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quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17855: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (8): 6.º Dia: Bissau, Safim, Nhacra, Jugudul, Bambadinca, Bafatá e Gabu (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)


1. Continuação da publicação das "Memórias Revividas" com a recente visita do nosso camarada António Acílio Azevedo (ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74) à Guiné-Bissau, trabalho que relata os momentos mais importantes dessa jornada de saudade àquele país irmão.

AS MINHAS MEMÓRIAS, REVIVIDAS COM A VISITA QUE EFECTUEI À GUINÉ-BISSAU ENTRE OS DIAS 30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017

AS DESLOCAÇÕES PELO INTERIOR DA GUINÉ-BISSAU (8)

6.º DIA – DIA 04 DE ABRIL 2017: BISSAU, SAFIM, NHACRA, JUGUDUL, BAMBADINCA, BAFATÁ E GABU:

Depois de mais uma noite bem dormida, apesar do calor, e de um bom pequeno-almoço, que todas as manhãs já encontrávamos preparado na nossa habitual mesa, eis-nos preparados para mais uma etapa, entrando no jeep e deste vez com destino a terras do leste da Guiné.

Sempre bem conduzidos pelo motorista Armando, eis-nos sentados na nossa habitual viatura saindo, mais uma vez, em direcção a Safim, localidade onde, num posto de abastecimento da Galp, enchíamos o depósito de gasóleo, cujo preço que penso já atrás ter referido, era de 635 francos guineenses por litro, a que correspondem 98 cêntimos de euro.

Abastecimento concluído, divergimos em Safim, em direcção a Nhacra, pequena vila situada no sector da região administrativa de Oio e local onde, na época da nossa “estadia” por terras da Guiné se sediavam os antigos emissores da rádio da antiga Emissora Nacional, de Portugal, e onde também se sediava o quartel defensor não só daquele posto emissor, bem como da própria Vila, mas sobretudo funcionando como guarda avançada de defesa da Cidade de Bissau.

Foto 78 - Nhacra (Guiné-Bissau): Curiosa foto com o pequeno hospital em fundo (cor rosa), com os doentes na “sala de espera” exterior ao edifício e a placa informativa dessa Unidade de Saúde, colocada ao lado da estrada que segue para Mansoa. Em segundo plano, distinguem-se as duas antenas dos emissores/receptores das comunicações 
Foto: Com a devida vénia a http://www.flickriver.com

Daqui continuámos a nossa marcha, passando primeiro por Jugudul, localidade onde, num posto também da Galp Energia, parámos para encher de água o respectivo depósito da viatura e em cuja loja entrámos para tomarmos uma bebida fresca, já que o calor se começava a sentir e ainda tínhamos algumas dezenas de quilómetros para percorrer até chegarmos à cidade de Bafatá, que também tinha conhecido no ano de 1974.

Encaminhámo-nos para Bambadinca, até atingirmos Bafatá, passando pelo caminho por várias bolanhas onde se cultiva o arroz, uma das principais fontes de alimentação do povo guineense, ao que parece insuficiente, pois vimos em várias feiras/mercados locais, vendas em sacos desse produto, importado da América do Norte e de outros Países.

Ainda em Jugudul, aproveitei também para tirar uma foto ao antigo quartel militar, por sinal, ainda em razoáveis condições de conservação, mas que, soubemos depois, se justificavam pelo facto de parte do espaço ter sido ocupado por uma pequena empresa ligada à área das bebidas, que aí instalou uma destilaria, mas da qual fiquei sem saber o nome. De qualquer forma, uma louvável iniciativa de aproveitar um espaço que, sem isso, cairia no abandono e na ruína como muitos outros edifícios, não só militares, que vimos por toda a Guiné que visitámos.
Não posso deixar de salientar a boa estrada em que circulávamos, toda ela bastante bem asfaltada, em terreno plano e com extensas retas.

Seguindo a nossa viagem, chegámos, cerca de 50 quilómetros depois à vila de Bambadinca, centro estratégico durante o tempo da guerra colonial, também localizada junto às margens do Rio Geba, povoação que depois se foi gradualmente desenvolvendo e onde, nos dias de hoje, também deparamos nas ruas com diversos estabelecimentos comerciais onde, além de produtos agrícolas da região, se vêm à venda sacos com artigos tão diferentes como o arroz e o adubo, mas também se comercializam em pequenas bancadas, outros produtos como a gasolina e óleo destinados às motos e motorizadas, conforme se mostra numa das fotos seguintes, situação idêntica à que já havíamos deparado noutras localidades, como em Susana, no norte da Guiné, junto à fronteira com o Senegal e a que já havia feito referência atrás.

Foto 79 - Jugudul (Guiné-Bissau): As instalações do antigo quartel, actualmente transformadas numa pequena destilaria, explorada, ao que parece, por pequenos empresários locais.
Foto: © A. Marques Lopes. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Ultrapassada a localidade de Jugudul, continuámos a nossa viagem em direcção a Bambadinca, sediada a caminho do nosso primeiro destino, que era Bafatá. Que dizer sobre Bambadinca, onde estava instalada uma nossa companhia militar durante a guerra colonial?!
Que é actualmente uma povoação onde ainda se vê algum pequeno comércio tradicional, mas onde a maior parte do piso dos seus arruamentos são em terra e com muitas covas e muito degradadas, mais parecendo estar em sintonia com o que tivemos oportunidade de ver em muitas outras localidades que visitámos.

Era uma zona em que as nossas tropas colocadas nesta povoação bem como em Xime e em Galomaro, ao ocuparem essas posições estratégicas, tinham por principal missão o controlo dos movimentos das tropas do PAIGC de norte para o sul do território e vice-versa.

Foto 80 - Bambadinca (Guiné-Bissau): Aspecto actual de uma das suas ruas, com o antigo edifício dos CTT, a meio da foto
Foto: © Jaime Machado (2015). Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 81 - Bambadinca (Guiné-Bissau): Espaços comerciais numa rua da localidade, onde, em bancada avançada, lá se vê a venda de óleos e gasolinas, para as motoretas e dentro das lojas, arroz em sacos
Foto: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Passadas estas localidades, continuámos a nossa viagem, utilizando uma estrada, sempre em terreno plano e bem asfaltada, marginada por bolanhas onde os naturais cultivam o arroz e aproximando-nos de Bafatá, cidade que tinha conhecido em Julho/Agosto de 1974, período em que acompanhei, por indicação do Comandante de Batalhão de Bula, o Major Dick Daring e outros quadros do PAIGC em acções de cariz psicológico, que tinham por intenção a aproximação e o contacto com as populações das localidades sediadas em três dos sectores da Guiné (creio que os sectores 2, 3 e 5) e de que o Comandante Dick Daring, era o responsável.

Vencidos esses cerca de 120 quilómetros, numa viagem calma e segura, chegámos a Bafatá, terra natal de Amílcar Cabral, fundador do PAIGC, cerca das 11 horas da manhã, cidade que nos recebeu também com tempo quente, mas que, em minha opinião, me decepcionou de imediato, já que aquilo que eu estava a ver, se apresentava muito pior e nada parecido com a que eu tive a oportunidade de conhecer em 1974.

Uma breve passagem de jeep pelas duas principais ruas de Bafatá, deu-me logo para perceber que esta cidade, outrora tão bonita e acolhedora e até com certo ar cosmopolita, está agora muito mais suja e pior conservada, realidades que me entristeceram bastante, principalmente ao olhar a antiga bela avenida que, do centro da cidade, conduz ao Rio Geba e que agora se encontra muito mal cuidada, o mesmo acontecendo com o bonito jardim que existia junto àquele rio que corria no final dessa avenida.

De louvar o aspecto cuidado em que ainda se encontra a elegante Igreja da cidade, localizada sensivelmente a meio e à direita dessa avenida que desemboca no Rio Geba, bem como o bem conservado edifício do hospital, construído um pouco mais acima e do lado esquerdo, para quem desce em direcção ao rio.

Dos antigos e bons restaurantes que ali existiam, resta o “Ponto de Encontro”, situado na Rua Porto e propriedade do casal D. Célia e José Dinis, portugueses das Caldas da Rainha e local onde depois saboreamos um bom almoço de carne de gazela, que com gosto nos prepararam, tendo-nos ainda afirmado que, embora gostem muito de Bafatá, têm muitas saudades de Portugal, onde têm as duas filhas a residir.
Como curiosidade, e porque o vimos chegar conduzindo um carro pesado de instrução, ficamos a saber que o Senhor José Dinis, é também proprietário de uma Escola de Condução, única que existe no interior da Guiné.
Foi muito agradável este “ponto de encontro” com o casal Dinis, porque se para nós foi muito bom termos este convívio em terras do interior guineense, com pessoas nossas conterrâneas, que ali labutam e vivem, para eles, ficámos convictos da enorme alegria que sentiram em contactar e falar connosco, porque segundo nos afirmaram só ali restam três Portugueses Continentais.

Como ainda faltavam cerca de duas horas para o almoço, decidimos dar primeiro uma saltada a Gabu, que dali dista 52 quilómetros, a fim de visitarmos esta cidade do interior leste.

Foto 82 - Bafatá (Guiné-Bissau) – Bela imagem da avenida, creio que dos anos 70 e que ligava a zona central da cidade ao Rio Geba e actualmente bem mais degradada do que a foto mostra. A meio, e à esquerda da avenida, vê-se a bonita Igreja da cidade.
Foto: © Humberto Reis (2006). Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 83 - Bafatá (Guiné-Bissau): A mesma avenida, com uma foto actual e que foi tirada ao lado da Igreja e em sentido inverso, vendo-se, em comparação com a imagem anterior, a total falta de asfalto naquela avenida
Foto: Com a devida vénia a TV Televisão de Moçambique

Foto 84 - Bafatá (Guiné-Bissau): Busto de Amílcar Cabral, erigido na sua terra natal, num largo junto ao Rio Geba

Foto 85 - Bafatá (Guiné-Bissau): Mercado da cidade, no largo onde existe o busto de Amílcar Cabral e junto ao Rio Geba
Foto: Com a devida vénia a Wikipédia

Foto 86 - Bafatá (Guiné-Bissau): Memorial a Amílcar Cabral, militante do PAIGC e fundador da nacionalidade e erguido numa praça do centro da cidade, situada no topo norte da avenida que desce até ao Rio Geba

Foto 87 - Bafatá (Guiné-Bissau): Hospital da cidade, localizado na avenida de acesso ao Rio Geba

Foto 88 - Bafatá (Guiné-Bissau): Os colegas Monteiro e Cancela, com o casal Célia e José Dinis, portugueses das Caldas da Rainha e proprietários do Restaurante “Ponte de Encontro”, onde almoçámos

A rápida deslocação de ida e volta à cidade de Gabú (ex-Nova Lamego), situada 52 quilómetros para o leste de Bafatá e a cerca de 30 quilómetros da fronteira com a Guiné-Conakry, foi percorrida em estrada asfaltada e de óptimo piso com longas rectas, a última das quais, antes de Gabu, com 20 quilómetros de extensão, conforme pudemos confirmar no regresso através do conta-quilómetros do jeep, deu bem para apreciar toda a paisagem envolvente, recheada de grandes manchas de vegetação verde.

Gabú, é um importante centro económico desta região leste do País, que se aproveita do facto de se encontrar muito próximo da fronteira de Guiné-Conakry, para trazer até ela muitos comerciantes desse País vizinho.
A sua população constituída, maioritariamente por elementos da etnia fula, com fortes raízes ligadas ao islamismo, possui uma população que deve actualmente rondar os 16.000 habitantes.
Embora no tempo da guerra colonial lhe tivesse sido imposta a designação de Nova Lamego, logo após a independência, voltou a designar-se Gabú, tendo nos dias de hoje, retomado o primado na importância das cidades do leste da Guiné-Bissau, em detrimento de outras localidades, como Bafatá, que durante a guerra colonial exerceu essa primazia, sendo no momento actual o centro nevrálgico de toda a movimentação comercial da Guiné-Bissau, logo a seguir à capital, Bissau.
Foi para nós extraordinário ver o enorme mercado de rua que é exercido nas principais artérias de Gabú, onde se expõe e vende de tudo (só não vi automóveis à venda), que atinge alguns quilómetros de extensão, e onde, em por vezes, em improvisadas tendas, são comercializados todos os tipos de produtos e mercadorias, que vão desde pequenos adereços locais, até a motorizadas, passando pela comercialização de arroz, fruta e produtos hortícolas.

Que mais dizer, apenas que é simplesmente espectacular, ver o número elevado de pessoas, que marca presença neste tipo de actividade comercial, quer sejam eles vendedores ou simples compradores.
Gostei de ver e sentir todo o pulsar desta cidade, principalmente na vertente comercial que vimos estar em marcha nesta simpática e acolhedora urbe, sendo difícil admitir que outra qualquer cidade da Guiné-Bissau, possua a pujança que vimos existir em Gabú.

Regressámos pouco depois a Bafatá, onde conforme combinado com o Casal Célia e José Dinis, proprietários do Restaurante “Ponto de Encontro”, nos esperava o almoço.

Foto 89 - Gabu (Guiné-Bissau): Uma das ruas da principal cidade do leste do País, que se enche de vendedores ambulantes, nos dias de feira
Foto: © João Graça. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 90 - Gabu (Guiné-Bissau): Panorâmica de uma rua desta cidade, em dia de feira. Reparem no elevado número de tendas que marginam a rua
Foto: © João Graça. Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 91 - Gabu (Guiné-Bissau): A confusão nas ruas da cidade, em dia de feira
Com a devida vénia a VOA

Foto 92 - Gabu (Guiné-Bissau): Rua da cidade, onde se vêm 2 prédios da era colonial, num dos quais existe uma agência do Banco da África Ocidental, já com multibanco.
Foto: © João Graça – Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto 93 - Gabu (Guiné-Bissau): Venda ambulante de pão. Vimos isto em quase toda a Guiné
Com a devida vénia a mapio.net

Fotos: © A. Acílio Azevedo, excepto as cujos autores e proveniência foram devidamente indicados

(Continua)
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Nota do editor CV

Último poste da série de 10 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17844: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (7): 5.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Binar e Bissorã (continuação) (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17844: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (7): 5.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Binar e Bissorã (continuação) (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)


1. Continuação da publicação das "Memórias Revividas" com a recente visita do nosso camarada António Acílio Azevedo (ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74) à Guiné-Bissau, trabalho que relata os momentos mais importantes dessa jornada de saudade àquele país irmão.

AS MINHAS MEMÓRIAS, REVIVIDAS COM A VISITA QUE EFECTUEI À GUINÉ-BISSAU ENTRE OS DIAS 30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017

AS DESLOCAÇÕES PELO INTERIOR DA GUINÉ-BISSAU (7)

5º DIA: DIA 03 DE ABRIL DE 2017 - BISSAU, SAFIM, BULA, BINAR E BISSORà
(Continuação)

BISSORÃ

Deixámos Binar para trás e encaminhámo-nos para a cidade de Bissorã, localizada cerca de 30 quilómetros para nascente, através de uma boa estrada, quase sempre plana e asfaltada, dando continuidade ao troço rodoviário que já tínhamos percorrido de Bula a Binar, ambos rodeados de grandes áreas florestais.

À entrada desta localidade, passámos por uma construção que já existia em 1973/1974 e que eu já conhecia, que com uma área coberta de cerca de 20 metros quadrados e aberta lateralmente, funcionava e continua a funcionar como Matadouro, conforme aliás se pode confirmar pela inscrição dessa palavra, em letras maiúsculas, sob o beiral do telhado, sendo neste local situado nas margens de um pequeno rio, que os seus habitantes matam ou mandam matar algum do seu gado que serve para a sua alimentação e que livremente passeia por todo o lado, como muitas vezes o pudemos verificar.

Foto 68 - Bissorã (Guiné-Bissau): Edifício, designado por Matadouro, conforme se pode ler na parte inferior do telhado e localizado à entrada da cidade, de quem vem de Binar, e local onde abatiam o gado, para alimentação

A maior curiosidade que ali se mostra e que pudemos confirmar no regresso por Binar, prende-se com o facto de depois do gado abatido e limpo, os proprietários das rezes, deixarem ali as vísceras, mas que ali páram pouco tempo, pois os jagudis (aves de rapina que muito abundam por todo o espaço da Guiné), se encarregam de fazer desaparecer em pouco tempo.

Chegados a Bissorã, cerca do meio-dia, localidade onde se fazia sentir uma temperatura bastante elevada, logo nos dirigimos para um agrupamento de escolas que se encontra à entrada da pequena cidade e destino previamente selecionado para a entrega de material escolar que levávamos.

Acolhidos neste espaço escolar pelo respectivo director, por alguns professores e por um grupo de alunos, fomos encaminhados para uma das salas onde fizemos a entrega desse material, enchendo de contentamento todas aquelas pessoas que, de uma forma muito cordial, nos receberam.

Material entregue, despedidas feitas, caminhámos a pé em direcção ao edifício da Administração de Bissorã, o mesmo da época colonial, onde fomos recebidos pela Senhor Secretário do Executivo, que nos informou ter o Senhor Administrador ido a Bissau em missão de trabalho.

Deu-nos as boas-vindas numa das salas do edifício, onde eram evidentes alguns sinais de degradação, fazendo-se acompanhar por dois outros colegas do mesmo executivo, que connosco dialogaram durante alguns minutos e agradecendo não só a nossa presença, mas também as ofertas que tínhamos deixado ao Director do Agrupamento das Escolas de Bissorã, que terá cerca de 750 alunos inscritos.

Foto 69 - Bissorã (Guiné-Bissau): Os colegas Vitorino e Isidro, entregando material escolar ao Director da Escola local, na presença de alguns dos seus alunos

Terminada a apresentação de cumprimentos e acompanhados por um membro da Administração, encaminhámo-nos para o Centro Médico local, distanciado da Administração cerca de 100 metros, onde fomos recebidos pelo responsável clínico, que se fazia acompanhar por dois enfermeiros, a quem fomos entregar um conjunto de material de primeiros socorros e medicamentos, atitude que muito os sensibilizou, dadas as carências que dizem sentir no seu trabalho diário.

O médico director, sensibilizado pela oferta recebida, transmitiu-nos o seu agradecimento e da equipa que chefia, pois as dificuldades que sentem no dia-a-dia são enormes e muito difíceis de ultrapassar, nesta pequena cidade do interior da Guiné e que em tempos recuados, chegou a ser uma urbe próspera e muito activa nas áreas do comércio, da agricultura e da pesca.

Tal como noutras localidades que visitámos, são evidentes por quase toda a Guiné-Bissau, os sinais de uma pobreza mais acentuada nalguns lugares, como aqui em Bissorã, bem traduzidos no mau estado de conservação da maioria dos antigos prédios da era colonial, que se encontram com sinais muito acentuados de degradação, talvez motivada por razões políticas, levadas a efeito pelos novos dirigentes guineenses, mal preparados para receberem o que os portugueses lá tinham deixado e entregue “de mão beijada” e de que talvez passados anos se tenham arrependido por terem feito essa infeliz opção.

Fazendo uma retrospectiva daquilo que conheci há cerca de 43 anos e o que agora vi, diria que Bissorã, tal como aconteceu noutras povoações da Guiné-Bissau, regrediu e regressou a épocas anteriores à intervenção dos portugueses na denominada “guerra colonial”.

Foto 70 - Bissorã (Guiné-Bissau): O colega Vitorino entregando diverso material de saúde a um médico e dois enfermeiros, do Centro de Saúde local

Foto 71 - Bissorã (Guiné-Bissau): O colega Vitorino em frente à antiga Messe dos Oficiais Bissorã

Foto 72 - (Guiné-Bissau): Instalações do Tribunal Provincial de Norte, sediado num antigo edifício comercial, do tempo colonial

Foto 73 - Bissorã (Guiné-Bissau): Entrega de bolas de futebol aos dirigentes do Sporting Clube de Bissorã 

Foto 74 - Bissorã (Guiné-Bissau): O colega Vitorino e um elemento da Administração local, junto a memorial que recorda a presença por aquelas paragens da Companhia de Artilharia 1525 (CART 1525)

Concluídas estas visitas de trabalho, direccionámos os nossos passos para um pequeno e muito modesto restaurante local, onde, depois de contacto prévio, fomos almoçar um peixe da região, acompanhado por batata e salada e que “afogámos” com umas cervejas fresquinhas, pois tal como atrás referi, estávamos perante um dia de muito calor.

Terminado o almoço e como o calor era ainda muito, resolvemos descansar numa área onde existiam muitas árvores, principalmente cajueiros, aproveitando para tentarmos localizar a antiga pista de aviação da localidade que, além de estar quase toda tapada por vegetação que por ali foi crescendo, parte dela também foi ocupada pela construção de um pequeno armazém, que se dedica ao tratamento da castanha de caju, que nesta zona se desenvolve com grande abundância.

Pouco depois deixámos Bissorã, decidindo regressar a Bissau, não sem que pelo caminho fizéssemos um desvio para visitarmos a pequena aldeia do Biambe, em cuja Escola também fomos entregar algum material escolar e uma bola de futebol.

Ao lá chegarmos, todos nós ficamos algo impressionados com o facto de uma das salas de aulas dessa Escola funcionar num antigo abrigo subterrâneo das nossas antigas tropas estacionadas naquele lugar, pela simples razão de um edifício escolar ali existente só ter duas salas de aula, espaço insuficiente para albergar o número de alunos, em idade escolar do Biambe.

Esta pequena aldeia do Biambe, bastante populosa, fica situada, sensivelmente a meia distância, entre Binar e Bissorã, numa zona de grande vegetação.

Vejam pois as carências que ainda continuam a existir por terras guineenses, realidade que me leva a colocar a seguinte questão: Se no Biambe, até este espaço construído e deixado pelos portugueses, foi aproveitado para sala de aulas, porque será que não fizeram o mesmo em muitos outros edifícios, com muitas melhores condições, espalhados por toda a Guiné?!

Com muita simpatia, fomos recebidos pelo Director da Escola, que nos informou que a povoação do Biambe possui muita gente jovem, ainda em idade escolar, afirmação que muito nos surpreendeu, atendendo ao facto de ela se localizar um pouco afastada de outras zonas habitacionais de maior dimensão geográfica e populacional, mas que mesmo assim tem cerca de 100 alunos, distribuídos pelas três salas de aula, que acima referi.

São realidades como esta que nos levam a pensar e a tentar ajuizar sobre as grandes injustiças que o mundo actual nos apresenta, justificando, se calhar o velho ditado “todos iguais, mas todos diferentes”. Pobre mundo, para onde caminhas?!

Foto 75 - Biambe (Guiné-Bissau): Visita a uma escola que funciona num antigo abrigo subterrâneo das tropas portuguesas, no tempo da Guerra do Ultramar e onde entregámos algum material escolar e bolas de futebol. Sintam a vontade destes miúdos em aprender, ainda que em condições bem adversas.

Efectuada esta visita ao Biambe, de que muito gostei, dada a simpatia e nobreza das suas gentes, sediadas em zona algo afastada de outras povoações, regressámos a Bissau, não sem que antes nos detivéssemos em Bula, a fim de visitarmos as instalações do antigo quartel, onde no meu tempo esteve estacionado o Batalhão 8320/72, de que, tal como atrás refiro, comandei temporariamente a 1.ª Companhia, sediada inicialmente na povoação de Pete e mais tarde em Nhamate.

Foi para mim uma enorme desilusão ver o estado lamentável de destruição em que encontrámos o antigo quartel de Bula, localidade onde, naquele tempo, além do Batalhão 8320/72, estavam também ali estacionados, a Companhia Independente 8353/73 e um Pelotão de Panhards, sendo ali também o local de grande permanência da Companhia de Comandos Africanos, chefiada pelo então Alferes Marcelino da Mata.

No local onde existiu a Porta de Armas, localiza-se agora uma pequena construção onde se instalou um pequeno Corpo de Polícia de Segurança Pública, mas onde são bem evidentes carências de toda a ordem, já que nem uma viatura possuem para efectuarem deslocações em serviço.

Terminada esta visita, regressámos à nossa “base” em Bissau, localizada no Aparthotel Machado, para tomarmos um refrescante duche e depois jantarmos, porque, pelo menos, o apetite não o perdemos.

Seguem-se mais umas fotos do interior do antigo quartel de Bula.

Foto 76 - Bula (Guiné-Bissau): Visitas às arruinadas instalações do antigo Quartel de Bula, onde o Rebola e o Azevedo, estão acompanhados por uma agente e um agente do Corpo Policial que está ali instalado num pequeno edifício

Foto 77 - Bula (Guiné-Bissau): Outra imagem do interior do quartel, onde apareço eu e o Rebola, e o Vitorino à esquerda, com 2 agentes policiais locais, vendo-se em segundo plano alguns dos degradados edifícios do antigo quartel

Fotos: © A. Acílio Azevedo

(Continua)
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Nota do editor CV

Último poste da série de 6 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17827: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (6): 5.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Binar e Bissorã (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17827: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (6): 5.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Binar e Bissorã (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)


1. Continuação da publicação das "Memórias Revividas" com a recente visita do nosso camarada António Acílio Azevedo (ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74) à Guiné-Bissau, trabalho que relata os momentos mais importantes dessa jornada de saudade àquele país irmão.

AS MINHAS MEMÓRIAS, REVIVIDAS COM A VISITA QUE EFECTUEI À GUINÉ-BISSAU ENTRE OS DIAS 30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017

AS DESLOCAÇÕES PELO INTERIOR DA GUINÉ-BISSAU (6)

5º DIA: DIA 03 DE ABRIL DE 2017 - BISSAU, SAFIM, BULA, BINAR E BISSORÃ

BULA

Mais uma noite bem dormida, mais um pequeno-almoço ingerido e eis-nos de novo na estrada para cumprir o programa planeado para o 4.º dia da nossa estadia por terras africanas da Guiné-Bissau.

Tal como acontecera nos dois dias anteriores, saímos do Aparthotel, cerca das 08,00 horas da manhã, dirigindo-nos para norte em direcção de Safim, percorrendo 13 quilómetros de uma via muito movimentada, mas com o piso com pouco asfalto e muitos buracos.

Ultrapassámos depois o Rio Mansoa, cuja passagem vencemos utilizando a Ponte Amílcar Cabral, que ali foi construída no ano de 2007, seguindo depois em direcção a Bula, onde havíamos previamente decidido fazer a primeira paragem.

A vila de Bula, tal como muitos outros locais da Guiné, está, em minha opinião, bastante pior do que a conheci nos anos de 1973/1974, realidade que se compreenderá pelo regresso a Portugal dos militares portugueses, que constituíam o Batalhão 8320/72, alguns com famílias, e que davam movimento e proporcionavam algum rendimento e bem-estar às populações locais, em áreas tão distintas como a frequência de pequenos restaurantes, cafés e bares e até de algumas pequenas lojas que, por todo o lado existiam, ou até do recurso às lavadeiras locais, que faziam o tratamento das roupas desses militares.

Tal como o pudemos confirmar não só aqui, mas também noutras localidades guineenses que visitámos, as instalações dos antigos quartéis das tropas portuguesas estão completamente abandonadas e muitas delas destruídas, dando péssimo aspecto a quem visita estas terras. Creio que os responsáveis guineenses não souberam rentabilizar os apoios financeiros que receberam de instituições internacionais, já que, pelo menos, poderiam tê-los aproveitado para o desenvolvimento de actividades escolares, ou para instalação de pequenas unidades de saúde, ou até para a construção de pequenas indústrias ligadas aos produtos que produzem. O único dado positivo que ali vimos, foi a existência, junto à entrada do antigo quartel, de uma pequena unidade da PSP, mas que, segundo verificámos, não reúne mínimas condições de funcionalidade, face à ausência de equipamentos e de viaturas de apoio, para rentabilizar a sua actividade.

Das instalações do antigo quartel, apenas visualizámos vestígios das paredes onde funcionava a Messe dos Oficiais, ruínas de uma das casernas dos soldados, um palco e um écran, ambos em cimento e ainda em estado razoável de conservação e locais onde se projectavam, naquela época, alguns filmes e ainda o que resta da antiga Capela do aquartelamento.

Outro pormenor que me chamou a atenção foi a inexistência de toda a vedação que rodeava e defendia as instalações do antigo quartel.

Dirigimo-nos depois à Escola do EB 23 de Janeiro, um estabelecimento de ensino com vários pavilhões e cuja propriedade era de foro privado, onde fomos recebidos pelo Director dessa Escola e por alguns dos seus professores que, nesse dia, ali se encontravam a dar aulas.

O objectivo da nossa paragem, era o de não só verificar o estado das salas de aula e as condições em que as crianças locais tinham as aulas visando um futuro apoio, mas também para ali deixar diverso material escolar, a fim de ser distribuído e utilizado pelos alunos daquela escola, tendo também sido distribuídas algumas guloseimas e duas bolas de futebol, para a prática desportiva.

De salientar que, ao contrário das escolas do ensino público que encontrámos noutros locais, casos de Binar e Bissorã, onde os alunos já estavam a gozar de férias da Páscoa, nas privadas, como era o caso desta em Bula, essas férias só se iniciavam no fim-de-semana que se seguia.

Antes de seguirmos para Binar, tivemos oportunidade de dar um pequeno passeio a pé e depois de jeep, pelas duas principais ruas de Bula, confirmando a ideia que já tínhamos sobre a vila, tendo-nos apenas chamado a atenção, pela positiva, a existência de uma feira de rua que, iniciada logo a norte do antigo quartel, se alonga pela rotunda que conduz a Binar e a S. Vicente e por mais umas dezenas de metros, na estrada que segue para Binar e locais onde se vendia um pouco de tudo.

Apesar de algum desencanto, mesmo assim gostei de ver e sentir Bula, localidade em cujo quartel participei em diversas reuniões e local onde, interinamente comandei, nos finais de 1973, a 1.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/72, que aguardava a chegada de Portugal de um novo Capitão Miliciano para ocupar esse lugar.


Foto 51 - Rio Mansoa (Guiné-Bissau): Ponte Amílcar Cabral, sobre o Rio Mansoa, entre as cidades Bissau e Bula e que tem o comprimento de 785 metros e a largura de 11,40 metros


Foto 52 - Bula (Guiné-Bissau): Entrada principal do quartel de Bula, obtida na década de 80, mas que actualmente se encontra com os edifícios totalmente degradado


Foto 53 - Bula (Guiné-Bissau): Entrada da Escola EB 23 de Janeiro, onde eu próprio, o Isidro e o motorista Fernando, temos a simpática companhia de 8 alunos daquela escola, onde entregámos diverso material escolar.



Fotos 54 e 55 - Bula (Guiné-Bissau): Duas fotos, recordando a nossa visita a uma sala de aulas de uma escola de Bula, onde entregámos material escolar e desportivo e onde aparecem os colegas, Ferreira, Rebola, Isidro e Azevedo. Na nossa companhia estão, a professora dessa sala e o director da escola. Repare-se na data escrita no quadro


Foto 56 - Bula (Guiné-Bissau): Os colegas Ferreira e Isidro, distribuindo objectos de apoio escolar, na escola local


Foto 57 - Bula (Guiné-Bissau): Foto do exterior da escola de Bula, que visitamos e onde deixámos material escolar


Foto 58 - Bula (Guiné-Bissau): O João Rebola e o Azevedo, no interior do antigo quartel, acompanhados por dois agentes do posto da PSP, instalado à entrada

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BINAR

Percorridos cerca de 10 quilómetros por uma estrada bem asfaltada e com muitas retas, chegámos a Binar, onde no período de 1973 e 1974, se sediou o aquartelamento da Companhia de Caçadores 17 (CCAÇ 17), constituída por 23 homens do Continente Português (1 Capitão, 4 Alferes, 1 Sargento, 9 furriéis, 5 cabos e 3 praças e mais 144 elementos africanos (5 furriéis, 11 cabos e mais 128 soldados, que comandei, como Capitão Miliciano, durante cerca de oito meses.
Ao chegarmos ao cruzamento da localidade, virámos para norte, para cerca de 500 metros depois, chegarmos ao local onde existiu o antigo aquartelamento, tendo de imediato sentido um arrepio ao ver o local onde estive instalado e em zona onde também existiam habitações da administração e tabancas da população local.

Começando por falar da vedação das nossas antigas instalações, referiria que da mesma, na altura constituída por duas redes de arame farpado paralelas e separadas cerca de uns 15 metros uma da outra, com entrada/saída nos topos norte e sul, nem sinais dela agora existem.

Mal estacionámos no local onde era a parada do antigo aquartelamento, senti logo uma profunda emoção ao ver ainda de pé e em estado de boa conservação, uma antiga capelinha, encostada a um enorme poilão, que continha no seu interior um pequeno oratório, onde estava colocada uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, capelinha essa que havia sido construída pela Companhia de Militares Portugueses que nos antecedeu e da qual não me recordo a sua identificação.

Essa capelinha, creio que foi construída como agradecimento a Nossa Senhora pelo facto de quase no topo dessa árvores e bem lá em cima, ainda se poder ver uma granada de RPG, que havia sido disparada por tropas do PAIGC e que lá ficou espetada, sem explodir.

Verifiquei, também com natural espanto, que ainda existiam as paredes do edifício de pedra e cimento, propriedade da administração local, onde eu e mais três dos quatro Alferes, dormíamos a maior parte das noites que lá passámos e da qual tirei, para memória futura, algumas fotos que abaixo reproduzo, acrescentando desde já que, em duas das suas paredes, cresceram duas árvores, que atingem algum porte, uma das quais se vê por cima da janela maior, local onde era o meu quarto.

Por razões estratégicas, de segurança e de comando, um dos quatro Alferes, de forma rotativa, dormia num abrigo subterrâneo, que ficava localizado cerca de 30/40 metros para nascente do nosso edifício.
Embora a tal não fosse obrigado, por razões de boa camaradagem, também algumas vezes entrei nesse sistema de rotação de dormir no abrigo, onde porém, as condições eram um pouco piores que na casa que nos tinha sido cedida.

Quanto aos nove Furriéis continentais, que dormiam num outro edifício, também propriedade da Administração e situada a uns 20 metros para norte do abrigo e aos cinco guineenses que dormiam nas suas tabancas, havia idêntica rotação, ficando no abrigo três por noite, com o Sargento, também, por razões de camaradagem, a entrar periodicamente nessa rotação.

Além destes graduados, dormiam também no mesmo abrigo, em noites também rotativas, cerca de 30 elementos que constituíam cada um dos quatro pelotões da Companhia de Caçadores 17 (CCAÇ 17).
Tinha que ser, e assim se fazia, cumprindo as ordens e as normas de segurança de todo o pessoal da Companhia em que estávamos todos os 167 homens integrados.

Além dos edifícios já referidos, existia ainda no interior da zona vedada, o edifício onde habitava o Administrador de Binar, o edifício da Secretaria da Administração e ainda um outro edifício designado celeiro e que servia de local de recolha dos produtos agrícolas produzidos na região (arroz, mancarra, caju, manga e creio que peixe e marisco) e que eram controlados pela Administração e ainda um grupo energético que enviava para um depósito elevado, a água que retirava de um furo existente no terreno, com algumas dezenas de metros de profundidade.

Como curiosidade, o facto de os habitantes desta pequena aldeia guineense, que não deveria ultrapassar as 500 pessoas, pertenciam às quatro seguintes etnias: Balantas, Fulas, Manjacos e Mancanhos, cada uma delas com o seu Chefe de Tabanca, mas todas subordinadas ao Chefe dos Chefes, que de nome António Quade, era Balanta e era o mais velho dos quatro.

Procurámos manter sempre um bom relacionamento com todos eles, mas havendo o cuidado e a atenção de, qualquer assunto importante, passar previamente pelo Chefe dos Chefes.

Antes de nos retirarmos e tal como noutras localidades, onde outros colegas prestaram o seu serviço militar, também aqui entregámos na Missão Católica de Binar, roupas e material diverso, deixando na Escola de Ensino Básico Unificado de Binar material escolar e uma bola de futebol.

Outra curiosidade, para mim muito emotiva desta minha passagem por Binar, relaciona-se com a agradável surpresa de ao falar com o responsável da Missão Católica, que nas fotos aparece com uma t-shirt vestida, lhe ter perguntado se ainda por ali viviam pessoas dos já longínquos anos de 1973/1974, ficando surpreendido quando ele me disse que um tio dele, já vivia ali nessa época, que ainda era vivo, e que residia ali próximo.

Logo se prontificou a ir chamá-lo, o que fez de imediato, ficando eu a aguardar com alguma expectiva a sua chegada, mas aproveitando esse tempo para irmos à Escola local entregar a um dos professores que lá se encontrava e que se vê numa das fotos seguintes, algum material escolar que tínhamos levado, para lá deixar.

A certa altura vejo chegar, montado numa bicicleta, um homem já idoso que, ao ver-me, logo atirou a bicicleta para o chão e que veio direito a mim para me dar um abraço e chamando-me Capitão, o que para mim foi um espanto total, pois nem sequer me deu tempo para pensar se eu o conhecia, ou não, confirmando-me logo de seguida, que era neto de António Quade, o tal Chefe dos Chefes de Tabanca, a quem atrás já me referi.

Ainda que naquela altura ele tivesse cerca de 20 anos, acabei com mais calma por o reconhecer, já que naquela altura ele acompanhava muitas vezes o avô, mas ele reconheceu-me primeiro a mim, o que me encheu de natural alegria, como é fácil supor.

Prontificou-se a mostrar-me como se encontra a actual Binar e fiz-lhe a vontade, acompanhando-o numa pequena volta pelo meio de algumas tabancas, durante cerca de 15/20 minutos, pormenor muito importante para mim e satisfação plena para ele, que o levou a chorar agarrado a mim quando nos despedimos, atitude que também me emocionou, porque tal como nos aconteceu noutros locais, ele ao despedir-se de mim dizia em voz alta e comovente: Não nos abandonem… Voltem para cá outra vez…

Seguem-se algumas belas e para mim cativantes imagens que me recordam com alguma saudade a minha passagem por terras guineenses de Binar, que muito gostei de rever.


Foto 59 - Binar (Guiné-Bissau): Uma pequena capela construída encostada a um poilão, que felizmente ainda se encontra de pé, e em cujo interior se encontrava exposta uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, que já lá não está. Fui aqui Comandante, como Capitão Miliciano, da então CCAÇ 17, que era constituída por 23 militares do Continente e por 144 militares da Guiné. Na frente da capela, situava-se a parada do nosso quartel.


Foto 60 - Binar (Guiné-Bissau): O belo “palácio”, onde eu e mais 3 alferes da CCAÇ 17 dormíamos. Repare-se no actual requinte de 2 árvores invadindo as paredes do edifício. A abertura larga do lado direito do edifício, era o meu quarto, mas afirmo que não fui eu que plantei a árvore que lá se vê. A porta de entrada era a que se vê à esquerda


Foto 61 - Binar (Guiné-Bissau): Ainda com o edifício onde dormia, em fundo, aqui deixo com esta imagem, um memorial aos militares da CCAÇ 17 e outras companhias anteriores, que passaram por Binar e que por aqui faleceram, em defesa da Pátria Lusitana. Paz à sua alma


Foto 62 - Guiné-Bissau: Estrada Bula / Binar, mapa onde também aparece a povoação de Pete, local no qual comandei temporariamente, a 1.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/72, sediado em Bula, em conjunto com a da CCAÇ, 17, em Binar, até à chegada de um novo Capitão, ido do Continente. No mapa vê-se, a noroeste de Binar, a base do Choquemone, que o PAIG, ali mantinha

Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Foto 63 - Guiné-Bissau: Outro mapa, onde se vê a localização geográfica de Bissau, de Binar, de Encheia, de Mansoa e ainda de Porto Gole, com o curso do Rio Geba a ladear, a sul, estas terras guineenses
Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Foto 64 - Binar (Guiné-Bissau): Edifício da antiga administração da pequena vila, com cujo responsável mantive as mais cordiais relações institucionais, quer de amizade quer de colaboração


Foto 65 - Binar (Guiné-Bissau): Foto da Escola de Ensino Básico Unificado, onde entreguei diverso material escolar e uma bola de futebol


Foto 66 - Binar (Guiné-Bissau): Foto junto a um poço de água da localidade, onde da esquerda para a direita aparecem os colegas, Vitorino, eu próprio, Monteiro, Isidro e Ferreira. Ao nosso lado, um professor da escola de Binar


Foto 67 - Binar (Guiné-Bissau): No mesmo local da foto anterior, saio eu da imagem e entra com uma “t-shirt” verde, um bisneto do Chefe dos Chefes das Tabancas de Binar, que atrás refiro e responsável pela Missão Católica de Binar.

Fotos: © A. Acílio Azevedo

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17820: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (5): 4.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Có, Pelundo, Canchungo, Bachile e Cacheu (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17820: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (5): 4.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Có, Pelundo, Canchungo, Bachile e Cacheu (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)


1. Continuação da publicação das "Memórias Revividas" com a recente visita do nosso camarada António Acílio Azevedo (ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74) à Guiné-Bissau, trabalho que relata os momentos mais importantes dessa jornada de saudade àquele país irmão.

AS MINHAS MEMÓRIAS, REVIVIDAS COM A VISITA QUE EFECTUEI À GUINÉ-BISSAU ENTRE OS DIAS 30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017

AS DESLOCAÇÕES PELO INTERIOR DA GUINÉ-BISSAU (5)

4º DIA: DIA 02 DE ABRIL 2017 - BISSAU, SAFIM, BULA, S.VICENTE, INGORÉ, S. DOMINGOS, SUSANA, VARELA E PRAIA VARELA

Como tínhamos de véspera combinado ir neste dia visitar o norte da Guiné, saltámos da cama por volta das 07,00 da matina, pois um dia longo nos esperava pela frente.

Engolido o pequeno-almoço, tomámos lugar nos 4 jeeps e iniciámos a viagem com destino final na Praia Varela, zona de etnia “Felupe”, passando por Safim, pela ponte Amílcar Cabral construída sobre o Rio Mansoa, por Bula, visita que deixámos para o dia seguinte, passámos sobre a nova ponte de S. Vicente, que liga as localidades de S. Vicente e Ingoré à saída da qual parámos para a foto da praxe, atravessámos Ingoré, que também decidimos visitar no regresso e efectuámos a primeira paragem em S. Domingos, situada a cerca de 5 quilómetros de Mpak, fronteira com o Senegal, pois daqui até Varela eram 52 quilómetros que teríamos que percorrer em estrada de terra e com muitas covas.

Entrámos num pequeno bar/restaurante da localidade, onde reencontrámos 3 casais portugueses que fizeram a viagem no mesmo avião que de Lisboa nos levou a Bissau e andavam a conhecer a Guiné.
Um pouco de conversa, uma bebida fresca, porque já estava muito calor e um pequeno passeio a pé pela zona central desta localidade e eis-nos de novo a caminho, percorrendo aos “esses”, esta autêntica picada que, na época das chuvas deve ficar quase intransitável e obrigará os habitantes destas localidades (Susana e Varela) a utilizar a via fluvial até à cidade do Cacheu, situada do outro lado deste largo rio.
Mais ou menos a meio do caminho, efectuámos uma paragem na povoação de Susana, onde no tempo da guerra colonial se sediava uma Companhia de militares do Batalhão de S. Domingos, a fim de desentorpecemos o corpo e as pernas, ficando algo tristes ao vermos as instalações do antigo quartel completamente degradadas.

Com tristeza, encontrámos aqui dois antigos memoriais das nossas tropas quase completamente destruídos e abandonados, mas ficámos um pouco admirados com a presença, junto à estrada, de um habitante de Susana, a vender garrafas e garrafões com gasolina para as motorizadas, porque, segundo nos contou, a partir de S. Domingos não existem postos públicos de venda de combustíveis.
Pessoa simples e afável, que estava acompanhado de um filhote com cerca de 5 anos, contou-nos um pouco da sua vida e dos seus familiares e da ilusão que para ele e seus pais, tinha sido a independência do País. Sintomático e elucidativo da vida destas gentes…

Arrancando pouco depois, chegámos à localidade de Varela, mas resolvemos continuar até à denominada Praia Varela, que dali distanciava 5 quilómetros, pois um dos motivos desta nossa deslocação era, pelo menos molhar nos pés nas tépidas águas do Oceano Atlântico.
Saindo dos jeeps, efectuámos um curto passeio a pé até ao mar, atravessando uma zona de dunas, constatando, passados uns minutos, que um grupo de 5 senhoras, ficaram com a carrinha Toyota metida nas areias até ao eixo. O motorista guineense, bem tentava retirar a viatura, mas cada vez mais a enterrava.
Fomos em seu socorro, informando-nos que eram quatro médicas e uma enfermeira italianas, que estavam numa missão de apoio solidário e voluntário no Hospital de Bissau e aproveitaram a folga do fim-de-semana para irem até à Praia Varela.

Com muito custo e apenas com a ajuda e força de dois dos nossos jeeps, conseguimos tirar de lá a Toyota em que as médicas se faziam transportar.
Como este “salvamento” demorou bastante tempo a concluir, a nossa intenção de virmos almoçar a S. Domingos gorou-se e resolvemos almoçar no “Aparthotel Chez Helléne”, na povoação de Varela, aproveitando as médicas a nossa boleia e indo elas também lá almoçar.
Surgiu, porém, um pequeno contratempo, pois como não estavam a contar com tanta gente para almoçar (só nós éramos 12, mais 3 motoristas), a que se juntavam mais 6 pessoas (5 italianas e o motorista), tivemos que esperar que descongelassem a carne o que nos atrasou cerca de 2 horas, mas no final tudo ficou bem e as italianas ficaram muito gratas pela nossa acção de interajuda.

Com esse atraso, no regresso parámos somente na localidade de Ingoré, uma pequena vila que nos pareceu bastante comercial e com grande movimento de pessoas, não sem que antes nos detivéssemos uns minutos a observar a extracção e produção do sal, que apanhavam do solo de uma das bolanhas junto à estrada por onde circulávamos, tendo sido já de noite, que chegámos a Bissau.

Foto 37 - S. Domingos (Guiné-Bissau): Descanso no pequeno bar/restaurante da localidade, estando na mesa ao nosso lado, os 3 casais que viajaram no mesmo avião em que nós fomos

Foto 38 - S. Domingos (Guiné-Bissau): Vista aérea da vila, onde se vê a povoação, a pista de aviação e na parte superior direita, a picada, em terra batida, que a liga às localidades de Susana e Varela. A rua que do centro se abre para a direita da foto, vai ligar a fronteira senegalesa de Mpak. Em primeiro plano as instalações do Quartel
Foto: © José Salvado (2016). Todos os direitos reservados

Foto 39 - Susana (Guiné-Bissau): Edifício do Comando da última Companhia de militares que aqui esteve estacionada

Foto 40 - Susana (Guiné- Bissau): Antigas e arruinadas instalações do antigo aquartelamento
Fotos e legendas: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)

Foto 41 - Susana (Norte da Guiné-Bissau): Bela foto de um natural desta terra, com o seu filhote, que, em bancada idêntica à que se vê na imagem, vendia garrafas e garrafões de gasolina para motos

Foto 42 e 43 - Praia Varela (Norte da Guiné-Bissau): Duas fotos minhas. Na primeira, a molhar os pés na tépida água do Atlântico e na seguinte, junto à água, a filmar a paisagem para o lado norte

Foto 44 - Praia Varela (Norte da Guiné-Bissau): Mais um conjunto de banhistas da areia seca (da direita para a esquerda: Rebola, Vitorino, Rodrigo, Cancela e Isidro)

Foto 45 - Varela (Norte da Guiné-Bissau): No Aparthotel "Chez-Helléne", aguardando, com cara de fome o almoço.

Foto 46 - Ingoré (Guiné-Bissau): Jardim de Infância
Foto: © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados

Foto 47 - Ingoré (Guiné-Bissau): Descarga de material diverso, para o Jardim de Infância
Foto: Com a devida vénia a Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné

Foto 48 - Antotinha (Guiné-Bissau): Moutinho, Azevedo e motorista Armando, junto à nova ponte sobre o Rio Cacheu

Foto 49 - S. Vicente (Guiné-Bissau): Nova ponte construída sobre o Rio Cacheu

Foto 50 - Rio Cacheu (Guiné-Bissau): O antigo e velho cais de S. Vicente/Antotinha, onde actualmente existe a nova ponte

Fotos: © A. Acílio Azevedo

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17804: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (4): 3.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Có, Pelundo, Canchungo, Bachile e Cacheu (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)