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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14039: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (3): "Pássaros nalus" (Catarina Schwarz)

"Pássaros nalus": um originalo cartão de boas festas, enviado pela nossa amiga Catarina Schwarz, filha do nosso querido Pepito (1949-2014) e neta da nossa decana, a Dona Clara Schwarz a quem queremos ajudar a apagar o bolo do seu 100º aniversário no próximo dia 14 de fevereiro de 2015.


1. Eis a mensagem que a Catarina Schwarz nos mandou hoje: 

A todos,  um abraço forte e um bom 2015. Mantenhas

Retribuímos, desejando à Catarina, à avô, à mãe Isabel Levy Ribeiro e demais famílias votos de um ano de 2015, cheio de projetos e realizações, que faça esquecer o fatídico 2014.  E relembrando aqui quanto o Pepito admirava o génio artístico dos nalus. O seu sonho era pô-los de novo a esculpir as suas peças de madeira, prática que entrou em decadência depois da sua conversão coletiva ao islamismo.  Recorde-se que em 2011 tinha morrido Salifu Camará, rei dos nalús, e pai espiritual adoptivo do Pepito. Esta admiração pelos nalus já lhe vinha do pai, Artur Augusto Silva.

2. E que o Nhinte-Camatchol proteja a Guiné-Bissau, a família Schwarz e a nossa Tabanca Grande!

(...) E que o Nhinte-Camatchol,
o grande irã dos nalus,
te proteja,
Guiné, Tabanca Grande.
E o Deus dos cristãos,
dos grumetes do Geba e da Amura,
E o Alá dos fulas, mandingas e beafadas.
E os irãs dos balantas, manjacos, papéis, bijagós
e demais povos ribeirinhos, animistas,
que todos eles te inspirem
e te protejam!

(LG)
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sexta-feira, 7 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12805: Notas de leitura (570): "A Guiné... dos mil trabalhos", em "O Mundo Português", por António Florindo de Oliveira (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Pergunto-me com sinceridade quantos textos vigorosos como este andarão por aí dispersos, talvez com a conotação de memórias pouco representativas.
No caso das de Florindo d’Oliveira não é verdade: com a presença portuguesa reduzida a Bolama e algumas praças e presídios, esta viagem da lancha “Honório Barreto” é de tal modo impressiva, colorida e de tão grande sentimento português e de respeito pelos valores guinéus, que merecia melhor sorte, tem grande sabor literário, é a história de um moço de 16 anos cheio de curiosidade e de grande abertura.
Oxalá os investigadores desinquietem o que de Florindo d’ Oliveira há de grandioso na aculturação dos portugueses.

Um abraço do
Mário


A Guiné… dos mil trabalhos, por António Florindo d’Oliveira (2)

Beja Santos

É um marujo adolescente, verdor e uma surpreendente curiosidade dão azo a que esse jovem tenha deambulado pela Guiné em 1894 e escreva, cheio de vivacidade as suas memórias na revista “O Mundo Português”, editada pela Agência Geral das Colónias, em vários números ao longo de 1939. É incrível como estes relatos caíram completamente no olvido, não vi até hoje uma menção a seu respeito. Anda a bordo da lancha-canhoneira “Honório Barreto”, já foram intimidar os Balantas, para lá do Impernal, desta feita vão subir o rio Geba. Não se sabe se tomou notas ou trabalha com a memória, a verdade é que de vez em quando os nomes das localidades saem defeituosos, como se vai ver.

Entraram no Geba, os ajudantes Manjacos vão dando informações, passam por Chume (Xime) e depois S. Belchior (que era posto militar) e depois Bambadinca. Tece os seguintes comentários sobre o Geba: “Até ao Corubal, afluente que parece vir do Sul, mas que depois de curvas caprichosas sobe para Leste a perder-se lá para a fronteira francesa, o rio é largo e de bem fácil navegação; e só depois estreita mais, mas dando-nos maior encanto ainda na aproximação das suas margens que, além da beleza com que se ataviam, nos dão a surpresa de saltar de chofre um hipopótamo, mergulhar um jacaré, aparecer uma corda de macacos e surgirem constantemente bandos de pássaros, numa chilreada ensurdecedora, sem nos darem tempo de ver, se são periquitos, papagaios, ou quaisquer outros. Ah! As margens do Geba!... Só por elas mereceria ir à Guiné!... E seguindo vimos Sambeliantá (refere-se seguramente a Sambel Nhantá, ao tempo sede de regulado) e depois Fá, terra que nunca me esqueceu”. Chegaram a Geba e fundearam, rodeado de chalupas. Fá era comando militar. No dia seguinte, surgem de todos os lados cavaleiros Fulas e descreve-os: “São mais bastos que formigas, e são o exército dos régulos que se apresentam ao governador, muito anchos de si e da sua indumentária. Habituados à convivências com os brancos, como auxiliares das forças do governo, e julgando-se por certo tropas de consideração, não escrupulizam de saltar para a "Honório Barreto", de a admirarem, trocando as suas impressões de maravilhados. Outros pretos admirariam com medo, máquinas e peças; estes fingem compreender o que admiram, a dar-se ares de uma cultura que só os seus chefes têm. Não admira que sejam tantos, pois estamos em pleno reino Fula. Que nas suas correrias a cavalo, fazendo acrobacias e dando tiros, imitam talvez o jogo da pólvora dos marroquinos, nos parecem como tal, é que não há dúvida; que nas suas vestes amplas e flutuantes parecem conservar a tradição árabe, também é certo. Mas se lhe perguntarem dirão que são para se darem ares de civilizados e não se confundirem com os outros que são… bárbaros, adoradores de manipanços, cães negros, como me dizia o que esteve a bordo e com quem conversava para conhecer os seus costumes”.

Florindo d’Oliveira confessa que trabalha com a sua memória. Dos vários régulos só se recorda do nome de dois: Bombú e Belá. Segue-se a descrição: “O segundo era uma figura vulgar que se confundia com os outros já vistos; mas Bombú, dizendo que era príncipe de raça, impressionava bastante pela bela figura e porte de inegável distinção. Apesar da sua tez acobreada, via-se que recebera uma educação especial, vestindo com elegância e riqueza e sabendo graduar os seus cumprimentos, desde o governador até às praças, a todos apertando a mão, com uma frase a propósito”. Os chefes Fulas ofereceram uma festa rija em terra, mostraram as suas habilidades de equitação. No dia seguinte regressou-se a Bissau. Houve uma avaria para os lados de Fá, a lancha lá se arrastou até S. Belchior, a passos de tartaruga.

A seguir, rumam para Cacine, antes porém visita o governador um régulo Bijagó. Nova descrição: “Estes Bijagós vêm periodicamente a Bolama fazer o seu negócio de laranjas, bananas, galinhas e quanto cultivam. Vêm nos seus dongos, trabalhados tão pitorescamente e que movem bem. Não é fácil dizer como vestem, pois apenas uma tanga de pele a que podemos chamar cinto, vem pelas nádegas por entre pernas, prender à frente, e… mais nada. As mulheres é que usam umas saias feitas de fibras, semelhantes às palhoças dos nossos camponeses, mas muito curtas e abertas, imitando perfeitamente as saias das nossas bailarinas de ópera. A sua vaidade está nas tatuagens a fogo ou a incisões e que são bastante artísticas, nas anilhas e braceletes de cobre”. Pois este régulo que vinha cumprimentar o governador apresentava-se “envolto como com um manto, em um cobertor de vistas vistosas, berrantes e cobrindo a régia cabeça com um chapéu alto”.

O comando militar no rio Cacine está para a Guiné como o nosso Guadiana está para Portugal, escreve Florindo d’Oliveira, a região é de Nalus, que se estendem também pelo território francês. Aproveita e faz um comentário para o prático (piloto da navegação) do "Honório Barreto": “Embora Manjaco, era homem relativamente civilizado, vestindo como qualquer cidadão da nossa Lisboa, de camisa muito lavada, com o seu colarinho, seus punhos e sua gravata, de casaco, de colete e calças de fazenda, calçava botas como qualquer de nós e cobria a cabeça com um chapéu que não lhe ficava pior que a qualquer criatura que o usasse. Exprimia-se num português relativamente correto e buscava os termos mais adequados com um certo orgulho, bem justificável. Provava saber do seu ofício e conhecia todo aquele intrincado de rios, canais, ilhas e ilhotas, como ninguém. Como pela relativa instrução que recebera, tudo desejava saber para a completar, tudo lhe perguntava do que se referia ao elemento em que vivíamos: terras e gentes, e de tudo informava com muito boa vontade. Quando eu ia ao leme, postado junto a mim, enquanto indicava o rumo, íamos conversando, permutando o nosso saber”. Ali estão dos dois em descanso, naquele dia o comandante do navio acompanhara o comandante militar Cacondó, o seu regresso seria já dentro da noite. O piloto fala dos Nalus a Florindo d’Oliveira: “Viviam da terra, mas eram muito selvagens e atrasados. Que só se queriam com os seus feitiços e ninguém queria nada com eles. Que eram bichos-do-mato. Destes Nalus eu só sabia o que contava a história, de terem dado a morte a Nuno Tristão, ali um pouco mais para baixo, junto do rio Nuno, que lhes conserva a memória, e que fica hoje já na Guiné francesa”. E tece uma crítica: “Não se compreende por que não é portuguesa toda a região que os nossos descobriram e em que sacrificaram as suas vidas!"

E depois o piloto fala dos Beafadas, bravos guerreiros, artistas do couro. Confundido com tanto muçulmanos, Beafadas, Mandingas e Fulas, Florindo d’Oliveira julga que todos têm a mesma origem, o piloto esclarece que não é assim: “Desde cá de baixo do Corubal, por Buba e Geba até lá acima, estão os Fulas; à direita destes e para a fronteira francesa estão Mandingas de Oio, que é do lado de cima, e Futafulas, do lado de baixo; à esquerda estão os Mandingas de Farim, lá para cima, e estes, os Beafadas de Guinala, cá para baixo. Juntando todos, têm a Guiné quase toda, pode crer!”.

É um relato precioso, injustificadamente esquecido, merecia melhor sorte. Aqui se lança o repto aos investigadores: retomem a leitura de Florindo d’Oliveira, está para ali a visão de um jovem entusiasmado com a região tropical que lhe coube na sorte. É um retrato de um homem do seu tempo, pois claro. Tratando com elevada dignidade os africanos que ele considera civilizados ou cultos. Esta Guiné dos mil trabalhos é uma memória belíssima, tocante e ousada. É uma injustiça e um crime de lesa-majestade deixá-la na poeira das bibliotecas.

Entrada do Pavilhão de Arte Indígena (Exposição do Mundo Português, 1940)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12788: Notas de leitura (569): "A Guiné... dos mil trabalhos", em "O Mundo Português", por António Florindo de Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11944: Notas de leitura (511): Gentes de Catió na Revista Geographica de 1972 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
O trabalho etno-antropológico nada traz de novo, o seu autor revelou estudo aprofundado, ruminou sobre matérias consabidas e fez súmulas quanto baste.
As fotografias são excelentes, o inventário étnico é detalhado e correto.
Como andou em trabalho de campo durante dois anos nesta zona a ferro e fogo, faz-se silêncio. Na verdade, há ali descrições fora de tempo como as tabancas no Cubisseco ou no Cantanhez, ele redige imperturbavelmente, só em dois ou três momentos é que o autor fala na situação anormal que ele atribui ao terrorismo.

Um abraço do
Mário


Gentes de Catió, na revista Geographica, 1972

Beja Santos

O tenente-coronel António José de Mello Machado, do Centro de Estudos Vasco da Gama e do Centro de Estudos de Etnologia, publicou um trabalho sobre as gentes de Catió, subsidiado pelo Projeto de Investigação Científica “Mudança Social em Portugal (Metrópole e Ultramar) do Instituto de Alta Cultura”. O investigador dá provas de um bom conhecimento geral nas áreas da etnologia e antropologia, apresenta um bom resumo da história da Guiné à luz dos conhecimentos da época e espraia-se sobre as etnias predominantes.

O território de Catió, escreve, é chão antigo de Nalus, outrora seus povoadores. Sofreram a expressão expansionista dos Balantas que se assenhorearam das planícies baixas e alagadiças, esta foi e é a etnia predominante de Catió. Ao tempo, os Nalus eram a segunda etnia da região, posicionavam-se em ambas as margens do rio Cacine, ocupando o Tombali, o Como e o Cubucaré, estando em acentuada fase de assimilação pelos Sossos. Refugiaram-se na floresta, deixando as bolonhas aos Balantas, habitavam as clareiras escondidas no arvoredo. Apareciam superficialmente islamizados, conservavam as suas práticas de magia, ao que parece ligado a práticas canibais. Acresce que a expansão dos Beafadas absorveu muitos Nalus na região de Cubisseco. Recorde-se que os Nalus conservavam talvez a mais notável tradição escultórica da Guiné.

Os Balantas foram-se gradualmente expandido pela região, estabeleceram-se no Tombali, irradiando depois pelo Como e Cubucaré (matas do Cantanhez), trouxeram o arroz. Segundo o investigador, fizeram um longo itinerário, saíram do Enxalé e Porto Gole, atravessaram o Geba, subiram o Corubal, atingiram Buba e depois passaram a Quínera e daqui prosseguiram, no princípio do século XX até chegar a Catió. Os Balantas devem a sua relativa prosperidade à cultura do arroz. Segundo a tradição, foram dois degredados macaístas para aqui deportados que introduziram o arroz na região, mas o investigador considera esta suposição destituída de fundamento. Depois o autor espraia-se sobre os usos e costumes dos balantas, a sua rusticidade e estoicismo, a organização social e vida comunitária. Após referir detalhadamente o fanado, o casamento e as práticas de justiça, a economia familiar e os ritos funerários, o investigador conclui: “Povo rural, muito trabalhador, de cultura primitiva, de temperamento ingénuo e destemido, foi muito explorado pelas etnias de cultura mais adiantada. Os esbulhos que sofreram, por um lado, e a sua fraca coesão política, paradoxalmente aliada ao seu elevado sentido comunitário, por outro lado, foram fatores sagazmente explorados pelos mentores do terrorismo, conseguindo aliciar numerosos Balantas a partir de movimentações fáceis de aceitar por estas boas gentes, ingénuas e primitivas. Mas não foi desdenhado pelos aliciadores o espírito destemido dos Balantas, a sua admiração pelos feitos arrojados e a sedução da aventura guerreira a que os convidavam. Pobres Balantas cuja ingenuidade, capacidade de sacrifício, valentia, espírito de renúncia, foram virtudes de novo exploradas em benefício alheio numa proporção que a não sofreu alguma outra etnia".

A terceira etnia considerada no estudo são os Fulas e o investigador faz o respetivo histórico da presença dos Fulas em toda a Guiné. No final, expende a seguinte opinião: “A intranquilidade, nascida do terrorismo que atingiu a província, fê-los abandonar muitas das posições isoladas, afluindo aos centros mais seguros, onde aumentaram em número. A sua fidelidade contribuiu para a constituição das primeiras forças de voluntários nativos na luta contra o terrorismo. Surgiram, assim, no concelho de Catió, as principais núcleos de Fulas, resultantes da reunião de quantos se dispersavam por toda a área. Estes diversos núcleos, totalizados devem comportar cerca de 10 % da população do concelho”. A presença Fula seria considerável em Catió, Bedanda, Cacine, Guileje e Mejo.

A quarta etnia considerada é a dos Beafadas que no século XV estavam bem estabelecidos na Guiné e que, sujeito a pressões, atravessaram o Corubal, cruzaram o rio Buba e instalaram-se no Forreá, tornaram-se importantes na região de Fulacunda, mas também em Empada e Tite. Foram os Beafadas no reino de Guínala (hoje Quínara) que detiveram e desbarataram as hostes Fulas que assolaram o chão Mandinga do Gabu. Os Beafadas foram vassalos durante longo tempo dos Mandingas. Fixaram-se também no Tombali. Escreve o autor que também se fixaram em Gadamael indo até à região de Kandiafara, na república da Guiné Conacri. Ao longo de séculos os Beafadas mandinguizaram-se.

A quinta etnia respeita aos Mandingas. É longa a exposição do autor sobre o histórico dos Mandingas em toda a Guiné, vê-se que leu muito e que sabe resumir. Alerta-nos para o povoado Mandinga de Príame, fundada por um antigo cipaio, Dandan, chefe ao tempo em que o artigo foi publicado. Príame tinha mesquita e aqui também fixaram residência numerosas famílias Fulas.

Falando das minorias, refere Papéis, Bijagós, Manjacos, Sossos, Landumãs. Quanto às razões do seu estudo, recorda que tem o propósito de transmitir elementos escolhidos através do íntimo convício com populações nativas, ao longo de dois anos. Houve o cuidado de confrontar esses elementos com estudos publicados, assim terminando: “Acima de tudo, houve o escrúpulo de escutar o que disseram os anciãos, e respeitar a tradição que conservam do passado da sua gente. Com a publicação deste estudo mais não pretendemos que contribuir para a compreensão e conhecimento do povo nativo da província da Guiné".
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11933: Notas de leitura (510): Djarama PAIGC, uma reportagem fotográfica de Koen Wessing (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11786: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (10): Imagens de postais ilustrados (Parte I)


Foto nº 1 [, Um guerreiro... felupe ?]


Foto nº 2  [Uma mulher... papel ou manjaca ?]


Foto nº 3 [. Uma máscara, de etnia não identificada...Nalu, diz o nosso camarada António J. Pereira da Costa, que é colecionador de arte guineense]


Foto nº 4 [, Uma máscara bandá nalú,  diz o nosso Tó Zé; comfirmei num livro do etnógrafo Fernando Rogado Quintino (*)]


Foto nº 5 [Um bela mulher guineense..., possivelmente mandinga, pelos adornos]


Foto nº 6 [, Um  jovem mãe, com filho às costas... Fula ?]


Foto nº 7 [, Máscara de vaca bruta,  bijagó, segundo Fernando Rogado Quintino ]


Foto nº 8  [Imagem de postal ilustrado, muito provavelmente, da coleção de postais ilustrados, edição Foto Serra, Bissau. Campune tatuada, bijagó].


1. Continuação da publicação do álbum de Carlos Fraga, que foi alf mil, na 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, na segunda metade do ano de 1973, indo depois comandar, como capitão, uma companhia em Moçambique, a seguir ao 25 de abril de 1974).(**)

Enquanto fez o seu estágio operacional no CTIG,  o alf mil Carlos Fraga  tirou fotos (e nomeadamente "slides") mas também comprou fotos, incluindo imagens de postais ilustrados.

Publicam-se a seguir 8 fotos da sua coleção de postais ilustrados. Não trazem legendas. Pedimos a colaboração dos nossos leitores para completar ou corrigir as legendas da autoria do editor.

Poucos de nós tinha um conhecimento mininamente sério e aprofundado da composição étnico-linguística da  Guiné e dos seus povos. QA"instrução" que o exército nos deu, era baseada no estereótipo etnocêntrico dos europeus...

Em 1950, os principais grupos étnicos (ou "tribos", como se dizia na época...) eram os seguintes: balantas (160 mil), fulas (108 mil), manjacos (72 mil),  mandingas (64 mil), papéis (36 mil), brâmes (16 mil), beafadas (11 mil), bijagós (10 mil), felupes (8 mil), baiotes (4 mil) e nalus (3 mil) (os números são arredondados por excesso ou por defeito)... Balantas, fulas, manjacos e mandingas representavam, só por sí, 60% do total. A população da Guiné era então de cerca de 510 mil, constituída em 98% por negros. Os mestiços eram pouco mais de 4500 e os brancos não chegavam aos 2300...

Pessoalmente, eu só lidei,  na zona leste (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), com fulas, balantas e mandingas (LG)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de dezenbro de 2012 > Guiné 63/74 - P10857: Notas de leitura (442): Três estudos sobre a Guiné Portuguesa: A população de Cacine, a cestaria e o totemismo (Mário Beja Santos)

(...) António Carreira e Rogado Quintino foram dois estudiosos incontornáveis da historiografia, etnografia e antropologia da Guiné Portuguesa. Deixaram uma enorme bibliografia, basta que o leitor navegue no Google, encontrará estudos surpreendentes, alguns deles há mesmo a possibilidade de serem descarregados. 

Encontrei três pequenos estudos cuja utilidade pretendo partilhar com os confrades. O primeiro intitula-se “Guiné – A população do posto de Cacine no decénio 1950-1960”, por António Carreira. Ele vai seguramente ao encontro da curiosidade de quem, por qualquer razão, viveu ou combateu nos regulados de Gadamael, Quitafine ou Cacine. 

Carreira lembra-nos que este território entrou na posse de Portugal depois de 1886, houve retificação de fronteiras até 1929. Deplora a troca do Casamansa pela região de Cacine, dizendo que o primeiro servia de via de escoamento enquanto os cursos de água de Cacine, sinuosos e pouco profundos, não permitem a afluência do comércio do interior. Para que o leitor entenda como o território até ao início da luta armada tinha predominantemente Balantas, Nalus e Fulas, é importante compreender que a prolongada guerra de 1863-1888, travada entre Fulas e Beafadas e Mandingas, fez aproximar da região de Cacine grupos étnicos que até então viviam em outras áreas. Deu-se uma migração de Fulas que passaram a influenciar os Nalus. 

De acordo com o estudo do recenseamento, encontravam-se presentes quase todas as etnias, com raras exceções importantes, como os Bijagós. Depois o autor debruça-se sobre a estrutura familiar dos Nalus, eram profundamente animistas e, tal como os Bagas e os Landumás foram sujeitos à islamização. Possuíram, até à islamização, uma arte excecional, marcada por máscaras e tambores. De acordo com o trabalho de Carreira, dos anos 50 para os anos 60 do século passado deu-se uma evolução demográfica impressionante, ultrapassou os 50 %, os animistas foram predominantes neste crescimento (Balantas, Nalus, Beafadas e Sossos).

Quanto aos dados demográficos, no regulado de Cacine, a povoação de Cacine tinha uma população inferior a 500 habitantes, seguia-se Cassacá, depois Cacoca, Cabaz e Cabochanquezinho no regulado de Gadamael, havia mais população em Sanconhá (Sangonhá), Ganturé, Bricama, Jabicunda. Quanto ao regulado de Quitafine, o maior núcleo populacional era Cassebeche, seguindo-se Canefaque e Calaque. 

O autor discreteia ainda sobre a estrutura familiar, as ocupações por etnias e deplora que o recenseamento não contemple o grau de instrução das populações autóctones e apela a que se venha a conhecer em novos censos dados relevantes sobre as confrarias islâmicas. Este estudo apareceu publicado na revista do Centro de Estudos Demográficos, em 1972. (...)


Vd. também postes de;:




terça-feira, 21 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11604: Guiné-Bissau, manga di sabe (2): Vídeo: Dança de bajudas nalus na tabanca de Catesse, no Cantanhez (José Teixeira)




Vídeo (2' 06''): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados. Alojado em You Tube > José Teixeira...


1. O nosso querido amigo e camarada Zé Teixeira regressou recentemente da Guiné-Bissau onde fez alguns vídeos que disponibiliza para visualização dos visitantes do nosso blogue (*). 

Da visita à tabanca de Catesse, na região de Tombali, Cantanhez, trouxe esta dança de bajudas nalus. A nossa tabanqueira Anabela Pires vai adorar, ao rever estas acrobáticas bajudinhas, suas amigas. Recorde-se que ela esteve, em 2012, cerca de três no chão nalu, como voluntária do projeto de ecoturismo,  desenvolvido pela AD - Acção para o Desenvolvimento. Foi a priemria tabanca que conheceu, depois de Iemberém. A Anabela está neste momento a viver em Auroville, no sul da Índia. Não temos tido notícias dela, mais recentemente. (LG)

PS - Sobre os nalus, tandas, sossos, balantas e fulas do Cantanhez, ver texto histórico-antropológico do nosso amigo Pepito. (P3070, de 18 de julho de 2008).
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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11054: Notas de leitura (455): "Raças do Império", por Mendes Corrêa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Raças do Império foi um acontecimento editorial do seu tempo, mereceu honras de edição de luxo e uma outra mais popular, um pouco como a História de Portugal, a chamada edição de Barcelos, dirigida pelo Prof. Damião Peres.
Estamos numa época de rescaldo de diferentes eventos sobre o mundo colonial português, houvera a exposição do Porto, em 1934, a do Parque Eduardo VII, em 1937, e o acontecimento excecional que foi a Exposição do Mundo Português, fazia todo o sentido divulgar, como material de estudo, com abundante mostra fotográfica, todos os povos que pertenciam ao Império e que bebiam a tão apregoada “missão civilizadora”.

Um abraço do
Mário


Raças do Império: A Guiné Portuguesa, pelo Prof. Mendes Corrêa 

Beja Santos

Em 1943, um médico que se lançara entusiasticamente na antropologia e etnografia, Mendes Corrêa, deu à estampa na Portucalense Editora um livro singular na investigação da época: “Raças do Império”. Note-se que Mendes Corrêa será convidado pelo governador Sarmento Rodrigues a visitar a colónia e daí resultará, em 1947, a sua obra “Jornada Científica na Guiné Portuguesa”, de que já aqui se deu notícia(1).

As suas teorias sobre a raça estão hoje obviamente em desuso, não aguentaram os novos estudos decorrentes da evolução trepidante que conheceu a Paleontologia, entre outros conhecimentos científicos. Define a raça como assente numa trilogia História, Psicologia e Biologia, em que nenhum dos elementos é dispensável. E diz mesmo: “Estudar a raça como um fator da História e da vida social é, afinal, estudar o papel da hereditariedade psicossomática, das causas germinais remotas, dos fatores biológicos profundos e permanentes, das energias elementares de estirpes naturais geradora dos povos, na fisionomia e atividade étnica, política e histórica destes últimos”.

Mendes Corrêa inicia a sua investigação sobre as gentes da Guiné procurando dar um quadro histórico da região antes da chegada dos portugueses. Recorda que no século III consta já junto do Níger superior, no Sudão Ocidental, o estado de Ganá, a leste do qual irá surgir o primeiro reino Songai. No século X, a invasão dos Sossos abate-se sobre o reino de Ganá que começará a desagregar-se, irão então surgir em cena populações negras oriundas de outros territórios. Formara-se entretanto o Estado de Mali, dos Mandingas, que no século XIV estendem o seu domínio até à Guiné Portuguesa. No seu apogeu, aquele reino terá incorporado Tungubutu, Songai e outras regiões, mas o Império de Songai conseguiu libertar-se. O Mandimansa seria o imperador de uma parcela do vasto reino Mandinga. Se nos recordarmos do que escreveu na sua tese de doutoramento Carlos Lopes em Kaabunké (Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gãmbia e Casamance), de que igualmente aqui já se fez menção(2), os dados históricos têm larga margem de flutuação. Espero em breve referir-vos uma compilação de textos publicada pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa intitulado “Mandingas – Um pouco de História” e também se verificam discrepâncias cronológicas apreciáveis.

Mas voltemos a Mendes Corrêa, estamos no Império do Mali e é a vez dos árabes se voltarem para os tesouros do Sudão. Tungubutu é conquistado em 1591 pelo Sultão de Marrocos. Songai passa a colónia marroquina. É neste entretanto que emergem os Fulas.

Na Guiné, os Mandingas são os principais adversários que os Fulas encontram no Futa-Djalon. Os Mandingas da Guiné são batidos e subjugados pelos Fulas em 1836, o mesmo sucede com os Beafadas. Para Mendes Correia é este o contexto em que se chega à carta etnológica atual.

A população da Guiné não terá mudado muito desde as descrições dos nossos autores dos séculos XV e XVI. Terão perdido importância demográfica os Nalus, os Beafadas e os Cassangas e progredido os Balantas e os Fulas. Adverte Mendes Corrêa: “Apesar das diversas investigações realizadas, não pode considerar esclarecido o problema das origens e afinidades raciais de todos os grupos étnicos da nossa Guiné”.

Os Fulas proviriam de uma mistura de Etíopes e de Negríticos (negros sudaneses e nilóticos). Os outros agregados seriam Negríticos (negros que não falam línguas Bantus), destacando-se os Mandingas (ou Mandé) num grupo à parte: todas as outras populações da nossa Guiné seriam Negríticos litorais ou guineenses, com grande uniformidade do tipo físico. Os Felupes seriam a tribo principal dos Diola de entre o Casamansa e o Gâmbia. Mendes Corrêa refere como quase autóctones os Balantas, os Banhus, os Papéis, os Bijagós, os Beafadas e os Nalus.

O Fula é suscetível de enquadramento na raça etiópica. André Álvares de Almada, no século XVI, descreve-os deste modo: são robustos, bem-dispostos, de cor amulatada, os cabelos corredios. Na nossa Guiné, mencionam-se os Fulas forros, os Futa-Fulas e os Fulas pretos. Os primeiros e os últimos terão resultados das migrações Fulas, os forros consideram os Fulas pretos são antigos escravos. Os Fulas forros são descritos como de estatura elevada, corpo delgado, cor acobreada, cabelos lanosos, nariz e lábios finos. Segundo Carvalho Viegas, um governador que se abalançou a estudar a região, o Mandinga morfologicamente é uma espécie de raça negra, sem mescla de sangue. Duarte Pacheco refere que os Beafadas estavam sujeitos aos Mandingas. Os Sossos teriam sido expulsos do Futa-Djalon e empurrados para a costa pelos Fulas. André Álvares de Almada refere que os Bijagós são “mui pretos, gentis-homens, não furam as orelhas, as mulheres sim”.

Mendes Corrêa recolhe a opinião dos colonialistas do seu tempo: Os Fulas são tipos como ambiciosos, o grupo mais civilizado e de maior superioridade intelectual; os Mandingas como inteligentes, perspicazes, observadores, empreendedores e aristas; os Felupes como independentes, corajosos e hospitaleiros; os Papéis como traiçoeiros, belicosos, pouco trabalhadores; os Brames como inteligentes, pacíficos e trabalhadores; os Manjacos como inteligentes, dominados pelo pudor, trabalhadores, os mais acessíveis a influência portuguesa, ainda que litigantes e pouco probos; os Balantas como inteligentes, tenazes, argutos, laboriosos, mas ladrões e litigantes; os Bijagós como artistas, belicosos e tímidos.

Depois, Mendes Corrêa abalança-se à descrição sobre os idiomas, mobiliário, tipos de habitação, vestuário, tatuagens, manifestações religiosas, totemismo, sistemas de justiça, panaria, olaria, escultura, trabalhos em coiro, arte musical e literatura, não há elementos inovadores, digamos que se trata de um conspecto antropológico e etnográfico com base em bibliografia recolhida.

“Raças do Império” foi uma revelação para o tempo, nunca se tinha ido tão longe numa síntese sobre todos os povos que constituíam Portugal e o seu Império. Tratou-se de uma recolha meticulosa, de acordo com a documentação existente e as preocupações raciais que fizeram furor no primeiro quartel do século, ao nível dos estudos coloniais. Mendes Corrêa procurou ser abrangente e leu alguma da melhor bibliografia internacional do seu tempo, reconheça-se.

Daí resultou um texto fluído, bem organizado para não iniciados, estamos numa época em que os autores procuravam atrair o leitor capturando-o para o exotismo e quase com ternura pelo “bom selvagem”. É assim que ele escreve: “Há, entre Mandingas, Fulas, Manjacos, Papéis, Bijagós, entre outros, canções, batuques, danças, pantominas, de variado carácter, como para incitamento ao trabalho agrícola, orgia, culto religioso, homenagens fúnebres. Entre Mandingas, as mulheres casadas, geralmente, não dançam; os Papéis cantam a valentia dos seus chefes mortos, organizando danças fúnebres em sua honra. Os Bijagós têm o culto da vaca…”.

Foi um enorme esforço, este estudo de índole imperial, e não é por acaso que refere com alguma insistência a exposição colonial de 1934 e a Exposição do Mundo Português de 1940, foram polos de atração para o desenvolvimento da curiosidade em conhecer os povos que estavam sujeitos à nossa missão civilizadora.
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Notas do editor:

(1) Vd. poste de 12 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9183: Notas de leitura (311): Uma Jornada Científica na Guiné Portuguesa, de António Mendes Corrêa (Mário Beja Santos)

(2) Vd. poste de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10519: Notas de leitura (416): Kaabunké Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance", por Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11037: Notas de leitura (454): "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 31 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10213: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (3): A arte nalu... em vias de extinção (António J. Perereira da Costa)


Trim-trim


Banda


Matumbó


Canoa inhominga


Guiné > Região de Tombali > Cacine > CART 1692/BART 1914, 1968/69 > Peças de arte nalu, da autoria do mestre Mussé, e que integram a coleção de arte popular da Guiné do nosso camarada António J. P. Costa, ao tempo alf art QP.


Fotos: © António J. Pereita da Costa (2012). Todos os direitos reservados










Guiné-Bissau  > Região de Tombali > Cacine > 2 cde março de 2008 > Visita no âmbito do Simpósio Interbnacional de Guiledge (1-7 de março de 2008) > Cacine vista de uma embarcação no rio... à esquerda o antigo posto de socorros no tempo da CART 1692... Ainda hoje a povoação, embora degradada, está coberto de magníficos poilões e cabaceiras.


Foto: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Mensagem do nosso camarada António J. Pereira da Costa [, cor art ref], que estava aqui, na secção das reservas, à espera dos nossos Passatempos de Verão (*):


Assunto - A arte popular da Guiné

Olá, Camarada:

Já levantei este tema e, agora que tudo parece perdido, julgo que devemos voltar a ele e divulgar.

É um tema que pode interessar aos ex-combatentes e aos coleccionadores.

Conheci, em Cacine, um único artesão da arte Nalu. Passava horas a esculpir numa madeira branca que se cortava com facilidade.

Era o Mussé que usava, na cabeça, um gorro de linha, julgo que fabricado pelos fulas. Entre a cabeça e o gorro colocava, com o fornilho para fora, um cachimbo artesanal, já muito usado.

Entre as ferramentas que usava,. lembro-me de uma haste limpa-para-brisas de Unimog, devidamente afiada.

Trabalhava sentado no chã, à beira-rio,  no sítio que a figura mostra, perto do posto de socorros civil (à esquerda da foto).

Um capitão que por ali tinha passado, tentou arranjar-lhe um aprendiz. O miúdo ficava ao pé dele, mas não me parece que aprendesse com o "Mestre".

Por mim, comprei algumas peças e não permiti que as pintasse. Costumava pintá-las "a Robbialac" talvez por já ter perdido o saber das pinturas ancestrais.

Comprei uma Banda que os dançarinos colocam na cabeça, com um dos bicos para frente. E um tambor - um Matumbó (em minatura) -, um pássaro da palmeira - um Trim-trim - e um par de canoas inhomingas, em miniatura.

Mas ele fazia outras coisas.

António Costa

2. Comentário de L.G.:

Poucos de nós conviveram com os nalus, durante a guerra colonial. Para quem quiser saber mais este povo, que habita o Cantanhez há cinco  séculos, recomenda-se um trabalho, já aqui publicado, do nosso amigo Pepito.

Recomendamos também os vídeos sobre os "donos do chão", disponíveis na página da AD - Acção para o Desenvolvimento,  no You Tube. São excertos de um filme que está a ser realizado por Pedro Mesquista, com apoio dos nossos amigos e parceiros da ONG AD - Bissau.

Os donos do chão nalu 2012

Cantanhez de Pedro Mesquita em 2010

[Pedro Mesquita, cineasta português, e a sua equipa têm estado a recolher imagens para um filme cujo título provisório é "Os Donos do Chão", e que precisa de apoios para a sua finalização. Restante ficha técnica: Argumento - José Marques; Edição - Micael Espinha/Roughcut; Produção - Pedro Mesquita, José Marques, Catarina Schwarz, Joana Roque de Pinho; Música - João Bernardo; Apoios : AD, IUCN].

De acordo com a lógica com que foi criado esta série Passatempos de Verão, esperamos mais contributos dos nossos leitores sobre este este tema: a arte popular da Guiné, em geral, e arte nalu, em particular.

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10196: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (2): O pangolim de cauda longa, do Cantanhez (António J. Pereira da Costa)

domingo, 22 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10178: (In)citações (41): Serpentes, feitiços e casamentos inter-étnicos... (Cherno Baldé)


1. Comentário, de 19 do corrente, do nosso amigo Cherno Baldé [, aqui na foto, quando jovem estudante em Kiev, Ucrânia, no final dos anos de 1980], ao poste P10166:


Caro Luis Graça e amigos,

Esta serpente verde ], a mamba verde,] é bem conhecida e motivo de muita desgraça entre as populações do sul da Guiné, mais precisamente entre os jovens que se ocupam do trabalho do corte de chabéu e da limpeza das plantaçoes de bananeiras.


E, muitas vezes, pelo facto das habitações estarem rodeadas de árvores de cola e pés de bananas, ela chega a invadir as casas e semear o terror.

O mais interessante, no fim, é que a explicação ou justificação da sua existencia e das desgraças que provoca é, como se pode perceber, sempre de natureza social e/ou existencial. Não é a serpente que mata mas sim o vizinho ao lado ou a madrasta má que se transformam e, furtivamente, atacam as vitimas.

As vezes, as explicações, de tao reais, chegam a ser convincentes, pois nao raras vezes, ou as serpentes perseguem as suas vitimas ou estão escondidas em cima da palmeira a sua espera. As mordeduras são sempre mortais.


Por diversas vezes, tive ocasião de visitar esta região, ouvir falar e assistir a alguns casos porque a familia materna da minha esposa [, foto à esquerda,] é da etnia Nalu e natural de Calaque, aldeia situada entre Cassaca e Campeane, no sector de Cacine.

A titulo de curiosidade, digo que somos, assim, um casal misto que representa o cruzamento de um Nordestino, região colaboracionista e aversa ao PAIGC,  e duma mulher originária do Sudeste (Cacine), filha de antigos combatentes do PAIGC e nascida em Boé (Fevereiro de 1973), que foram os maireos bastiões deste movimento durante a luta.

Um abraço amigo, Cherno Baldé

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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9999: (In)citações (40): Deixem-me aliviar a angústia das notícias vindas da minha terra (Braima Djaura, ex-sold cond auto, CCaç 19, Gudiaje, 1972/74)

terça-feira, 22 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9936: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (9): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - VII Parte - Evolução da situação militar - Anexo IV



1. Em mensagem do dia 19 de Maio de 2012, o nosso camarada Manuel Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), enviou-nos o anexo IV referente à VII Parte das Memórias da sua Companhia.







MEMÓRIAS DA CCAÇ 798 (9)
De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné
Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (VII Parte) > Anexo IV

Gadamael Porto fica situado na Fronteira Sul da Guiné-Bissau, num território que, na era colonial, pertenceu à França e que, através da Convenção Franco-Portuguesa de 1886 a “França cedia a Portugal a Zona de Cacine por troca com Casamança . . . “ (P3070),  dividindo o Reino Nalu sediado em Boké [, no território da Guiné-Conacri) . Assim, o território entre o Rio Cacine e a fronteira passou (na altura) a ser português, enquanto Casamança encravado entre a Gâmbia e Guiné-Bissau, continua a reclamar a independência.




Mais precisamente, Gadamael Porto, como se pode ver no recorte da carta anterior, situa-se na margem direita de um dos braços do Rio Cacine, onde desagua o Rio Queruene. Ao contrário do que se poderia pensar, Gadamael não era inicialmente um aglomerado populacional. A Carta Militar de 1954 [, de Cacoca,] dá ideia quanto à concentração da população. O maior aglomerado populacional, da etnia Biafada, situava-se na Tabanca de Ganturé, sede do Regulado, a cerca de 3 Km de Gadamael Porto. A tabanca mais próxima, digna desse nome, era a de Viana. Em toda a faixa compreendida entre os diversos braços do Rio Cacine e a fronteira, a zona mais povoada era para Sul, na estrada para Sangonhá.

Foi a sua localização, junto do braço do rio, associado à existência de um desembarcadouro que lhe deu a importância que tinha. Numa região com poucas e fracas estradas que na época das chuvas se tornam intransitáveis, a navegabilidade dos rios e a possibilidade do transporte fluvial para pessoas e mercadorias ganha uma importância vital. 

Foram estas condições naturais que determinaram o interesse das grandes Companhias que controlavam o Comércio, para instalarem ali um entreposto comercial. É disso prova a existência de duas casas de construção europeia, uma delas bem próxima do rio, exibindo a sigla ASCO que já fez correr muita tinta a propósito do seu significado, mas que, qual “ovo de colombo”, pode significar apenas, Associação Comercial [AsCo].

Foram estas casas abandonadas que a CART 494 encontrou, quando em 17DEZ63 ocupou Gadamael Porto, incorporando-as no Aquartelamento. Mas as NT já tinham estado anteriormente em Gadamael Porto. 

O Cap Blasco Gonçalves que foi o OInfOp do BCAÇ 1861, sediado em Buba (1965/67) dizia que já tinha comandado uma Companhia dispersa pelas localidades de Aldeia Formosa, Cacine e entre outras também Gadamael, onde teria estado uma Secção. Ora esta Secção deve ter estado instalada em Gadamael Porto, por volta dos anos 1961/62, tendo-se posteriormente deslocado para Buba, onde se fez o reagrupamento da Companhia.

Quando a CART 494 chegou a Gadamael, teve desde início de resistir às flagelações e emboscadas do PAIGC, ao mesmo tempo que construía as primeiras defesas do Aquartelamento e instalava um Destacamento em Ganturé (02FEV64) com apoio do Pel Rec Fox 42 que aí permaneceu até 20MAI64 (P7877). 

Seguiu-se o início das primeiras construções de apoio que se continuaram com a Companhia seguinte. Nesta fase, a margem direita do braço do Rio Queruane, a montante do desembarcadouro, com um piso plano constituído de uma pedra “esponjosa” de aparência vulcânica, serviu de pista de emergência, até ser construída a pista representada de amarelo, no recorte da Carta Militar, isto ainda no tempo da CART 494.

Aquartelamento de Gadamael Porto em Meados de 1969, no tempo da CART 2410.
O croquis faz a síntese do acolhimento das Populações: do lado direito, ao longo da Paliçada, as casas da Tabanca de Gadamael; do lado esquerdo as casas de colmo construídas para albergar a população vinda de Sangonhá/Cacoca (1ª fase do reordenamento da população); as casas com cobertura de zinco construídas pela CART 2410 para albergar a população de Ganturé. (2ª fase do reordenamento)

Foi com estes meios que a CCAÇ 798 encontrou o Aquartelamento de Gadamael Porto a 08MAI65. Durante a sua permanência continuaram as construções de apoio, incluindo a oficina auto, acolheram-se as primeiras populações no interior do perímetro defensivo, o que determinou o seu alargamento e a reorganização defensiva com a construção de novos abrigos e paliçadas. (P9329). 

A pista de aviação,  que na época das chuvas fora interdita, sofreu obras de ampliação e manutenção. A Engenharia Militar procedeu à eletrificação do Aquartelamento, o que permitiu a substituição do “velho petromax” e iniciou o projeto do Cais que viria a ser construído durante a Companhia seguinte, a CART 1659

Foi durante esta Companhia que se iniciaram as primeiras construções (reordenamento da população - P3013) ainda com cobertura de colmo, ao lado do Aquartelamento, para albergar as populações vindas de Sangonhá/Cacoca, entretanto extintos (29JUL68).



Fotografia aérea de finais de 1971 (CCAÇ 2796) gentilmente cedida pelo ©  Cor Morais da Silva
Desapareceram todas as casas de colmo, bem como os últimos troços de Paliçada. O perímetro do Aquartelamento alargou-se, incluindo mais construções militares sobretudo do lado oposto à Tabanca. 


Mas o Aquartelamento de Gadamael, com o perímetro deixado pela CCAÇ 798, deve-se ter mantido, sem grandes alterações, até à instalação dos primeiros Obuses, no tempo da CART 2410 (1968/69).



Fotografia aérea de 1972/73 (CCAÇ 3518), gentilmente cedida pelo ©  ex-Alf Mil L. Monteiro
Há mais construções militares do lado esquerdo. O Reordenamento da População está concluído e pode ver-se o braço do Rio Cacine, onde desagua o Rio Queruane, com o Cais de Acostagem.
 

A partir de agora, o Aquartelamento passa a ser uma base de Apoio de Fogos e de Reabastecimentos, através de um Pel Art e de um Pel AM para o qual houve necessidade de construir instalações. Esta Companhia continuou a construção da Tabanca (36 casas com telhado de zinco,  destinadas aos nativos de Ganturé=, alterou o Aquartelamento do lado da população pela eliminação da paliçada e procedeu à revisão do sistema defensivo daquele. O croquis anterior dá uma ideia do Aquartelamento nesses tempos, onde se pode ver ainda, a Tabanca inicial e os dois tipos de casas correspondendo às duas fases do ordenamento da população. 

A CART 2410 foi rendida a 21JUN69, por troca com a CCAÇ 2316, vinda de Guileje,  que apenas permaneceu em Gadamael, cerca de 4 meses. 

Seguiu-se a CART 2478 que começou por se instalar em Ganturé a 11OUT69, onde manteve dois Pelotões até à sua extinção, a 13MAI70. Foi no tempo desta Companhia que se iniciou a construção de Valas, como sistema defensivo.



Aquartelamento de Gadamael Porto nos primeiros meses de 1973, no tempo da CCAÇ 3518.
O Aquartelamento, tal como se representa no croquis, deve ter-se mantido sem grandes alterações, até ao ataque do PAIGC de MAI/JUN/73, apenas reforçado com um Pel CAN S/R com 5 armas, chegado a Gadamael na primeira quinzena de Maio, no tempo da CCAÇ 4743.


A 29DEZ70 a Companhia anterior era rendida pela CCAÇ 2796 que, nos primeiros tempos em Gadamael, foi severamente atacada pelo PAIGC, tendo sofrido várias baixas, entre os quais, o próprio Comandante da Companhia. O esforço operacional não a impediu de se dedicar à população, construindo 80 casas no Setor Norte do Aldeamento, uma Escola e um Posto Sanitário, na zona de ligação entre os dois setores do Ordenamento, para além de um Heliporto, Casernas e uma nova Reorganização do Terreno. A 1ª foto aérea dá uma ideia do Aquartelamento e das zonas limítrofes, no tempo desta Companhia.

A 24JAN72 a CCAÇ 3518 rende a Companhia anterior. Apesar dos constantes patrulhamentos numa extensa ZA, com uma fronteira de muitos quilómetros, nunca teve qualquer contacto com o IN. O PAIGC utilizava as frequentes flagelações sobre o Aquartelamento como forma de manifestar a sua presença e pressionar as NT, normalmente à noite, retirando durante esta todo o Armamento Pesado. 

Durante a presença desta Companhia foram feitas novas construções, entre elas um novo Paiol, e recuperadas as Casas de construção europeia. Foi anda concluído definitivamente o Aldeamento. É ainda de salientar a atividade do Posto Escolar nº 23, frequentado por 40 crianças e uma dúzia de adultos nativos. Desta ação beneficiaram ainda 30 praças que obtiveram o exame de 4ª classe em Bissau. (P6283)

A 04MAR73 abandonam Gadamael os últimos efetivos da CCAÇ 3518, dando lugar à CCAÇ 4743 que estava em sobreposição desde 08FEV73. Foi efémera a presença desta Companhia, interrompida pelo ataque a Gadamael de consequências dramáticas para toda a guarnição e população, ocorrido a partir da retirada de Guileje a 22MAI73. O que se passou a seguir, não é objeto deste anexo.

E agora um simples “clique” sobre a fotografia seguinte, permite-nos uma visita, em ecrã inteiro, a Gadamael Porto, nos finais do ano de 1971. Podemos ver a Escola e o Posto Médico ligando os dois Setores do Reordenamento da População, a Pista, o Heliporto, o Aquartelamento, bem como o envolvimento da floresta e do braço do rio Cacine.

Gadamael Porto nos finais do ano de 1971.  Fotografia gentilmente cedida pelo © Cor Morais da Silva.


Finalmente, aproveito para agradecer a possibilidade de divulgação das fotografias, ao Cor Morais da Silva (foto 1 e 3) e ao ex-Alf Mil L Monteiro (foto 2), bem como a intensa colaboração na elaboração dos Croquis, ao ex-Fur Mil L Guerreiro da CART 2410 e ao ex-Alf Mil L Monteiro da CCAÇ 3518, sem a qual não seria possível a sua apresentação.






Fontes:
Principal – Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, através das Apresentações, correções e Comentários.

Fontes Adicionais:
A necessidade de elementos concretos, obrigou ao contacto direto de vários camaradas que fazem parte da Tertúlia - Cor. Morais da Silva; ex-Alf Mil Vasco Pires; ex-Fur Mil Luís Guerreiro - e ainda do ex-Alf Mil Lopes Monteiro que não faz parte de mesma.

Manuel Vaz
Ex-Alf Mil
CCAÇ 798
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Nota de CV:  

Vd. último poste da série de 13 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9740: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (8): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - VII Parte - Evolução da situação militar - Anexos I, II e III

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7836: (In)citações (26): A morte de Salifo Camará, rei dos nalus, e pai espiritual adoptivo do nosso amigo Pepito (Luís Graça)



Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana >  Título da foto: Morreu Salifo Camará, Rei dos Nalus; Data de Publicação: 30 de Janeiro de 2011; Data da foto: 22 de Janeiro de 2011; Legenda:

"Salifo Camará, rei dos Nalus, sábio, filósofo e combatente da independência da Guiné-Bissau, despediu-se desta vida no dia 21 de Janeiro de 2011, em Cadique, onde sempre viveu.


"Entrou para a História do povo de Cantanhez e fará parte para sempre da sua Memória e das Lendas que os djidius cantarão para os mais novos saberem da grandeza de um Homem por quem todos, nalus, balantas, tandas, fulas, djacancas e sossos tinham um profundo respeito e admiração.

"Antes da partida, pediu ao filho que se encontrava junto dele para telefonar para Bissau, para o filho que adoptara 30 anos antes e por quem se prendera por amizade, o qual lhe vinha regularmente pedir conselhos e ouvir as suas sábias palavras, a quem acompanhou na procura dos caminhos para o melhor desenvolvimento do reino que era seu.

"Pediu então para o deitarem na sua cama, despediu-se da família próxima e poucos minutos depois descansava tranquila e eternamente".

Foto (e legenda): AD - Acção para o Desenvolvimento (2011) (com a devida vénia...)


2. Comentário de L.G.: 

Esse filho adoptivo de Salifo Camará era(é), nem mais nem menos, o nosso amigo... Pepito. Quando esteve recentemente entre nós, em Lisboa, por ocasião do 96º aniversário da sua mãe, Clara Schwarz, o Pepito falou-me, com a discrição e distanciamento que são típicos nele (quando se trata falar da sua vida pesaoal ou de exteriorizar os seus sentimentos pessoais), da morte do Rei dos Nalus, a quem o ligavam laços de profunda amizade e mútua admiração... 

Não tive na altura a percepção da profundidade dessa amizade (e portanto, da dor pela perda que se sente, quando desaparece um grande amigo). Nem muito menos da sabedoria humana deste Rei dos Nalus que, pressentindo a chegada da sua hora, "liquida as suas contas com a vida e com o mundo", dando-nos assim um extraordinário exemplo da "arte de bem morrer"... Que dignidade, que humanidade!!!

Pepito, não te dei na devida altura os sentidos pêsames por esta perda. Faço-o agora, publicamente, depois de ver a "foto da semana" no sítio da tua ONG... Que os nalus, do Cantanhez, saibam continuar a trilhar os caminhos da sabedoria, da paz e do desenvolvimento sustentado, no seio da tua/nossa querida Guiné-Bissau, sem perda da sua memória colectiva e da sua rica identidade cultural. E que tu continues a ser amado e estimado por esses teus patrícios que tanto precisam de ti e da tua AD, os povos do Cantanhez, os nalus, mas também os balantas, os tandas, os fulas, os djacancas e os sossos.
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 22 de Janeiro de 2011 Guiné 63/74 - P7652: (In)citações (28): Bemba di vida [O celeiro da vida], documentário sobre a biodiversidade e as áreas protegidas da Guiné-Bissau, produzido pelo IBAP (2009) (com a colaboração da AD - Acção para o Desenvolvimento)


terça-feira, 9 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5962: Antropologia (17): A Condição da Mulher em Cacine, em 1972 (Juvenal Candeias)

Guiné > Região de Tombali > Cacine > Binta, a bajuda contestatária, recusou  o casamento forçado com um homem grande




Guine > Região de Tombali > Cacine > "Hospital Central de Cacine”: todas as especialidades (incluindo partos)

Foto: © Juvenal Candeias (2010). Direitos reservados.


1. Mensagem, com data de ontem, do Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Estrelas do Sul (Cacine, Cameconde, Guileje, 1971/74):

 Assunto: A Condição da Mulher em Cacine, em 1972


 Camaradas,


Não quero deixar passar o Dia [Internacional] da Mulher sem vos enviar este texto, singela homenagem  à Mulher Nalú, que muito admirei, pela sua força, coragem e importância na comunidade.


Tomara que essa força e coragem tenha entretanto sido devidamente orientada!... Penso que ao texto deveria antes chamar Elementos para o Estudo da Condição [da Mulher]... deixando para os sociólogos - parece que há um aí bem perto - o verdadeiro estudo da Condição  da Mulher em Cacine.


Como diria Filinto Barros, este texto não é "nem sociologia, nem história, nem política, é tão-somente um conjunto de memórias com 38 anos.


Um forte abraço a todos.


Juvenal Candeias


PS. À atenção do Luís Graça: observa a fotografia da enfermaria de Cacine. Do lado direito podes ver como era o bunker cujas ruínas fotografaste há relativamente pouco tempo.


2. A CONDIÇÃO DA MULHER EM CACINE, EM 1972
por Juvenal Candeias


Em Cacine predominava a etnia Nalú, tradicionalmente animista, convertida ao Islamismo por influência dos Sossos, etnia minoritária, mas culturalmente mais evoluída

A islamização dos Nalús transformou completamente a sua cultura, afectando de modo significativo a condição social da mulher. O casamento poligâmico forçado, o trabalho feminino e o fanadu (mutilação genital da mulher) surgiram como novas realidades ou revestiram aspectos totalmente distintos.

- O CASAMENTO

O casamento, que tradicionalmente era feito por troca, passou a ser feito por compensação (pecuniária e/ou em géneros).

Quando as jovens tinham 12 ou 13 anos, apresentavam-lhes um homem dizendo-lhes que era o seu marido. Não havia relações sexuais prévias, não havia namoro, não havia nada que permitisse à mulher conhecer o marido, muito menos decidir se com ele queria viver!

A negociação das bajudas (mulheres jovens) era feita no momento, por proposta efectuada pela família do pretendente à família da jovem, mas o comprometimento de bajudas ainda na infância, também era vulgar. Neste caso, o noivo passava desde então a ajudar a família da noiva, até que esta, alguns anos mais tarde, lhe fosse entregue.

O número de mulheres de cada homem dependia da sua capacidade financeira e determinava mesmo o seu estatuto social na comunidade.  Não eram raros os homens grandes (velhos) com 3 ou 4 mulheres, algumas bastante mais jovens. É que, para além do eventual interesse sexual, as mulheres significavam também mão-de-obra barata.

O casamento imposto, verdadeira violência psicológica exercida sobre as mulheres, raramente tinha contestação, por um lado, porque se efectuava logo a partir dos 12 anos, quando a mulher tinha pouca possibilidade de se opor, por outro lado, devido à pressão social que a própria comunidade exercia sobre as eventuais contestatárias.

Contudo, esporadicamente ocorriam alguns casos, como o de uma bajuda, residente na Tabanca Nova – reordenamento estrategicamente colocado junto à picada, a meio caminho entre Cacine e Cameconde – que perante o iminente casamento negociado pela família com um homem grande, mais interessada num jovem, recusou, acabando por fugir para o mato, onde andou sozinha cerca de uma semana.

De nada lhe serviu! Encontrada e repreendida, o castigo terá sido severo, uma vez que durante bastante tempo ninguém viu a Binta!

O ambiente familiar, com várias esposas de um mesmo homem que entre si se designavam por cumbossas, era, naturalmente, de grande rivalidade, salvo quando a diferença etária entre as cumbossas era significativa, situação em que as mais velhas, a troco de trabalho, podiam mesmo dar alguma protecção às mais jovens.


Apesar de toda esta envolvência, as crianças eram tratadas como filhos por todas as cumbossas, independentemente de quem fosse a verdadeira mãe. Era uma original, mas real situação de crianças com várias mães!

No âmbito do casamento também a herança era um fenómeno original e penalizador da condição da mulher. A viúva não tinha direito a herdar os bens do marido. Os mesmos eram herdados pelos irmãos, fazendo a mulher, ela própria, parte da herança do falecido marido.

Para além de perder o marido e os bens, via-se na contingência de integrar uma nova família a quem era obrigada a servir e ainda a manter relações sexuais com um novo homem que, naturalmente, também não escolhera!

A extrema submissão a que as mulheres estavam sujeitas levava a que questionar uma mulher,  sobre as diferentes situações de violência no seio do casamento, era obter, invariavelmente, a resposta, por estas ou por semelhantes palavras: “sempre foi assim…”, “é Deus que quer…”

- O TRABALHO DA MULHER

O casamento a que nos referimos, determinava que a mulher via a sua posição degradada, fora convertida em servidora, verdadeira escrava da luxúria do homem, que a transformara em simples instrumento de produção e reprodução.

Esta situação acabava por influenciar, ironicamente, a posição preponderante que a mulher desempenhava no seio da família e a importância da sua acção na comunidade. De facto, à mulher estava atribuída a responsabilidade da alimentação, vestuário, manutenção da casa e educação dos filhos, áreas em que os homens não tinham a mínima interferência.

A família não se sustentava só com o que comprava com os parcos rendimentos obtidos pelos homens mas, sobretudo, com o que resultava de a mulher transformar muitas horas de trabalho.

Algum destaque deverá ainda ser dado à educação dos filhos. Era garantida em exclusivo pelas mulheres que, contraditoriamente, acabavam por ser as transmissoras de comportamentos e valores enraizados, ligados a um processo de socialização de que elas próprias eram as principais vítimas.

As crianças do sexo feminino eram preparadas pelas mães para o processo de submissão à vontade do homem e da comunidade e as do sexo masculino para perpetuarem o domínio dos homens.

O analfabetismo era outro problema grave. Atingia valores extremamente elevados nos homens e era total nas mulheres.

O Furriel Miliciano Lopo mantinha uma escola primária a funcionar diariamente, onde nunca conseguiu ter um aluno do sexo feminino!

Estas horas de trabalho invisível desenvolvido pelas mulheres eram fundamentais para garantir a economia doméstica e a evolução da comunidade e da cultura da própria etnia. Para os homens, contudo, este trabalho pouco contava, estava praticamente oculto atrás da fachada da família poligâmica, permanecendo invisível, porque não se traduzia em produtos visíveis.

Muitas horas de rude desgaste diluíam-se magicamente, permanecendo na clandestinidade a forte contribuição da mulher Nalú para a comunidade.

À mulher competia ainda outro trabalho, um pouco mais visível… Apanhar ostras e proceder à sua venda - a cotação da bacia de ostras era de 10 pesos – apanhar mangos, cultivar mandioca e mancarra, semear arroz… enfim, pouco restava para os homens fazerem, para além das rezas e do descanso tranquilo nas suas cadeiras de encosto!

Sempre que a tropa passava pela tabanca em deslocações de trabalho ou de patrulhamento, o cumprimento era um paradigma:
- Eh pessoal! Manga de trabalho!

A resposta, indolente, vinha lá bem do fundo da cadeira:
- Manga deeeele!

- O FANADO

O fanado, ou mutilação genital feminina, dizia-se ser um processo mais amplo, que podia descrever-se como uma cerimónia ou ritual de iniciação que preparava as jovens para a vida adulta, para a sua responsabilidade na comunidade e para a habilidade de continuar a cultura da própria etnia.

O fanado tinha na mutilação genital feminina a sua face mais negra. Ocorria na época das chuvas, altura em que as mulheres padidas (que tinham sido mães recentemente) se ocupavam da construção das barracas do fanadu, integralmente em material vegetal e longe da tabanca.

Tudo o que se relacionava com o fanadu não tinha intervenção do homem, que estava até impedido de se aproximar do local da cerimónia.

Eram as mulheres padidas que “montavam segurança” nas imediações do local e um cusco da nossa Companhia teve mesmo direito a perseguição e caça, no meio de tremenda algazarra, salvando-se apenas com a entrada no aquartelamento, após longa corrida.

Construídas as barracas, apenas as meninas que iam ser sujeitas ao fanadu (com cerca de 10 anos), as fanatecas e algumas mulheres grandes, lá entravam!

O que acontecia no interior das barracas, durante semanas, ninguém sabia com absoluta certeza.

O fanado era um ritual secreto do qual apenas se conhecia a mutilação genital e a transmissão, pelas mulheres grandes, dos valores atrás referidos.

Constava, contudo, que a mutilação era efectuada pela fanateca, que dispunha de uma faca própria para o efeito, que os cortes eram efectuados a frio, sem sombra de anestesia, sucessivamente a todas as bajudas, sem condições sanitárias, sem sequer a faca ser esterilizada após cada utilização.

Esta intervenção provocava problemas imediatos de hemorragias e infecções de que se desconhecia a exacta dimensão, uma vez que, devido ao carácter secreto da cerimónia, o facto não era muito comentado e nenhuma jovem podia recorrer a apoio médico.

As consequências nefastas do fanado projectavam-se sobre o futuro das bajudas e agravavam-se com maternidades precoces. Hemorragias e outros problemas no momento do parto eram comuns e levavam as mulheres a recorrer às enfermarias militar e civil, aqui já sem grandes inibições.

Em casos extremos, mas não raros, verificava-se mesmo a incapacidade para ter filhos.

Apesar de todos estes problemas, a mulher Nalú nem um gemido largava ao parir e levantava-se imediatamente a seguir ao parto, para efectuar a limpeza total do local.  Era uma questão cultural, de honra e prestígio.

O fanado era, portanto, uma cerimónia absolutamente generalizada. Não passar pelo fanado era algo de inconcebível, determinando a exclusão social, a discriminação, a recusa de casamento e de tarefas no seio da família, dado que a jovem não tinha sido purificada. Se as bajudas não fossem ao fanado,  as suas preces não seriam ouvidas, por mais que se lavassem nunca ficariam limpas…

Consequentemente, e em casos extremos, as próprias mães chegavam a fazer o fanado às filhas!

De resto o fanado era uma festa que se prolongava por várias semanas, em que o principal programa era comer, beber (apesar da islamização) e dançar!

Juvenal Candeias

Março 2010

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

18 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5295: Histórias de Juvenal Candeias (6): Padaria de luxo em Cacine

16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu

16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4961: Histórias de Juvenal Candeias (4): Há periquitos no Quitáfine

1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4623: Histórias de Juvenal Candeias (3): Um Manjaco em chão Nalú

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine

7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4299: Histórias de Juvenal Candeias (1): Pirofobia ou a mina que não rebentou por simpatia

6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4294: Tabanca Grande (136): Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde (1972/74)

(...) Era Alferes Miliciano, Atirador, com recruta e especialidade em Mafra a que se seguiu Tavira durante 3 meses!



Mobilizado para a Guiné, fui formar Companhia no BII 19, no Funchal, donde saí com a Companhia de Caçadores 3520 para Bissau, onde cheguei ao fim da tarde de 24 de Dezembro de 1971 (que rica noite de Natal, no Cumeré!!!)


Após a IAO no Cumeré, fomos parar a Cacine (mais o destacamento de Cameconde), onde permanecemos até final de Outubro de 1973! (...)