a falar de um cirurgião de alta craveira técnica e académica cujo mérito era unanimemente reconhecido. E note-se que o quadro permanente de oficiais médicos do Exército comportava nessa época 65 capitães e 32 tenentes, havendo assim razão para estranhar que um cirurgião como ele tenha sido objecto daquelas colocações, ainda mais depois de regressar de uma colónia onde honrou como ninguém a profissão médica e a instituição militar.

Como se não bastasse, mal refeito do que iniludivelmente fora uma tentativa de o prejudicar, Baptista de Sousa é “requisitado” para a longínqua Índia, para onde embarcou em 1947, destinado à Escola Médico-Cirúrgica de Goa.

Se, durante a minha pesquisa, alguma reserva intelectual poderia ter contido a extravasão da minha conclusão sobre a vitimização política do médico, ela desfez-se completamente quando, no fim do meu trabalho, a família do médico me confessou que ele era efectivamente um opositor declarado ao antigo Regime e, nessa condição, alvo de vigilância da PIDE, que não se desarmava de o procurar apanhar em flagrante em situação comprometedora. Disseram-me os familiares que nunca o conseguiram, pelo que a única possibilidade que se lhes oferecia era prejudicar veladamente a actividade e a ascensão normal da sua carreira. Daí que a nomeação para a Índia o tenha deixado transtornado não só por injustificável à luz das regras normais de nomeação de pessoal militar como por ter sido inoportuna e altamente prejudicial aos planos profissionais que tinha em mente.

Contudo, não se pode deixar de assinalar que na Índia Baptista de Sousa foi alvo de uma idolatria idêntica à que conheceu em S. Vicente. Baptista de Sousa viu os seus serviços na Índia altamente reconhecidos pelas instâncias governamentais e pela sociedade civil. Por portaria de 27 de Abril de 1950, é louvado pelo Governador-Geral do Estado da Índia, nos seguintes termos:

“ (...) Pelos relevantes serviços prestados neste Estado, pela muita competência, elevada dedicação e extremo interesse demonstrados no cumprimento dos seus deveres profissionais, honrando e prestigiando a ciência nacional e bem merecendo a gratidão de todos pela sua abnegação, sempre animada de sentimentos de bem servir, pelo que considero distintos os serviços prestados neste Estado pelo capitão médico Baptista de Sousa”.

As autoridades públicas e o povo da Índia, que o homenagearam de várias maneiras, moveram todos os esforços para evitar ou adiar a sua saída, mas Baptista de Sousa era natural de Lisboa, onde tinha a sua família, e por certo alimentava a expectativa de retomar a normalidade da sua carreira. Mas mais uma vez lhe deve ter calado fundo o reconhecimento e o apreço da sociedade civil pelo seu valor profissional e pela sua humanidade, dessa vez numa outra paragem do Império.

Só a partir de 1951 Baptista de Sousa é finalmente colocado no Hospital Militar Principal, onde se manteria até 1961. Durante esse período, frequentou o Curso de Promoção a Oficial Superior e mais tarde o de Comando e Direcção (destinado a promoção a oficial general), sendo promovido sucessivamente a major, tenente-coronel e coronel, preenchendo as vagas normais da carreira.

Enquanto tenente-coronel é nomeado subdirector desse Hospital. Promovido a coronel, seria previsível que um oficial do seu valor fosse nomeado director, mas tal não aconteceu, pelo que deixa o Hospital à data da sua promoção, em 1961, para ser colocado, para efeitos administrativos, no Conselho Fiscal dos Estabelecimentos Fabris do Exército, onde ocupa o cargo de vogal, embora continue a operar no Hospital Militar Principal. Refira-se que no Hospital Militar Principal ocupou, enquanto ali colocado, o cargo de Chefe da Clínica Cirúrgica, do mesmo passo que na vertente civil da sua vida profissional foi Chefe da Clínica Cirúrgica do Instituto de Oncologia Português [, IPO].

Baptista de Sousa passa à reserva em 1963, por motivos de saúde. Mas se estes eram formalmente impeditivos para efeitos militares não o eram para o exercício normal da sua função de cirurgião, pelo que continua a exercê-la tanto no Hospital Militar Principal como no Instituto Português de Oncologia.

A situação mais estabilizada conseguida pelo oficial médico a partir de 1951, uma vez colocado no Hospital Militar Principal, pode ter duas explicações plausíveis. Uma, é o pressuposto de que pagara o preço da sua afronta ao Regime, depois de passar por uma fase atribulada em que conheceu a instabilidade profissional e familiar. Outra, é a circunstância de que a partir do posto de major, ou mesmo de capitão antigo, se tornava problemática, se não mesmo impraticável, à luz dos quadros orgânicos, a sua colocação em outro órgão do Serviço de Saúde que não fosse o Hospital Militar Principal.

É durante o referido período que é louvado pelo Director do Serviço de Saúde (duas vezes) e pelo Director do Hospital Militar Principal. Além de ter sido condecorado com as medalhas de Mérito Militar de 3ª e 2ª classes (rotina normal no Exército), recebeu também a condecoração da Ordem Militar de Avis, esta no posto de tenente-coronel.

A partir de 1964, estando na reserva, Baptista de Sousa foi proposto e aceitou ser nomeado Consultor de Cirurgia da Direcção do Serviço de Saúde Militar, “em virtude de se tratar de um distinto oficial e cirurgião de grande categoria, e nesta qualidade apoiar o serviço de cirurgia do Hospital Militar Principal com os seus pareceres e eventualmente com a execução de intervenções cirúrgicas.”

O “Registo de Alterações” da vida militar do coronel Baptista de Sousa encerra em 1961, data em que deixa o serviço activo, e só reabre em 1967. Mas reabre, infelizmente, para logo encerrar em definitivo, pois é apenas para registar o seu óbito, ocorrido no seu domicílio, num domingo, dia 3 de Novembro do ano de 1967. Foi uma morte já aguardada porque passara ultimamente a padecer de uma doença que evoluía irreversivelmente, sem deixar qualquer réstia de esperança, como vim a saber, através das suas filhas, já depois de concluído este texto. Assim, súbita e friamente, diz-nos o documento oficial que o nosso “Engenheiro Humano” deixou a vida em 1967, aos 63 anos. A última página da sua vida foi virada, mas a vida de um justo é um livro sempre aberto e para lá do tempo. Santo Agostinho disse: “se semeias o amor em ti, só amor serão os frutos”. Por isso, Baptista de Sousa é um livro nunca encerrado, um livro onde devemos colher os frutos da semente que ele semeou.

No entanto, Baptista de Sousa não atingiu um mais alto patamar na vida militar porque era adverso ao Regime político então vigente. Seria perfeitamente normal que um oficial médico da sua categoria tivesse tido o cargo de director do Hospital Militar Principal e, em seguida, alcançado o posto mais alto na orgânica do Serviço de Saúde, o de brigadeiro. E faltou conceder-lhe no fim da carreira a condecoração com a medalha dos Serviços Distintos, como receberam outros oficiais contemporâneos, porventura mais fiéis ao Regime mas certamente menos qualificados que Baptista de Sousa.

A minha tese correu o risco de ser infundada por presumir propósitos deliberados onde apenas poderia haver simples coincidências administrativas, visto que apenas me limitei a analisar documentos oficiais, lendo nas entrelinhas. Mas o problema é que as coincidências me pareciam tão nítidas e tão incómodas que não resistiam à luz soalheira da transparência. E o meu instinto também me dizia que eu estava centrado no trilho da verdade. Porém, a dúvida só se manteve até ouvir directamente das filhas e genros de Baptista de Sousa a confirmação das suas convicções ideológicas e da sua animosidade ao antigo Regime.

O nosso “Engenheiro Humano”, o ser espiritual, uno e indivisível, é que está acima das conjecturas e especulações de quem, como eu, resolveu desenterrar da poeira dos arquivos o registo das coisas efémeras. Agora tudo repousa na memória e esta, felizmente, tem registos indeléveis. A “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira” regista para a posteridade a notável figura do homem da ciência médica.




Cabo Verde > Hospital Baptista de Sousa em Mindelo, S. Vicente. Foto colhida na Net.


O “Hospital Baptista de Sousa”, inaugurado em S. Vicente pelo governo de Cabo Verde independente, é uma justa homenagem do povo cabo-verdiano, ligando-o para todo o sempre ao lugar onde salvou muitas vidas humanas. A morna “Engenheiro Humano”, singela expressão poética da gratidão cabo-verdiana, estou crente de que jamais sairá do nosso repertório musical e com ela a sua memória permanecerá sempre viva na população do Mindelo. E, por último, refira-se a rua com o seu nome, a rua José Baptista de Sousa, situada entre a rua Professor Santos Lucas e a avenida do Uruguaio, em Lisboa. Uma justiça que foi feita, segundo penso, pela toponímia portuguesa depois do 25 de Abril de 1974. A toponímia da liberdade.

Tomar, 30 de Novembro de 2012

Adriano Miranda Lima

_________

 Nota de AML:

(3) "O cirê [espécie de tabaco para introduzir na boca]  custa-me 3 tostões, mas para o iate do senhor Doutor dou 10 mil réis."

_______________