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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24075: Notas de leitura (1556): O Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau: Imagens Para Uma História (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
Por mão amiga tive acesso a este livro que surgiu no seguimento da exposição "O Museu Etnográfico Nacional: Trinta anos de História", inaugurada no Museu de Bissau em setembro de 2017. Tem imagens esclarecedoras do património que resistiu a várias depredações, espoliações e destruições. Recordo sempre o orgulho que senti no Museu Metropolitano de Nova Iorque quando numa vasta sala dedicada à Arte Africana li uma ficha de um colecionador famoso, da família Rockfeller, dizendo, com sincero entusiasmo, que tinha comprado peças artísticas das etnias Bijagó e Nalu e que as considerava do mais genial que lhe fora dado ver. Portugal possui igualmente um rico património da Arte Guineense, bom seria que se fizesse uma recolha de peças de valor indiscutível, elas estarão sempre associadas à presença portuguesa e à veneração que tal arte nos merece e merecerá.

Um abraço do
Mário



Conhecer o Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau

Mário Beja Santos

Não há ninguém que tenha feito comissão na Guiné que não conheça este edifício, no nosso tempo era Museu da Guiné e o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, reunia uma preciosa coleção de património etnográfico, o impulso inicial coube a Avelino Teixeira da Mota, então colaborador direto de Sarmento Rodrigues, e nas mesmas instalações funcionava o importantíssimo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa responsável pela publicação colonial mais relevante: o Boletim Cultural, ainda hoje incontornável. E havia uma biblioteca, nesse espaço ocorreram conferências que tiveram projeção. Com a independência, extraviou-se muita coisa, nos anos 1980 o museu foi transferido ali para os lados do INEP e em 2017 voltou ao edifício primitivo que já cumprira outras funções, como Ministério dos Negócios Estrangeiros e Direção-Geral da Cultura. Para comemorar o regresso, em 15 de setembro de 2017 foi inaugurada uma exposição intitulada “O Museu Etnográfico Nacional: 30 anos de História”, associaram-se diferentes parceiros, desde o Instituto Camões, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Embaixada de Espanha em Bissau, organismos da Universidade de Oxford e outros. O catálogo foi publicado em 2018 e permite ao leitor ficar com uma ideia do que é hoje o acervo museológico, depois das diferentes provações que terá sofrido, não esquecer que durante a guerra de 1998/1999 perderam-se objetos e muitos documentos, perdas tão irreparáveis que quando o visitei em 2010 e fiz entrega de um presente de todas as cartas da então Província da Guiné, na escala de 1 para 50 mil, o então Presidente do INEP, Dr. Mamadu Jao, agradeceu-me comovidamente, nada existia de tão substancial. Depois da guerra, houve tentativas de reparação, lembro a reconstituição de imensas imagens graças à Fundação Mário Soares, que deu origem à exposição “Raízes”, que então visitei no Bairro da Ajuda e que ainda hoje se pode adquirir na Fundação Mário Soares a preço simbólico. A exposição de 2017 revela o que se tem feito na digitalização de imagens e como se têm procurado superar os danos terríveis da guerra e dos esbulhos.

Este volume, com texto em português e castelhano mostra imagens do passado, havia um catálogo-inventário da secção de etnografia do Museu da Guiné Portuguesa, Teixeira da Mota estimulara muitas doações, fizeram-se estudos, a etnografia da Guiné apareceu em populações de grande difusão, lembro, a título de exemplo, A Arte Popular em Portugal, da Verbo, que teve a responsabilidade de orientação de Fernando Castro Pires de Lima, há muitos elementos etnográficos guineenses em Portugal, basta visitar a Sociedade de Geografia de Lisboa ou acompanhar as atividades do Museu Nacional de Etnologia. Há ainda documentos à venda, alguns deles preciosos, produzidos pela Junta de Investigações do Ultramar. Lembro que António Carreira produziu um belo trabalho sobre panaria cabo-verdiana e guineense e que Rogado Quintino é autor de uma obra etnográfica de valor indiscutível sobre a prática e utensilagem agrícola na Guiné, bem como Fernando Galhano publicou outra obra relevante intitulada Escultura e Objectos Decorados da Guiné Portuguesa no Museu Etnológico.

Este livro que acompanha a exposição de 2017 descreve trabalhos de pesquisa ao longo das últimas décadas e mostra imagens de grande importância sobre a escultura Nalu e Bijagó, como o pássaro Koni Nalu, a máscara Nimba, os espíritos Bijagós, a cabeça de vaca, obras representativas do que há de melhor na escultura guineense. Temos imagens da tecelagem, os famosos panos de pente, onde a etnia Manjaco ocupa um lugar à parte, imagens sobre aldeias, para podermos confrontar o habitat das diferentes etnias, como organizam as cozinhas, as dependências, como se processa a construção das casas, se possuem pinturas murais.

Lê-se nesta obra que os melhores tecelões são Papel e Manjaco, embora as peças comumente consideradas mais genuínas – por respeitarem toda a tecnologia tradicional, sejam da tecelagem Fula. “Os tingidos e sobretudo os panos Manjacos, com fios de várias cores que desenham padrões específicos, são adquiridos e acumulados pelas mulheres, para oferecer em funerais ou em intercâmbios matrimoniais. A produção de algodão, a cardagem e a fiação perderam importância na Guiné-Bissau após a destruição das variedades tradicionais provocada pela tentativa colonial de introduzir a cultura de algodão para exportação, que também falhou depois da independência. Hoje a maioria dos fios usados em tecelagem são importados e de fabrico industrial. O tingimento dos panos continua a ser praticado artesanalmente pelos Saracolé”.

O livro contempla o trabalho em ferro, as artes agrícolas, os instrumentos musicais onde primam os instrumentos de corda como a korá, os de percussão, caso do tambor falante e o xilofone designado por balafon, a cestaria e olaria, onde se distinguem magníficos trabalhos de balaios de palmeira de leque, os jogos de criança, a multiplicidade de manifestações religiosas que vão desde a “forquilha de alma” Manjaco, a edificação de mesquitas, as indumentárias cerimoniais. Em capítulo à parte releva-se a arte Nalu onde os objetos escultóricos aparecem em rituais e danças. Temos igualmente os lugares com paisagem e património, com destaque para a Fortaleza de Cacheu e há numerosos vestígios da presença militar portuguesa, ponho ênfase na lápide onde se escreveu: “A Ti, Deus único e Senhor da Terra, oferecemos estas gotas de suor que nos sobraram da luta pela Tua palavra eterna, soldados da CART 1613”.

Há igualmente uma secção que privilegia a cultura nacional, pois um Museu Nacional de Etnografia tem não só a missão de documentar a diversidade étnica de um país mas também de colaborar na consolidação da identidade nacional, as imagens de dança balética ou carnavalescas são elucidativas de um mundo pós-colonial. O livro encerra com a notícia do seminário de Museologia que se realizou em 1989 e mostra mais de 130 imagens de objetos do atual Museu Etnográfico.

Seria muito bom que um dia se pudesse expor na Guiné o acervo das coleções particulares e de diferentes museus portugueses. Não vi referidos os objetos de couro produzidos pela etnia Mandinga, lembro-me de ter comprado almofadas e vi à venda bainhas para espadas e outros artefactos. E recordo ter ido ao mercado de Bafatá adquirir ourivesaria, não vejo referência destes trabalhos no pós-independência. Deseja-se longa vida a este Museu Etnográfico e a mais intensa cooperação com Portugal, país que detém um património privilegiado.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24064: Notas de leitura (1555): Quem mandou matar Amílcar Cabral? (José Pedro Castanheira, jornalista, "Expresso", 22 de janeiro de 2023) - II ( e última) Parte - Uma acusação de peso, a de Aristides Pereira: "Para todos os efeitos, goste-se ou não, o Amílcar foi morto como cabo-verdiano" (que não era: nasceu em Bafatá, viveu 10 anos em Cabo Verde, numa vida curta de 49 anos...)

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24059: Os nossos seres, saberes e lazeres (555): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (89): Uma visita ao Museu Nacional de Arte Antiga, a neta questiona tudo (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
As solicitações de uma menina de 12 anos merecem ser correspondidas, já sei o que é a disciplina de HGP, caminhamos para o liberalismo e começámos na civilização muçulmana, veio agora a incumbência de fazer um relatório a uma viagem de museu, fui confrontado com o facto consumado de que a neta escolhera uma casa de que gosta muito, o Museu Nacional de Arte Antiga, tem boas vistas e boa comida, ainda por cima, impunha-se fazer uma seleção de temas, na viagem acertámos o que lhe interessava versar, nada do estilo indo-português, nem muito ourivesaria, acresce que de vez em quando havia que fazer uma pausa, ó avô, vim trabalhar, um chocolate com meia torrada a meio da manhã vai-me despertar a vontade de visitar mais coisas... Tal como aconteceu e muito me entusiasmou, a menina gosta dos presépios de Machado de Castro, detesta as chávenas arrebicadas de que o avô gosta e estranhamente nem pediu para ver o Bosch, anda em viagem, ficará para uma próxima. Aqui está mais ou menos metade do percurso, o resto fica para a semana.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (89):
Uma visita ao Museu Nacional de Arte Antiga, a neta questiona tudo (1)


Mário Beja Santos

O telefonema trepidante, carregado de urgências, veio ao fim da tarde de sexta-feira, o avô fica a saber que a neta tem de fazer um trabalho de HGP, tem que o entregar na quinta-feira próxima, cada um de nós lá da turma pode visitar um museu, vamos organizar quem vai aonde e o que vai ver, olhe, avô, lembrei-me de irmos àquele museu que tem tudo e mais alguma coisa de antigo, lembra-se? Crucifixos muito velhos, tapeçarias, presépios, coisas do Japão, aqueles painéis que o avô diz que é obra de valor universal, não há retrato de um grupo no século XV como aquele? Pois foi o que eu escolhi, e a professora aceitou, preferia que fosse amanhã a visita, assim tenho domingo para começar a escrever, tiramos os dois imagens e o avô depois ajuda-me a comentar, está bem? Tenho que fazer uma apresentação, um ou dois parágrafos sobre a história do museu e fazer uma escolha de objetos, pode ser amanhã, e depois vamos almoçar?
E lá fomos, o frio ajudou a passarmos prontamente para o interior, falou-se do convento que tinha sido, com capela, pois claro, falou-se da extinção das ordens religiosas, e da calamidade que dali sobreveio para muita arte espoliada, e depois a obra de D. Fernando II, o marido de D. Maria da Glória, foi o dínamo desta organização museológica, evitou outras calamidades, imagina tu que a Custódia de Belém esteve para ser derretida, vamos então fazer uma escolha de objetos de arte, organiza-se por temas, está descansada que vamos ver os painéis, sim, vamos almoçar depois desta visita. Olha, vamos começar pelos barristas e pelos presépios, não demoramos muito.

Repara bem nestas figuras de presépio, vê o equilíbrio das formas, a indumentária da figura do meio, a sensibilidade e ternura que marca o rosto daquele pastor que leva uma ovelhinha para o Deus Menino, não achas isto uma preciosidade?
Em dado momento, os barristas quiseram associar figuras régias aos presépios, afinal os reis foram adorar Deus, tens aqui o rei Baltasar, no século XVIII, o negro está presente na sociedade portuguesa, podes vê-lo nestas duas obras de arte, olha bem para o recamado do vestuário do rei Baltasar e a organização do trio de jovens que vão levar presentes ao Menino.
Não sei o que te diga, há quem diga que estas obras de arte não passam de arte decorativa, só vejo talento e centelha de génio na organização e arrumação deste espaço, o equilíbrio das formas dentro desta encenação barroca onde não faltam motivos clássicos, olha bem para aquelas colunas da esquerda com capitel dórico, vê a disposição e iluminação, que assegura uma leitura espiritual, um chamamento à devoção.
O Mês de Abril, Baltasar Gomes Figueira e Josefa d’Ayala, dita Josefa de Óbidos, 1668

Ó neta, já viste Baltasar Figueira, o pai da Josefa, no Museu Municipal de Óbidos e a Josefa nas pinturas da igreja, neste século XVII não tivemos melhor pintor que a Josefa no que toca a temas religiosos e naturezas-mortas, aqui parece que estamos a assistir a um hino à pujança primaveril, com a amenidade do céu ao fundo, no espaço intermédio a linearidade do casario, que bela organização do espaço, não achas?
Trono real

Vamos lá ver o que esta sala nos reserva, temos aqui o sr. D. João VI, às vezes questiono se não houve uma conspiração de todos os artistas que o pintaram, o regente e depois el Rei nunca deveu nada à beleza, o ponto curioso é que os historiadores dão conta da inteligência e da habilidade política do monarca, mesmo quando foi desfeiteado e traído pela mulher e pelo seu filho Miguel, pô-los com dono, mas teve um destino bem amargurado e olhando bem de frente este trono sou levado a pensar que há por ali espinhos que ninguém vê e dores que ninguém mais pode sentir, ó neta, são coisas da minha imaginação, o trono pode ter algum esplendor mas francamente acho-o uma coisa compacta, com reminiscências do estilo Império, vamos adiante.
Doido como sou por chávenas, impossível deixar de contemplar estas peças de rara finura e coloração

Atravessamos agora uma sala e sinto que a neta suspira, lá está o avô a dar atenção ao bricabraque, como se não tivesse alguns móveis atulhados desta loiça, é a minha vez de pedir vamos adiante, tenho um trabalho para fazer, garanto que não vou falar destas chávenas.
Centro de mesa da Baixela Germain

Neta, eu devia ter aí uns onze anos quando visitei este espaço e quero que acredites que devia haver uma certa falta de dinheiro para limpar as pratas, tudo muito escurecido, o olho desvalorizava, agora tudo nos aparece flamejante, como deve ser para se entender o portentoso desta encomenda, até posso imagina D. João V a receber embaixadores num daqueles jantares intermináveis com toda esta panóplia, invejável em qualquer corte, a delicadeza das formas, a natural harmonia das peças, o cuidado dos aspetos mais minuciosos, veja-se os rendilhados, a ondulação da base, o peso ornamental dos braços, que tesouro universal a que nos podemos arrogar!
Outra peça saída do genial ourives Germain. A graciosidade com que aquelas mãos sopesam o bico, a habilidade daquela pega, nem a carantonha, um tanto simiesca, nos amedronta, e que bonita solução encontrada naquele chapéu, por onde se enche de líquido, o que uma lamparina aquece. Para quê mais palavras?
Apolo e as Musas, manufatura de Bruxelas, século XVIII

Continuamos em movimento, neta, estas tapeçarias não eram só para provocar emoção estética, aqueciam ou resguardavam, temos tapeçaria do que há de melhor no mundo, havemos de ir à Manufatura de Tapeçarias de Portalegre e ao respetivo museu, vais pasmar com os tesouros que fabricamos, mas é sempre bom olhar para estas obras-primas que nos vieram dos Países-Baixos ou de Itália ou de França, há para aqui muitos temas mitológicos, como há a glorificação da nossa chegada à Índia ou conquistas do Norte de África, temáticas não nos faltaram, hoje vai pelo que somos brindados pela imaginação dos nossos artistas, podem ser Almada, Camarinha, Menez, entre tantos outros.
Sala do Palácio de Paar, em Viena, século XVIII, doação de Antenor Patiño

Este boliviano que deu uma festa de estalo na altura em que Salazar se acidentou (agosto de 1968) mimoseou este museu com doações ímpares, pensa tu, ó neta, o trabalhão que é desmontar, encaixotar e pôr tudo noutra sala, num país longínquo, este esplendor de outrora, e como nos sentimos impressionados e até confusos, porque não há nada, nem antes nem depois, que se aparente no percurso que fazemos até chegarmos à pintura que tu tanto anseias.
A Virgem com o Menino, de Hans Memling, c. 1485

Podes confiar na minha seleção, este Hans Memling vi dele uma exposição comemorativa de centenário em Bruges, corria o ano de 1994, lá estava esta Virgem com o Menino. Não nos podemos gabar de termos uma coleção extraordinária de grandes mestres europeus, mas tu vais agora desfrutar de outros que por direito próprio podiam estar nos melhores museus do mundo.
Milagre de Santo Eusébio de Cremona, por Rafael Sanzio, século XVI

Este Rafael, sabe-se lá porquê, cada vez que o contemplo aqui, obriga-me a pôr a imaginação aos saltos, volto aos Museus Vaticanos e paro embasbacado diante da Escola de Atenas, que quadro colossal, o pior é que está bem perto de um dos maiores tesouros da pintura universal, a Capela Sistina, daqui saímos esmagados.
Santo Agostinho, por Piero della Francesca, século XV

Uma das prendas que a minha mãe me deu quando fiz o 5º ano de liceu foi um livrinho com reproduções de Piero della Francesca, altamente representado na Galeria dos Ofícios, em Florença. O que impressiona aqui é como o grande pintor meteu num género de tábua um santo meditativo, de olhar distante e com a pujança de um Doutor da Igreja, só falta saltar para o chão, e mantendo o báculo na mão, citar-nos As Confissões. Neta, vamos agora fazer um break, tenho a impressão que o melhor está para vir.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24037: Os nossos seres, saberes e lazeres (554): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (88): Leeds, a próspera, sempre em renovação, aqui dá gosto ser pedestre (Mário Beja Santos)

sábado, 28 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24018: Os nossos seres, saberes e lazeres (552): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (87): Uma visita a legados presidenciais, a pretexto da exposição Pintasilgo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Tendo vivido em miúdo umas temporadas na Junqueira, fui-me afeiçoando ao local, qualquer pretexto é válido para aqui passarinhar, uma exposição na Cordoaria, uma visita ao Museu da Arte Popular, ao jardim da Tapada, ao Centro Cultural de Belém, e foi assim que dei por mim a descobrir que há muito não punha os pés no Museu da Presidência da República, o anúncio da exposição de homenagem a alguém de quem fui profundamente amigo e devedor, Maria de Lourdes Pintasilgo, deu acicate para a visita. Um belíssimo museu e dá gosto ver o cuidado arquitetónico posto no Jardim da Cascata. Quis visitar a capela e a obra da Paula Rego, dei com o nariz na porta. Nunca vira com os meus olhos o quadro que Júlio Pomar dedicou a Mário Soares nem o que a Paula Rego dedicou a Jorge Sampaio, saem vencedores estéticos do que para ali campeia na retratística. E justifica-se uma itinerância ao Palácio de Belém, quem por ali passa na rua nem lhe ocorre que há meio milénio há aqui espaço da aristocracia, devaneios de D. João V que sonhava com jardins formosos e D. Maria I que gostava de se passear entre a passarada exótica que aqui residiu nos anexos do Jardim da Cascata.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (87):
Uma visita a legados presidenciais, a pretexto da exposição Pintasilgo


Mário Beja Santos

Era tempo de conhecer o Museu da Presidência da República, estava cheio de curiosidade para visitar a exposição dedicada a uma grande amiga, Maria de Lourdes Pintasilgo, que apoiei de alma e coração, do princípio ao fim, na sua ousadia como candidata à presidência da República, no topo das sondagens nos primeiros tempos, teve menos de 8 por cento depois de uma primeira volta em que foi caluniada e abjurada. O espaço museológico está muito bem concebido, uma exposição digna dos retratos dos presidentes da I República, do Estado Novo e da II República, há para ali algumas obras de arte de primeira plana, logo os quadros de Columbano, o Júlio Pomar e a Paula Rego (bem gostaria de ter visto a Capela, obra pictórica da sua responsabilidade, a rogo de Jorge Sampaio, mas estava encerrada ao público), há presentes lindíssimos, alguns deles dignos de qualquer grande museu, a museografia é excelente, atrativa e pedagógica, espaços bem recuperados, uma organização cativante para a compreensão do que constitui a missão deste museu. Aqui se deixam algumas imagens do que mais me tocou.
Presidente Manuel de Arriaga pintado por Columbano
Presidente Teófilo Braga pintado por Columbano
Presidente Mário Soares pintado por Júlio Pomar
Presidente Jorge Sampaio pintado por Paula Rego
Um presente do rei de Marrocos Hassan II ao presidente Jorge Sampaio
Presente da Bulgária ao presidente Cavaco Silva
Presente da República da Alemanha ao presidente Ramalho Eanes
Oferta do Brasil ao presidente Craveiro Lopes
Pormenor da Galeria dos Presidentes da I República, com destaque para Teófilo Braga pintado por Columbano e Bernardino Machado pintado por Martinho da Fonseca
Desenho a lápis de Paula Rego para a série que dedicou ao aborto

Para chegar à exposição Pintasilgo tem que se migrar para outro espaço bem acarinhado, o Jardim da Cascata, altamente cenográfico, hoje separado do Palácio de Belém, constituiu um dos caprichos da rainha D. Maria I, tinha aqui passarada exótica de todo o Império. Fizeram-se obras, a dignidade arquitetónica foi respeitada, é hoje espaço expositivo, que visitei com a alegria de rever a obra de uma mulher que me ajudou a pensar mais livremente. No decurso da visita, verifiquei que faltavam alguns elementos da campanha eleitoral de 1985, deixei menção que estava disposto a entregar peças que aqui faltavam, caso de uma medalha comemorativa. Nenhum contacto veio a ser estabelecido, já encontrei destino para os elementos que dispunha desta querida amiga cujo pensamento político continua mal divulgado, o relatório que ela coordenou para a ONU População e Qualidade de Vida, estou certo e seguro, quando se organizar a bibliografia fundamental da sustentabilidade e dos quadros matriciais da política ambiental global, estará em lugar cimeiro.
Pormenor da fonte do Jardim da Cascata
Detalhe do Jardim da Cascata virado para a Praça Afonso de Albuquerque
Duas imagens retiradas da exposição em homenagem à obra de Maria de Lourdes Pintasilgo, decorria então no espaço do Jardim da Cascata

Aqui se põe termo à visita de um espaço belíssimo, é uma história de meio milénio, houve para aqui propriedades do conde de Vimioso, depois D. João V deu-lhe para a jardinagem, temos ao alto a tapada, ali bem perto do Jardim Colonial (hoje Tropical), e aqui se fez Palácio Real, os príncipes D. Carlos e D. Amélia aqui viveram, a princesa gostava de cavalgar e deixou-nos um precioso picadeiro que já foi Museu Nacional dos Coches e hoje é seu apêndice, aqui viveram presidentes da República como Craveiro Lopes e Ramalho Eanes, tem esplendor e magnificência, fica prometido que será uma das próximas itinerâncias.
Outro pormenor do Jardim da Cascata

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24001: Os nossos seres, saberes e lazeres (551): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (86): A Academia Militar, fundada por Sá da Bandeira, pela entrada da Gomes Freire (Mário Beja Santos)

sábado, 10 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23863: Os nossos seres, saberes e lazeres (545): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (80): Do Atelier Júlio Pomar à visita de uma bela coleção privada no Museu do Chiado (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Tratou-se de uma visita a gente que tenha felicidade de pendurar pelas paredes. Logo uma gravura de Pomar premiada pela Gulbenkian em 1961, creio que na segunda exposição de artes plásticas. Tenho uma certa atração por este atelier da Rua do Vale, estão sempre prontos a pôr este grão-mestre das artes plásticas em confronto com outras gerações, é este o caso. E dali parti para o Museu do Chiado para me despedir de uma exposição de grande beleza, um casal que, sobretudo nos anos 1960 e adiante, se fez cercar de obras de arte de seus contemporâneos ou antigos, não falta ali Almada Negreiros e António Pedro, mas o mais representativo eram artistas plásticos na fase ascensional, caso de João Vieira, João Hogan, Eduardo Nery e Joaquim Rodrigo. Asseguro que o visitante não sairá dececionado, ignoro o caminho que a coleção vai ter, oxalá possa ficar patente para desfrute do público, é muitíssimo esclarecedora de um tempo e de correntes artísticas que conseguiram passar à margem dos chamados Anos de Chumbo, aqui não há arte plástica nacionalista, imperial ou devedora do gosto do Estado Novo, são marcas de uma contemporaneidade que anunciam a liberdade em que vivemos.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (80):
Do Atelier Júlio Pomar à visita de uma bela coleção privada no Museu do Chiado

Mário Beja Santos

N
ão escondo a profunda admiração que nutro por este artista plástico de uma enorme exigência no campo experimental, é figura indeclinável na pintura, no desenho, na gravura e na serigrafia, na cerâmica, na ilustração, no diálogo de matérias-primas, no azulejo, e algo mais. Será seguramente o artista mais irrequieto da segunda metade do século XX, desde o neorrealismo, de que foi figura pioneira, até às correntes contemporâneas, sem se ter acantonado em qualquer das escolas.
À porta deste atelier veio-me à memória uma visita que fiz na companhia do meu saudoso amigo, o pintor Rolando Sá Nogueira, à retrospetiva de Vespeira, no Museu do Chiado em 2000. Andávamos pela Sala dos Fornos, ali se exibia o principal acervo deste grande artista que primou no surrealismo, Sá Nogueira ia fazendo as suas exclamações, como se houvesse descobertas ou inusitadas lembranças, e à saída, a caminho de uma tasca em S. Paulo, fez-me o seguinte comentário: “Acabo de constatar o que é o drama de ser o n.º 2”. Enquanto comíamos um belíssimo polvo, pediu-me que me explicasse o que era isso de ser o n.º 2: “Vespeira tudo fez para poder emparceirar e até superar Pomar, de facto foi inexcedível no período ascensional, mas cedo percebeu que não era possível competir com o furacão Pomar, sempre em revolução, dominou por excelência própria este meio século e continua revigorado. A exposição que acabamos de ver mostra o Vespeira inovador, mas insuscetível de poder concorrer com o Pomar”.

O atelier que ora visito é uma bela instalação, sempre com exposições palpitantes, desta vez está patente um confronto entre Pomar, André Romão, Jorge Queirós e Suzanne Themlitz, como se interseciona a matérias das matérias, o que podemos ver neste espaço desafogado são tipologias da matéria com figurações e narrativas que parece que se entrechocam, não falta areia, vidro, ferro, madeira, panos, sugerindo hipóteses de haver uma noção para o diálogo de tais matérias-primas com diferentes peças pictóricas de Pomar, caso dos “Mascarados de Pirenópolis”.
Há anos atrás recebi uma prenda envolvendo o nome de Júlio Pomar, um livro intitulado Caracóis, o poeta Pedro Tamen dialogava com o artista plástico Pomar, eram imagens retiradas de um caderno de viagens, e Tamen versejava: “Desliza, liso / pé, lisa palma / sobre a ruga da pedra / - suave, lima obstinada”. Adiante: “Estas antenas não buscam outra coisa / que a luz que as ilumina”. Pois não resisti a captar imagem destes Caracóis que nos recebem à entrada do atelier.

Atelier-Museu Júlio Pomar, Rua do Vale, 7, com a Igreja de Nossa Senhora das Mercês ao fundo
Um pormenor da sala de exposição, as matérias-primas e os objetos de arte acabados têm muito para conversar
O pintor Jorge Queirós entra no diálogo com o companheiro Pomar, até se gera uma confusão quando o visitante se aproxima destas 4 telas, não parece que são as cores de Pomar, persistentemente fabricadas há um ror de décadas?
Mascarados de Pirenópolis VII, 1987, Coleção privada, Fundação Júlio Pomar

Sobe-se agora a calçada do Combro, atravessa-se o Camões, passa-se o Largo das Duas Igrejas, desce-se junto ao Teatro S. Carlos e pela Serpa Pinto chega-se ao Museu Nacional de Arte Contemporânea, crismado de Museu do Chiado depois das obras de beneficiação que o governo francês apoiou, na sequência do incêndio do Chiado, em 1988. O que me traz aqui é despedir-me de uma coleção privada, bem singular. A quem me ler, recomendo a sua visita até ao final do ano. Chama-se Coleção Maria Eugénia e Francisco Garcia, dois entusiastas por colecionar arte, conversavam com vários amigos, alguns deles aqui representados, caso de Fernando de Azevedo ou Fernando Lemos, isto independentemente de nunca terem tergiversado em questões de gosto, desde pintura à gravura, encontramos aqui artistas de referência e um conjunto de obras só possíveis de disfrutar por o Museu do Chiado as ter acolhido. Aqui ficam imagens avulsas de algumas das obras e artistas que ainda hoje tanto me emocionam.
Fotografias de Maria Eugénia e Francisco Garcia patentes na exposição
Quadro de Joaquim Rodrigo, uma abstração que nos lembra Piet Mondrian
João Vieira, já muito igual a si próprio
Alice Jorge e a sua Sargaceira
Sonia Delaunay
Fotografia do interior da casa do casal
Noronha da Costa, na sua fase mais original
Almada Negreiros

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23842: Os nossos seres, saberes e lazeres (544): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (79): A exposição de homenagem a Francis Graça, pioneiro do bailado em Portugal, Museu Nacional do Teatro (Mário Beja Santos)