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sexta-feira, 10 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14861: História da CART 3494 (8): O 1.º ano da CART 3494 no Xime (Janeiro de 1973 – mês de mais recordações) (Jorge Araújo)


1. O nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), a seguinte mensagem com data de 3JUL2015, na continuação do poste P14749. 

Camaradas, 

Com este novo texto pretendi fazer uma pequena síntese ao que foram os primeiros quatrocentos dias [treze meses] passados no Aquartelamento do Xime pelo contingente da CART 3494, destacando o sentido das nossas diferentes missões/acções naquele contexto de elevado risco, e suas consequências, num tempo em que a esmagadora maioria do seu colectivo tinha 21/22 anos. 

Agora temos duas vezes mais. É a vida em movimento acelerado. 

A este propósito, aproveitei para referir mais alguns detalhes de outras ocorrências em que participámos, com um só objectivo: ampliar o quadro historiográfico da nossa passagem pelo CTIG. 


O 1.º ANO DA CART 3494 NO XIME

(JANEIRO DE 1973 – MÊS DE MAIS RECORDAÇÕES)

- As acções do PAIGC que antecederam o 1.º Aniversário -

1.- INTRODUÇÃO

Chegados ao Aquartelamento do Xime, na margem esquerda do Rio Geba, a 27JAN1972, depois de um mês de I.A.O. cumprido em Bolama, o contingente daCompanhia de Artilharia 3494 [CART 3494] aí permaneceria, como primeiro destino, até 03MAR1973, data em que, por estratégia militar, foi transferido para Mansambo por troca com a CART 3493, a segunda unidade operacional do BART 3873, esta por haver recebido “guia de marcha” para Cobumba, sito na Região do Cantanhez.

Durante os primeiros treze meses da sua missãoultramarina naquele contexto de elevado risco, certamente semelhante a tantos outros lugares espalhados pelo território do CTIG, forammuitas e diversificadas as ocorrências aí contabilizadas poreste colectivo metropolitano formado em Vila Nova de Gaia [RAP2], algumas de cariz excepcional, pela ausência de registos anteriores, levando-nos a classificá-las de experiências únicas e marcantes para o resto desta nossa passagem terrena [lá e cá], por nos suscitarem permanente apelo à natureza humana que tem como elemento fundante e filosófico o conceito de transcendência ou superação.

Foto 1. Cais do Xime - Jun/1972. Margem esquerda do Rio Geba, local carregado de simbolismo para a CART 3494. Aqui encostou, em 27JAN1972, vindo de Bolama, a LDG que transportou o contingente da CART 3494. Daqui saiu o Sintex com o grupo decatorze militares envolvidos naquele que ficou conhecido por «Naufrágio do Geba», em 10AGO1972, de que resultaram três mortos.

Foto 2. Xime - Ago/1972. Viagem de Sintex no Geba efectuada uma semana antes do «Naufrágio», onde o fenómeno «macaréu» é a sua maior armadilha. 

Se aceitarmos que a Guerra no CTIGuiné [como qualquer outra] tem uma dimensão macro, ou seja,uma totalidade cronológica globalizada através das suas práticas de treze anos consecutivos e circunscrita a um conjunto diferenciado de espaços físicos, logo o seu itinerário historiográfico acaba por ficar marcado pelas influências que a natureza da vida social encerra, pois o Ser Humano e a Sociedade não são seres estáticos, dela fazendo emergir distintas problemáticas resultantes das interacções estabelecidas entre os seus semelhantes.

O movimento permanente entre as escalas de mutações então verificadas [porque os fenómenos da guerra não são neutrais] foi evoluindo influenciado pelas acções [atitudes], pelo sentido das mesmas [objectivos, finalidades e políticas]e pelasformas de acção [individuais e colectivas]levadas à prática pelos seus actores durante cada um dos períodos de tempo em que actuaram, independentemente das hierarquias ou das suas posições no conflito, internas e/ou externas.

Porque nela participámos, e sabendo-se que é por via da descrição dos factos e feitos que ajudamos a fazer a sua história, o sentido da nossa acção tem sido quase exclusivamente de informante privilegiado, narrando na primeira pessoa as principais ocorrências ainda disponíveis na memória, todas com mais de quatro décadas [1972/1974], fazendo-as acompanhar, sempre que possível, com imagens com elas relacionadas, visando deixar testemunhos para os que nelas se venham a interessar - asgerações vindouras.

2.- AS PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS DURANTE O 1.º ANO NO MATO

Tendo por cenário a situação geográfica do Aquartelamento do Xime [mapa 1], desde a sua chegada que o colectivo da CART 3494constatou que as suas principais missões/acções estavam relacionadas com o conceito de SEGURANÇA, tarefas prioritárias a incluir na agenda diária dos diferentes Grupos de Combate. 

A primeira, considerada «Rainha» no conjunto de todas as outras, teria de ser cumprida com o máximo rigor, uma vez que tínhamos de garantir a segurança possível em parte do troço que ligava o Xime a Bambadinca, por causa/efeito do tráfego rodoviário que aí ocorria, uma vez que a possibilidade mais exequível para chegar à capital [Bissau], ou desta ao extremo leste do território, de que são exemplos: Bafatá, Contuboel, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Paunca, Galomaro, Mansambo, Xitole, Saltinho, …, só poderia acontecer por via marítima [Rio Geba].

Porque o cais do Xime [foto 3] era utilizado diariamente, quer como ponto de chegada e/ou de partida, por onde circulavam semanalmentecentenas de militares e civis e uma vasta panóplia de produtos e equipamentos, este assumia-se como local político-militar-económico estratégico por excelência.

Foto 3. Cais do Xime – 1974. Imagem do camarada António Rodrigues [P14797], com a devida vénia, tirada do Aquartelamento do Xime. 

Para garantir a máxima segurança a todos os que dela necessitavam naquele troço, os milicianos da CART 3494 cumpriam essa missão diária entre as 07.00/07:30H até ao pôr-do-sol (ocaso) ou, em situações particulares, até que ficassem concluídas as actividades portuárias, no local designado por Ponta Coli, onde, por duas vezes, o grupo escalado foisurpreendido por bigrupos de guerrilheiros do PAIGC, em 22ABR1972 e 01DEC1972, daí resultando baixas de ambos os lados. 

Sobre estas duas ocorrências ver P9698 + P9802 + P12232 + P13494.

Outro tipo de segurança que realizávamosestava relacionada com a protecção às embarcações que navegavam no Geba, onde os GComb da CART 3494, algumas vezes reforçados por GComb da CCAÇ 12, percorriam os itinerários ícones do Xime, como sejam os exemplos de «Ponta Varela», «Medina Colhido», «Gundaguê Beafada» e «Poindon», em patrulhamentos ofensivos, montagem de emboscadas e outras missões/acções mais específicas, verificando-se em alguns deles contactos mas sem baixas nas NT, em oposição com o IN, destacando-se entre outros casos o de Mário Mendes, CMDT do PAIGC na zona, mortona Ponta Varela,em 25MAI1972.

Mapa 1. Zona Leste > Sector L1 > Xime: território onde, durante treze meses, os efectivos da CART 3494 desenvolveram a sua actividade operacional.

Como consequência do método utilizado neste conflito, classificado por «guerra de guerrilha», a estratégia do IN era esquivar-se ao contacto com as NT, optando por agir de surpresa, ora através de emboscadas ora por via de ataques ao(s)Aquartelamento(s) e Destacamento(s), realizados quase sempre à noite, recorrendo a armas pesadas [canhões sem recuo e morteiros 82].

Entre 19 Março e 25 de Novembro de 1972 [o último naquele ano] o Aquartelamentofoi atacado por oito vezes, A/D de Amedalai duas e o Destacamento do Enxalé uma vez, equivalente a uma média de um ataque por mês. Esta facilidade e a frequência com que o PAIGC passou a realizar, naquela época, os seus ataques contra as NT aquarteladas no Xime,eram resultado das condições objectivas de que dispunham, do ponto de vista da mobilidade, uma vez que os seus efectivos destacados na Zona [no Poindom, no Baio, Rio Buruntoni, na Ponta Luís Dias ou no Fiofioli], tinham total liberdade de circulação, bem como da gestão de toda a sua logística incluindo, entre outras, a construção de esconderijos para camuflagem do material pesado e o controlo da população aí residente, conforme se dá conta no mapa 2.

Mapa 2. Zona Leste > Sector L1 > Xime: o alvo de todos os ataques perpetrados pelo PAIGC. O território a Sul era percorrido com total liberdade pelos guerrilheiros, permitindo-lhes escolher, optar e/ou variar o local da colocação das suas armas pesadas, bem como definir a quantidade de munições a despejar e a duração temporal de cada um.

3.- AS ACÇÕES DO PAIGC QUE ANTECEDERAM O 1.º ANIVERSÁRIO

- Janeiro de 1973 – mês de mais recordações 

Janeiro de 1973 foi considerado um mês atípico, no contexto da CART 3494, pela relevância que alguns episódios tiveram no seu quotidiano. Desde logo por tratar-se do primeiro mês de um novo ano, aquele que poderia bem ser o do regresso… mas não foi. Depois, porque em 27JAN1973comemorava-se o 1.º Aniversário da presença do seu contingente no Xime, encerrando-se este ciclo temporal de vivências no mato com quatro baixas mortais [uma em combate e três por afogamento no Geba], números que felizmente se mantiveram até final da comissão.

Em complemento ao acima referido, os guerrilheiros do PAIGC em actividade na Zona fizeram questão de contribuírem como mais alguns eventos, adicionando-lhes mais três ataques ao Aquartelamento, respectivamente, em 17, 24 e 29.

Ainda mais relevante foi o facto de em 20JAN1973, Amílcar Cabral,principal líder do PAIGC, ter sido assassinado por dois membros do seu próprio partido, em Conacri.

A História do BART 3873 a eles se refere nos seguintes termos:

9.º Fascículo – Janeiro/1973

67. Inimigo

d) Subsector do Xime

- Nos dias 17 às 21H05, 24 às 18H38 e 29 às 19H40, o XIME sofreu sucessivamente 03 flagelações, por grupos não calculados que empregaram canhão S/R e morteiro 82. Não há a contar danos pessoais ou materiais em qualquer delas.

e) Conclusões

- É arriscado concluir-se se as flagelações ao XIME a 24 e 29 são ou não resultado da directiva emanada dos elementos preponderantes do Partido, reunidos em CONAKRI e referida no n.º 65, após a morte do seu SECRETÁRIO-GERAL, no dia 20 do corrente mês [pp 93-94].

3.1 – OS ATAQUES DE 24JAN1973 

Em 24JAN1973, uma 4.ª feira, a actividade interna e a operacional estavam, como sempre, a serem cumpridas de acordo com o programado. Por via da minha função de «sargento de dia», naquela ocasião cabia-me responder pelas primeiras – as internas, nomeadamenteno controlo da distribuição de água pelos diferentes depósitos e abrigos, refeições, distribuição de correio e postos de vigia, e outras tarefas menores.

Por volta da hora do almoço, uma mensagem era recebida no emissor/receptor de Transmissões do Quartel do Xime, dando conta que um barco civil estava a ser atacado pelo PAIGC, na confluência entre o Corubal e o Geba, flagelação realizada da margem da Ponta Varela, mas sem consequências. 

Mais tarde, à hora habitual, ou seja, por volta das 18:30H, deslocámo-nos para o refeitório dos praças [foto 4] com o objectivo de supervisionar a distribuição do jantar, confeccionado pelos nossos mestres de restauração, o João Machado e o João Torres.Aementa era sopa de [?] e «arroz de estilhaços», de uma vaca que fora esquartejada no nosso centro de abate [foto 5].

Foto 4. Xime – 1972. Refeitório dos praças.

Foto 5. Xime – 1972. Espaço entre o refeitório e a cozinha [barraco de chapas], onde se fazia, de dois em dois dias, o abate dos animais para a alimentação. 

Iniciada a refeição, e quando nada fazia prever, os discos de inox, com o arroz de estilhaços no seu interior, transformaram-se em discos voadores circulando em vários sentidos.Estávamos a ser atacados com armas ligeiras [kalashnikov’s], para nosso espanto, ali tão perto [mapa 3], fazendo subir numa curta fracção de tempo a adrenalina daquele colectivo.

Ao grito inicial de «os gajos estão cá dentro…», eis que nos transformámos em gazelas do mato [imagem simbólica] saindo do refeitório, completamente desprotegidos, em direcção aos diferentes abrigos para podermos comunicar na mesma linguagem – a militar.

Os camaradas artilheiros do 20.º Pelotão de Artilharia, sedeado no Xime, fizeram naquele contexto e uma vez mais o seu competente trabalho, ajudando-nos a ultrapassar aqueles momentos muito especiais e de grande tensão.

Mapa 3. Zona Leste > Sector L1 > Aquartelamento do Xime. Legenda relacionada com o ataque de armas ligeiras em 24JAN1973.

Lentamente as armas dos dois lados foram-se calando.Mas mais estava ainda para acontecer. Algum tempo depois entrava em acção ohabitual armamento pesado IN [canhão sem recuo e morteiro 82] prolongando por mais quinze minutos o combate.Caladas definitivamente as armas ligeiras e pesadas de ambos os lados, e sem consequências para as NT, o alerta manteve-se até ao início da manhã seguinte, altura em que foi efectuado o reconhecimento à zona a cargo do GComb de serviço.

Constatámos que o arame farpado onde se tinham emboscado os guerrilheiros, não mais de cinco, posicionados no enfiamento da padaria do Fialho [o nosso especialista de panificação que nos servia, quando em serviço nocturno, uns casqueiros saídos do forno besuntados com manteiga acompanhados de um balde de água escura, vulgo café] estava cortado, existindo no terreno circunvolvente muitas dezenas de invólucros das suas armas. 

Foi também localizado um guerrilheiro ferido com gravidade. Transportado para a enfermaria aí foi tratado com toda a dignidade, até à sua evacuação para Bissau, pelo meu/nosso camarada ex-Furriel Enfº. Carvalhido da Ponte. A certa altura perguntei-lhe se queria comer? A sua resposta foi positiva. Trouxe-lhe, então, uma terrina de batatas cozidas [o acompanhamento do almoço daquele dia] tendo ingerido uma dúzia de metades, até que chegou o Heli e o levou para o Hospital Militar.

Nunca mais soubemos o que lhe aconteceu… morreu ou sobreviveu?

Foto 6. Xime – Jun/1972. O edifício da imagem, da esqª/dtª, refere-se ao bar dos praças, arrecadação de géneros e à enfermaria [porta + janela]. Na rectaguarda desta estava situado o refeitório [foto 4]. 

As árvores à esquerda sinalizavam as paragens obrigatóriaspois serviam de sombra aos camaradas de outras unidades que nos visitavam, nomeadamente aqueles que faziam segurança às colunas que se deslocavam ao Cais, e que aproveitavam estas ocasiões para matar a sede…

Cinco dias depois da tríade de ocorrências no mesmo dia, ou seja, em 29JAN1973, 2.ª feira, por volta das 20:00H, um novo ataque ao Aquartelamento do Xime foi perpetrado pelo PAIGC, agora sem a ousadia anterior, tendo recorrido somente à utilização de armas pesadas: canhão sem recuo e morteiro 82, mas sem consequências, uma vez que todas as granadas caíram no exterior do perímetro do aquartelamento.

Ainda na mesma semana, no sábado dia 03FEV1973, realizaria a minha última missão/acção no Xime, ao participar na Operação «Guarida 18» [P13839 + P13844].

Nove dias depois deste episódio, ou quinze dias após o último ataque, eis que em 12FEV1973, 2.ª feira, o quartel da CART 3494 voltaria a ser atacado durante os quinze minutos da praxe com as mesmas armas pesadas: 2 canhões sem recuo e morteiros 82, igualmente sem consequências, ficando este na história como o derradeiro ataque contabilizado no período em que estivemos aquartelados no Xime.

Eis mais um pequeno contributo historiográfico da presença do contingente da CART 3494 no CTIGuiné.

Com um forte abraço de amizade.
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
___________
Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em: 


segunda-feira, 20 de abril de 2015

Guiné 63/734 - P14495: História da CART 3494 (6): RECORDANDO A 1.ª EMBOSCADA NA PONTA COLI EM 22ABR1972 E A MORTE DO FURRIEL BENTO - A única baixa em combate da CART 3494 (Jorge Araújo)


1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 20 de Abril de 2015: 

Camaradas

Com a presente narrativa procuro recuperar duas das principais memórias do nosso percurso militar como ex-combatentes no CTIGuiné [1972-1974], ambas ocorridas no mês de Abril, mas com dois anos de intervalo, e que ficarão para sempre na historiografia do contingente da minha CART 3494/BART 3873.

A primeira, com quarenta e três anos [faz hoje!], relembra os episódios das emboscadas na Ponta Coli, com particular destaque para a 1.ª [22ABR1972]. A outra efeméride, já com quarenta e um anos, recorda a chegada à Metrópole [como se dizia à época], em 03ABR1974, a derradeira etapa após o dever cumprido.

Como o tempo passa veloz…

RECORDANDO A 1.ª EMBOSCADA NA PONTA COLI 
EM 22ABR1972 E A MORTE DO FURRIEL BENTO
- A única baixa em combate da CART 3494 -

1.- INTRODUÇÃO

Para o contingente dos ex-combatentes da COMPANHIA DE ARTILHARIA 3494 [CART 3494 - Xime-Enxalé-Mansambo / 1971-1974], do BART 3873,ABRIL passou a ser, desde 1972, um mês onde, por motivos opostos, se comemoram duas efemérides de grande significado colectivo; uma de dor, tristeza e revolta [1972] a outra de felicidade pelo regresso às origens depois do dever cumprido [1974].

A primeira, de muitas emoções e tensões, está relacionada com o «baptismo de fogo» da Companhia ocorrido na emboscada em22ABR1972 [sábado], experiência que classificamos de superação extrema [ou superior transcendência] vivida por vinte e dois elementos continentais do 4.º GComb, mais um Guia guineense, atacados [à má fila…] no contexto damissão/acção de segurança à Estrada Xime-Bambadinca, no sítio da Ponta Coli, onde se registou, lamentavelmente, a primeira e única baixa da Unidade contabilizada em combate durante a sua presença no CTIGuiné, a do nosso camarada Furriel Manuel Rocha Bento, natural da Ponte de Sor, a quem justamente prestamos a nossa sentida homenagem.

Foto 1 – Xime - Uma semana antes do trágico acontecimento em 22ABR1972. O camarada Manuel Bento acompanhado por dois homens do “rancho”; à sua dtª o João Machado e à sua esqª o João Torres [cozinheiros], com o Geba ao fundo.

Foto 2 – Xime - Alguns dias antes do 22ABR1972. O trio de furriéis responsáveis pelo 4.º GComb, que foram apanhados na emboscada na Ponta Coli, pousando antes de um «jogo da bola». Da esqª/dtª, o Manuel Bento, eu e o Sousa Pinto [1950-1912.04.01].

Sete meses depois, uma segunda emboscada voltou a ser perpetrada pelo PAIGC no mesmo local e à mesma hora, ou seja, em 01DEC1972 [6.ª feira], em que o alvo foi, naturalmente por coincidência, o mesmo 4.º GComb, mas desta vez não se verificaram baixas mortais nas NT, registando-se dois feridos que foram evacuados para o HM 241, em Bissau. 

Do lado IN, que era constituído pelo grupo de «Bazookas» de Coluna da Costa e pelo bigrupo de Mamadu Turé e Pana Djata [substitutos de Mário Mendes, morto em combate, em 25MAI1972 [5.ª feira], na Ponta Varela, e responsável pela 1.ª emboscada], os guerrilheiros deixaram, no terreno, dois cadáveres, que foram sepultados no cemitério de Bambadinca, em campas separadas, bem como uma pistola, uma espingarda automática e um RPG com duas granadas.

Mapa-itinerário (linha vermelha) utilizado entre o Aquartelamento do Xime e o sítio da Ponta Coli – Estrada Xime-Bambadinca.

2.-RECORDANDO A EMBOSCADA…

Hoje, ao recordar aquele episódio de há quarenta e três anos, continuo incrédulo como foi possível superar aquela batalha, perante tamanha inferioridade física e numérica das NT, com um morto, dezassete feridos, desmaiados e poucos em condições de estabelecer um equilíbrio com quem iniciou a contenda.

Actuando de surpresa a cinquenta/sessenta metros dos alvos [humanos] colocados em cima de duas viaturas, ainda que em movimento lento, estaríamos nos centros das miras das suas “costureirinhas” e “RPG’s”,é inacreditável como não conseguiram fazer um “ronco” maior neste (des)encontro? 

Em primeiro lugar, porque as NT eram piriquitas nestas andanças da guerra de guerrilha, pois tinham apenas oitenta dias de mato, equivalente a mês e meio de sobreposição com a CART 2715 e os restantes dias [ainda poucos] de autonomia plena. Em segundo, pela experiência dos líderes do PAIGC, acumulada nas emboscadas anteriormente montadas no mesmo local desde 10ABR1968, data da primeira acção, a que se adicionam todos os outros conhecimentos adquiridos ao longo de muitos anos de prática neste contexto.

No meu caso, esta deslocação à Ponta Coli era a oitava vez que a fazia, pois havia chegado ao Xime somente nos últimos dias do mês de Março, e onde encontrei muitas rotinas já instaladas, em particular o exemplo da segurança à Ponta Coli.

Foto 3 – Xime [Ponta Coli] – Local do combate travado com o IN pelo 4.º GComb, em 22ABR1972, onde o camarada Bento foi atingido mortalmente por efeito de uma granada de RPG na zona da cápsula articular/clavícula do ombro direito, uma vez que se encontrava na 1.ª viatura, no banco da frente, ao lado do respectivo camarada condutor.

Foto 4 – Xime [Ponta Coli] – Árvore sinalizada como posto de vigia e onde ficava instalado o CMDT da força em acção/missão de segurança diária. Foi a partir deste local que o IN deu início à emboscada no dia 22ABR1972. 

Foto 5 – Xime [Ponta Coli] – A mesma árvore da imagem anterior, agora no seu plano superior, donde se tinha uma observação de maior alcance.

Quanto ao menor sucesso do IN [e ainda bem…], acredito que uma possibilidade ficou a dever-se à gestão do tempo, que correu a nosso favor, pois [como referi na narrativa original, a 1.ª que publiquei no blogue] aos poucos, ao ritmo de um tempo que parecia não passar, os desmaiados começam a acordar, os feridos tomam consciência de que ainda têm força suficiente para reagirem, e com os cinco ilesos que continuavam activos e operacionais, através de um impulso colectivo vindo das entranhas e de um grito de contra-ataque, contribuímos para anular a terceira tentativa de sermos apanhados à mão por parte dos elementos do PAIGC, que muito porfiaram mas sem sucesso. 

Por outro lado, é da mais elementar justiça referir o desempenho do nosso camarada guineense MALAN [guia e também ele combatente - imagem ao lado (6)], que sempre me mereceu o maior respeito, admiração e apoio, pois era um homem solitário, tendo como única companhia o seu cachimbo artesanal, mas nosso amigo, e que muito nos ajudou nos diferentes itinerários que tivemos de percorrer, numa mata extremamente difícil, com muitas armadilhas, ratoeiras e outros obstáculos [já relatados neste espaço por outros camaradas que por lá passaram] e que hoje, certamente, ele já não faz parte do grupo dos vivos. 

Parece que ainda o estou a ver sangrando com alguma abundância da cabeça, onde existiam pelo menos duas perfurações, empunhando duas G3 [a sua e outra que encontrou abandonada no solo].Com uma em cada membro superior, apoiadas nas suas axilas e, em plena estrada, de pé, defendia-se contribuído, também, para o sucesso do grupo. Foi depois evacuado para Bissau, onde ficou internado algumas semanas, regressando ao Xime ainda a tempo de participar na segunda emboscada. 

Outra situação que também ajudou, certamente, na debandada dos guerrilheiros teve a ver com a circunstância dos municiadores de morteiro e de bazuca, após recuperarem a consciência, depois de terem ficado atordoados na sequência do salto das viaturas em andamento, fazerem uso das suas armas a uma cadência de tiro inconstante, mas mesmo assim relevante, uma vez que o desempenho de ambos estava/ficou dependente da localização das suas munições [granadas] que acabaram por ficar dispersas ao longo da estrada, numa frente de cento e vinte metros, mais ou menos, dando a ideia de que estávamos fortemente armados.

Foto 7 – Xime [Ponta Coli] – Linha recta da zona de segurança à Ponta Coli. A estrada Xime-Bambadinca fica do lado direito da imagem, paralela às árvores. Os elementos IN estavam emboscados ao longo do trilho, enquanto as NT se encontravam na estrada asfaltada, à direita.

Depois deste episódio negativo, que provocou dor, sofrimento e algum temor entre nós, nada mais ficou como dantes, a exemplo do que nos diz a metáfora popular «depois de casa roubada trancas à porta», tendo apresentado de imediato outras metodologias e procedimentos assimilados durante a instrução no CIOE, em Lamego, visando a salvaguarda da minha/nossa sobrevivência perante este contexto adverso e muito exigente.

A prová-lo estava, ainda, o facto do CMDT da Companhia se ter autoexcluído no dia seguinte à 1.ª emboscada, ao assinar a sua própria baixa ao Hospital Militar [Serviço de Psiquiatria],em Bissau, para não mais regressar ao Xime.

Devido a essa sua decisão de se autoexcluir é nomeado para novo CMDT da CART 3494 [o 2.º], o então ex-CapArt António José Pereira da Costa [hoje, Cor Art Ref], meu/nosso camarada e tertuliano deste blogue. A sua chegada ao Xime ocorreu dois meses após a 1.ª emboscada, ou seja, no dia 22JUN1972 [5.ª feira], dia do seu aniversário… que coincidências!

As duas histórias originais que foram escritas na primeira pessoa em 2012, quarenta anos depois de as ter vivido in loco, e que agora recordei em síntese, fazem parte do espólio de narrativas divulgadas neste blogue [P9698 e P9802], no separador “Ponta Coli”e que, por sinal, correspondem às minhas duas primeiras memórias com que iniciei a participação na «Tabanca Grande», o grande batalhão de ex-combatentes que no passado sábado, em Monte Real, se reuniram no seu X Encontro Nacional, e que na próxima 5.ª feira, 23ABR2015, comemorará o seu 11.º Aniversário.

PARABÉNS aos Editores e a todos os camaradas Tertulianos que dela fazem parte.

Entretanto, em resultado da experiência e das emoções contabilizadas nesse 1.º episódio no sítio da Ponta Coli, e como modo de as traduzir no papel, decidi baptizá-las como «Era uma vez uma estrada, palco de jogos de sobrevivência (Xime-Bambadinca) – o caso da Ponta Coli».

Quanto à segunda efeméride, reportada ao mês de Abril,esta está datada desde03ABR1974 [4.ª feira],quando o contingente regressou definitivamente à Metrópole, ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa, a bordo de um boeing 707, dos Transportes Aéreos Militares [TAM]. Este acto [ou facto] ocorreu oitocentos e vinte e sete dias depois do embarque no Cais da Rocha, em Lisboa, encerrando-se assim o ciclo de vida ultramarino previsto nos deveres individuais para com a Nação inscritos, à data, na Lei do Serviço Militar Obrigatório [SMO].

Esta referência normativa é dirigida, justamente, aos mais jovens leitores deste blogue, uma vez que o SMO foi extinto em meados de 1999. A partir de 2004, passou a ser atribuída às Forças Armadas a capacidade de captar os seus próprios recursos humanos concorrendo directamente no mercado de trabalho com outras entidades empregadoras.

Termino, prometendo voltar logo que possível a este tema, resumindo num só texto o mapeamento cronológico e histórico relacionado com as emboscadas na Estada Xime-Bambadinca, com destaque para a Ponta Coli, e as suas consequências.

Com um fraterno abraço de amizade,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
___________
Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em: 


domingo, 2 de novembro de 2014

Guiné 63/734 - P13839: História da CART 3494 (1): A ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 3494. A OPERAÇÃO «GUARIDA 18» -XIME-03FEV1973 (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 27 de Outubro de 2014:


Caríssimos Camarada Luís Graça,

Os meus melhores cumprimentos.

Durante os treze meses em que o contingente da CART 3494 marcou presença no Xime, permitiram-nos quantificar um vasto leque de ocorrências, em muitas delas colocando o universo do seu efectivo em situação difícil, como é possível conferir pelas sucessivas narrativas que produzi e já publicadas anteriormente (ver postes).

Os factos a que me reporto no presente texto, sendo específicos à participação numa acção concreta – a Operação «Guarida 18», realizada em 03FEV1973 – eles pretendem sinalizar quão problemática sempre foi a Actividade Operacional naquela região, com destaque para a segurança terrestre e marítima, patrulhamentos, emboscadas e diferentes operações, reforçando os testemunhos incríveis de outras épocas.

Com efeito, para a minha história cronológica, a participação nesta operação coincidiu com a última missão em que estive envolvido nesse território – o XIME… e que missão. Este relato é ainda a resposta prometida aos camaradas João Silva e Hélder Valério que, a seu tempo [P12141], me questionaram sobre este tema. 

A ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 3494
(A OPERAÇÃO «GUARIDA 18» –– XIME-03FEV1973)
A minha última missão… entre a Ponta Varela e Lisboa 

I– O XIME - DESTINO DA CART 3494 EM 1972

I.1 -ASPECTOS SOCIOGEOGRÁFICOS

ACART 3494, a terceira e última unidade operacional do contingente do BART 3873, chegou à localidade do Xime no dia 28JAN1972, 6.ª feira, um dia depois de ter concluído no C.I.M. [Centro de Instrução Militar], na Ilha de Bolama, o seu período de I.A.O., realizado entre 28DEC1971 e 27JAN1972. A deslocação da Companhia, bem como das restantes unidades do Batalhão, foi feita em L.D.G. [Lancha de Desembarque Grande] até ao seu Cais.Aí chegados, a CCS, a CART 3492 e a CART 3493 seguiram em coluna-auto para os seus respectivos Aquartelamentos, respectivamente, em Bambadinca, Xitole e Mansambo, enquanto os militares da CART 3494 apenas tiveram necessidade de percorrer [+/-] duzentos e cinquenta metros para se instalarem nos seus novos apartamentos no designado «Aquartelamento do Xime».

Mapa referente à distribuição geográfica do contingente do BART 3873

Foto 1 – Cais do Xime [Maio/1972]. Estrutura construída em troncos de palmeira, cravada no tarrafo do Rio Geba, encimada por um estrado de tábuas. Do lado esquerdo é a margem direita e do lado direito a margem esquerda. O guindaste era utilizado no transfere de madeiras, animais e outros objectos mais pesados, dos barcos para o cais ou vice-versa. A localidade imediatamente a seguir ao Xime, para leste, era Bambadinca, sede do BART.

I.2 -MISSÕES

De entre as diversas missões atribuídas diariamente à CART 3494, sobressaía a relacionada com o conceito «segurança», por efeito da sua situação sociogeográfica, merecendo destaque a rede hidrográfica, com a qual se estabelecia a fronteira terrestre, de que são exemplos os rios Geba e Corubal [mapa e foto 1].

Vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, aquele que é o fundamento de qualquer missão militar em contexto de guerra, o efectivo da CART 3494 desenvolvia as suas missões/acções de modo a garantir a normal circulação no interface das duas principais vias de comunicação com a Zona Leste do território da Guiné: a marítima e a terrestre, assumindo, para o efeito, papel relevante não só a nível do que se considerava reabastecimento, como na protecção de pessoas e bens, quer fossem unidades militares ou elementos civis.

No contexto estritamente militar todos os Batalhões e/ou Companhias Independentes, vindos de Bissau, ou no seu regresso para a capital, tinham, nesta época, obrigatoriamente de passar pelo Xime, localidade situada na margem esquerda do Rio Geba e, por isso, considerada o “fim da linha”, uma vez que a via marítima era o meio mais exequível de ligar os dois pontos, em particular por razões operacionais. Desta relevância global, o Xime e consequentemente o contingente militar ali instalado, era considerado elemento estratégico por excelência nas suas dimensões política, militar e económica.

Foto 2 – Cais do Xime [Agosto/1972]. Vêm-se civis e militares. As cabras preparam-se para seguir viagem até Bissau.

Foto 3 – Cais do Xime [Julho/1972]. Quando da chegada de algum contingente militar ao Xime [de ou para Bissau], sempre que possível, elementos da CART 3494 estavam no Cais para os receber. Na foto, da esquerda para a direita, os ex-Alferes Maurício Viegas, CMDT do 20.º Pelotão de Artilharia; Manuel Carneiro e Manuel Gomes e o ex-Cap Pereira da Costa, CMDT da CART 3494 [de 22Jun1972 a 10Nov1972].

Estas actividades diárias que sempre foram consideradas de alto risco, principalmente porque visavam garantir a segurança possível ao tráfego rodoviário que circulava no troço que ligava o Xime a Bambadinca, e que deste se ramificava até ao extremo leste do território, de que são exemplos: Bafatá, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Galomaro, Mansambo, Xitole, Saltinho, entre outras localidades,influenciavam, e de que maneira, o nosso quotidiano, por atribuir-nos uma dupla responsabilidade, na justa medida em que fazia depende do nosso sucesso o sucesso dos outros.

Daí terem ocorrido nos primeiros dez meses dois combates com grupos de guerrilheiros do PAIGC, de que resultaram baixas para ambos os lados, entre mortos e feridos, na sequência de duas emboscadas na Ponta Coli, a primeira no dia 22Abr1972 e a segunda no dia 01Dec1972 [vd. P9698 + P9802 + P12232].

Para além desta missão importante, outras faziam parte da nossa “agenda” como sejam patrulhamentos, emboscadas, segurança a embarcações que navegavam no Rio Geba, com chegada ou saída do Xime. Acresce a tudo isto a realização de outras missões com objectivos mais específicos, denominadas «Operações/Acções», com recurso à mobilização de maior número de meios humanos e logísticos, algumas vezes fazendo apelo a apoios aéreos. É desta actividade mais problemática que vos dou conta no ponto seguinte.

II– A OPERAÇÃO «GUARIDA 18» –– XIME-03FEV1973 

- a minha última missão… entre a Ponta Varela e Lisboa -

Quarenta e um anos depois, revisitei a História do BART 3873, em particular as memórias [e as imagens!] das grandes experiências contabilizadas no contexto da actividade operacional da CART 3494, no Xime. Este recuo no tempo foi influenciado pela publicação dos diferentes fascículos que têm vindo a acontecer de modo faseado no blogue, documento do nosso camarada António Duarte [ex-Fur.Mil. da CART 3493/CCAÇ 12, que nos viria a substituir no Xime].Para o efeito, recuperámos os dois últimos [10.º/Fev1973-P13699 e 11.º/Mar1973-P13751], onde estão inventariados, entre outros, os principais factos e feitos das subunidades. 

Porque em alguns deles estive envolvido e porque a história nada nos conta em relação aos detalhes [não podia, porque o historiador/relator limitava-se a analisar o seu conteúdo e/ou a transcrever o que chegava ao seu gabinete de trabalho, provavelmente com censura pelo meio], aqui vos deixo o antes, durante e depois daquela que viria a ser a minha última missão no Xime e que, para além desse valor numérico, selou um espaço e um tempo carregado de muitíssimo significado pessoal, e também colectivo.

Reza o documento dactilografado da História da Unidade [BART 3873], no 10.º fascículo; Fevereiro de 1973, ponto 74. «NOSSAS TROPAS»; alínea a) Acções e Operações Mais Importantes; o seguinte:

- “Acção «GUARIDA 18» de 030500 a 031130 com patrulhamento, emboscada e montagem de armadilhas na região de PTA VARELA. Intervieram 03 Gr Comb da CCAÇ 12 e 03 (-) da CART 3494. O IN teve 02 mortos e 01 ferido confirmados e as NT 01 ferido ligeiro” (p.46).

O que seguidamente se relata traduz a verdade dos factos vividos na primeira pessoa, e é nessa qualidade que tomei a iniciativa de os tornar públicos, com o objectivo de ampliar os elementos historiográficos da minha CART 3494/BART 3873.

Tomei conhecimento desta Acção/Operação na véspera, dia 02Fev1973, 6.ª feira, de modo informal/formal [não sei como classificá-lo] directamente do meu CMDT de Companhia.Registei a informação e na sequência do diálogo que estabelecemos recordei-lhe que tinha sido combinado entre nós que pela manhã do dia seguinte, sábado, seguiria para Bafatá com o objectivo de apanhar transporte aéreo para Bissau e depois para Lisboa, esta viagem agendada para o dia 05Fev73, data do início do meu segundo período de férias.

Na impossibilidade de se poder cumprir com o acordado anteriormente, causa/efeito atribuído ao reduzido número de quadros de comando, naquele período, na Companhia, levou a quea minha presença fosse considerada imprescindível naquela missão, acabando por respeitar [obviamente] a decisão tomada. Entretanto, para minimizar eventuais prejuízos que pudessem vir a ocorrer por redução do tempo útil até ao embarque para Lisboa, foi acertado novo compromisso. Este sugeria que antes do início da operação, deixasse tudo preparado com “mala feita” para que, após a sua conclusão, seguisse de imediato para Bafatá ainda a tempo de se concretizar o plano anterior. E foi isto o que veio a acontecer.

No sábado de madrugada, dia 03FEV1973, do aquartelamento do Xime saiu uma força mista de cerca de cento e trinta militares, entre guineenses e continentais, operacionais da CCAÇ 12 e CART 3494, conforme referi anteriormente.

Sector L1 [Bambadinca] – XIME > Zona de intervenção da CART 3494, com particular destaque para o território à esquerda da linha vermelha

A missão estava a decorrer com normalidade, sem sinais no terreno que suscitassem alertas particulares, ainda que a atenção/concentração fossem, como sempre, conceitos a respeitar.Eis senão quando o que se considerava ser uma possibilidade meramente académica aconteceu mesmo.

Numa coluna mista, em que os diferentes grupos de africanos e europeus se encontravam intercalados na progressão, neste caso numa frente que podia, a espaços, atingir algumas centenas de metros, as dúvidas/incertezas eram maiores, desfeitas quase sempre a partir do equipamento e/ou do vestuário.

Em determinado momento do itinerário utilizado pelas NT, na zona da Ponta Varela, na parte inferior (sopé) de um terreno com declive acentuado, avistei um elemento do PAIGC, com farda escura, vagueando por ali aleatoriamente. Ainda lhe fiz sinal do cimo do declive mas não sei se me viu, uma vez que a progressão continuava o seu curso… e ele por lá ficou.

Com este facto na memória, e sem certezas quanto ao que deveria ter feito e não fizera, eis que percorrida uma vintena de metros (+/-), ao contornar uma zona de vegetação com passagem por uma clareira, aqui fiquei diante de um outro vulto humano, de camuflado amarelado e portador de um RPG7. Ficámos frente-a-frente a uma distância a rondar os dez metros, havendo ainda tempo para trocámos olhares, num lapso de tempo que não é possível contabilizar, mas que impunha uma decisão pronta. Ao meu primeiro sinal [tiro] iniciou-se o «jogo de sobrevivência» que caracteriza estes contextos, e que o episódio anterior me tinha servido de alerta.

[…] Ao ficar sem munições naquela situação [clareira] ou devido à arma ter-se encravado (?!) [não houve oportunidade para saber a verdadeira razão], procurei proteger-me atrás de uma árvore ali próxima para trocar de carregador, tendo-me caído nas costas, alguns segundos depois, um pequeno tronco dessa árvore, mas sem consequências físicas para além do natural susto. À minha frente, mas próximo da vegetação, o cabo Miranda, especialista de dilagramas, contemplava os acontecimentos em perfeito estado hipnótico [?], pois não saiu da sua posição vertical enquanto decorreu o combate.

A vida na guerra tem destas coisas.

Chegado ao aquartelamento, são e salvo, dei cumprimento ao plano pré-definido, seguindo para Bafatá e depois para Bissau, onde pernoitei.

No dia 05FEV1973, à hora marcada, lá estava eu no Aeroporto de Bissalanca [hoje Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira], aguardando, ansiosamente, por outro momento pleno de significado: gozar o segundo período de férias em Lisboa, até ao dia 10Mar1973, em família. Era a última etapa do itinerário iniciado na Ponta Varela (Xime) e concluído em Lisboa, quarenta e oito horas depois.

Foto 5 – Aeroporto de Bissalanca [05FEV1973]. Momento de descontracção, antes do embarque na TAP para gozo do segundo período de trinta e cinco dias de férias. A mala vermelha, outra companheira que me acompanhou durante o serviço militar de três anos, está hoje cheia de histórias e de memórias.

III– O REGRESSO AO XIME 

III.1 - A viagem em sentido contrário ou o regresso às origens

De regresso a Bissau no dia previsto [10Mar1973], para cumprir a derradeira etapa [que seria superior a um ano], a expectativa era chegar ao Xime o mais rápido possível, uma vez que não era funcional andar com a bagagem de um lado para outro na capital, situação que dificultava, em muito, a nossa mobilidade.

De entre as várias hipóteses, a mais rápida e a mais barata era ir à boleia, por via marítima claro está, utilizando um dos barcos que diariamente sulcavam as águas do Geba até ao Xime, ou até Bambadinca.

E assim foi, basta observar a imagem abaixo.

Foto 6 – Bissau (Cais) [11MAR1973]. Preparação da saída da embarcação que nos levou até ao Xime, vendo-se à direita a mala vermelha transportando mais histórias, agora das férias, e uma caixa de “pilhas recarregadas” para ajudar a resistir às adversidades que certamente ainda teríamos de suportar, superando-as. Os militares que se vêm na foto são: o ex-furriel Faia (CCS/BART 3873) e o outro, em camuflado, um elemento da CART 3494.

III.2 - Chegada ao Xime

Chegados ao Xime, foi com espanto que soubemos da transferência da CART 3494 para Mansambo,no dia 06Mar1973, substituindo a CART 3493, que foi deslocada para Cobumba. Por sua vez, a CCAÇ 12, sediada em Bambadinca, e que era uma Companhia de Intervenção do CAOP 2, substituiria a CART 3494 no Xime.

III.3 - Chegada a Mansambo

Depois de uma viagem atribulada no regresso ao mato, com estadia de uma noite em Bambadinca, eis-nos a caminho de um novo aposento, ainda desconhecido para nós: Mansambo.O baptismo foi um refrescante banho na fonte, local de visita e de paragem obrigatória para o colectivo da CART 3494 (fotos abaixo). 



Um abraço,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Guiné 63/734 - P13715: Fotos à procura de... uma legenda (37): D. Idalina Carvalho Pereira Martins, esposa do cmdt do BART 3873, ten cor Tiago Martins, no almoço de Natal de 1972, no Xime, o quartel do setor L1 mais atacado e flagelado (Jorge Araújo, ex-fur mil, op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)



Foto: © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados

1. Afinal, houve mais mulheres que foram à guerra...

Uma foto rara e insólita (*)... a precisar de uma boa legenda (**).

Jorge Araújo [ ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74) comentou o seguinte, no poste P13645 (***):

 (...) Pretendo, com o presente, dar conta de que o mês de Dezembro de 1972 [01Dec] iniciou-se com uma nova emboscada na Ponta Coli [estrada Xime-Bambandica] - a segunda da CART 3494 - conforme narrativa divulgada nos P9802 e P12232.

Aliás, no 9.º Fascículo da História do Batalhão - Dezembro/72 - refere-se a este facto no Ponto 61; alínea d), pp 37/38.

Quanto à quadra natalícia desse ano, realizou-se no Xime um almoço de Natal, com rancho melhorado, no qual esteve presente o CMDT do BART 3873, Ten Cor. António Tiago Martins (já falecido) [, mais a esposa, também já falecida].

Por correio interno seguem algumas fotos do evento. (...)

________________

(**) 4 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13688: Fotos à procura de uma legenda (36): Uma vacada... no Cachil (Victor Neto / José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)

(ªªª) Vd. poste de 24 de setembro de 2014 >  Guiné 63/74 - P13645: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XI: dezembro de 1972: (i) talvez a primeira quadra festiva do Natal e Ano Novo passada, no setor L1, sem ataques nem flagelações do IN; (ii) por outro lado, o comandante 'Nino' Vieira vem pessoalmente à frente Bafatá-Xitole para censurar e punir maus tratos infligidos às populações locais pelos seus guerrilheiros

domingo, 10 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13482: Efemérides (171): Relembrando o naufrágio no Rio Geba, no dia 10 de Agosto de 1972, em que perderam a vida três camarada da CART 3494 (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 8 de Agosto de 2014:

Caríssimo Camarada Carlos Vinhal
Os meus melhores cumprimentos.

O Naufrágio no Rio Geba ocorrido no dia 10AGO1972, independentemente de estar a uma distância de quarenta e dois anos – faz hoje – foi, é e continuará a ser um tema sensível no contexto dos ex-combatentes da CART 3494, do BART 3873, por ter provocado, de forma perfeitamente estúpida, o desaparecimento de três dos seus membros por afogamento.
Porque estivemos envolvidos nessa experiência de forma intensa, em que durante alguns minutos vivemos entre a água e o céu, entre a terra e o inferno, entre a vida e a morte, como referimos na introdução, continuamos a considerar tarefa difícil fazer-se o seu luto, tão fortes foram as emoções e as tensões que ocasionaram.
Dito isto, não podia deixar de prestar, nesta data, mais uma singela homenagem aos camaradas naufragados, relembrando/recordando alguns detalhes desse evento, adicionando-lhe outros factos associados que merecem a nossa relevância social e histórica.
Eis, em anexo, mais um contributo historiográfico, para memória futura, sobre as nossas vivências no CTIG.

Obrigado.
Um forte abraço.
Jorge Araújo.
Ago2014.


RELEMBRANDO O RIO GEBA E O MACARÉU

O NAUFRÁGIO NO RIO GEBA – 10AGO1972 E FACTOS ASSOCIADOS

I – O NAUFRÁGIO

Introdução

Em 2012, faz hoje precisamente dois anos [Vd. P10246(1)], tomei a iniciativa de divulgar, na primeira pessoa, as ocorrências relacionadas com um acontecimento que marcou a vida colectiva dos ex-combatentes da CART 3494, em particular daqueles que directamente nele estiveram envolvidos – uma secção reforçada do 1.º GComb – e que ficou conhecido, na história da Companhia e do BART 3873, como o «Naufrágio no Rio Geba».

Como referi nesse testemunho histórico, durante alguns minutos vivemos entre a água e o céu, entre a terra e o inferno, entre a vida e a morte, sendo que este último conceito viria a aplicar-se, lamentavelmente, a três dos catorze militares que naquela 5.ª feira, 10AGO1972, faz hoje quarenta e dois anos, tinham por missão fazer a travessia entre as margens esquerda e direita do Rio Geba, por esta ordem, com o objectivo operacional de sinalizar eventuais vestígios deixados no terreno pelo IN, vulgo reconhecimento à zona circunvolvente ao Destacamento de Mato Cão.

Relembramos, neste contexto, que a travessia do Rio Geba, a iniciar-se no Cais do Xime, sito a 250/300 metros do Aquartelamento da Companhia, seria feita com recurso a um bote de fibra de vidro conhecido por Sintex, com motor fora de bordo de 50 cavalos, sendo sugerido no protocolo de utilização, como elemento de segurança, que a sua lotação não deveria ultrapassar a dezena de indivíduos, incluindo o barqueiro. Contudo o universo de efectivos militares destacados para esta missão era constituído por nove praças devidamente equipados, por mim próprio, e ainda pelo CMDT da Companhia, o ex-Cap. Pereira da Costa, pelo ex-Alf. Sousa, em situação de Estágio Operacional e pelo ex-Major de Operações Henrique Jales Moreira [o mais graduado], bem como pelo barqueiro do Sintex.
 


O naufrágio [relembrando alguns detalhes]


Com a navegação a cargo do barqueiro, como seria natural e normal, com o motor a desempenhar a sua função e com as águas muito agitadas por efeito do macaréu, cada um de nós não deixou de se interrogar quanto ao sucesso da «aventura» em que tínhamos embarcado e que, pouco tempo depois, deixou de ter hipóteses de retrocesso.

O pânico subia à medida que a embarcação se aproximava da cabeça do macaréu, cada vez com mais agitação e remoinhos à mistura. Naquele momento, um novo conceito surgiu no léxico dos militares, particularmente nas praças, que traduzia o sentimento que estavam a viver… “eu não sei nadar”, no princípio entredentes e depois mais audíveis e expressivos. O cenário começava, então, a ficar cinzento, deslizando para uma cor cada vez mais escura, independentemente de estar um dia óptimo, cheio de sol e com a temperatura ambiente a aumentar.

A pergunta filosófica que, certamente, cada um formulou para si, era a de saber como poderíamos sair daquele imbróglio, sãos e salvos? Entretanto, uma nova ordem foi dada, visando criar algumas réstias de esperança quanto à possibilidade e/ou às probabilidades de sobrevivência colectiva, apontando para uma “navegação o mais perto possível da margem esquerda”, ou seja, a mesma donde partíramos.

Quando nos encontrávamos a cerca de quatro/cinco metros do tarrafo – zona de lodo ainda não submersa, e onde habitualmente a comunidade de crocodilos [alfaiates; conceito militar] se organizava em frisa apanhando os seus banhos de sol [imagem acima] e, eventualmente, observava as suas presas – eis que se escuta uma nova ordem: “haja um que salte para o tarrafo levando consigo as correntes do bote com o objectivo de o poder suster”.

Olhando à minha volta, e perante a ausência de candidatos e/ou voluntários disponíveis para o cumprimento deste desiderato, eis que tomámos em mãos esse desafio. Porque a embarcação continuava instável face à movimentação das águas [imagem abaixo], o salto só poderia acontecer quando a distância entre o bote e a lodo fosse de molde a facilitar a operação proposta. Não sendo possível identificar o melhor momento para o salto, eis que no tempo «X» saltámos levando nas mãos a dita corrente já referida anteriormente. Durante o salto, feito de frente para o tarrafo, ouvimos, vindo da nossa rectaguarda, um ruído provocado pelo embate da proa do bote na parte mais alta do lodo, tendo como consequência a inclinação do mesmo projectando para a água todos os seus ocupantes.
Primeiro os que se encontravam no lado esquerdo da embarcação e depois os do lado direito, por efeito do desequilíbrio provocado pela transferência de peso que então ocorrera [lei da física].


De seguida, na água a luta era extremamente desigual entre o poder do Homem versus o poder da maré. Cada um dos militares, equipado e vestido com o seu camuflado que lhe dificultava a mobilidade no meio daquele líquido espesso e lodoso [imagem acima], procurava chegar a terra firme o mais rapidamente possível, pondo-se a salvo. E isso aconteceu a oito de um total de catorze elementos.

Dos seis em falta, três conseguiram entrar no bote: o barqueiro, o Miranda [1.º cabo de dilagramas] que, remando com a sacola das suas granadas, ajudou a recolher o ex-Major Jales Moreira em situação problemática. E os três seguiram ao sabor da corrente na direcção de Bambadinca, local onde estava sediado o Batalhão.


Os outros três elementos em falta eram: José Maria da Silva Sousa [de S. Tiago de Bougado, Trofa Velha (Santo Tirso)], Manuel Salgado Antunes [de Quimbres, São Silvestre (Coimbra)] e Abraão Moreira Rosa [da Póvoa de Varzim], que acabariam por desaparecer nas águas escuras e lodosas do Rio Geba, sem que existisse qualquer hipótese de salvamento [Vd. P10246(1)].


A recuperação dos náufragos

A angústia e a ansiedade dominaram o resto deste dia e dos subsequentes, desenvolvendo-se a crença e/ou a expectativa dos corpos dos desaparecidos poderem ser recuperados. Porém, essa crença e/ou expectativa apenas se concretizou uma vez, lamentavelmente. Decorridas mais de trinta horas após o acidente foi localizado um corpo/cadáver junto ao Cais do Xime [imagem abaixo]; era o do José Maria da Silva Sousa [o Bazuqueiro]. O seu corpo estava desnudo e em processo de transformação, como é natural neste tipo de ocorrência. O seu comprimento aumentara substancialmente, ultrapassando largamente os dois metros, assim como o seu peso, agora com valores a rondar os cento e cinquenta quilos.

Durante mais alguns dias, todos os olhares estiveram direccionados para o Rio Geba, esperando que ele nos devolvesse os outros dois corpos, mas em vão.


Em 13AGO1972, domingo, procedemos à realização do funeral do camarada José Maria da Silva Sousa, numa tarde de autêntico dilúvio [estávamos na época das Chuvas] e com direito a Honras Militares, função desempenhada pelo 3.º GComb, ficando o seu corpo sepultado no Cemitério de Bambadinca, sede do BART 3873.


Factos associados

Mesmo estando decorridos quarenta e dois anos da data desta lamentável ocorrência, continuam a persistir dúvidas a nível de alguns Quadros de Comando do BART 3873, nomeadamente quanto aos dois náufragos não recuperados. Em nome da verdade dos factos, confirmo que só um dos três corpos foi recuperado pelo contingente da CART 3494, pelo que só uma das três campas existentes no Cemitério de Bambadinca se refere ao militar metropolitano: o José M. S. Sousa.

Quanto às outras duas (?!) campas que o ex-Major Jales Moreira me informou aí existirem, em contacto recente, é de admitir, como probabilidade credível, que se refiram a dois combatentes do PAIGC, mortos no dia 01DEZ1972 na 2.ª emboscada na Ponta Coli [Vd. P9802], ou seja, três meses e meio depois do naufrágio.

Ainda hoje se não entendem as motivações que influenciaram a decisão de omitir, na HISTÓRIA DO BART 3873, este acontecimento marcante para todos nós, dele fazendo-se “tábua rasa”, nomeadamente no seu 5.º fascículo referente às actividades/acções do mês de «Agosto-1972» [pp. 77/79; pontos 35/40].
O único apontamento que conhecemos está expresso no Capítulo III – Baixas, Punições, Louvores e Condecorações [pp. 145/165]. Na pg. 149; Agosto-72; 1.Baixas; pode-se ler na alínea d) “Por Outras Causas” [nome dos três camaradas naufragados] “… todos da CART 3494, mortos por afogamento, no acidente do rio Geba, em 10AGO72”.
É inacreditável…, pois nunca houve justificação para tal.




II – HISTÓRIA DIVULGADA POR FAMILIAR DE UM NÁUFRAGO

O caso do Manuel Salgado Antunes

No dia 25 de Maio de 2013 Miguel Ribeiro Antunes, sobrinho de Manuel Salgado Antunes, na sequência de ter lido no blogue da CART 3494 a narrativa sobre o Naufrágio no Rio Geba de 10AGO1972, onde se fazia referência, justamente, aos nomes dos três náufragos [sendo um deles o de seu tio], tomou a iniciativa de nos escrever dando conta do que sabia sobre este tema.

A residir na Suíça, onde é arquitecto, Miguel Antunes refere que nunca conheceu o seu tio, que era irmão de seu pai. Sobre este caso, afirma que a sua família nunca soube muito bem o que se passou. A sua avó morreu há dois anos [2011] e no último dia de vida perguntou-lhe o que é que eu “Manuel” [confundindo-o com o seu filho/tio] estava ali a fazer quando estivera tanto tempo sem aparecer. Para Miguel foi o seu maior desgosto por ver aquela mulher, que ele adorava, morrer sem nunca ter tido uma certeza nem um corpo para fazer um funeral. Mais estranho é o facto de no dia em que sua avó morreu, esteve um senhor na sua casa afirmando saber onde estavam os restos mortais do seu tio na Guiné, e caso estivessem interessados em tratar deste assunto, ele era um ex-combatente.

Naquele contexto de muito pesar, a sua mãe não fixou o nome do senhor ex-combatente, tendo apenas a ideia de tratar-se de alguém duma localidade perto de Quimbres, de nome Carapinheira.

Pelo exposto, acredita que é o primeiro familiar de Manuel Salgado Antunes a saber, verdadeiramente, a história de seu tio, solicitando, se possível, mais informações sobre este caso, pois mantem presente essa curiosidade, agora que estão passados tantos anos.

Ainda nesse mesmo dia, na sequência de ter recebido notícias do camarada Sousa de Castro, que agradeceu, acrescentou que este assunto sempre se falou em sua casa sem problemas, mas nunca se aprofundou muito. A incerteza quanto ao incidente era alguma, até porque outras pessoas da aldeia e arredores, ex-combatentes, contavam várias histórias diferentes e ao longo dos anos talvez a versão original se tenha dissipado.

Porque se encontra na Suíça, por ser mais um que teve de deixar o País, não pode enviar fotos do seu tio. Mas, quando vier de férias a Portugal, promete enviar algumas que tem e que estiveram escondidas durante anos, decisão tomada pelo seu pai para que a sua avó não vivesse agarrada a esse passado – histórias da vida.

Perante estes dois contactos carregados de angústia e emoção, e como resposta ao interesse demonstrado em saber algo mais, escrevi-lhe o seguinte:

Caro Miguel,
Antes de mais receba os meus melhores cumprimentos e um bem-haja pela iniciativa que tomou. Com efeito, foi uma boa notícia saber que um familiar do Manuel Antunes, a mais de dois mil quilómetros da sua terra natal, tomou conhecimento, mais de quarenta anos depois, dos factos reais relacionados com a morte de seu tio, assunto que durante todo este tempo esteve envolto em mistério, suscitando naturais dúvidas e incredulidade no seio da sua família.

Considero este seu contacto, por isso, uma recompensa à iniciativa de tornar pública essa ocorrência estúpida, como são todas aquelas que poderiam ser evitadas, e que fez com que o seu tio naufragasse naquele dia 10Ago1972, nas águas revoltas do Rio Geba, na Guiné, e de mais dois camaradas seus.
Reafirmo o que ficou expresso na minha narrativa: - os corpos dos n/ camaradas Manuel Antunes, seu tio, e o do Abraão Rosa, nunca apareceram pelo que não existem restos mortais recuperados. Daí ninguém poder afirmar que conhece as suas localizações, o que lamento e lamentam todos os ex-militares constituintes da CART 3494. Lamento, ainda, a falta de ética e moral como trataram este assunto junto dos seus familiares directos, ocultando a verdade dos factos, entretanto tornados públicos. Por via da existência deste nosso blogue, que é a expressão colectiva de todos quantos partilharam o mesmo contexto, pretendemos continuar a prestar um verdadeiro “serviço público”.

Uma vez que gostaria de voltar a este assunto, e porque certamente o Miguel já fez circular estas notícias por outros membros da sua família, muito grato ficaria se pudesse acrescentar algo mais ao que já referiu nos seus comentários, em particular a opinião de seu pai [a resposta ainda não chegou…].
J.A.

Porque este foi, é e continuará a ser um tema sensível no contexto da CART 3494, do BART 3873, os acontecimentos no Rio Geba [Xime-Bambadinca], no dia 10AGO1972, continuarão a ser relembrados/recordados… sempre, na medida em que é difícil fazer-se o seu luto.

Um grande abraço, muita saúde e boas férias.
Jorge Araújo.
10Ago2014.
____________

Nota do editor

(1) - Vd. poste de 10 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10246: Efemérides (107): Dia 10 de Agosto de 1972 - Naufrágio no Rio Geba de um sintex com pessoal da CART 3494 (Jorge Araújo)

Último poste da série de 7 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13472: Efemérides (170): João Augusto Ferreira de Almeida - o único português fuzilado na I Grande Guerra (Benjamim Durães)