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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16517: Notas de leitura (882): “Cabo Verde e Guiné-Bissau, As Relações entre a Sociedade Civil e o Estado”, por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira, Editora UFPE, Recife, 2015 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Este sociólogo guineense, professor no Brasil, com pergaminhos da sociologia política de há muito que estuda o papel da sociedade civil na Guiné-Bissau e decidiu para tema do seu doutoramento estudar as relações entre a sociedade civil e o Estado entre os dois países, tendo como balizas o arranque do multipartidarismo e até 2008. Dá-nos um quadro das conceções teóricas que modelam a transição de políticas autoritárias para liberais, analisa os pontos de convergência e divergência gerados pela história na afirmação dos dois Estados, procede a trabalho de campo junto das célula da sociedade civil, confirma a identidade de duas culturas e um processo de desenvolvimento em que há inúmeras aspirações afins, desde o combate ao desemprego e à pobreza até à incessante procura de independência face ao apetites dos partidos políticos.
De leitura obrigatória, para quem queira conhecer estas duas sociedades civis em movimento.

Um abraço do
Mário


Cabo Verde e Guiné-Bissau: Sociedade Civil e Estado

Beja Santos

“Cabo Verde e Guiné-Bissau, As Relações entre a Sociedade Civil e o Estado”, por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira, Editora UFPE, Recife, 2015, é o produto de uma tese de doutoramento de um professor universitário guineense que ganhou o seu título na Universidade Federal de Pernambuco. A sua investigação emerge na trajetória distinta e num relacionamento comum entre dois países que têm um denso cruzamento histórico. Por força de uma conceção ideológica montada por Amílcar Cabral, o termo unidade utilizado exaustivamente na luta armada pela libertação nacional apelava para dois países que devido a uma história comum deviam caminhar de braço dado, da guerrilha à fusão do Estado. Esse sonho desmantelou-se em 1980, os dois países mantiveram-se numa linha de partido-Estado até que o mundo deixou de ser bipolar, o comunismo afundou-se e as correntes liberais pareciam tomar conta de tudo. Da década de 1980 para a década de 1990 a estes países africanos acenou-se com a democracia multipartidária e a economia de mercado. Com as transformações políticas sociais e económicas, entrou-se numa era de democracia representativa e participativa, com grandes altos e baixos. É nessa fase que se dá um processo político distinto entre Cabo Verde, insular, sociedade crioula, com elevada diáspora, onde o sentimento de cabo-verdianidade é poderoso e a Guiné onde se acena com o fantasma militar, onde se manifestou o caudilhismo, a guerra civil e a permanente instabilidade política. As sociedades civis dos dois países têm recortes distintos mas também posições afins. Tratando-se de uma investigação doutoral, Ricardino Teixeira inicia a sua investigação com quadro apurado de contornos teóricos-metodológicos e a análise comparada das relações entre a sociedade civil e o Estado tendo como referência o processo democrático em construção nos dois países entre 1994 e 2008, no fundo o investigador procura o grande ecrã da ciência política para enquadrar a democracia representativa, o triunfo nos princípios liberais e como a sociedade civil e o Estado se vão confrontar na vida quotidiana.

O segundo capítulo desvela os dois países em termos de história e organização, de sociedade e cultura. Cabo Verde foi descoberto, povoado por brancos e populações da Senegâmbia, a Guiné teve vida pré-colonial, a ocupação portuguesa foi radicalmente diferente da criação de uma sociedade crioula, encontraram-se na miscigenação e no comércio negreiro, em Cabo Verde expandiu-se o catolicismo, uma forma de organização agrária decalcada de modelos europeus, todas as localidades possuem nomes portugueses; a Guiné caraterizou-se por uma presença no Litoral, montaram-se praças e presídios, pagava-se aos régulos uma tributação para ocupar território e quando se avançou para uma ocupação efetiva contou-se sobretudo com o cabo-verdiano, culto e disciplinado, motivado para os negócios, na segunda metade do século XIX lançaram-se na criação de colónias agrícolas, nomeadamente no Sul. Ricardino Teixeira recorda a resistência oferecida pelas etnias guineenses contra a presença portuguesa, sublevações permanentes, só com o capitão João Teixeira Pinto, a partir de 1913, com campanhas de pacificação, um hábil aproveitamento de tropas auxiliares conjuntamente com mercenários de outras regiões é que se conseguiu a capitulação dos revoltosos, entrou-se numa fase de interiorização da presença colonial a despeito de as comunidades rurais terem mantido um elevado grau de autonomia.

Como é óbvio, Ricardino Teixeira vai traçar os aspetos relevantes da tese da unidade Guiné-Cabo Verde forjada por Amílcar Cabral. A primeira mão-de-obra militar foi oferecida por jovens guineenses que terão um papel determinante nas sublevações a partir de 1962, no Sul da Guiné, esses homens estarão à frente das forças sublevadas em toda a região Sul, no Oio e no Corubal, partir de 1963. Mobiliza-se o apoio popular guineense e os quadros cabo-verdianos vão se espalhar pelas zonas de luta, Conacri, Dakar e Ziguinchor. Iludiram-se contenciosos seculares entre guineenses e cabo-verdianos, Amílcar Cabral será assassinado fruto dessas discórdias. O golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 clarifica a profunda dissensão e o fim da fórmula de unidade Guiné-Cabo Verde. Perante dois países tão distintos, no ADN, na espiritualidade, no conceito identitário, Ricardino Teixeira vai investigar as relações entre a sociedade civil e o Estado, num momento em que se enveredou pelo reconhecimento e se legitimou a democracia representativa e participativa.

Foi este o trabalho de campo que ele desenvolveu, junto de organizações cabo-verdianas e guineenses. No final, não subsistem dúvidas que há pontos de aproximação, embora, em muitíssimos casos, o quadro de aspirações é radicalmente distinto. Cabo Verde entrou no multipartidarismo sem dramas nem golpes militares, o PAICV deu lugar ao Movimento para a Democracia, aceitaram-se as regras do jogo. Os inquéritos destacam inúmeras contradições no que é a fragilidade da sociedade civil, o seu grau de dependência dos humores dos poderes do dia e, inevitavelmente, da cooperação e dos apoios da diáspora. As perceções do Estado na Guiné-Bissau recordam os abusos de poder, o poder real na mão dos militares, a pulverização partidária e a ascensão da etnia Balanta, a especificidade dos grupos de mandjuandades, uma mobilização de solidariedade e cultura. A perceção da sociedade civil em Cabo Verde tem outros matizes, basta pensar nas manifestações culturais da Tabanka, do Batuko e do Funana, tem demorado a que as organizações da sociedade civil se dissociem dos interesses partidários em contenda, o PAICV e o MpD.

E afinidades? É o combate à pobreza, a procura da satisfação das necessidades elementares da população, o uso do microcrédito num esforço de criar empresas que contrariem a elevada percentagem de desemprego; há a promoção dos valores ambientais, as lutas pela igualdade de género, a valorização da expressão musical, os direitos humanos, a procura de participação de jovens e mulheres nas decisões políticas.

E assim chegamos às relações entre a sociedade civil e o Estado, os inquiridos não se cansam de relevar a falta de recursos, a pressão dos partidos políticos, as sequelas do partido-Estado, o desapontamento face ao oportunismo político dos partidos no uso da sociedade civil. O autor sumula estas queixas dizendo “observa-se em todas as colocações que a defesa da democracia e criação de novos espaços públicos, voltados para a revitalização das organizações da sociedade civil é colocada como uma falta na relação com o Estado”. Vários inquiridos na Guiné-Bissau lembram que este relacionamento estará sempre profundamente inquinado enquanto não houver reforma do Estado. Já nas considerações finais, o autor lembra que há aproximações entre as organizações de massas e grupos de base dos dois países no que tange ao aumento de desigualdades, às questões de género, ao desemprego, aos riscos ambientais e ao imperativo de que as organizações e grupos da sociedade civil devem permanecer equidistantes dos partidos. O investigador deixa diferentes questões em aberto que cabe aos outros responder, como é o caso das necessidades locais e como elas são perspetivadas pelas agências de financiamento e pelos grandes centros de cooperação internacional.

Temos aqui uma estimulante base de trabalho para conhecer na atualidade o grau de mobilização nas relações entre a sociedade civil e o Estado nos dois países, geograficamente próximos e com identidades tão distintas.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16503: Notas de leitura (881): “Memórias de um Esquecido”, por José Cerqueira Leiras, edição de autor, 2003 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16503: Notas de leitura (881): “Memórias de um Esquecido”, por José Cerqueira Leiras, edição de autor, 2003 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2016:

Queridos amigos,

Tenho vindo a acumular provas de que a guerrilha se manifestou de forma acesa e contundente pelo menos a partir do segundo semestre de 1962. Destruir vias de comunicação, incendiar tabancas, o recurso ao assassínio de comerciantes, passou a ser moeda corrente no Sul da Guiné. Os sublevados ainda vêm mal equipados mas o seu poder intimidador irá revelar-se tão forte que as populações ou fogem para o mato ou para pontos do litoral, onde julgam encontrar defesa.
O relato de José Leiras é nesse aspeto eloquente: o que ele viu em Fulacunda, enquanto Cabo da CCAÇ 153, enquanto Chefe de Posto em Encheia, de 1963 a 1964.
Os historiadores não podem prescindir de consultar as histórias destas unidades para preencher as lacunas existentes. Fala-se sempre em 20 de Janeiro de 1963 como o início da guerra de guerrilhas, hoje sabe-se que não é verdade. Valia a pena pôr branco no preto.

Um abraço do
Mário


De Cabo do Exército a Chefe de Posto: na Guiné, entre 1961 e 1964

Beja Santos

“Memórias de um Esquecido”, por José Cerqueira Leiras, edição de autor, 2003, é um contributo precioso para conhecer melhor a Guiné a fermentar a luta armada, e sentir os sinais da primeira fase da guerrilha. (*)

José Leiras, do Alto Minho, escreve memórias da sua vida, vamos cingirmo-nos aos preparativos para a Guiné, o durante e o logo depois. Assentou praça em Março de 1960 na RAP 2 na Serra do Pilar, dali saiu imediatamente para o antigo Metralhadoras 3, segue para Coimbra, para o RI 12 e daqui arrancou para o Depósito Geral de Adidos, no Largo da Graça, em Lisboa. Anda muito à boleia entre Lisboa e o Porto, o namorico assim o obriga. Em 27 de Maio de 1961 chega a Bissau, vem num contingente de três aviões militares. O comandante de companhia é o Capitão Curto. Vão para Santa Luzia, a caserna ainda tem o chão em terra, as janelas ainda não tinham vidros, nem porta havia. De Bissau seguem para Fulacunda, que ele vai apresentado conforme sabe. A viagem que fazem é demonstrativa da paz existente. Vão por terra de Bissau para Fulacunda em viatura, passam pelo Biombo, prosseguem por Mansabá, depois Bafatá, Saltinho, Xitole e Bambadinca, e daqui a Fulacunda, região de Beafadas, mas onde não faltam Balantas, Mandingas, Mancanhas e alguns cabo-verdianos. Começam a desmatar em volta do acampamento para fazer um quartel novo. Escreve:

“Passámos 15 dias com machado e serra na mão a cortar árvores e a limpar cerca de 1500 cajueiros e mangueiros. Uma vez o terreno limpo, começámos a fabricar os blocos de terra amassada com palha brava, e que depois de secar ao sol umas semanas são maus duros que betão armado. Tempos depois, o capitão empregou alguns pretos e começou-se a construir uma caserna nova, entretanto já tínhamos ocupado o celeiro da vila e mais três pequenas casas de telha à europeia e aí instalámos dormitórios, enfermaria e depósito de munições. Para a cozinha montámos um grande barracão em troncos e ramos de palmeira e assim ficou para sempre em provisório”.
Tentou fazer negócios com a criação de porcos. Tudo correu mal.

Nem tudo é o sétimo céu, começam a chegar notícias de que a subversão passara a rondar Fulacunda. Pela primeira vez refere a sua unidade, a CCAÇ 153 (**), acabara-se o sossego, todos os dias e todas as noites saíam patrulhas de reconhecimento. Declara que houve uma emboscada quando iam buscar água, morreu o soldado 224/60, António Vilares. Vão à tabanca de Dada e trazem alguns prisioneiros, terá havido represália do PAIGC que incendiou e destruiu completamente a tabanca levando para o mato toda a população válida. A seguir é dinamitada uma ponte que atravessava um pequeno afluente do rio Fulacunda, ficaram cortadas as comunicações com Buba, onde se encontrava a CCAÇ 152.
Refere que Buba era muito bonita e airosa, tinha bom clima e boa água, e um importante cruzamento de estradas para Empada, Catió e a fronteira da Guiné-Conacri. Reconstruiu-se a ponte que dois meses mais tarde foi novamente destruída, o que levou a enviar um pelotão para Empada e uma Secção para Aldeia Formosa. O desassossego continua, foi descoberta uma casa de mato cerca de Buba-Tambó, montou-se emboscada, houve mortos, feridos e prisioneiros, o Soldado António Ribas morreu em combate. Com a tropa desmoralizada, o Capitão Curto manda-os descansar em Bolama, um pelotão de cada vez. E observa, acerca de Bolama:

“Apesar de pequena e desprezada é ainda hoje a cidade da Guiné mais tipicamente portuguesa, com as suas ruas estreitas e calcetadas em pedra ou paralelos”.~

Estavam em férias e tiveram que ir a S. João, os guerrilheiros tinham incendiado e destruído aquele ponto de passagem no ponto extremo do Setor de Fulacunda. Sucederam-se combates em Nova Sintra, as populações dispersam-se. O pelotão é destacado para Catió, os ataques são constantes. Começam a aparecer também comerciantes assassinados. Em Março de 1962, casa-se por procuração. Em 1963, já está em Bissau, a mulher acompanha-o. Logo a seguir a CCAÇ 153 embarca para Lisboa, José Leiras foi ao palácio falar com o Governador Peixoto Correia que já lhe tinha destinado o comando do Posto Administrativo de Encheia. Aplica-se ao trabalho e faz o recenseamento das 30 tabancas existentes, cobrou impostos, mandou efetuar a plantação de dezenas de mangueiros à beira da estrada principal, reparou-se o posto sanitário. E escreve:

“Com a mão-de-obra negra, orientei os trabalhos e então construiu-se uma pequena pista para que lá pudesse ir uma avioneta levar correio. Pelos trabalhos efetuados, éramos muito queridos lá na terra só que o terrorismo naquela zona começava também a dar sinal de vida e em pouco tempo alastrou”.

A mulher está grávida e a sofrer de paludismo, tem de regressar a Portugal. Na coluna para Bissau, entre Encheia e Binar há uma emboscada, um camião civil carregado de arroz e mancarra saltou pelos ares com o rebentamento de uma mina. Mais um soldado morto. No regresso a Encheia, e pela estrada de Bissorã, via Mansoa, depara-se um camião civil a arder. 10 quilómetros à frente, duas árvores atravessadas e mais adiante uma grande vala cortando por completo a estrada.

A guerra é indisfarçável, os fuzileiros chegam a Encheia. José Leiras vai a Bissorã falar com o administrador e pedir reforços, tudo lhe é recusado. No regresso, escapa por um triz a uma saraivada de balas. Em Encheia, há alvoroço todos os dias, gente a fugir para o mato. É nisto que se dá um ataque à povoação, muitas moranças destruídas pelo fogo, o comércio saqueado, todo o gado roubado e pessoas levadas para o mato. O comerciante Francisco Beira Mar é assassinado. José Leiras consegue chegar ao posto e resiste ao fogo dos guerrilheiros, apesar de ferido, pois no jipe foi atingido por várias balas numa perna. Na manhã seguinte, toca-se o clarim para a formatura e hasteia-se a bandeira portuguesa. A situação de Encheia é de uma enorme desolação. José Leiras arranja um voluntário para ir a Bissorã avisar a tropa, esta levou cinco horas para fazer 24 km pois na estrada havia dezenas de árvores atravessadas para além das valas. Ferido, é levado para o hospital, nessa altura as cuidadoras são religiosas. São-lhe extraídas as balas e dias depois vai de avioneta até Bissorã. Passa a noite de Natal de 1963 em Bissorã, no dia seguinte parte para Encheia, já lá está um pelotão. Caminhamos para o fim das vicissitudes do Chefe de Posto em Encheia. No fim do mês de Março de 1964, é mandado apresentar ao novo Governador, Contra-Almirante Vasco Rodrigues. Põe-se ao caminho e apresenta-se ao Governador. Vinha coberto de poeira vermelha, apresentou-se de arma às costas e duas granadas no bolso da camisa. O Governador não escondeu a sua indignação, repreende-o com aspereza, pois devia apresentar-se de farda branca e boné de pala. Convocara-o para lhe dar um louvor, como já não merecia, ia transferi-lo de castigo para o Posto de Cacine. E ele escreve:

“Senhor Governador, o meu louvor pode guardá-lo para V. Exa. como recordação minha, eu queria era aumento de salário e com respeito a ir para Cacine de castigo, vá para lá você que tem tiroteio de dia e de noite para se distrair mas não leve o fato branco porque está sujeito a manchá-lo de sangue e desde já apresento a minha demissão”.

Demorou alguns meses a regressar, os transportes vêm pejados de gente em retirada para a metrópole, andou alguns meses a trabalhar como motorista de camião da Tecnil, em Bissalanca. Em Junho desse ano chega a Lisboa.

Como é evidente, é indispensável ler a história da CCAÇ 153 (**) para procurar averiguar o que há de fidedigno nestes episódios. Parece mais que demonstrado que houve guerrilha acesa a partir de 1962, a data ícone de 20 de Janeiro de 1963 só pode significar que é o ponto de partida para flagelações, mas durante largos meses de 1962 acumulam-se as provas de fugas e raptos de população, assassinatos de comerciantes, atos de destruição de pontes e telégrafos, as comunicações foram sendo anuladas e os civis aproximando-se das povoações do litoral. Isto no Sul. O testemunho parte de Fulacunda. Em Encheia, assistimos, já em 1963 a formas de destruição coincidentes com as que se perpetraram no Sul. E em 1964 disseminara-se a luta armada. Testemunhos como o de José Leiras abonam a intensidade de uma guerrilha que foi recrudescendo até encontrar formas de contenção com nomes próprios: o terror do helicóptero lobo-mau, as operações das forças especiais, os bombardeamentos intensos no interior das matas de difícil acesso. Curioso seria perceber o que é que José Leiras esperava, depois de ter experimentado a guerra no Sul, de seguir em terreno tão atribulado, uma carreira de funcionário colonial.
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Notas do editor

(*) Último poste da série de 16 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16495: Notas de leitura (880): Os Cus de Judas, por António Lobo Antunes (2) (Mário Beja Santos)

(**) Sobre a CCAÇ 153, temos no nosso blogue dezena e meia de referencias. Clicar aqui. Temos também meia dúzia de referências ao cap Curto, José Curto ou José Carreto Curto, hoje tenente general reformado. As suas memórias escritas seriam importantes para se perceber melhor este período de terror e contra-terror dos anos de 1962/63.