Mostrar mensagens com a etiqueta paraquedistas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta paraquedistas. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Guiné 63774 - P12197: Tabanca Grande (411): Augusto Pereira Baptista, ten-cor ref, ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70), devidamente apresentado e apadrinhado pelo Armando Pires


1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires [, foto à direita, com o Augusto Baptista, ainda muito recentemente, em Lisboa, no Chiado (*)]


Data: 23 de Outubro de 2013 às 17:00

Assunto: Capelão Augusto Pereira Baptista


Meu caro Luís Graça, Camarada.

Um pedido teu é uma ordem (**). Aqui tens a "ficha de inscrição" do nosso capelão Augusto Pereira Baptista, acompanhada das respectivas fotos, sendo que na foto da actual vão duas à tua escolha.

Faço acompanhar a sua apresentação de uma nota pessoal. minha, que espero não desmerecer.

Saudações a ti e a todos os camaradas, do

Armando Pires



Foto do ex-alf mil capelão Augusto Baptista, c. 1969

2. Apresenta-se o Augusto Pereira Baptista, ten-cor ref, ex-alf mil capelão CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã. 1969/70)

É nos momentos de felicidade e alegria, e nos momentos de sofrimento e dor, que a presença dos amigos nos é querida.

Como sabem, na madrugada de 27 de Setembro, fui assaltado e roubado, na residência paroquial. Fiquei bastante mal tratado e com duas costelas partidas. (*)

Neste momento estou em recuperação e agradeço toda a onda de solidariedade, manifestada por tantos amigos e camaradas da Guiné.

De vós, aceito o convite que me lançaram. Tenho imenso prazer em fazer parte dos amigos da Tabanca Grande.

Augusto Pereira Baptista
ten cor capelão, reformado
[, foto atual, à direita]


3. Folha de serviço militar do Agusto Baptista, novo membro da Tabanca Grande, nº 631

(i) Fev/1969 - Dez/1970 >  Guiné - Capelão Militar do BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70);

(ii) Jul/1978 - Nov/1982 > Capelão Militar das Tropas Paraquedistas,  em S. Jacinto;

(iii) Nov/1982 - Ago/1988 > Capelão das Tropas Paraquedistas em Tancos;

(iv) Ago/1988 - Out/1990 >  Capelão-Adjunto da Chefia do Serviço de Assistência Religiosa da Força Aérea,  em Lisboa;

(v) Out/1990 - Jul/1995 > Capelão do Hospital da Força Aérea no Lumiar, Lisboa;

(vi) Jul/1995 - Mar/2000 > Capelão - Chefe da GNR - Guarda Nacional Republicana, em Lisboa


4. Nota pessoal do ex-fur enf Armando Pires, da CCS do BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) [, foto de L.G., à direita; Tabanca da Linha, 17/10/2013]


Fiquei muito honrado pela tarefa que o Luís Graça me confiou. Trazer até nós o capelão Baptista (**).

Não sou a pessoa indicada para falar do seu trabalho religioso junto dos nossos camaradas na Guiné.

Mas posso falar do homem, como já aqui o fiz no P9978. (***)

Porque o Baptista, senhor de uma grande serenidade e força comunicacional, tinha sempre a palavra certa, fosse ela de amizade, de compreensão ou de estimulo, para aqueles que, como eu, não seguiam a sua fé.

É pelo ombro que nos momentos difíceis me emprestou, que lhe tenho esta amizade.

Mas o Baptista também era, e é, dotado de um enorme sentido de humor. Deixo para que ele resolva nas suas próprias confissões, as conversas brejeiras que tinha connosco, algumas de nos levarem às lágrimas.

Mas conto-vos como ele resolvia a fama que tinha de nunca estar onde o IN atacava. Fosse em Bula, fosse em Bissorã, fosse nos aquartelamentos do sector onde levava o seu trabalho espiritual, na hora do PAIGC atacar o Baptista não estava lá.

Tal fama deu origem às situações mais caricatas. Desde o bom do Crasto que, quando o Baptista saía,  não arredava pé do abrigo das transmissões, até a um influente membro da comunidade de Bissorã, o qual, tendo visto chegar o DO que fazia o sector, indagou se o capelão ia viajar. É que ele tinha prevista, para daí a dois dias, uma festa de aniversário no clube social da vila, e queria prevenir-se.

Mas vejam lá que era entre a população nativa que estas coincidências maiores interrogações provocavam. E o que lhes dizia o capelão Baptista?
- Ó pá! Vocês não sabem a força do Irã branco. Se o inimigo ataca o Irã branco,  fica manga de chateado. E com o Irão branco o inimigo não brinca.

Mas diz o povo, na sua infinita sabedoria, que tantas vezes o cântaro vai à fonte que uma noite o Baptista estava lá. E mesmo assim, não sem que o DO que o levaria a Binar, tivesse ficado retido em Bissau, com avaria. 

Nem eu nem ele sabemos precisar em que noite foi. Mas garantidamente ocorreu, em Bissorã,  já com a comissão a terminar.

Contou-me ele que, findo o ataque, meteu-se no jeep e foi para o comando. Nos metros que fez a pé não parava de tropeçar. Levava as botas calçadas ao contrário...

Que a fé do Baptista o conserve entre nós, durante muitos mais anos. Armando Pires



Guiné > Região do Oio > Bissorã > CC/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > "O alf capelão Baptista,  de pressão de ar ao ombro, após uma caça à passarada".



 Chaves >   1968 > "Eu e o capelão Baptista, em Chaves, quando formávamos batalhão" [, o BCAC 2861].



Guiné > Região do Cacheu > Bula > CCS / BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > "Eu e o capelão Baptista. Em Bula, à porta da missão católica".


Fotos: © Armando Pires (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


5. Comentrário de L.G.:

São dois seres de eleição, o Armando e o Augusto!

O Armando já é nosso grã-tabanqueiro e temo-nos delicidado com as suas estórias de "ribatejano, fadista e enfermeiro". Conheci-o finalmente, ao vivo, em carne e  osso, no último almoço-convívio da Tabanca da Linha, em 17/10/2013, e as minhas expectativas foram superadas... Confesso original é ainda melhor do que a cópia... E tive oportunidade de me dar conta da sua grandeza de alma: homem da rádio, com provas dadas na Metrópole, antes de ir para a tropa. mas também fadista talentoso e promissor, o Armando tinha tudo (conhecimentos, relações, cunhas e tudo!...) para ficar em Bissau, no "bem bom", a trabalhar no PFA - Programa das Forças Armadas e, à noite, a cantar fados num conhecido, muito afreguesado,  restaurante da capital da província... E quando a razão puxava para um lado, o coração, mais forte, puxou para  o outro, e ele decidiu que não podia abandonar os seus camaradas que já conhecia de Chaves e que iam para o mato, para a guerra, para a região do Cacheu (Bula e, depois, mais tarde, para Bissorã, na  mítica e temível região Óio)...

E lá foi com eles para Bula e, depois, Bissorã... (Prometo que ele vai contar "esta cena", de viva voz, um dia destes!... Infelizmente, não há medalhas para estes grandes gestos de camaradagem, humanidade e verticalidade ...).

Quanto ao nosso capelão, Augusto Baptista, é uma honra tê-lo aqui, na nossa companhia, à sombra do nosso mítico, mágico, sagrado poilão da Tabanca Grande. A gente promete tratá-lo bem, acarinhá-lo, apaparicá-lo, protegê-lo. Da parte dele, esperamos que nos conte algumas histórias de capelania, umas, ou caserna, outras, que o pessoal é todo olhos e ouvidos... E, claro, temos a certeza que ele vai também velar por nós e rezar por nós, crentes e não-crentes!.. Bem, vindo, camarada Baptista!... És o nosso grã-tabanqueiro nº 631 (****).

PS - E já que falamos de capelães (e nós temos mais de 50 postes com referências aos nossos capelães!...), registe-se os nomes (e indique-se os links) dos três ex-capelães que já nos deram a honra de acamaradar connosco, sob o poilão da Tabanca Grande (, cito por ordem cronológica de entrada):

(i) Mário de Oliveira, ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68)

(ii) Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 2917 (Bambadinca, 1970/72)

(iii) Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1911 (setembro de 1967 / maio de 1969) e BCAÇ 2852 (Bambadinca, maio/dezembro de 1969).

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10577: Convívios (479): Paraquedistas do Cartaxo, do 'antigamente' e do 'agora' , reuniram-se no 5 de outubro


Cartaxo > 5 de outubro de 2012 > 1º encontro nacional dos paraquedistas do concelho do Cartaxo. Foto da revista Dada (Com a devida vénia...).


1. Mensagem, de 12 do corrente, do nosso leitor (e camarada) Salvador Nogueira, ex-para (passou pelo CTIG em 1969):


Decorreu no dia 5 de outubro o 1º Encontro de Paraquedistas do Concelho do Cartaxo.

Das cerca de 100 pessoas, uns 80 eram paraquedistas, dos quais 90% do 'antigamente', estando presentes homens dos primórdios, 'de 59', e a que se juntaram e muito bem, alguns 'bósnios e afeganos', 'de agora'.

Das iniciativas de reencontro a que tenho assistido, esta terá sido uma das mais homogéneas e amistosas, sobretudo tendo em conta que se tratou de uma reunião de elementos 'indiscriminados', sem referência de passado comum que não seja o facto de serem paraquedistas - o espírito mantém-se... e "que nunca por vencidos se conheçam"!

Aqui podem ver, os leitores do nosso blogue, um conjunto de fotos publicadas no Facebook

http://www.facebook.com/media/set/?set=a.10151276185594453.490252.243438434452&type=1


Um abraço, Salvador.

_____________


Nota do editor:

Último poste da série > 24 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10565: Convívios (478): I Encontro, nos Açores, do Pessoal da CCAÇ 3414 - BII17 - Ilha Terceira, levado a efeito no passado dia 25 de Agosto de 2012 (Joaquim Carlos Peixoto)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10569: (Ex)citações (201): Não me lixem com o Pifas! (Salvador Nogueira)

1. Mensagem do nosso leitor (e camarada, ex-oficial paraquedista que passou pelos 3 TO da guerra de África), Salvador Nogueira (de quem, naturalmente, não temos nenhum foto já que já não é nem pretende vir a ser grã-tabanqueiro):

Data: 23 de Outubro de 2012 19:50

Assunto: Desabafo

Amigo Luís,

tu, tendo estado 24 meses à espera do avião para Lisboa - presumo- qualquer que fora a tua especialidade, operacionalidade, efectividade, produtividade e outras coisas acabadas em 'ade', estiveste no mato e,  tendo vivido lá, com tudo o que isso deixa entrever de bom ou mau - nem todos tinham que ter a mania de ser 'desportistas'- poupa-me aqueles merdas do Pifas e do caraças!

Se há coisa que ainda hoje não consigo conter é uma agressividade surda em relação aos galarozes que ficavam em Bissau porque sim. Isto, sem falar na Polícia Militar, claro... é outro nível de merdice e é, era!,  para tratar à porrada ou a cagar de muito alto.

Bem, o Pifas é um boneco sem graça, descaracterizado. Lembra estranhamente aquele mamarracho da Expo98, também descaracterizado, estúpido; mas é um boneco. Agora, a recordação periódica daqueles merdas da rádio e das suas actividades pseudo-sérias, é para irritar quem dormiu em Madina Xaquili ou para verificar o desportivismo de quem fazia emboscadas às guardas de flanco do PAIGC no corredor do Guileje?

Em bom jargão - não me f... ! Que eu bem me lembro quem fazia e quem não fazia nenhum lá na Guiné; a começar por alguns vistosos acólitos do General Caco e a acabar nuns alferes filhos-d'algo, passando p'os pifas e fifas e ...

desculpa o estendal!

Um abraço, Salvador.

PS - E se publicasses este palavreado todo havia porrada no Rossio ou continuávamos todos muit'amigos como dantes? Não eu e tu, a malta do tabancal...
_______________

Nota do editor:


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Guiné 63/74 – P10563: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (40): O avô da Matilde, um vizinho especial

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex- Fur Mil da CCAÇ 675, (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 24 de Setembro de 2012: 

Boa noite meu caro amigo Carlos
Com votos que estejas em forma e preparado mais uma "mudança de hora" cumprimento-te com particular estima.
Mando-te uma longa história de Verão já em tempo de Outono. No calendário e na vida. Resultou de uma brincadeira de duas miúdas que na praia das crianças (São Martinho do Porto) fizeram aproximar dois avós. Com cabelos brancos e com memórias dos seus tempos da Guiné.

Segue em anexo o resultado final... de dois "rapazes" maiores de 70.

Um grande abraço de Alcobaça,
JERO


HISTÓRIAS DO JERO (40)

O avô da Matilde, um vizinho especial

Uma das vantagens de ser avô é poder conhecer através dos nossos netos pessoas que, em circunstâncias normais, nos passariam “ao lado”. Nas férias do mês de Agosto deste ano, em São Martinho do Porto, a minha neta Mariana começou a brincar com a Matilde e daí até conhecer o seu avô foi um instante.

Nas primeiras palavras que troquei com o Avô da Matilde adivinhei que estava na presença de um ex-combatente, o que se confirmou no momento seguinte quando trocámos nomes, idades e interesses…

Ambos tínhamos 72 anos e, no nosso passado, a Guiné dizia-nos muita coisa.

O Carlos Ferreira quando me disse que tinha 2 comissões na Guiné e tinha sido sargento-chefe paraquedista deixou-me …altamente interessado em cimentar a nossa relação. Ficou logo combinada uma conversa para mais tarde. E, no momento, em que passo ao papel estas linhas já tivemos duas ou três conversas, o que já permite fazer o seu B.I., com os seus dados militares.

Carlos Herculano da Silva Ferreira nasceu em Braga em 16 de Dezembro de 1940. Em 4 Maio de 1961, com quase 20 anos e meio, assentou praça na Escola do BA 3- Tancos. Frequentou o 14.º Curso de paraquedistas e foi “brevetado” em Julho desse ano.

Nos meses seguintes está envolvido em diversas ”diligências”, sendo colocado em Monsanto “para fazer guarda às antenas”, que tinham um papel importante nas comunicações com as nossas províncias ultramarinas. A guerra já tinha então começado em Angola (Fevereiro de 1961).

Regressa a Tancos em 1962 e em 1963 é mobilizado para a Guiné.

Viaja de Tancos para Bissau num “Skymaster”, integrado de um contingente de cerca de 50 paraquedistas.
Chega à Guiné em Junho de 1963 e em meados de Janeiro de 1964 integra as primeiras tropas da “Operação Tridente”, que invadem a Ilha do COMO.

Permanece no Como até ao final operação, que termina em 22 de Março. E continua na Guiné até Agosto de 1964.
Era então soldado-paraquedista e chefe de equipa.

Regressa à Metrópole e casa em Janeiro de 1965.
Frequenta em Tancos o curso de Sargentos.

Em Setembro de 1967, já então como Furriel, segue para Angola, onde cumpre mais uma comissão, até Novembro de 1969 (1.ª Companhia 121).

Mais um regresso a Tancos onde vai permanecer até inícios do ano de 1972.
Durante esse período colabora na instrução de 14 “cursos de combate”. Passam-lhe “pelas mãos” centenas de paraquedistas.

Em Fevereiro de 1972 segue de novo para a Guiné em rendição individual. Foi substituir o Furriel Pires, de Setúbal, morto em combate. Cumpre uma comissão muita dura, que vai prolongar-se até 28 de Março de 1974. Integra muitas operações, passando por Guidage, integrado no 2.º Pelotão da Companhia 121, onde tiveram 4 mortos. Regressa à Metrópole a tempo de “apanhar” a Revolução de Abril.

Estava colocado em Tancos quando, em 25 de Abril, é chamado para integrar um grupo de paraquedistas que, entre várias operações, têm “responsabilidades” junto da sede da PIDE e na prisão de Caxias.

Encontra então nessa prisão um alto funcionário da Pide que tinha conhecido em Bissau durante a sua última comissão na Guiné. Segue depois para a segurança do Aeroporto de Lisboa, onde está em serviço durante algumas semanas.

Mais um regresso a Tancos e, passado algum tempo, é chamado para próximo do General António Spínola.

Presta serviço na Presidência da República de 1974 a 1977. Em 1979 faz o Curso de Sargento-Chefe e é colocado em Monsanto. Passa à reforma em Fevereiro de 1988.

E, à distância no tempo, o que mais o marcou nas suas 2 comissões na Guiné!?

Em relação à primeira comissão ainda hoje recorda as más condições da sua estadia inicial em Bissau.

Foram 29 dias a dormir no chão debaixo de um alpendre com telhado de zinco. Foi um período em que quase deu em doido e que lhe valeram 10 dias de prisão… «Um cabo de serviço embirrou comigo, saltou-me a “tampa” e ofendi-lhe a mãe».
A “porrada” foi despenalizada mas não deixou de a apanhar.

«Depois a vida dá muitas voltas e um dia, durante uma operação no mato, tive que o carregar às costas.»

Depois, em Janeiro de 1964, fez parte do pelotão de paraquedistas que integrou os mais de 1000 homens que fizeram parte do contingente da Operação Tridente, para a recuperação da soberania da Ilha do Como, ocupada pelo PAIGC desde 1963.

Foram dias muito duros. À distância no tempo recorda um momento para o qual ainda hoje - tantos anos passados - ainda não encontra uma “boa explicação”. Já estava no Como há 2 ou 3 dias quando integrou uma “coluna” para entrar no “mato”.
Com a floresta à vista - deslocavam-se “em bicha de pirilau em cima do “separador” da bolanha - e as uns 30 metros da mata ouviu um barulho suspeito. «Era o 4.º da fila e vi um “vigia” deles saltar de uma árvore. Logo a seguir aparece um tipo, fardado de caqui, que nos faz um sinal de “alto”.» Logo após o salto do “vigia” ficámos no chão e pedimos pela rádio apoio de fogo de morteiro. O inimigo desapareceu e as nossas tropas recuaram.

Que quis dizer aquele gesto de “alto” !?
Não quiseram fazer fogo, não queriam guerra? Tinham a “surpresa” do lado deles e não a aproveitaram. Ainda hoje, 48 anos passados, a cena não se apagou da “sua cabeça” e o enigma mantém-se.

Em relação à “Operação Tridente” não se pronuncia pois a sua crónica está contada e ao tempo - não teve tempo nem espaço, nem informação - que valha a pena acrescentar mais alguma coisa ao que está escrito e …já passou à história.

Quanto à segunda comissão, que como já foi referido cumpriu em rendição individual, prolongou-se de Fevereiro de 1972 até 28 de Março de 1974.

Das muitas operações em que esteve envolvido recorda especialmente a invasão do Cantanhez. «A minha Companhia estava em Teixeira Pinto e veio para Bissau para preparar a operação. Na data prevista fomos hélio-transportados até à orla da Mata do Cantanhez. Fui o primeiro militar do primeiro “heli” a saltar. Era então 2.º Sargento e o meu chefe directo era o Alferes Silva, que é hoje Coronel. A nossa missão consistia em limpar a área para se montar um aquartelamento. Estivemos vários dias na zona e fomos atacados durante uma noite. Ao fim de 3 dias o “Caco Baldé” aparece lá e vai falar com o Comandante de Companhia, o Capitão Augusto Martins, que chegou a General.»

Mandaram-me chamar ao Comando porque o General Spínola queria conhecer a mata. «Foi comigo e fomos sempre a falar. No final da visita deu-me os seus parabéns e disse-me que tinha gostado de me conhecer.»
«Foi para mim um dia e uma ocasião muito especial. Que não mais esqueci.»

Ficámos um mês no Cantanhez. Tempos depois, numa operação na zona de Bambadinca, fomos sobrevoados por um helicóptero.
Para meu espanto o “héli” baixou e veio aterrar perto dos meus homens.

O “Caco” vinha a bordo e, quando me aproximei, perguntou-me se estava tudo bem e se era preciso alguma coisa. Reagi de imediato e pedi-lhe: «Meu General vá-se embora, que me dá cabo da operação.»
- Se precisares de alguma coisa chama. Acenou-me com o bengali e o “héli”afastou-se.
 «Nunca mais esqueci o momento».

«Deixo para o fim a recordação de uma ocasião muito dolorosa e marcante.
Um dos meus homens – o 1.º Cabo Melo – ganhou o Prémio Governador da Guiné e teve direito a um período de férias no Continente. Podia ter vindo para Bissau para apanhar o avião para Lisboa mas fez questão de entrar numa operação comigo, porque sabia que fazia falta. Nessa operação foi morto em combate. Em Junho de 1973. 
Foi o maior desgosto da minha vida de militar. Andei 8 dias bêbado.»

À distância no tempo… o Avô da Matilde emociona-se e cala-se.
Mais tarde diz-me que lhe fez bem falar.


Daqui para a frente sempre que for a São Martinho do Porto vou tocar à campainha do apartamento do Sargento-Chefe Carlos Ferreira. Um vizinho especial.

JERO
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 – P9045: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (39): O 1º Cabo Cond Auto/ Rádio VELEZ

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9911: Os nossos seres, saberes e lazeres (44): Saltar de pára-quedas, um sonho realizado depois dos sessenta... agora sozinho (Paulo Santiago)

VOANDO... AGORA SOZINHO

Ficou o "bichinho" do Paraquedismo após o salto tandem, efectuado há dois meses, e aqui relatado*.
Hoje concluí, com quatro saltos, o Curso de Paraquedismo (abertura automática).
Senti-me bem... algo rejuvenescido.

Paulo Santiago


O Sargento Pára Avelino Cruz dá as instruções

A caminho da aeronave

Instalado no avião

Voando

Aproxima-se a aterragem

Aterragem




Comentário de CV:
Comentário para quê?
Qual o limite do nosso camarada Paulo Santiago?

Fotos: Victor Tavares © 
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9599: Os nossos seres, saberes e lazeres (41): Saltar de pára-quedas, um sonho realizado depois dos sessenta (Paulo Santiago)

Vd. último poste da série de 16 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9616: Os nossos seres, saberes e lazeres (43): João Crisóstomo, um português das Américas..., mas também de Torres Vedras, de Porto Gole e do Enxalé... (Eurico Mendes, Portuguese Times, 9 de fevereiro de 2011)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
Estou seguro que “Bordo de Ataque” vai aguçar a curiosidade de muita gente.
O General Abecasis faz um relato minucioso da sua presença na Guiné, impressiona pelo seu desassombro e cativa pelo acervo de informação que disponibiliza, é o olhar da Força Aérea a complementar os meios terrestres e navais. Reconhece logo em 1963 que a guerrilha estava muito bem organizada e dispunha de um líder de mentalidade superior. Não esconde quezílias entre as diferentes armas, considera que Schulz esteve à altura dos desafios e é fortemente crítico da conceção da guerra na retaguarda. Confesso que me surpreende como estas memórias não fazem parte da bibliografia principal da guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


Bordo de ataque: memórias de um oficial general da Força Aérea (1)

Beja Santos

São quase 900 páginas de memórias em dois volumes ("Bordo de ataque, memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a história", Coimbra Editora, 1985). José Kruz Abecasis é nome proeminente da Força Aérea, onde deixou um incontornável contributo. A Guiné foi-lhe familiar, sobretudo na década de 60.

No seu primeiro volume de memórias, a Guiné em guerra aparece na página 370 no seguinte contexto: “Durante o período em que exerci as funções de adjunto do comandante da 1ª Região Aérea, o General Resende incumbiu-me de visitar a zona aérea de Cabo Verde e Guiné. Entre 4 e 21 de Agosto de 1963 desempenhei-me desta missão, com vista a uma avaliação objetiva da situação militar e da colaboração prestada pela Força Aérea às Unidades de superfície”. Reuniu com o Governador, Comandante Vasco Rodrigues, e com o Comandante-Chefe, Brigadeiro Louro de Sousa. Cedo inferiu que o inimigo na Guiné era aguerrido e instruído e que o teatro de operações em nada tinha de comum com o de Angola, de onde regressara poucos meses antes. Na altura, já havia aviões abatidos, o Sargento Lobato fora capturado, e o Capitão Rebelo Valente morrera em combate, no Morés. Escreve que as forças portuguesas contavam com um grave desaire a partir do momento em que a operação da ilha do Como não tivera os resultados esperados. Transcrevo: “Nas visitas efetuadas às Unidades aquarteladas em pontos mais excêntricos e vulneráveis à ação do inimigo, tais como Bedanda e Catió, no Sul, e S. Domingos, no Noroeste da província, colhia-se a iniludível certeza do baixo moral que prevalecia nas nossas tropas”.

Descreve os reduzidos meios existentes e os atritos entre o Comandante da Zona Aérea e o Comandante da Base Operacional. Finaliza este apontamento acerca da sua missão de inspeção dizendo: “Na Guiné o inimigo era determinado e dinâmico, ousado e confiante, não descurando uma eficaz ação política externa e um esquema de organização social que, nem por ser uma miragem, deixava de ter impacto ideológico. Entre as nossas forças armadas e tanto nos comandos superiores como no âmbito da própria Força Aérea respirava-se uma atmosfera de tensões e choque entre oficiais que se hostilizavam. A guerra da Guiné poderia tornar-se no problema mais difícil das campanhas do Ultramar Português”.

Um episódio passado em Março de 1964 na Guiné é a rememoração seguinte. Tinha morrido o Alferes Piloto-Aviador Madureira Nobre e o seu corpo fora trasladado para Matosinhos. No percurso transitou pela Base Aérea 5 a ambulância com a urna, para se reabastecer de combustível, ele veio a saber que não lhe tinham sido prestados honras militares e criticou o procedimento, dirigindo-se ao Comandante da 1ª Região Aérea, lamentando a ocorrência não se ter prestado a devida manifestação de pesar por um camarada morto em combate.

Em Julho de 1965, Krus Abecasis partiu para a Guiné com as funções de Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné e de Comandante da Base Aérea 12. Comenta assim: “Tão grave quanto insensata decisão fora tomada pelo Estado-Maior da Força Aérea que assim procurava, de forma simplista, contornar dificuldades da vida de relação entre oficiais. Mais uma vez se nos deparava a triste sina nacional da incapacidade de análise de experiências passadas que tão caro tinham sido pagas pelo país”. Ficamos igualmente a saber que ele classifica como incompetentes os sucessivos Comandantes da Zona Aérea anteriores, sem qualquer passado de fileira ao nível de Esquadrilha, Esquadra ou Grupo Operacional, e que, ignorantes, eram nomeados para funções que não conseguiam exercer.

O segundo volume tem largas referências às funções que exerceu como Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, a partir de 1965. Faz uma descrição da presença do inimigo, porventura mal informado, dá ênfase às forças da FLING, na altura inoperantes, já não passava de um simples lóbi em Dakar. Refere detalhadamente o dispositivo das nossas forças, tanto os efetivos terrestres como os navais e os aéreos. Gostou da condução que Arnaldo Schulz imprimia ao relacionamento interarmas. Apercebendo-se de que a tropa paraquedista vivia em compartimentos tanque e alimentava ostensivo elitismo, tomou as medidas mais convenientes. Desdobra-se em referências às atividades da Força Aérea e só a este nível o seu levantamento é complementar ao escreveu Hélio Felgas para o Exército e Sanches de Baêna para os Fuzileiros. No início de 1965 passava ao topo das prioridades estancar as infiltrações inimigas sobre Mansoa e Nhacra; mas o Sul era a grande inquietação, havia necessidade de encontrar meios aéreos para travar a presença civil e militar do inimigo, daí a chegada de novos aviões, sobretudo helicópteros. O Major-General Abecasis guardou inúmeras recordações, uma delas é mais do que uma mera curiosidade. Um cientista e sacerdote francês, René de Naurois, famoso ornitólogo, apresentou-se na Guiné para completar um estudo das espécies de aves existentes na região, nomeadamente algumas que sabia existirem em ilhas arenosas dos Bijagós e na ilha do Como. O oficial levou o cientista num DO, baixou o nível de voo para cerca de um metro de água rumo à ilha do Como, esta aproximação rasante era a única proteção que tinham, as forças do PAIGC eram apanhadas de surpresa e não podiam pôr a funcionar as suas antiaéreas. E René de Naurois pôde confirmar a presença no Como dos Pelecanus Rufescens. As antiaéreas no Sul eram igualmente um armamento que se pretendia neutralizar, havia já aviões alvejados e temia-se o pior. Em Dezembro de 1965 foi preparada a Operação “Resgate” destinada a garantir a liberdade de ação nos céus da Guiné, pondo o Cantanhez a ferro e fogo. Durante três dias consecutivos foram largadas bombas, primeiro em Cafine e depois sobre toda a área Cafine-Santa Clara-Catesse. Madina do Boé permanentemente fustigada, os ataques a Bachile, destacamento português na ilha do Como, são outras referências quanto à intervenção da Força Aérea no referido período.

Com o intuito de se apurar os resultados práticos da Operação “Resgate”, foi desencadeada a Operação “Safari” que, no entender deste General, redundou numa vergonhosa debandada das nossas forças mal o Capitão Carvalho Araújo ter ficado gravemente ferido, depois de um comportamento galhardo e valente.

Arnaldo Schulz, no início de 1966 dá conta aos seus diretos colaboradores que a situação no Sul se tem vindo a agravar, escrevendo mesmo: “Se excetuarmos a região de Bolama, os Bijagós, a zona de Aldeia Formosa-Contabane, as áreas de irradiação imediata dos principais aquartelamentos – Tite, Empada, Buba, Bedanda, Catió, Cufar, Cabedú e a linha fronteiriça Gadamael-Cameconde, os grupos IN encontram-se um pouco por toda a parte”. Reconhecia-se não haver meios para afastar o inimigo do Cantanhez. Entretanto chegaram novos helicópteros Alouette III, mas não havia ilusões que os meios continuam a ser insuficientes. É neste contexto que o novo Comandante da Companhia de Paraquedistas, Capitão Tinoco de Faria, executou brilhantemente a Operação “Relâmpago”.

(Continua)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9376: Notas de leitura (324): Passadas, recordações de um aluno do Liceu Honório Barreto, de António Estácio (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8981: Antologia (74): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (7): Ilha do Como, s/d [Março de 1964]






1. Continuação da publicação de Tarrafo:  crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., ed. de autor, Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 79-82. (*)... Este é o penúltimo episódio relativo à Op Tridente. 


Cortesia do autor. Esta edição foi retirada do mercado, na época, e está esgotada.




Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como >  Op Tridente > Jan/Mar 1964 >  Foto publicada na 2ª edição de Tarrafo (Braga, Pax Editora, 1970), em anexo, com a seguinte legenda: "21. Apesar do perigo, o soldado fuma, quase indiferente e ri ao canto do lábio". [A foto pode não ter sido tirada no Como, só o autor poderia esclarecer, mas para o caso não é relevante]


Foto: © Armor Pires Mota (1970-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

____________

Nota do editor:


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7853: Agenda cultural (110): Apresentação do livro "A Última Missão", do Cor Moura Calheiros - 26 Fevereiro, Livraria Arquivo, Leiria


1. A Sra. Paula Carvalho da Livraria Arquivo, enviou-nos o seguinte convite em 23 de Fevereiro de 2011:

Apresentação do livro "A Última Missão", do Coronel Moura Calheiros, 26 de Fevereiro - sábado -, 18h30
Exmos. Senhores,
Junto enviamos a informação para a qual desde já agradecemos toda a divulgação que vos seja possível fazer.
Com os melhores cumprimentos,
Paula Carvalho

A Livraria Arquivo, em Leiria, tem o prazer de convidar V.ª Ex.ª para a apresentação do livro "A Última Missão", de José de Moura Calheiros.
A apresentação do livro estará a cargo de Jorge Martins.



26 de Fevereiro - sábado - 18h30

Veja aqui entrevista com o autor:

http://www.tvamadora.com/Video.aspx?videoid=1070


ACERCA DO AUTOR:

José Alberto de Moura Calheiros nasceu em 1936, na aldeia do Peso, Covilhã.

Frequentou o Curso de Infantaria da Escola do Exército (1954-1958).

Admitido nas Tropas Pára-Quedistas em 1959, aí passou toda a sua vida militar.

Cumpriu três comissões de serviço no Ultramar - Angola (1963-1965) e Moçambique (1967-1969) como comandante de Companhia de Pára-quedistas e Guiné (1071-1973) como 2.º Comandante e Oficial de Operações do BCP12, COp4 e COP5 e ainda como comandante do COP3.

Em Tancos, foi Comandante do Batalhão de Instrução, Comandante do Regimento de Caçadores Pára-quedistas e Comandante da Escola de Tropas Pára-quedistas.

Nos seu quatros últimos anos de actividade como militar (1977-1981) desempenhou funções de Chefe do Estado-Maior do Corpo de Tropas Pára-quedistas.

Passou à situação de Reserva em Fevereiro de 1981.

Licenciado em Finanças pelo ISCEF - Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, passou então a desempenhar funções de técnico economista no Ministério da Indústria, IPE - Instituto de participações do Estado e na direcção financeira de empresas.

Hoje está reformado e afastado de qualquer actividade profissional.

ACERCA DO LIVRO:

Em 1973 o autor, José Moura Calheiros, prestava serviço no Batalhão de Caçadores Pára-quedistas 21, de Bissalanca (Guiné).

Em 23 de Maio desse ano, numa operação por si comandada e tendo como missão atingir e reforçar a guarnição de Guidage, cercada pelo PAIGC, a Companhia de Caçadores Pára-quedistas 121 sofreu quatro mortos, dos quais três tiveram que ser inumados num cemitério localizado na cerca do aquartelamento daquela localidade.

Trinta e cinco anos depois, em Março de 2008, o autor regressa à Guiné integrado numa Missão da Liga dos Combatentes destinada a exumar, em Guidage, os cadáveres daqueles três militares pára-quedistas e de outros sete do Exército.

No livro o autor conta-nos toda a problemática relacionada com a expedição: os antecedentes, a preparação e o seu desenrolar, Simultaneamente descreve o ambiente da Guiné de hoje comparando-o com o do tempo da guerra; os usos, costumes e religiões da região de Farim e Guidage; o sentimento da população em relação ao antigo colonizador; as mágoas dos guineenses antigos militares portugueses por Portugal os ter enganado e abandonado; conversas com velhos guerrilheiros.

Ao longo da missão ocorrem situações que lhe fazem recordar o passado, o tempo da guerra. Nestes momentos de rebuscar das memórias “assistimos” à evolução da guerra, bem como à do pensamento do autor sobre ela. Pela ordem temporal das sucessivas comissões, ele descreve e caracteriza os três Teatros de Operações: a primeira comissão em Angola, a segunda comissão em Moçambique e a terceira comissão na Guiné.

Neste livro, o leitor pode identificar-se com a forma como actuavam os pára-quedistas, bem como conhecer os sentimentos de que eles eram possuídos antes, durante e depois dos combates. E também como actuavam e eram coordenados os seus apoios de combate: os Fiat´s, o PCA, os helicópteros de manobra ou sanitários, os heli-canhões, as lanchas de desembarque, a artilharia, todos eles indispensáveis ao seu sucesso e segurança.

Para além dos sentimentos dos militares durante as operações, o livro descreve-nos também os dos seus Comandantes em algumas das situações mais críticas, responsáveis como são pelo cumprimento das missões, mas também pela vida dos seus subordinados. Este livro é, em grande parte, sobre os sentimentos dos combatentes na guerra do Ultramar, de cada um individualmente e também colectivamente; dos soldados e também dos comandantes nas suas angústias, dúvidas e responsabilidades, enquanto chefes e homens.

Livraria Arquivo
Av. Combatentes da Grande Guerra, 53, 2400 -123 Leiria
Telf. 244 822 225 fax. 244 828 091
De segunda a sábado: 10h00-20h30

Domingos e feriados: 14h30-19h30
____________

Nota de M.R.:

Vd. o último poste desta série em:

15 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7790: Agenda cultural (109): Lançamento hoje, às 15h00, em Oeiras, o livro Kinda e outras histórias de uma guerra esquecida, de Carlos Acabado, colecção "Fim do Império"

terça-feira, 29 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)

1. Texto do ex-1º cabo paraquedista Victor Tavares , do BCP 12 / CCP 121 (1972/74) (1)


OPERAÇÃO MURALHA QUIMÉRICA

Acção desenrolada entre 27 de Março e 8 de Abril de 1972, no sul da Guiné (Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael).

Esta operação, na qual participaram as CCP 121, 122, 123 e outras forças, com resultados excelentes, nas zonas operacionais de Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael Porto, foi uma das muitas operações importantes em que intervieram os Paraquedistas do BCP 12 durante o ano de 1972.


Zona de acção: uma 'zona libertada' do PAIGC

A zona de acção situava-se numa região que o PAIGC considerava libertada e onde os guerrilheiros se movimentavam com relativo à-vontade conforme se viria a constatar.

O rio Balana separava o corredor de Guileje, que se estendia a sul entre a fronteira e ia até Salancaur Jate. A outra, a norte do mesmo rio, onde se movimentavam os grandes efectivos do Primeiro Corpo do Exército do PAIGC e que se incluía no troço do corredor de Missirá.

Para esta operação, além das Companhias de Paraquedistas, também fizeram parte duas Companhias de Comandos Africanos assim como duas Companhias do Exército, as CCAÇ 3399 e 3477, mais a CCAÇ 18 além de um grupo especial do COE. Todas estas forças estavam sob o comando do Tenente-Coronel Paraquedista Araújo e Sá, Comandante do BCP 12, tendo como adjunto o Cap Paraquedista Nuno Mira Vaz.

Todas estas forças estavam organizadas em vários agrupamentos operacionais.

A Operação iniciou-se no dia 27 com o deslocamento de parte dos efectivos a serem colocados por via aérea em Aldeia Formosa e Gadamael Porto, para no dia seguinte serem lançadas várias acções simultâneas na região.

Logo após a helicolocação de dois Grupos de Combate de Parquedistas, estes detectaram um grupo de guerrilheiros com quem tiveram um forte contacto, causando-lhe dois mortos e a captura de 1 Kalashnikov e de 1 LGF-RPG 7 assim como vários carregadores e 4 granadas de RPG 7.

Horas mais tarde este mesmo Agrupamento teve contacto com outro grupo IN, abatendo um dos seus elementos, capturando 1 Metralhadora ligeira Degtyarev e provocando alguns feridos conforme se veio a confirmar pelos vários rastos de sangue existentes no local das suas posições.


10 guerrilheiros e 4 civis mortos na sequência dos bombardeamentos dos Fiat


Entretanto os Paraquedistas que compunham este Agrupamento, vieram a emboscar durante a noite num local perto de uma picada e de uma zona bombardeada pela nossa aviação.

Manhã cedo, 5 horas e pouco, foi levantada a emboscada, seguindo a direcção do local bombardeado na véspera pelos Fiat 91. Nesse local detectámos um acampamento IN, parcialmente destruido. No seu interior encontravam-se 10 guerrilheiros do PAIGC mortos, todos fardados, e 4 civis da população.

O bombardeamento do dia anterior tinha sido feito com grande precisão e rapidez, não dando possibilidade de se protegerem nos vários abrigos subterrâneos que os mesmos aí dispunham.

Passada revista ao aldeamento foi apreendido o seguinte material de guerra,:

  • 1 canhão SB-10, com o respectivo aparelho de pontaria;
  • 1 morteiro 82 completo;
  • 1 bipé de morteiro 82; 
  • 1 espingarda semiautomática Simonov;
  • 1 pistola metralhadora PPSH; 5 granadas de LGF-RPG 7;
  • 4 granadas de LGF-RPG 2:
  • além de várias peças de fardamento e muitas munições de vários calibres.

Durante a revista, um grupo de guerrilheiros atacou as nossas forças, que prontamente responderam pondo-os em debandada e provocando-lhe mais 1 morto e a perda de 1 Kalashnicov.

No mesmo dia por volta das 14 horas este agrupamento foi visitado na zona de acção pelo Comandante Chefe [gen Spínola].


A actuação dos Comandos Africanos


A 1 de abril [de 1972] outro Agrupamento, formado por três Grupos de Combate de uma das Companhias de Comandos Africanos, detectou um grupo inimigo estimado em cerca de 35 elementos, que se deslocava em direcção à fronteira.

Foi então movida a perseguição, vindo a ter um forte contacto de cerca de 15 minutos, causando-lhe 4 mortos e a apreensão de 2 Kalashnikov assim como vários equipamentos destes elementos abatidos.

Por sua vez outro Agrupamento, este constituído por 2 Grupos de Combate também de uma das Companhias de Comandos Africanos, quando nesse mesmo dia procedia a evacuação de um militar doente, foi atacado por um grupo da força inimiga que, fazendo largo uso de morteiros e LGF-RPG 2 e 7, lhes veio a provocar 1 morto e 5 feridos, embora durante a reacção das nossas tropas os guerrilheiros do PAIGC tenham sofrido 3 mortos e vários feridos e perdido os equipamentos destes.

A 3 de Abril o Agrupamento Onça 0, formado por dois Grupos de Combate da CCP 122, detectou um acampamento na Região do Xitole, onde recolheu 4 granadas de canhão s/recuo e 12 granadas de RPG 2.

Continuada a batida, foi encontrada na zona do Corredor de Missirá, outro acampamento IN, este já abandonado à pressa, onde foram encontradas 5 granadas de RPG 2, 1 carabina Zbrojovska, além de 30 mochilas contendo artigos de fardamento e munições em grandes quantidades.

Foi ainda este Agrupamento que no dia 5 de Abril detectou outro acampamento do PAIGC na região de Guileje, onde foram apreendidas 22 granadas de morteiro 82, 3 de RPG 7 assim como diversos equipamentos com munições.

No dia 8 de Abril foi dada como terminada esta Operação, alcançando os seus principais objectivos, neutralizando a organização que o PAIGC tinha naquela região, pelo menos durante algum tempo, o que viria a acontecer, até porque o PAIGC já possuía algumas estruturas, tais como um hospital e uma Loja do Povo, destruídos pelas nossas tropas na região de Guileje.

Este cenário veio entretanto a ser alterado, porque as forças de guerrilha do PAIGC acabaram por se reorganizar e, passados alguns meses, estavam com uma dinâmica operacional incrível, bastará recordar o que se passou em Guileje e Gadamael um ano depois. Nnguém que passou por aquele sector operacional esquecerá o inferno porque passou...


Balanço das perdas do PAIGC

Nesta grande Operação as Tropas Paraquedistas tinham obtido os seguintes resultados totais: 30 mortos, 17 guerrilheiros feridos e capturados, além de muitos feridos causados durante os vários contactos tidos, capturando também o seguinte material:

1 canhão s/recuo B-10,
1 morteiro 82 completo,
2 metralhadora ligeira Degtyarev,
4 espingardas automáticas Kalashnikov,
2 espingardas semiautomáticas Simonov,
1 espingarda Mauser,
2 pistolas-metralhadoras PPSH (costureirinhas),
1 carabina Zbrojovska,
5 granadas de mão defensivas,
24 granadas de morteiro 82,
22 granadas de RPG 2,
14 granadas de RPG 7,
6 granadas de canhão s/recuo,
2 cunhetes de munições 7,62,
além de muito fardamento e equipamento militar.

Por seu lado a CCP 121 sofreu 2 feridos provocados pela explosão de uma granada da nossa artilharia que rebentou a boca do cano.

Quanto às restantes forças que participaram nesta operação, os Comandos Africanos tiveram 1 morto e 7 feridos.


Louvor ao Batalhão de Paraquedistas 12

O Comandante Operacional das Forças Terrestres Tenente-Coronel Paraquedista Araújo e Sá, no Relatório de Operações, fez uma destacada citação às tropas participantes não pertencentes ao BCP 12, designadamente às duas Companhias de Comandos Africanos e às Companhias de Caçadores 3477, 3399 e CCAÇ 18 pelo seu espírito de missão, assim como aos Pilotos da Força Aérea com saliência para o Alferes Trindade Mota, Piloto de Helicanhão.

Também relacionado com a Op Muralha Quimérica, o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné concedeu ao Batalhão de Paraquedistas um Louvor que relevava a forma valorosa como, uma vez mais, as Tropas Paraquedistas do BCP 12 se tinham batido neste Teatro de Operações.(2)

Findo este período as nossas forças regressaram em LDG ao BCP 12 para retemperar forças e preparar-se para novas missões.

Victor Tavares


______________

Notas de L.G.

(1) Vd. posts do Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)(3)

18 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1610: Ao meu pai, Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 (Osvaldo Tavares)

8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)(4)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

(2) Vd. poste  de  26 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19623: (In)citações (127): A Comissão Especial da ONU e outros embustes… (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

quinta-feira, 22 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)

Mensagem do editor do blogue (L.G.):

Amigos e camaradas:

(i) Acabámos de ver a reportagem da TVI – Última Missão -, com o nosso camarada Victor Tavares a entrar pela nossa casa dentro, as emoções contidas, a mesma coragem física de sempre, o mesmo sentido de camaradagem, a mesma dignidade humana...

Ele mostrou-nos os desolados restos do quartel de Binta, a picada até à bolanha do Cufeu, de trágicas memórias para alguns de nós, a fantasmagórica Guidaje e, por fim, o cemitério onde ficaram, para trás, o Peixoto, o Lourenço e o Victoriano ....

Nós sabemos que há outros camaradas, guineenses e portugueses, que lá ficaram, e de que não se falou na reportagem... Os actores têm sempre uma visão parcelar dos acontecimentso em que participam... O objectivo não era, aliás, esse, mas sim o de recuperar simbolicamente a memória dos ‘camaradas que nunca se deixam para trás’... A memória, logo a humanidade...

Para o Victor foi recuar a 23 de Maio de 1973, e pela enésima vez reconstituir, dolorosamente, essa terrível emboscada de 45 minutos, na bolanha do Cufeu, e voltar a levar os cadáveres do Lourenço e do Victoriano até Guidaje, cerrar os dentes, remuniciar a MG-42, romper o cerco a Guidaje, assistir aos últimos minutos de vida do Peixoto, metido numa vala, confortá-lo no último minuto e dar-lhe a ele e aos outros dois a sepultura minimamente condigna que as terríveis circunstâncias permitiam... Releiam agora, com tempo e vagar, o relato desses trágicos dias escrito pelo Victor, no nosso blogue (1)...

Ao vermos estas imagens, o que dói é não termos tido tempo para trazer os seus (e os de todos os outros) restos mortais, antes da troca de poderes entre a merópole e a colónia, entre Portugal e a nova Guiné-Bissau... O que dói é o silêncio, o abandono, a demissão, o esquecimento, o desprezo, a ignorância, o branqueamento, o faz-de-conta, o cinismo, o oportunismo... O que dói é sobretudo o facto de eles lá terem ficado (e continuarem) enterrados no perímetro do aquartelamento de Guidaje desde há 34 anos... sem nós podermos fazer o luto... O seu luto e o de tantos outros camaradas, espalhados por centenas de cantos da Guiné... Nós não fizemos o luto dos nossos mortos da Guiné, individual e colectivamente, estamos agora a fazê-lo... Um luto que hoje só pode ser patológico...

Enfim, amigos e camararadas, Binta, Cufeu, Guidaje ... hoje deram-nos a volta ao estômago, mexeram connosco, baralharam-nos as emoções... A nós e aos familiares do Peixoto, do Lourenço e do Victoriano... Seguramente, a muitos milhares de portugueses e de portuguesas que estiveram a ver a reportagem... A irmã de um deles disse, com as lágrimas na cara: “Cemitério ? Aquilo é um campo de milho, e o pobre do meu irmão lá ficou enterrado com um cão”...

Fico feliz, em todo o caso, pelo Victor que aceitou correr mais este risco, até físico... Mas foi sobretudo o risco de se expor, o risco de ver as suas emoções e sentimentos mediatizados, explorados comercialmente, transformados em espectáculo, audiometrados ... Eu, se calhar, não teria a sua coragem, física e moral... De qualquer modo, acho que a reportagem foi feita com profissionalismo, com ética, com dignidade... Parabéns também à equipa do jornalista e escritor Jorge Araújo e à TVI.

O Victor pôde, também, cumprir a sua missão, a sua última missão, ele que foi, é e continuará a ser sempre um grande e forte paraquedista, de corpo, alma e coração... E aquele campo de batalha, hoje um miserável milheiral, seco – estamos na época seca -, ganhou côr, vida, humanidade: foi um momento tocante quando o Victor se encaminhou, com um antigo e velho soldado guineense, da massacrada CCAÇ 19 - exemplo vivo do miserável abandono dos nossos soldados africanos - afixou, no chão, que serviu de última morada aos seus três camaradas paraquedistas, as respectivas fotografias que a câmara do Ricardo Ferreira nos dá em grande plano ... E falou com eles e manifestou o desejo – a sua crença – de um dia os encontrar algures, “não sei bem onde”...

(ii) Quem viu a reportagem da TVI, ficou sensibilizado.... O José Casimiro Carvalho acaba-mo de dizer: “Vi a reportagem e soltaram-se-me lágrimas com 34 anos. Terrível. Eu SEI o que foi ISTO”.

O Torcato Mendonça, outro homem de sensibilidade e solidariedade, também acabou de me mandar uma mensagem tocante:

“Luís: há gotas de água que são tsunamis. Tenho alguma dificuldade em escrever, em dizer o que sinto, em ver a merda das letras no nevoeiro dos óculos. Tive que esperar um pouco, depois de ver a reportagem e não paro agora. Só para te dizer que tem que ser feito algo. Não são só os paraquedistas que não deixam ninguém para trás. É irrelevante agora. Todos nós temos o dever de contribuir para o regresso dos militares que se encontram assim sepultados. TODOS TÊM QUE REGRESSAR.

“Parece, por vezes, estarmos envergonhados com a colonização, a descolonização, a guerra. Parece estarmos a pedir desculpas …Nós, ex-combatentes…nós?...porquê? Depois aparece uma simples carta de condução… ai Jesus!… Compreendo…nesta perca de valores, nesta quebra de auto-estima, neste País que se envolve em discussões sobre o maior ou melhor português… enfim, não vamos mais além.

O Blogue, esta tertúlia, estes camaradas de certeza que ficaram como eu – apertados e revoltados – talvez a recuar no tempo, a sentir a adrenalina a subir… a velhice a desaparecer… a raiva a vir e, a mim pelo menos, o desejo de voltar e…é melhor acalmar! Caneco, eu? Chega de palhaçada. Temos o direito a ser respeitados. Humilhados e ofendidos, já o fomos demais.

“O Victor Tavares merece um abraço, um obrigado, extensível ao Rebocho e ao Oficial Pára cujo nome me esqueci. Também aos Jornalistas, para que continuem. Um voto que isto seja o tiro de partida para que um dia TODOS regressem… É que nós contamos as nossas memórias, a história será feita posteriormente com ou sem esse contributo. Há no entanto feridas não fechadas. Ou as fechamos nós, de preferência de ambos os lados, ou ficará uma mancha na memória deste (s) Povo (s).

“Envio isto ou não? Abri, não vou reler e mando-te. Convicto que me posso ter excedido mas consciente que tem que ser feito algo.

“Dói-me demais a cabeça. Se entrares em contacto com o Victor Tavares dá-lhe um abraço de um ex-combatente… Tens muito em que pensar, mais uma… Têm que voltar… e mais não digo.

“Boa noite, Luís Graça e, através de ti, deste teu espaço na Net, deixa-me abraçar todos, independentemente da cor ou da etnia -para mim raça só a humana – que por lá passaram, tenham ou não regressado… Um abraço”...

(iii) Boa noite, Lourenço, Peixoto, Victoriano... Boa noite, Victor, boa noite Jorge Araújo, boa noite Ricardo Ferreira... Boa noite, Casimiro Carvalho, Torcato... Boa noite, camaradas... Boa noite, amigos... Boa noite, tertúlia... Boa noite, Portugal... Boa noite, Guiné...
_____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

terça-feira, 20 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)


Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Maio de 1973 > BCP 12/ CCP 121 > O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares, com a sua a MG sempre pronta a entrar em acção (1).

Foto: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados.

Mensagem do Victor Tavares (2):

Estimado Amigo Luís.

Peço imensa desculpa por ainda não ter dado sinais de vida, depois do meu regresso de Guidaje (3).

Tenho-te a dizer que correu tudo bem. Alcancei o que pretendíamos, localizei sem problemas o cemitério (4) e fizemos o percurso Farim-Binta e Binta-Genicó-Cufeu-Ujeque-Guidaje umas vezes pela picada, outras fora dela para fazer as filmagens nos locais dos incidentes.

Corremos alguns riscos mas tive que os correr para que essa reportagem tenha justificação de existir e que penso vai ser interessante. O jornalista Jorge Araújo e o camaraman Ricardo Ferreira são dois profissionais espectaculares. Irás ver o trabalho desenvolvido brevemente (na TVI) (2).

Luís, a coisas que se passaram, depois mais tarde te contarei. Esta viagem foi de grandes emoções que, para mim, são difíceis de descrever. O objectivo penso ter sido conseguido, daqui prá frente veremos o efeito . Um grande abraço.

Victor Tavares

N.B. - A picada agora existente não era a da altura dos incidentes de 23 de Maio de 73 (3). Essa ainda é referenciável em alguns locais, como comfirmei.

_________

Notas de L.G.:

(1) Sbre o armamento usado pelos nossos paraquedistas, e em especial a MG-42, vd. sítio Boinas Verdes de Portugal

(2) Ex-1º cabo paraquedista Victor Tavares, do BCP 12 / CCP 121 (1972/74). Vd. último post, de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(3) Vd. post de 8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)

(4) Vd. post de 21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)



25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

segunda-feira, 19 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

Guiné > Bissau > Av do Império > CCP 121 > Desfile no 10 de 1972


Guiné > Bissau > Bissalanca > 1972 > O ex-1º cabo paraquedista Victor Tavares, do BCP 12 / CCP 121 (1972/74).


Fotos e texto: © Victor Tavares (2007). Direitos reservados.


Gadamel Porto: outro infrno a sul


Depois de regressada do inferno de Guidaje (1), a CCP 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca, gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, lá chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

Foi então, logo na primeira abordagem da lancha, que me apercebi que na mesma estava um indivíduo que pela cara me pareceu familiar. No entanto, como o mesmo se encontrava vestido à civil - calções, camisa aos quadradinhos toda colorida e sandálias de plástico transparente - pensei ser porventura algum civil que andaria por ali no meio da tropa, o que seria natural e podia eu estar errado.

Depois de toda a tropa estar desembarcada, indicaram-nos o local onde iríamos ficar, num terreno frente ao quartel de Cacine. Instalámo-nos e de seguida fomos dar uma volta pelas redondezas, até que no regresso deparo com a mesma criatura sentada no cais com ar triste e pensativo, típico da pessoa a quem a vida não corre bem. Eu vinha acompanhado do paraquedista Vela, meu conterrâneo – e hoje meu compadre. Perguntei-lhe:
- Ouve lá, aquele tipo ali não é nosso conterrâneo? - Responde ele:
- Sei lá, pá, isto é só homens.

Gadamael ? Vocês vão lá morrer todos!


Por ali estivemos na conversa mais algum tempo, até que tomei a iniciativa de me dirigir ao fulano uma vez que ele continuava no mesmo sítio. Acercando-me dele perguntei-lhe:
-Diz-me lá, camarada, por acaso tu não és de Águeda ?
Responde-me ele:
- Sou. - e pergunta-me de seguida:
- E você não é de Recardães?

Digo-lhe que sim, cumprimentamo-nos e vai daí perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer, porque de militar não tinha nada. Respondeu-me que não sabia o que estava ali a fazer, de uma forma triste e ao mesmo tempo em tom desesperado e desanimado.

Entretanto com o desenrolar da conversa, ele perguntou o que estávamos ali a fazer, eu respondi que na madrugada seguinte íamos para Gadamael Porto…. Qual não é o meu espanto quando ele põe as mãos à cabeça, desesperado e desorientado, e me diz:
- Não vão, porque vocês morrem lá todos!

Tentei acalmá-lo, dizendo-lhe para estar descansado que nada de grave ia acontecer, pedi-lhe para me contar o que se passava, vai daí, começa ele a relatar o que tinha passado de Guileje e Gadamael até chegar a Cacine. Na verdade depois de o ouvir, não me restaram dúvidas que ele tinha mais do que sobejas razões para estar no estado psicológico aterrador em que se encontrava .


Os militares que abandonarm Guileje, foram tratado como desertores e traidores à Pátria

Entretanto, informa-me da sua situação militar daquele momento tal como a de outros camaradas que abandonaram Guileje. Neste grupo estava também outro meu conterrâneo, que o primeiro foi chamar, vindo este a confirmar tudo.

O que mais me chocou foi a forma desumana como estes militares foram tratados depois da sua chegada a Cacine, sendo considerados como desertores e cobardes, quando em meu entender, se alguém tinha que assumir a responsabilidade dessa situação, seriam os seus superiores e nunca por nunca os soldados.

Estes homens foram humilhados por muitos dos nossos superiores - que eram uns grandes heróis de secretária! -, foram proibidos de entrar no aquartelamento, não lhes davam alimentação, o que comiam era nas Tabancas junto com a população. As primeiras refeições quentes que já há longos dias não tomavam, foram feitas por estes dois homens juntamente com os paraquedistas, porque o solicitei junto do meu Comandante de Companhia, Capitão Paraquedista Almeida Martins – hoje tenente general na reserva - ao qual apresentei os dois camaradas do exército que lhe contaram tudo por que passaram.

Os dois desgraçados de Guileje eram meu conterrâneos: o Carlos e o Victor Correia

Solicitei ao meu comandante para eles fazerem as refeições junto com o nosso pessoal, prontificando-me eu a pagar as suas diárias se fosse necessário. Ele autorizou os mesmos a fazerem as refeições connosco enquanto não tivessem a sua situação resolvida e a nossa cozinha que dava apoio ao Bigrupo que estava de reserva, ali se mantivesse.

O meu comandante expôs o problema destes homens ao comandante do aquartelamento do exército, solicitando que o mesmo fosse resolvido com o máximo de brevidade uma vez que a situação não era nada dignificante para a instituição militar.

É de salientar que estes dois homens já não escreviam aos seus familiares há mais de um mês, porque não tinham nada com que o fazer. Fui eu que lhes dei aerogramas para o fazerem e os obriguei a escrever, porque o seu moral estava de rastos e a vida daqueles militares já não fazia sentido. Dormiam debaixo dos avançados das Tabancas enrolados em mantas de cor verde, não tendo mais nada para vestir a não ser o camuflado.

Estes meus dois conterrâneos que atrás refiro eram o Carlos (que infelizmente já faleceu, natural do lugar de Perrães, Oliveira do Bairro) e o Victor Correia (de Aguada de Baixo, Águeda, e que hoje sofre imenso de stress pós-traumático de guerra) )(2).

Depois Guileje sitiada e abandonada, O PAIGC virou-se para Gadamael

No dia seguinte mais uma missão estava destinada à Companhia de Caçadores Paraquedistas 121 [CCP 121]. Já se encontravam há vários dias as CCP 122 e 123, para fazer face à gravidade da situação criada pelas forças do PAIGC que, neste período do ano , entre Maio e Julho, tinha intensificado os ataques, tanto a aquartelamentos como a colunas.

Em Gadamael Porto a situação era cada vez mais complicada , uma vez que os militares do PAIGC já tinham tomado o destacamento de Guileje, após ataques contínuos de artilharia e flagelações de armas ligeiras, chegando mesmo a cercar o destacamento e mantendo a sua guarnição sitiada até à tomada de decisão de abandonar o destacamento por parte do seu Comandante, Coutinho de Lima (3), uma vez que não lhe restava outra alternativa. Não o fazendo correria o risco de as NT serem dizimados pelas forças atacantes que estavam decididas a tomar fde assalto o aquartelamento.

Os ataques geralmente partiam da Guiné Conacri. Após o abandono de Guileje por parte das nossas forças, os homens do PAIGC começaram a bombardear Gadamael Porto, concentrando toda a sua artilharia apontada a este destacamento com a intenção de o tomar de seguida.

No entanto este já se encontrava guarnecido pelas Companhias de Paraquedistas 122 e 123 e, a partir da data acima indicada. pela 121, as quais impediram tal intenção. Mesmo assim foram dias de grande azafama em termos operacionais aonde a segurança era nula. Várias vezes ao dia o destacamento era atacado e não falhavam um único tiro, tornou-se numa situação insuportável. As nossas tropas tinham mais segurança quando andavam fora do destacamento, em patrulhmentos. A nossa missão foi manter a segurança do destacamento, patrulhando e fazendo incursões até junto da fronteira onde o PAIGC tinha instaladas armas antiaéreas e canhões sem recuo. Era dali que atingiam Gadamael Porto e antes Guileje . Durante estes patrulhamentos tivemos um primeiro contacto com as forças do PAIGC sem qualquer problemas para as nossas tropas.

13 de Junho de 1973: aliviando a pressão sobre Gadamael

No dia 13 de Junho, de manhã cedo, preparámo-nos para rumar a Gadamael, sendo transportados em Zebros do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos nº 21, dois grupos de combate sendo colocados nas margens do rio nas proximidades de Gadamael para onde seguimos em patrulhamento depois de serem desembarcados os outros dois grupos de combate da 121 que foram deslocados em LDM. No regresso, as embarcações seguiram para Cacine com os paraquedistas da CCP122, aonde iriam recuperar durante um curto período.

Chegados ao destacamento [ de Gadamael], verificámos que o estado do mesmo era na verdade aterrador, fruto dos constantes ataques, sendo bem visíveis os buracos dos rebentamentos das granadas do IN. Era evidente que quem lá tinha estado anteriormente, tinha passado por uns maus bocados.

As nossas duas companhias de paraquedistas que se encontravam aqui estacionadas estavam em permanentes patrulhamentos no exterior do aquartelamento, indo a este simplesmente para remuniciamento e reabastecimento. Desta forma fomos alargando o raio de acção indo até junto à fronteira, para conseguir referenciar os locais de onde o PAIGC fazia os ataques, para dar indicações à nossa Artilharia e Força Aérea. A impossibilidade de referenciar, por ar, estes alvos, levou-nos a ocupar as zonas em que o IN poderia instalar as suas bases do fogo e deste modo a fazê-lo afastar-se. Foi o que, realmente, veio a acontecer.

A partir desta altura fomos ao encontro dos locais de onde se ouviam os disparos das bocas de fogo e ocupámos essas áreas mesmo junto à fronteira, algumas vezes chegámos mesmo a ultrapassar a linha de fronteira com alguma profundidade - nunca por períodos longos, mas apenas porque havia aí bases de fogo IN. Nunca conseguimos apanhá-los desprevenidos, pois havia sempre forças de infantaria do PAIGC que os alertava com tiros acabando por retardar a nossa progressão.

No entanto os ataque a Gadamael deixaram de ser tão frequentes, passando as flagelações a a realizarem-se com menos intensidade e sem a precisão até aí evidenciada, além de feitas a partir daí sempre de locais diferentes. Quando as nossas forças aí chegavam, já eles tinham partido para outro local.

Mesmo já quando as forças do PAIGC não flagelavam o destacamento com tanta frequência, fomos mantendo a actividade de patrulha ao mesmo ritmo, por forma a manter as áreas próximas do braço do rio que dava acesso a Gadamael e que era a nossa única via de ligação para o exterior.

Consequentemente a eficácia de tiro até aí verificada por parte do IN deixou de existir e a intenção e pressão inicial caiu por terra, as forças do nosso exército voltaram ao destacamento e com os pára-quedistas fizeram vários patrulhamentos transmitindo-lhes os nossos conhecimentos e mais confiança nos deslocamentos em plena mata até aí de arrepiar.


Guiné > Mapa Geral da Província (pormenor) > 1961 > Posição relativa de Guileje e de Gadamel, no sul da Guiné, na actual Região de Tombali, na fronteira com a Guiné-Conacri.

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados



23 de Junho de 1973: atolados num campo minado!

A 23 de Junho de 1973, recebemos ordens para novo patrulhamento. Manhã cedo arrancámos desta vez saindo pela que era considerada porta de armas virada para o rio, o qual atravessámos. Avançámos para o local indicado pelos nossos superiores, em progressão lenta e com cuidados redobrados.

Esta zona não era para brincadeiras. Nesse dia éramos acompanhados por 2 militares do exército que eram sapadores e montavam minas no terreno tentando proteger o destacamento da acção do inimigo. Passado algum tempo, recebemos ordens para parar na frente, estávamos num local minado pelos nossos novos companheiros e a sua missão era indicar-nos a localização das minas para podermos contornar o local sem qualquer incidente.

Qual não foi o nosso espanto quando nos foi dito que já tinhamos avançado demais e que nos encontrávamos sobre o campo minado. A nossa sorte foi que tinha chovido torrencialmente nos dias anteriores e, como o terreno era um pouco inclinado, arrastou terras para o local minado, o que fez com que não tivéssemos accionado qualquer aparelho. Esta situação aconteceu porque os sapadores já não conseguiam identificar o local minado com exactidão. Passados esses momentos de grande ansiedade e saídos desta zona perigosa, continuámos a progressão.

O nosso objectivo era fazer um reconhecimento a determinado local referenciado pelo Comandante das operações naquela zona e que o mesmo suspeitava de ali existir algo de estranho, assim o primeiro bigrupo da CCP121 continua a sua deslocação.

Caía aquela chuva miudinha tipo cacimbo, que se foi acumulando nas folhas das árvores e por consequência caíam no chão fazendo o ruído característico que se conhece. Depois de algum tempo andado, começámos a ouvir pessoas a falar, avançámos com ainda mais cuidado , a mata era bastante aberta , com pouca vegetação rasteira e com árvores de grande porte.

As condições do terreno proporcionava a formação de uma frente em linha de um grupo com 5 a 7 paraquedistas para esse efeito foram chamados mais 2 homens apontadores de armas pesadas , MG e HK21, que seguiam mais atrás. Formada a equipa de assalto, fomos avançando lentamente e cada vez mais se ouviam os homens do PAIGC, para surpresa nossa, quando detectámos em cima de uma grande árvore um militar inimigo como sentinela avançada, e que também ele foi surpreendido porque tínhamos homens da nossa coluna que já tinham passado por ele. Também o barulho da chuva agora mais intensa o atraiçoou .

20 minutos de fogo numa grande base do IN

Já a uns 100 metros das posições de onde vinham as vozes, encontravam-se os paraquedistas da frente e mais atrás a nossa preocupação era não sermos detectados pelo tal sentinela avançado que apenas se preocupava em vigiar o lado contrário ao qual nós nos encontrávamos. Talvez eles pensassem que se aparecesse alguém seria por aquele lado , visto que passava por lá uma picada , mas nós vinhamos em sentido contrário e a corta-mato, o que para nós era habitual.

O guarda tinha sido atraiçoado, para nosso bem, no entanto na frente, quando tudo fazia prever que íamos colher o inimigo de surpresa , houve um elemento deles que detectou as nossas tropas abrindo fogo primeiro, ao qual os araquedistas responderam com intenso poder de fogo causando bastantes baixas ao inimigo como se verificou pelos vários e abundantes rastos de sangue, visto que eles se encontravam em valas e abrigos colectivos de onde se puseram em fuga. Houve um grupo que, entrincheirado, resistiu até à retirada dos seus feridos e mortos ser feita, o que levou a que este combate se prolongasse durante mais de 20 minutos.

Um grande ronco: capturado algum material de Guileje

Mesmo assim os guerrilheiros acabaram por deixar uma quantidade apreciável de armas , munições e granadas, algumas delas era material das nossas tropas que o inimigo tinha vindo a capturar às forças do nosso Exército caídos em emboscadas e do destacamento de Guilejee o qual já tinha sido tomado pelas forças do PAIGC. Neste contacto, logo nos primeiros tiros mais atrás, com uma rajada abatemos também o vigia acima referido . Foi a única baixa do PAIGC que pudemos confirmar na retaguarda.

Entretanto abandonámos o local depois de fazer a recolha de todo o material, porque era usual o inimigo fazer batidas de zona com morteiros ou canhão sem recuo, o que era sempre perigoso. Este grupo que foi apanhado de surpresa, era constituído por cerca de 30 combatentes.

Afinal o nosso comandante de operações Major Paraquedista Calheiros tinha razão em solicitar a nossa intervenção neste local porque era realmente um enorme quartel posso até dizer o maior, talvez mesmo o maior de todos os que detectamos durante toda a minha comissão.

Próximo desta base e paralelo à linha de fronteira, referenciámos uma picada que era bastante utilizada por viaturas vindas da Guiné Coancri, com passagem recente. Aí emboscámos durante algum tempo sem que o IN se revelasse. Levantámos a emboscada e regressámos ao destacamento sem mais qualquer incidente e bastante carregados com o ronco conseguido.

2 Julho de 1973: ataque em força a Gadamael

O PAIGC ataca o destacamento de Gadamael Porto utilizando Canhões s/r , Morteiros 82 , RPG 2, RPG 7 e Foguetões. Foi talvez o ataque mais forte desde o início das flagelações que eram constantes ao destacamento, mas que apenas conseguiu destruir mais algumas das poucas infra-estruturas existentes que ainda se mantinham mais ou menos direitas e causar algum efeito psicológico negativo nas nossas tropas. Do ladoNT ali aquarteladas, houve apenas 2 feridos, sem gravidade.

De salientar que os ataques inimigos eram de tal forma precisos que era raro cair uma granada fora do perímetro do destacamento. Até chegámos a pensar que havia alguém, no interior ou bem perto, a dar orientação e correcção dos fogos o que se viria mesmo a confirmar que assim era.

A CCP 121 emboscada a 500 metros do destacamento

Nos dias seguintes a CCP 121 fazia patrulhamentos, como era habitual todos os dias em Bigrupo (muito raro) ou a nível de Companhia (quase sempre) - isto devido aos poucos efectivos que a CCP 121 tinha em virtude das baixas havidas anteriormente e as rendições serem escassas ou mesmo nulas para a situação operacional existente.

Num desses patrulhamentos, logo a pouco mais de 500 metros do destacamento, a CCP 121 foi emboscada por um forte grupo de combate do PAIGC ao qual deu a resposta adequada durante mais de 25 minutos. De salientar que o inimigo tinha no local uma boa quantidade de atiradores equipados com RPG 2 e RPG 7, o que nos levou a pensar que estavam a preparar um assalto ou forte ataque ao destacamento logo que a nossa Companhia estivesse fora da zona, uma vez que o destacamento ficaria muito mais desprotegido em termos de efectivos e com poder de fogo mais reduzido.

Neste contacto apenas houve a registar 1 morto - o nosso guia africano - e 1 ferido ligeiro nas nossas tropas. Capturámos 2 armas ao inimigo e confirmámos 1 morto no local . Tivemos que regressar ao destacamento, pois já estávamos com poucas munições. Aabámos por sair para o patrulhamento planeado, pouco depois, ao longo do rio e que decorreu com toda a normalidade .

7 de Julho de 1973: emboscada nas matas de Lamol com 4 mortos (confirmados) do PAIGC

A CCP 121, patrulhando mais uma vez a zona nas matas de Lamol, foi emboscada por um forte grupo de combate do PAIGC que pensámos ser de cerca de 30 elementos fortemente armados e municiados com todo o tipo de armas que os guerrilheiros normalmente utilizavam: RPG 2 , RPG 7, Morteiros , Canhão s/r, PPSH - ou costureinha, asssim chamada devido ao seu cantar inconfundível - , Kalashnikov , Degtyarev e outras armas ligeiras de repetição tais como a Simonov.

Alguns destes guerrilheiros eram de tez branca. O contacto durou vários minutos. Em consequência deste contacto, o inimigo sofreu 4 mortos confirmados e bastantes feridos , deixando vário material de guerra no local.

Muitos outros episódios poderia contar desta passagem por Gadamael Porto. Poderia falar sobre bre a alimentação, já que só passadas algumas semanas é que se começou a cozinhar... E o quê? Arroz com dobrada ao meio dia e o mesmo à noite, sendo o mesmo nos dias seguintes... E alguma dela já fora de validade!... As carências eram grandes e as dificuldades enormes em todos os aspectos, mas fomos sobrevivendo conforme se podia.

Não posso deixar de referir que, terminado mais este duro período em Gadamael. os paraquedistas do BCP 12 deram um contributo valioso e valoroso e de forma decisiva que conseguiu desta forma travar o ímpeto das grandes ofensivas que o PAIGC lançou tanto a norte (Guidaje) como a sul (Guileje e Gadamael.

E assim honrámos assim a nossa arma e também as nossas forças armadas.

Regressamos em LDG a Bissau no dia 17 de Julho de 1973

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts relacionados com a CCP 1231 e com o nosso camarada e amigo Victor Tavares:

18 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1610: Ao meu pai, Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 (Osvaldo Tavares)

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1605: A reportagem da TSF e o regresso do Vitor Tavares a Guidaje (Albano Costa)

8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)

8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1350: Ataque ao navio patrulha no Rio Cacheu (Victor Tavares)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)


9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

(2) Estes camaradas devem ter pertencido à CCAV 8350, a última unidade a deixar Guileje, e a que pertenceu o membro da nossa tertúlia, o ex-furriel mil op espec José Casimiro Carvalho:

Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

Recorde-se que, de 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amilcar Cabral), obrigando as NT (CCAV 8350, 1972/73), a abandoná-lo, juntamente com cerca de 600 civis.

A Companhia Independente de Cavalaria 8350/72 foi a unidade de quadrícula de Guileje entre Outubro de 1972 e Maio de 1973. Viu morrer em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos.

Foi seu Comandante o Capitão Abel dos Santos Quelhas Quintas, que escreveu numa carta dirigida ao Senhor Chefe do Estado Maior do Exército, sobre o Furriel Miliciano de Operações Especiais José Casimiro Pereira Carvalho, com o seguinte teor (desconheço a data):

Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:

"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais Casimiro Carvalho.

(...)"Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.

""Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael" (...)

(3) O major de artilharia Alexandre da Costa Coutinho e Lima era o comandante do COP 5, na altura da batalha de Guileje e Gadamael:

Vd. posts de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)