sexta-feira, 22 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P117: Antologia (8): Dossiê Guiné (Vida Mundial, 1971) (1ª Parte) (Marques Lopes)

Texto enviado pelo A. Marques Lopes, em 30 de Junho de 2005, na véspera de ir de férias.

Caros camaradas de tertúlia:

Vejam este dossiê que extraí de um longo artigo ("Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque") da extinta revista Vida Mundial, de 19 de Fevereiro de 1971.

Mesmo este extracto é um pouco longo também, mas vale a pena lê-lo, sobretudo no aspecto da organização do PAIGC, o seu exército regular e a forma como actuavam, bem como a fase preparativa da sublevação. Por exemplo, no plano da Operação Fanta é evidente que não atacavam ao acaso, e nós sabemo-lo. Há também uns comunicados do SIPFA (Serviço de Informação Pública das Forças Armadas) com interesse.

É um documento feito no tempo da velha senhora, mas considero-o uma boa peça jornalística, com intenção de elucidar sobre muita coisa, embora condimentada com algumas citações para dar uns posinhos da objectividade do regime.

Nas circunstâncias e limitações que havia, [a Vida Mundial] foi uma revista com alguns trabalhos de interesse, e muitos jornalistas democratas e antifascistas trabalharam nela, fazendo o possível para que alguma coisa passasse nas malhas da censura.

A. Marques Lopes

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A ORIGEM DA PALAVRA GUINÉ

Qual a origem e o que se entende, exactamente, pela palavra Guiné? João Ameal, no seu estudo «Perspectiva histórica sobre a Guiné e Cabo Verde», responde a essa pergunta nos termos seguintes:

«No curso dos tempos, diversos significados lhe têm sido atribuídos. A sua origem estará, porventura, no nome de um aglomerado que, segundo alguns, data do século XI - mais precisamente de 1040 - aglomerado sito junto às margens do Alto Níger, a cerca de 14 graus de latitude Norte. Por ser um centro bastante frequentado pelas caravanas de mercadores sudaneses e outros, que andavam em constante negócio com os povos da Arábia, espalhou-se, muito cedo, a suafama e chegou mesmo até países da orla mediterrânica. Aparecia designado por modos diferentes: Geny, Gena, Ginya, Genni, Gineva, Djienné, Djenné, Gynoia – tantos como as pronunciações fantasiosas dos caravaneiros de múltiplas raças e origens (João de Barros chamou-lhe, por sua vez, Guinauhá). E acabou por cristalizar, entre nós, de preferência, na forma Guiné, às vezes, também, Guinee ou Guinea.»

Por sua vez, António de Almeida, num trabalho intitulado «Das Etnias da Guiné Portuguesa, do Arquipélago de Cabo Verde e das Ilhas de São Tomé e Príncpe» refere que «o topónimo Guiné figura na grande maioria dos idiomas das gentes nativas desta província e nos crioulos do Cacheu, de Bolama e de Bissau - os mais importantes e praticamente idênticos; com efeito, o nome Guine dado aos territórios habitados por negros da África Ocidental, ao norte do Equador, após o descobrimento pelos portugueses, em 1446, é equivalente, embora evidenciando amiúde alterações fonéticas que, alias, não conseguem encobrir a sua etimologia».

Acrescenta, ainda, António de Almeida que, de acordo com informações colhidas «in loco», o vocábulo toma as formas Ghiné ou Djiné (felupes e baiotes); Ghiné (mandingas, manjacos e saracolés); Njiné (naius de Catió); -Njini Bo-portuguêsse (papéis, querendo dizer «Guiné dos Portugueses»); Njiné (brames de Bula); Njiné e Ghiné (futa-fulas e . no crioulo de Bissau); Guiné (fulas-forros); Guiné Portuguisse (cassangas); Guiné Portuguêsse (brames de Bolama e nos crioulos de Bolame e Cacheu); Guiné Portuguêsse, La Guiné (fulas-pretos) e Guiné Bo-portuguêsse (biafadas).

Referindo-se ao termo Guiné, António de Almeida acentua que «seja qual for o motivo da adopção da palavra Guiné, provenha ou não de Guinéus (derivado de Ghináweu - Fernando Rogado Quintino) ou da denominação do remoto e prestigioso reino de Gana (Ghana, Ghanah, Ganata) dos Árabes e Kumbi dos Negros, e se filie, ou não, no Guinauha do topónimo do centro urbano Jenné ou Ujenné, quer derive, ainda, do nome do império e cidade de Ghana (Manuel Dias Belchior), do que não restam dúvidas é de que os antepenúltimo e penúltimo vocábulos se revelam análogos, morfológica e foneticamente, às designações correntemente empregadas, ainda hoje, pelos naturais da Guiné Portuguesa nos próprios idomas ou nos crioulos».

(...)

ORGANIZAÇÕES QUE LUTAM (OU LUTARAM) NA GUINÉ

É muito frequente aparecer no noticiário referente aos acontecimentos da Guiné uma série de siglas identificadoras das organizações a que pertencem os guerrilheiros que lutam (ou lutaram) naquele território, os quais, dispõem de bases nas nações vizinhas.

Pouco mais se sabe, todavia, do que a tradução dessas siglas, desconhecendo-se, quase em absoluto, quais as motivações determinantes do aparecimento das respectivas organizações. Para uma mais esclarecida informação apresentamos, esquematicamente, a indicação das referidas siglas e alguns elementos que permitem saber os porquês da sua existência.

P. A. I. G. (Partido Africano para a Independência da Guiné) - Fundado antes de 1957 por Amílcar Cabral, este agrupamento, que antecedeu o P.A.I.G.C., colaborava com os organizadores do M.P.L.A. (Movimento para a Libertação de Angola) e com alguns revolucionários de Cabo Verde, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe no seio do M.A.C.

M.A.C. (Movimento Anti-Colonialista) - Movimento que foi dado como extinto, em Tunes [Tunísia], em Janeiro de 1960, por ocasião da II Conferência dos Povos Africanos. Deu origem ao F.R.A.I.N.

F.R.A.I.N. (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas) - Esta organização englobava, após a extinção do M.A.C., os movimentos conhecidos por P.A.I.G.C., M.P.L.A. e a U.P.A. Foi extinto em Abril de 1961 para surgir com a designação de C.O.N.C.P.

C.O.N.C.P. (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) - Como o próprio nome indica, este movimento resultou de uma associação dos vários movimentos existentes para conseguirem a «Independência Nacional das Colónias Portuguesas» e apareceu com esta designação após várias alterações já anteriormente assinaladas.

M.L.G.C. (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde) - Este partido dividiu-se em dois porque os naturais da Guiné (cerca de 60 mil), residentes no Senegal, não desejavam qualquer associação com os cabo-verdianos. Surgiu, assim, o M.L.G.

M. L. G. (Movimento de Libertação da Guiné) – Organização constituída quase exclusivamente por manjacos (...). Este movimento tinha por chefe François Mendy, estudante de Direito, de ascendência manjaca, nascido no Senegal e que cumprira o serviço militar no Exército francês. A organização estava dividida em duas, pois tinha uma filial em Conakry (M.L.G.-Conakry) e uma outra delegação, embora rudimentarmente estruturada, em Bissau (M.L.G.-Bissau), segundo revelou, em Agosto de 1963, o jornal Le Monde Diplomatique.

U.P.L.G. (União Popular para a Libertação da Guiné dita Portuguesa) - Este movimento enquadrava alguns fulas residentes no Senegal.

R.D.A.L.(Reagrupamento Democrático Africano para a Libertação da Guiné dita Portuguesa) - Esta organização parecia englobar os mandingas existentes no Senegal.

U.P.G. (Unido das Populações da Guiné dita Portuguesa) – Esta associação apareceu após a dissolução do M.L.G.C, e tinha uma secção formada por naturais da Guine, em Kolda, província senegalesa do Casamansa.

U.G.T.G. (União Geral dos Trabalhadores Guineenses) – Órgão paralelo à U.N.T.G. (União Nacional dos Trabalhadores Guineenses) e que forma uma secção do P.A.I.G.C. Estes agrupamentos têm carácter sindicalista.

U.N.G.P. - Alguns elementos do M.L.G.-Bissau e do U.P.G. aderiram ao U.N.G.P., mas o comité da Organização da Unidade Africana considerou-o como movimento que, efectivamente, não combatia a presença portuguesa. Após a decisão da O.U.A. acima referida, o U.N.G.P. viu decrescer a sua importância.

Alguns destes movimentos, como o M.A.C., o F.R.A.I.N. e o C.O.N.C.P. não chegaram a lutar e, presentemente, só o P.A.I.G.C. parece dispor de força na Guiné. A esse movimento, pela importância de que se reveste, nos referiremos mais em pormenor noutro local deste dossier. Acentue-se, no entanto, que o P.A.I.G.C. foi fundado em 1956 e o seu chefe é Amilcar Cabral.


A LUTA NA GUINÉ: PORQUÊ... COMO...


A Guiné - escreve João Baptista Nunes Pereira Neto, no seu estudo «Movimentos subversivos da Guiné, Cabo Verde c São Tomé e Príncipe - Tentativa de esboço sociopolítico», publicado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina - foi, durante muito tempo, teatro de agitação que, praticamente, só cessou no continente, em 1915, devido à acção decisiva de Teixeira Pinto, embora, nas duas décadas subsequentes, tivesse, por vezes, havido necessidade de submeter as populações de algumas ilhas do arquipélago de Bijagós.

Terminadas estas últimas operações, gozou (a Guiné), praticamente, um quarto de século de paz - acrescenta o mesmo autor, que continua, assim, o seu estudo: «No entanto, pouco depois da independência da República da Guiné, conseguida em fins de Novembro de 1958, esta província portuguesa passou a ser citada nos órgãos da informação internacionais como sendo alvo das atenções conjuntas de N'Krumâ e Sekou Touré, que desejariam criar a Federação dos Estados Unidos da África Ocidental, a qual englobaria, além daquela parcela do território português, a Libéria, a Serra Leoa, a Gâmbia, a Costa do Marfim, o Gana, a República da Guiné e a Nigéria.

«Um ministro deste último país - continua Pereira Neto - parecia mesmo ter projectos mais audaciosos a esse respeito, pois sugeria que nessa federação entrassem, além daqueles países e territórios, o Togo, o Níger, o actuai Mali, a República do Alto Volta, os Camarões, o Daomé e o Senegal.»

Prosseguindo o referido estudo, o aludido autor acentua que «esses projectos de reagrupamento, que tanta tinta fizeram correr nos primeiros meses após a ascensão à independência de alguns países, depressa caíram no esquecimento e, assim, a Guiné deixa, novamente, de despertar as atenções dos órgãos da informação internacional mas, infelizmente, por alguns meses, pois, em 3 de Agosto de 1959, deu-se um grave incidente no porto de Bissau, devido a uma paralisação de trabalho, em virtude do qual houve alguns mortos e feridos.

«Após um pequeno surto de interesse provocado por esse incidente e pelo subsequente envio, poucos dias depois, de um reduzido contingente de tropas - que foi o primeiro que na actual conjuntura se teve de deslocar para o Ultramar - tudo se manteve calmo.»

Fonte: "Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque". Vida Mundial. 19 de Fevereiro de 1971.

Selecção e notas de A. Marques Lopes.

Guiné 63/74 - P116: Bibliografia de uma guerra (8): A Guerra Colonial, o MFA e o 25 de Abril (A. Marques Lopes)

Texto do A. Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CART 1690, Geba, 1967, e da CCAÇ 3, Barro, 1968; actualmente Coronel, DFA, na situação de reforma):


TÍTULO: Guiné, três vezes vinte e cinco
AUTOR: Luís Ataíde Banazol, tenente-coronel
EDITOR: Prelo
ANO: 1974

Neste livro, em linguagem coloquial e aliterária, narram-se algumas situações no período imediatamente antes e depois do 25 de Abril na Guiné.

O tenente-coronel Banazol, que foi mandado para a Guiné à frente de um batalhão que se recusara a embarcar, mas que a isso fora obrigado, e com destino a Bambadinca, convocou uma reunião de oficiais, em Fevereiro de 1974, quando já estava em Bissau.

A reunião realizou-se em Nhacra e , entre outros, estavam os capitães do quadro Matos Gomes (o Carlos Viale Ferraz, do Nó Cego ) e José Manuel Barroso e o capitão miliciano Franco. A ideia transmitida pelo tenente-coronel Banazol era cercar o Comando-Chefe com o seu batalhão e tomar o poder na Guiné.

Embora entusiasmados, os participantes acharam que seria uma acção prematura e que poderia pôr em risco o "Movimento" já em andamento na metrópole. Mas o Banazol,insatisfeito, fez uma circular, "Movimento de Resistência das Forças Armadas", em Março de 1974, apelando à rebelião para Maio de 1974. O tenente-coronel Banazol estivera desde o início na formação do Movimento das Forças Armadas.

E a verdade é que o MFA já decidira que, se falhasse o 25 de Abril na metrópole, a rebelião se deveria dar na Guiné. Mas o 25 de Abril teve sucesso. De qualquer modo, e para garantir, o MFA da Guiné tomou imediatamente o poder em 26 de Abril de 1974, "destronando" o brigadeiro Bettencourt Resende, então Comandante-Chefe do CTIG.

O tenente-coronel Banazol é também autor do livro As Origens do Movimento das Forças Armadas. O Guiné-Bissau Três Vezes Vinte e Cinco não é o relato desse período pré-insurreccional, mas dá umas pinceladas do espírito vivido nesse período.


TÍTULO: Uma Noite na Guerra
AUTOR: Carlos Coutinho
EDITOR: Campo das Letras
ANO: 2003

Vai mais um para a bibliografia. É Uma Noite na Guerra, de Carlos Coutinho. Além da nota biográfica que envio e que é a que consta na contracapa do livro, acrescento mais um dado: o Carlos Coutinho foi preso pela PIDE/DGS em Fevereiro de 1973 porque fazia parte da ARA (Acção Revolucionária Armada), que era, digamos, e para facilitar, o braço armado do PCP.

Na bibliografia que consta da página do Jorge Santos, está lá este livro como tendo sido editado pela Editora Caminho em 1978. Alguma coisa deve estar mal, pois esta é a primeira edição da obra, publicada pela editora Campo das Letras em 2003. Admito, no entanto, que a Caminho tenha editado uma versão anterior, não tão completa.

"Sendo ficção, Uma Noite na Guerra assenta, assumidamente, uma certa historicidade, que é a característica de quase toda a obra literária de Carlos Coutinho. Concebida como uma novela atípica, ao gosto de um certo experimentalismo dos anos 70, aproxima-se às vezes da crónica antropológica, do testemunho, da reportagem psicológica e mesmo da literatura oral dos antigos rapsodos, colhendo sinais díspares de um clima psicológico desagregado, próprio de uma pequena cidade sertaneja moçambicana que teimava em sobreviver no coração da guerra colonial no dilacerado planalto do Niassa. Aí se cruzam vidas apressadas ou breves de bichos e homens, militares e civis, crianças e adultos, vítimas e carrascos, resistentes e cúmplices, oportunistas e angustiados, mãos limpas e mãos sujas, temperando aquele caldo espesso e azedo que foi idêntico em Moçambique, Angola e Guiné e em que levedaram algumas das energias do Movimento das Forças Armadas e da gesta popular que sucedeu ao 25 de Abril de 1974.» (Texto da contracapa).


Nota sobre o autor:

"Carlos Alberto da Silva Coutinho nasceu em 1943. Mobilizado para a guerra colonial, passou dois anos em Moçambique como enfermeiro militar de Neuropsiquiatria.

"Muito empenhado na agitação política, participou num movimento espontâneo e nunca articulado de criadores de cantigas de protesto que esteve na origem do Cancioneiro do Niassa. Regressado a Lisboa em 1969, enveredou pelo jornalismo e integrou-se mais profundamente na luta política contra o fascismo e a guerra colonial, vindo a ser preso em Fevereiro de 1973. Foi libertado em 26 de Abril de 1974, com a Revolução dos Cravos, tendo retomado a sua carreira jornalística em paralelo com uma actividade literária diversificada".

Guiné 63/74 - P115: Bibliografia de uma guerra (7) (Luís Graça)

Os textos, de diversos autores, que temos vindo a inserir no blogue, reportam-se à experiência de guerra da Guiné, a qual decorreu entre 1963 e 1974 (11 anos)... Faz, pois, todo o sentido, alterarmos o nosso o título inicial "Guiné 69/71" (a época em que eu e a malta da CCAÇ 12 estivemos lá) para Guiné 63/74 (um período de tempo mais abrangente, onde cabemos todos, a velhice e os periquitos...).

Continuamos a publicar sugestões bibliográficas do Jorge Santos, que é autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso muito estimado companheiro de tertúlia (foi fuzileiro naval no Niassa, em Moçambique). L.G.

TÍTULO: Os Heróis e o Medo
AUTOR: Magalhães Pinto
EDITORA: Âncora
ANO: 2003

Nota sobre o autor:

Magalhães Pinto nasceu no Porto. Economista por formação académica tem, contudo, na escrita, a sua paixão. Magalhães Pinto publicou Belmiro - História de Uma Vida (editora: Âncora, 2001), que relata com rigor a vida privada e o percurso essencial do empresário Belmiro de Azevedo, de quem é amigo pessoal (trata-se de uma biografia autorizada pelo próprio). Em Os Heróis e o Medo, o seu segundo romance, Magalhães Pinto revisita a guerra colonial que ele viveu, no seu período crítico, na Guiné.

RESUMO: "Não há heróis sem medo. A heroicidade não se mede pelo número de adversários mortos. Há outra heroicidade na capacidade de guardar, no meio da tragédia que é a guerra, um profundo sentido de humanidade, de solidariedade, de ausência total de racismo. Há uma outra heroicidade na capacidade de não deixar que o medo abafe a noção de que em ambos os lados de uma arma estão seres humanos. É dessa heroicidade e desse medo que aqui se fala". (Apresentação da editora).

terça-feira, 19 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P114: Bibliografia de uma guerra (6) (Jorge Santos)

O Jorge Santos, autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso companheiro de tertúlia (foi fuzileiro naval no Niassa, em Moçambique) continua a enviar-nos referências bibliográficas sobre a guerra colonial na Guiné. Em breve iremos alargar a bibliografia a outras frentes. Afinal, a guerra (colonial) era só uma...


TITULO: Guiné – A cobardia ali não tinha lugar
AUTOR: José Silveira da Rosa
EDITORA: Autor (Horta, Faial, Açores)
ANO: 2003

NOTA: O autor fez parte da Companhia de Artilharia 1688 (BART 1913) em Biambi, tendo feito a comissão entre 1967 e 1968.

RESUMO: O autor navegou cerca de 20 meses entre duas emoções fortes: o jogo da vida e o jogo da morte. E para enfrentar qualquer um deles, é preciso coragem e teimosia. Fazendo bem as contas, a cobardia ali não podia ter mesmo lugar. Portanto, teve que cerrar dentes e dizer: "alma até almeida". Quem sabia dominar-se, libertava-se de um jugo que a natureza lhe tinha colocado ao pescoço.


© Carlos Alberto dos Santos Serra Fonte: Página pessoal do autor TÍTULO: Scherno ou Memórias da Guerra na Guiné
AUTOR: Carlos Serra
EDITORA: Autor
ANO: 2003

RESUMO: "É um depoimento vivo e corajoso, de uma época que muitos fazem por esquecer, e muitos outros por ignorar. É um discurso corrido, no característico idioma da tropa, directo e sem artifícios de linguagem, um misto de testemunho despojado, jornal de caserna, crónica de um universo circunscrito ao aquartelamento improvisado nas matas - como o eram todos os aquartelamentos da guerra colonial - e às surtidas pelas picadas, pelas tabancas e os seus amores efémeros, bolanhas e terras de ninguém. São pedaços de um quotidiano agridoce, onde se partilha a respiração daqueles homens ainda meninos que entraram na idade adulta, a confrontarem-se com os pequenos e grandes dramas de quem se vê despejado no turbilhão do império que se esboroava, com as perversões e contradições tecidas por uma guerra madrasta, fruto de um tempo histórico desacertado e moribundo.

"Sente-se o cheiro a óleo de limpeza das armas, o restolhar entre o capim, à mistura com o fedor da transpiração entranhada nos camuflados, o odor acre da terra ensopada por chuvas e cacimbos e esventrada pelas morteiradas. É uma espécie de uma Crónica da Guiné dos tempos modernos, que se lê de um fôlego e com todos os sentidos". (Fernando Torres - 2002 Dezembro)

Scherno ou Memórias de Guerra na Guiné pode ser consultado e lido na Net, na página do autor (vd. a capa do livro e o respectivo índice). Tem um capítulo sobre Conakri, mas pouco adianta.


TÍTULO: Guiné, Sempre – Testemunho de uma Guerra
AUTOR: Piçarra Mourão
EDITORA: Quarteto
ANO: 2001

Nota sobre o autor: Fez uma comissão de serviço na Guiné na Companhia de Artilharia 1525 (BISSORÃ), e duas em Angola.

RESUMO: "Mais do que um testemunho de um conflito que envolveu toda uma Nação em Armas e uma geração de Homens devotadas a uma causa, cujas origens e consequência estão hoje sancionadas pela História, estas crónicas encerram narrativas exemplares, pessoais e directas, vividas no contexto de uma das mais violentas e duras guerras com que essa mesma geração se debateu no teatro africano.

"Sem menosprezar os episódios do combate verdadeiro, onde a fronteira entre a Vida e a Morte era por vezes muito ténue, ou outras referências a pequenas mas gratificantes histórias que só o percurso ali traçado pode contemplar e permitir, o livro é, a cada passo, enriquecido com a tremenda experiência humana resultante da profusa vivência que, num e noutro ambiente, todos os interlocutores permutaram.
A uma distância histórica e temporal conveniente, sem preconceitos ou falsas reservas, admitindo erros, virtudes, precariedades e sucessos, os relatos traçados consentem uma abordagem isenta, justa e rigorosa de um conflito sério e constituem, para além de todos os aspectos políticos circunstanciais, um prodigioso contributo para a nossa memória colectiva" (Texto da responsabilidade da editora).

Índice:

Prefácio; I. Apresentação; II. A Preparação

III. No Mato Profundo: O Amigo Americano; Uma Oportunidade Perdida; Uma Santa Bárbara Negra; Elefantes, 4!; O Fernando; Um Autêntico Bambúrrio; Duas Flâmulas;
Um Caixote de Peso.

IV. Crónicas Avulsas: Um Piloto Certeiro; A Visita do Papa; O Máximo; O "Zaire"; O Baptismo de Fogo; As Vacas da Companhia; Minas Gerais; O Senhor dos Céus; O jipe do "Ronco"

V. As Milícias de Bissorã; VI. Bissorã; VII. O Regresso; VIII. Final

Glossário e Código de Abreviaturas.

É ainda autor do livro Da Guiné a Angola.

Guiné 63/74 - P113: Piçarra Mourão, militar e escritor (CART 1525, Bissorã, 1966/67) (Marques Lopes)

Texto do A. Marques Lopes:

Não conheço o coronel Piçarra MOURÃO, mas li o livro [Guiné, sempre: testemunho de uma guerra. Quarteto, 2001]. A companhia com que foi inicialmente, uma CART, foi colocada em Bissau às ordens do Comando Chefe (noto que ele nunca diz o nome das companhias, é cumpridor das normas, não é como eu).

Conta que uma vez a companhia foi mandada para o Queré com um pendura, um tenente-coronel americano que vinha ver como era a guerra na Guiné e que, parece, iria depois para o Vietnam. Conta a sua atrapalhação, pois que o deram à sua responsabilidade pessoal. Acabaram por cair numa emboscada e o pendura desatou a tirar fotografias e a filmar de máquina em punho, em vez de usar a G3 (a melhor da companhia) que lhe fora distribuída. Não aconteceu nada e ele pergunta-se se aquelas imagens lhe terão valido alguma coisa no Vietnam.

A sua companhia ficou, depois, adida a um Batalhão colocado em Mansoa, colocada no Olossato. Diz que durante 1966 foi quatro vezes ao Morés, com o apoio de outras forças. Da primeira vez conseguiram capturar material. Na segunda, em Junho, o guia fugiu na altura decisiva e valeu-lhe um segundo guia para indicar o caminho da retirada. A terceira investida foi em Setembro, com o apoio dos páras e de artilharia; tiveram dificuldades, levaram porrada antes de lá chegar, e os páras não quizeram mais e retiraram para Mansabá. Em Outubro chegaram a Morés, mas a base estava abandonada. Diz ele que: "Era visivelmente uma base em fim de estação, com certeza tinha conhecido melhores dias. Ou então a ficção tinha-se sobreposto à realidade e a imaginação dos homens composto um cenário surrealista!..."

Ele é de opinião que o IN abandonara o Morés por questões tácticas e colocara a base numa mata profunda. No meu tempo, em 1967, pensámos que se mudara para Sinchã Jobel. Era, de facto, a táctica do PAIGC: mudar com frequência as suas bases, sobretudo qundo as via em perigo ou demasiado recomhecidas.

A companhia dele esteve depois no Biambe.

Em resumo, gostei do livro escrito por este militar de carreira. Tem um olhar crítico sobre a preparação antes de ir para a Guiné. Curiosamente, fez o IAO, como eu, na serra de Sintra e na Carregueira. Foi uma lástima para ele, como foi para mim. Como profissional fez a guerra, mas reconhece que esteve envolvido num processo sem saída. O livro, com um traço de humanidade sentida, procura transmitir os sentimentos dos intervenientes, tem relatos de actividade opracional, tem um perspectiva correcta sobre o povo da Guiné, o IN é um combatente sério e motivado. Vale a pena ler.

Curiosamente (para mim), quem assina o texto do prefácio é o Gen Octávio de Cerqueira Rocha, que era Oficial de Operações do BCAÇ 1857, o tal para onde a companhia do coronel Piçarra Mourão foi como adida. O "Vidrão" (a alcunha que foi dada ao Gen Cerqueira Rocha quando foi Chefe do Estado-Maior do Exército) diz que a companhia do coronel Piçarra Mourão era a CART 1525.

A. Marques Lopes

segunda-feira, 18 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P112: Mais estórias do Xitole (CART 2716, 1970/72) (David Guimarães)

A grande árvore que dominava o aquartelamento do Xitole. Lá continua de pé, mais de trinta anos depois.

© David J. Guimarães (2001)

Texto do David J. Guimarães (ex-Furriel Mil. da CART 2716, Xitole, 1970-72):

Junto mais quatro fotografias à nossa página do Xitole. Como é óbvio estou a contar as coisas mais ou menos encadeadas no tempo. Uma das fotografias que em estou com cotos (ou invólucros) de granadas de canhão sem recuo, é algo que conto em breve. Talvez coloque um título: "Nino e os seus canhões" ou "Uma rajada de canhões -a primeira de várias"... São os episódios da nossa guerra. Só que mais histórias surgirão ainda antes desses bombardeamentos...

O camarada Quaresma é esse aí que aparece ao meu lado: eu estou a dedilhar a viola e ele parece que canta o fado... Se repararem ele usa um colar ao pescoço. Isso era mesinha, que era pressuposto protegê-lo daquilo que lhe veio a acontecer... E lá cai a crença de rastos: negam-se os amuletos pela sua funcionalidade. Ironia das ironias, o fado (ou o destino) diz que contra a morte, afinal, não há nada a fazer...

Os negros da Guiné crêem muito nas mesinhas, como vocês sabem... Um dia em Bissau fui ver um jogo de futebol: era o Benfica contra os Balantas... Não é que a bola batia na trave, chegava à linha de golo e não entrava!... Enfim, aqueles casos de se gritar golo e a bola nunca entrar!... Foi lindo: de seguida começou tamanha cena de porrada, que só só visto... Tudo por que o guarda redes tinha mesinha num canto da baliza.

São os intervalos da guerra.

David J. Guimarães

2.O nosso amigo e camarada Guimarães é uma caixinha de surpresas. Aqui o vemos, à direita, tocando viola, quando há 3 anos esteve na Índia (Panjim, Goa, Damão) com um grupo de fados de Coimbra.

© David J. Guimarães (2005)

Diz ele: "Dediquei-me sempre a isto após a guerra e sou convidado por eles para tocar aqui ou ali. Nesta caso foi a Fundação Oriente.

"O poeta, o Camões, tinha aquela frase famosa Numa mão a espada e noutra a pena... Na Guiné, eu bem poderia dizer, a respeito de mim próprio: Numa mão a G3 e noutra a viola... É que também no Xitole era eu quem dava uma certa alegria àquela gente com a minha viola - não esta, que vocês vêem na foto, em Panjim, mas uma que comprei na Rua do Carmo, em Lisboa, para fazer a comissão. No fim vendi-a por 80 escudos... Engraçado!... É essa mesma que vocês podem ver na foto com o Quaresma".

Guiné 63/74 - P111: Bibliografia de uma guerra (5): "Uma campanha na Guiné, 1965/67", de Manuel Domingues (ex-alf mil op esp, cmdt pel rec inf, CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/67)... Nota de leitura de A. Marques Lopes

Texto de A. Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CART 1690, Geba, 1967, e da CCAÇ 3, Barro, 1968, e actulamente corononel, DFA, na situação de reforma).

1. Caros amigos:

Estou de regresso das minhas férias e tenho visto no blogue a excelente iniciativa do Jorge Santos em divulgar a bibliografia da guerra. Achei, por isso, que podia dar um contributo com mais uma achega para esta bibliografia: "Uma campanha na Guiné, 1965/67: hiatória de uma guerra", de Manuel Domingues.

Trata-se de uma edição do autor. Conheci-o quando ele teve a amabilidade de oferecer um exemplar da obra à biblioteca da Delegação do Norte da Associação 25 de Abril e nos enviou alguns exemplares para vendermos, com uma boa percentagem para os nossos fundos (sempre tão no fundo que mal se vêem...).

Como ele próprio diz na "Apresentação", faz um historial do BCAÇ 1856, que esteve no Leste, Sector L3:

(i) o Comando e CCS sedeados em Nova Lamego [Gabu];

(ii) as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli)), em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá) e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm).

Mas o que acho mais interessante é que ele dá, neste livro, voz a vários combatentes:

- "Diário de um combatente", por um desconhecido, que mostra ser poeta, da CCAÇ 1417;

- "Afinal o que é Madina do Boé?", por Jorge Monteiro, Cap Mil da CCAÇ 1416;

- "Agruras de um sapador", por João Silvestre Carvalho, Fur Mil sapador da CCS;

- "Retalhos de uma campanha", por António Sousa Madureira, Fur Mil da CCAÇ 1416;

- "Aconteceu em Madina do Boé", por José Miranda Alves, 1º Cabo da CCAÇ 1416;

- "Recordações", por António Manuel Santos Reis, radiomontador da CCS;

- "Aspectos caricatos de uma guerra", por António Araújo, da CCAÇ 1416;

- "Coisas que o capelão passou na Guiné", por Mota Tavares, capelão do BCAÇ 1856 (mais um a quem disseram: "Senhor capelão, o senhor sabe por que está aqui? Veja lá como me fala" - diz ele que "fiquei a saber que a PIDE e a minha história de revolta cristã tinham chegado ao Batalhão primeiro que eu");

- "Uma amizade que o tempo não apagou", por Fernando Pereira, Fur Mil da CCAÇ 1417 (o menino Óscar Baldé, que foi quando crescido lutador pela liberdade e que, alcançada esta, se licenciou e foi Director-Geral das Pescas da Guiné-Bissau);

- "Epílogo: valeu a pena?", pelo próprio Manuel Domingues, que voltou à Guiné em 1981, que sentiu a dor e o desencanto por aquele povo não estar agora como todos desejávamos, melhor e mais feliz.

Só por estes testemunhos directos e pessoais vale a pena ler.


2. Apresentação da obra pelo próprio autor (incluída na edição):

«A ideia deste trabalho surgiu perante a constatação de que, passadas três décadas e meia sobre o fim da comissão do BCAÇ 1856, os encontros de confraternização, que tiveram origem num despretensioso almoço levado a efeito em Luanda em 1972, onde o acaso nos juntou a meia dúzia de elementos da mesma Unidade, continuam a reunir cerca de duas centenas de pessoas, incluindo filhos e netos dos antigos Combatentes.

"Todos os anos muitos destes elementos fazem centenas de quilómetros para se encontrarem com antigos camaradas e recordar tempos idos. Este Encontro Geral é ainda completado por outros a nível de companhia ou de região, num exemplo notável de manutenção de laços adquiridos na flor da idade e que nenhum obstáculo tem conseguido quebrar.

"Nesses encontros, ao ouvir relatos e histórias, apercebemo-nos dos efeitos da erosão que o tempo decorrido provocou, tornando confusos e imprecisos os limites do contexto em que tiveram lugar.

"Assim entendemos que seria útil sistematizar aspectos desta experiência colectiva, referindo os factos principais ocorridos durante a existência do BCAÇ 1856, e sobretudo os acontecimentos que rodearam a Comissão de Serviço na Guiné Portuguesa, mediante uma inventariação rigorosa dos mesmos.

"No entanto, e porque que cada um viveu os acontecimentos de forma diferente, era importante que antigos componentes da nossa Unidade descrevessem as suas memórias face à vivência dessa situação de guerra e aos valores que os guiavam como jovens da década de sessenta, traçando desta forma um quadro das emoções e sentir humanos que uma simples cronologia dos factos não podia conseguir. Só com estes dois aspectos complementares se poderá reconstituir e interpretar o ambiente geral e o contexto em que decorreu aquele período tão marcante das nossas vidas.

"Os objectivos são simples e claros:

"1°- Facilitar o enquadramento das nossas memórias pessoais no trabalho colectivo desenvolvido pela Unidade de que fizemos parte, podendo explicar aos mais novos em que consistiu o esforço anónimo, e por vezes mal compreendido, de muitos da nossa geração para um período importante da história de Portugal;

"2°- Ressalvar a nossa própria vivência porque nem sempre nos identificamos com a generalização de factos reais ou imaginários contados por outros;

"3°- Recordar aqueles 12 companheiros que na flor da juventude pagaram com a vida o cumprimento da sua Missão na Guiné e mostrar a nossa solidariedade com os que foram marcados por traumas que os acompanharão durante a sua existência.

"Embora não seja nossa intenção analisar aqui as causas da guerra em que esta Campanha se inseriu, não podemos deixar de constatar que neste conflito a explicação assenta na clássica trilogia: cegueira, ou falta de visão estratégica, surdez ou insensibilidade à voz da razão e do bom senso, e mudez ou ausência de diálogo, como instrumento de resolução de divergências. Num ambiente de impreparação geral para o tipo de guerra em causa, emergia a única palavra de ordem possível: AGUENTAR.

"A nível da superstrutura político-militar era notória a falta de visão estratégica dos decisores acabando por arrastar a guerra durante treze longos anos e que culminou com a descolonização exemplar. Neste contexto a interrogação dos militares do BCAÇ 1856 no final da Comissão de Serviço, sobre a utilidade do seu esforço, fazia todo o sentido.

"Os protagonistas relatam dificuldades sentidas desde o início, não só devido à sua impreparação e desconhecimento da realidade, mas também à de muitos dos intervenientes no processo da guerra, e às falhas do sistema nos aspectos de programação, logística, meios disponibilizados e sensibilidade às condições existentes no terreno operacional. São referidos ainda conflitos que algumas hierarquias tentavam camuflar ou resolver através do RDM [Regulamento de Disciplina Militar].

"Igualmente somos levados a concluir que na fase pós-libertaçao tudo se resume na mesma trilogia. O processo de aprendizagem do uso da independência não tem sido fácil nem pacífico, quer nas antigas possessões portuguesas, quer na generalidade dos territórios descolonizados.

"A falta de preparação de elites e as interferências externas são duas das principais causas das dificuldades que afectam os novos países. No caso da Guiné as lutas internas e a ambição desmesurada dos dirigentes tem desbaratado o enorme potencial oferecido pela comunidade internacional, colocando as populações numa situação de extrema penúria e o País entre os dez mais pobres do Mundo. A inexistência de um sentimento geral de nação entre os vários grupos étnicos nunca foi resolvido pelo PAIGC, que tentou cativar os habitantes da Guiné para o conceito aglutinador de libertação .

"Obtida esta, os antigos combatentes instalam-se no poder e progressivamente vão-se afastando dos restantes grupos, que constituem a maioria da população.

"O regime torna-se autoritário, senão ditatorial, de partido único. Os benefícios da libertação só chegam a alguns, enquanto a grande maioria contínua a viver na mais extrema pobreza. A corrupção e o despotismo generalizaram-se. Foi esta realidade que pudemos constatar, que nos levou a referir o caso de alguém que, não pertencendo aos que utilizaram armas contra o colonizador, tem uma visão diferente da seguida pelos antigos guerrilheiros.

"O trabalho que a seguir se apresenta, não pode ser encarado como uma obra acabada, mas antes como um estímulo para que mais se decidam a compartilhar as suas memórias e vivências. A linguagem e os critérios de análise utilizados na descrição da Campanha basearam-se em parâmetros vigentes na época em que ocorreram e foram vividos, recusando-se qualquer avaliação fora desse contexto que ditou o comportamento dos mais de 670 combatentes que integraram o BCAÇ 1856. Não pretendemos justificar o que fizemos mas apenas relatar os factos e a forma como os vivemos. Temos direito à nossa memória, que não deve ser apropriada por ninguém.

"Assim, e em resumo, estruturamos o trabalho da seguinte forma:

"- Na 1ª Parte, da nossa inteira responsabilidade, enumeram-se, por ordem cronológica, e com o maior rigor possível, os factos mais importantes da existência do Batalhão, desde a sua constituição em 16 de Janeiro de 1965, até ao desembarque no cais de Alcântara, em Lisboa, em 21 de Abril de 1967, bem como dados informativos relativamente à Guiné, no período em que decorreu a Comissão de Serviço do BCAÇ 1856. Em cada fase importante do BCAÇ 1856 tentamos analisar alguns dos factores e condicionalismos que enquadraram a actividade operacional e comportamental dos elementos que o integraram.

"- Na 2ª Parte, os intervenientes na guerra evocam factos e emoções então vividos e que o decorrer do tempo não apagou. Inclui histórias relacionadas com o ambiente de guerra e memórias desde factos do dia a dia do combatente até pequenos incidentes que o tempo parece ter reduzido à insignificância ou tornado caricatos, mas que na altura apareciam como importantes a quem os viveu.

"Mantivemos, no essencial, a forma como cada um entendeu descrevê-los, pelo que a verdade pode coexistir com o imaginário e o rigor pode atenuar-se com o passar das décadas. No entanto, e também por isso, aquilo que é relembrado foi o mais importante para cada um.»

3. O autor, Manuel Domingues:

(i) nasceu em Castro Laboreiro, em 1941;

(ii) frequentou o Liceu da Póvoa de Varzim e o de Braga;

(iii) fez os estudos universitários e um curso de pós-graduação em gestão financeira na Universidade Técnica de Lisboa;

(iv)  como bolseiro do Governo Francês realizou uma pós-graduação em Desenvolvimento Económico, em Paris;

(v) dirigiu um Centro de Formação Internacional da UNESCO.

(vi) Incorporado no serviço militar, frequentou o Curso de Rangers e integrou o BCAÇ 1856;

(vii) foi destacado para a Guiné, de 31/07/1965 até 15/04/1967;

(viii) como Alferes Mil foi Cmdt do Pel Rec e Informação e desempenhou as funções de oficial de Informações e, durante alguns meses, a de Oficial de Operações com louvor pelo seu desempenh

(ix) passa à disponibilidade em Maio de 1967 e integra a direcção de um grupo económico multinacional, realizando vários estudos e missões em diversos Países da CEE e no Ultramar Português;

(x) ingressou no Grupo CUF, onde foi consultor especializado em Planeamento a Longo Prazo, Gestão por Objectivos e Organização e Gestão de Empresas, tendo dirigido a reorganização e modernização de grandes empresas e serviços públicos;

(xi) coordenou o suplemento económico do jornal A Capital, as publicações da Associação Comercial de Lisboa - Câmara de Comércio e outras de carácter económico;

(xii) desempenhou vários cargos de Direcção Geral. Foi director do Desenvolvimento Organizacional de grandes empresas e Secretário Geral do Ministério da Agricultura durante 8 anos e da TAP durante 3 anos;

(xiii) conselheiro da Comissão Empresas Administração até à sua extinção em 1995 e expert independente da OCDE;

(xiv) foi Relator do 1° Congresso de Modernização Administrativa, docente universitário e Consultor de Formação durante cerca de 20 anos;

(xv) possui ainda o Curso de Auditor da Defesa Nacional;

(xvi) publicou vários livros e artigos sobre assuntos ligados ao Planeamento e Gestão Estratégica das organizações;

(xvii) está reformado.

domingo, 17 de julho de 2005

Guiné 61/74 - P110: Bibliografia de uma guerra (4): Padre Mário de Oliveira, Cristóvão de Aguiar e José Pardete Ferreira

1. O Jorge Santos, autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso companheiro de tertúlia (embora tenha sido combatente noutra frente, em Moçambique) continua a alimentar a bibliografia sobre a guerra colonial na Guiné, com destaque para as obras de ficção. Hoje aqui vão mais três referências, duas de ficção e uma de natureza mais jornalística.

© Padre Mário (2005) 

TÍTULO: Mas à África, Senhores, Por Que Lhe Dais Tantas Dores...
AUTOR: Padre Mário de Oliveira
EDITORA: Campo das Letras(Porto)
ANO: 1997

Nota sobre o autor: Em Novembro de 1967 desembarca na Guiné, como alferes capelão do Exército, integrado no Batalhão 1912, na região de Mansoa. Em Março de 1968 é expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência. É rotulado pelo bispo castrense de então como "padre irrecuperável".

RESUMO: "27 anos depois de ter sido expulso de capelão militar da guerra colonial, o autor voltou à Guiné-Bissau, e foi terrível o choque que sofreu. Ao todo são oito crónicas. De dor e de cólera. Também de esperança. Valem como um grito. Que ninguém pode deixar de ouvir-acolher-divulgar. Foram escritas, durante uma semana, na Guiné-Bissau. Mas remetem-nos para todo o continente africano. Um continente tragicamente crucificado. Que urge descrucificar.

"Primeiro, foram os muitos anos de escravatura, de colonialismo e de guerra colonial. Um crime sem nome, que o Ocidente cometeu. Impunemente. Agora, é o abandono. E o silêncio. Como se todos aqueles povos já não existissem. E como se a dramática situação em que presentemente se encontram não tivesse nada a ver connosco. Aceita uma sugestão? Deixe-se peregrinar por estas páginas. Comungue da vigorosa emoção que por elas perpassa.

"Experimentará, no final, uma incontida vontade de nascer de novo e de passar a ser para sempre uma mulher/um homem universalmente fraterno e solidário. Também uma alegria sem fim" (Apresentação do editor).



TÍTULO: Relação de Bordo (1964-1988)
AUTOR: Cristóvão de Aguiar
EDITORA: Campo das Letras (Porto)
ANO: 1999

Nota sobre o autor: Foi Alferes Miliciano na Guiné (Contuboel e Dunane), entre Abril de 1965 e Janeiro de 1967.

RESUMO: Esta obra foi Grande Prémio Literatura Biográfica – APE/Câmara Municipal do Porto. É um testemunho de muitos tempos e muitos lugares: o tempo e o lugar da Coimbra dos anos 60, o regresso episódico às origens açoreanas do autor, a passagem pelos lugares da emigração americana, a guerra colonial, os entusiasmos da revolução de 74.

Encontrando-se na Guerra Colonial contra sua vontade, comparava as zonas onde esteve a uma morte lenta. Foi informado de que o Comando emitiu uma ordem de ensinarem localmente e com grande rapidez os três primeiros anos da escola primária aos soldados portugueses, sob pena de não serem desmobilizados. Falsifica então o exame a dez soldados.


O autor publicou já a Relação de Bordo II (1989-1992), na mesma editora,em 2000.

No Jornal de Letras, de 8 de Setembro de 1999, o crítico literário Carlos Reis saudou de forma expressiva o primeiro volume de Relação de Bordo, de Cristovão de Aguiar, dizendo que se tratava de "outro passo importante na obra de um escritor porventura ainda insuficientemente valorizado, mas a quem devemos já uma obra ficcional coerente, tecnicamente elaborada e bem representativa de tendências da ficção portuguesa contemporânea".

TÍTULO: O Paparratos: Novas Crónicas da Guiné 1969-1971
AUTOR: José Pardete Ferreira
EDITORA: Prefácio
ANO: 2004

Nota sobre o autor: Fez a comissão na Guiné, tendo recebido a Medalha Militar do Ultramar com a menção Guiné 1969/70. Foi igualmente o autor do discurso proferido na Cerimónia Comemorativa do Dia do Combatente, organizada pelo Núcleo de Setúbal da Liga dos Combatentes (9/4/1998).

RESUMO: "O Paparratos é um confessado momento de divertimento. É bom sentir o prazer da memória na escrita de Pardete Ferreira. As situações caricatas e cómicas são saborosos pitéus oferecidos ao leitor.

"Mas o livro é muito mais do que o prazer da memória. Escrevendo um romance histórico sobre as revoltas estudantis dos anos sessenta e sobre a Guerra Colonial, Pardete Ferreira esquematiza o que foram os destinos marcados a toda uma juventude portuguesa: o pequeno número dos privilegiados com condições de acesso ao ensino e o grosso da coluna que de todos os cantos e recantos foram trazidos a Alcântara para irem fazer as guerras de África sob a chefia dos primeiros, melhor dito, daqueles dos primeiros que não escaparam ao imenso rol dos milicianos". (Resendes Ventura, in Prefácio)

Guiné 63/74 - P109: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)

Apresentação do livro de Gustavo Pimenta, sairómeM - Guerra Colonial (Palimage Editores, 1999), no Porto, Cooperativa Árvore, em 10 de Dezembro de 1999. Autor do texto: José Manuel Saraiva, jornalista do Expresso.

Devo dizer, em primeiro lugar, que estou muito sensibilizado pelo convite de Gustavo Pimenta [n. 1944, em Ponta de Lima] para fazer a apresentação do seu primeiro livro. Suponho, aliás, que o convite tem sobretudo a ver, para além da sólida amizade que nos liga, com o facto de o autor saber do meu interesse pelo tema que trata o livro – a guerra colonial – e da minha relação com o período mais penoso da geração a que ambos pertencemos.

No final dos anos 60, na Guiné, eu e ele cruzámo-nos sem nos cruzarmos, percorremos trilhos da mesma aventura, navegámos os mesmos rios, pisámos a mesma terra, vivemos os mesmos perigos, suportámos os mesmos sacrifícios, socorremos os nossos feridos, chorámos os nossos mortos, colhemos experiências comuns, e chegámos até a frequentar os mesmos quartéis. Quando – já não sei em que data – a companhia de Gustavo Pimenta esteve em trânsito pela sede do meu batalhão, embora por muito pouco tempo, certamente chegámos a estar tão próximos um do outro quanto estamos agora aqui, nesta sala, a celebrar um acontecimento extremamente importante: a celebração de um novo livro. Quer-se dizer: a celebração do seu primeiro livro. Mas ainda que tenhamos estado na mesma unidade, nunca porém nos encontrámos.

Só mais tarde, devido a uma circunstância feliz, viemos a conhecer-nos em Lisboa, para – já então reconciliados com o nosso passado de guerreiros transitórios – voltarmos à Guiné como homens livres, na companhia de um amigo comum, o tenente-coronel José Aparício, seu antigo comandante. Foi nessa viagem de trabalho e depois dela que nasceu e se desenvolveu a nossa amizade. Uma amizade que ficou para a vida inteira.

Para a maioria dos presentes, senão mesmo para todos, Gustavo Pimenta dispensaria apresentações. Mas, se me permitem, gostaria ainda assim de fazer algumas considerações acerca do autor de sairòmeM. Além de amigo exemplar, Gustavo Pimenta é também um homem de fino trato na relação com os outros, senhor de uma extraordinária verticalidade no confronto com a vida e o mundo que o rodeia.

Durante quase vinte anos fui, na qualidade de jornalista, regularmente à Assembleia da República. E posso dizer, sem qualquer favor prestado, que Gustavo Pimenta foi um dos deputados [pelo Partido Socialista, na mais discretos que algum dia conheci nas sucessivas legislaturas que acompanhei. E ser-se discreto não significa, neste caso, ao contrário de muitos outros, infelizmente, um menor empenhamento nos trabalhos do plenário ou nas comissões parlamentares. Esteve sempre onde devia estar, com o mesmo espírito de missão e sentido de dever com que no passado lutou por uma causa em que ele próprio não acreditava.

No seu livro, o autor escreve, a propósito. Passo a citar: "Mais do que não sentirmos nosso o que defendíamos, o dilema estava em não sabermos, não entendermos, o que estávamos a defender. Aquela terra, aquelas gentes, por mais hospitaleiras que se nos oferecessem, nada nos diziam. Não éramos dali. Fôramos parar à Guiné como, na roleta das mobilizações, poderíamos ter ido parar a qualquer outra colónia. Coubera-nos em rifa o cu do mundo, dizíamos. Porque o cu do mundo, se existe, é sempre o sítio da nossa perplexa angústia".

(...) Além da atitude simples e discreta deste homem perante a vida, dos sentimentos de solidariedade que o habitam, das qualidades humanas a que já fiz referência, e só não me alonguei por respeito à modéstia que o caracteriza, Gustavo Pimenta é também um herói. E não sou eu a dizê-lo.

Há cerca de três anos, a SIC passou um documentário sobre a guerra colonial. Nesse documentário, que relata um dos episódios mais tristes e violentos da guerra em África, participaram, entre outros antigos combatentes, Gustavo Pimenta, o tenente-coronel José Aparício, seu antigo comandante, e vários oficiais dos exércitos português e guineense.

O filme conta a história da operação militar da retirada da Companhia 1790 do aquartelamento de Madina do Boé, durante a qual morreram 46 militares, 15 dos quais pertencentes ao pelotão comandado pelo ex-alferes miliciano Gustavo Pimenta. A tragédia, de incomensuráveis proporções, ocorreu quando a jangada que ligava as duas margens do rio Corubal, para o transporte dos homens e das viaturas, se virou inexplicavelmente. Muitos salvaram-se, muitos morreram. Vinham de Madina – essa região vasta e despovoada no leste do território, junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri – onde a companhia de caçadores, de que fazia parte Gustavo Pimenta, estivera estacionada durante treze meses. E em treze meses, não contando com o número de ataques da forças do PAIGC de duração inferior a dez minutos, que em muitos casos só serviam para causar desestabilização e afectar psicologicamente os militares, o quartel foi bombardeado por 243 vezes.

Sobre a vida tormentosa dos homens que pertenceram à Companhia de Caçadores 1790, desses soldados anónimos que viveram no confronto permanente com a morte, pronunciaram-se no documentário que atrás citei quatro antigos combatentes: dois oficiais portugueses e outros dois guineenses.

Num depoimento emocionado, o brigadeiro Hélio Felgas, que era o comandante da operação e comandante do sector, diz o seguinte: "Quando o general Spínola deixou o helicóptero e foi ter comigo, eu estava a chorar. Porque realmente pareceu-me injusto que homens que tanto tinham sofrido, que militarmente haviam sido uns heróis, acabassem por morrer afogados".

Também o general Almeida Bruno se refere aos militares da Companhia 1790 em termos que não deixam margem para dúvidas. Passo a citá-lo: "Quero aqui prestar uma homenagem – a minha homenagem pessoal, como comandante que fui – a todos os militares, oficiais sargentos e praças, que viveram e combateram em Madina, que, com uma coragem notável, resistiram não só ao adversário, ao inimigo, como às condições adversas em que viveram. E julgo que um dia a história vai fazer dos militares que viveram em Madina o exemplo típico do soldado português, que é verdadeiramente de excepção".

Sobre a capacidade de resistência e heroísmo dos militares que, como Gustavo Pimenta, viveram e combateram em Madina do Boé, Ierro Camará, antigo guerrilheiro e actual tenente-coronel do exército guineense afirma também. E cito-o: "Todos aqueles que combateram em Madina do Boé, tanto da parte portuguesa como da parte do PAIGC, podem ser considerados heróis. São heróis mesmo!".

Ainda no mesmo documentário, o coronel Aliú Camará, ex-comandante da unidade de artilharia que regularmente bombardeava o quartel, falando por si e pelos seus antigos camaradas, diz. Passo a citar: "Nós rendemos homenagem aos ocupantes de Madina, porque era muito difícil viver naquelas circunstâncias. Sempre à espera dos bombardeamentos, em horas alternadas, às vezes à meia-noite, às vezes ao meio-dia, às vezes no período da tarde, tantas vezes que ninguém pode imaginar aquele sacrifício".

(...) No seu livro, Gustavo Pimenta lembra o episódio mas, como noutros que relata, fá-lo com a serenidade e o distanciamento de quem acha haver cumprido uma simples missão, sem aclarar, no entanto, que essa e outras tarefas exigiram dele e dos restantes camaradas sacrifícios impensáveis. É do autor s seguinte frase. Cito-o: "Em cima da jangada vinham dezenas de homens que, durante cerca de treze meses se haviam habituado a mergulhar para a vala mais próxima ou a correr para o abrigo mais à mão, sempre que o som cavo das granadas à saída da boca dos morteiros ou dos canhões sem recuo anunciavam mais um ataque com armas pesadas".

O livro de Gustavo Pimenta não é um romance. É um livro de memórias. Um livro que exclui a existência de heróis – ainda que o tenham sido todos quantos viveram e combateram em Madina do Boé –, um livro que reflecte sobre a existência do sacrifício na sua expressão mais brutal e nos ajuda a reflectir, à distância de 30 anos, acerca da dimensão de uma das maiores tragédias do nosso tempo, à escala nacional. Gustavo Pimenta escreve sobre o império do delírio da guerra com um sentimento que nos emociona. Está ali uma parte da sua vida, a partida e o regresso a casa; o relato dos anos perdidos da juventude num país longe, a mais de quatro mil quilómetros de sua casa. É dele a seguinte frase. Passo a citar: "Não desejávamos a morte, nossa ou deles, mas ninguém abdica do direito à valentia. Cada combate era sempre uma questão pessoal onde não se prescindia do melhor desempenho. É por isso que os portugueses serão sempre bons soldados".

Sinceramente, nunca li, nas dezenas de livros até hoje publicados em Portugal sobre a guerra colonial, todos ou quase todos ficcionados, uma reflexão desta natureza. Gustavo Pimenta odiava a guerra, combatia contra a sua própria guerra, não queria morrer nem desejava a morte dos outros, dos que lutavam do lado de lá, mas ainda assim não deixa de reconhecer que nem ele nem ninguém abdicaria do direito à vitória de um combate – nem que para isso fosse preciso pôr em causa a própria vida.
Escrever isto, no registo em que o faz, constitui uma atitude de coragem digna de louvor. Li o primeiro esboço do sairòmeM em Julho passado, quando Gustavo Pimenta me consentiu esse privilégio. É um livro comovente, escrito num registo elegante e poético. E só um homem como Gustavo Pimenta, despretensioso, simples, naturalmente simples, poderia escrever um livro destes.

Não sou crítico literário e por isso não me atreverei a tecer quaisquer considerações técnicas à boa maneira dos críticos literários. No entanto, como leitor atento, permitam-me que aconselhe a leitura desta obra, não apenas às pessoas particularmente sensíveis ao tema, mas a todas em geral. Porque além das emoções que se revelam em cada página, há também a beleza da linguagem que nos prende e nos seduz. Felicitemos pois o autor e marquemos desde já com ele um novo encontro para a apresentação do seu segundo título.

José Manuel Saraiva

Fonte: Extractos de Palimage Editores - A Imagem e A Palavra

quarta-feira, 13 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P108: Tabanca Grande: Manuel Cruz, ex-cap mil, CCAÇ 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba, Fá Mandinga e Bissau, 1971/74)

1. O Manuel Cruz, que trabalha em Sines numa multinacional como engenheiro, confirma em mensagem enviada ao David J. Guimarães que foi "o comandante da CCAÇ 3493 do BART 3873".

E acrescenta: 

(...) "Chegámos a Bolama para treinos militares entre o Natal e o Ano Novo (1971/1972. Depois seguimos para Mansambo onde estivemos em sobreposição com a companhia (???) comandada por um capitão miliciano, de nome Agordela. Não sei exactamente quando, mas o senhor comandante da Guiné, General Spínola, transferiu-nos para Cobumba, [região de Tombali] (perto de Cufar - COP4 e perto de Bedanda e um pouco mais a montante do rio Cobumba instalou-se um grupo de Fuzileiros) Alguns meses depois a CCAÇ 3493 foi para Fá Mandinga, onde estivemos poucos meses.

"A última parte da comissão, que nos custou ao todo 27 meses, estivemos em Bissau no COMBIS, onde integrávamos a defesa de Bissau e dávamos apoio / segurança a colunas militares e civis para Farim".


2. Aqui fica a minha resposta (L.G:):

Caro companheiro do TO da Guiné, ex-capitão da CCAÇ 3493 (Mansambo, Cobuma, Fá Mandinga e Bissau, 1971/74):

Tomei conhecimento da sua mensagem, através do David J. Guimarães (CART 2716, Xitole, 1970/72), e tenho muito gosto em incluí-lo na nossa tertúlia (se for esse o seu desejo).

Disponibilizei a minha página pessoal para divulgação de textos, de fotos e de outra documentação sobre a guerra colonial na Guiné (1963/74).

Como pode verificar há uma página especificamente sobre Mansambo onde foi inicialmente colocada, como unidade de quadrícula, a sua companhia (a CCAÇ 3493) em substituição da CART 2714 (1970/72), pertencente ao BART 2717, sediado em Bambadinca (Sector L1) onde eu estive, como furriel miliciano, integrado na CCAÇ 12 (1969/71). Temos aqui vários camaradas que conhecem bem o aquartelamento de Mansambo e que fizeram operações na região, incluindo colunas logísticas.

Por enquanto ainda não temos informação sobre Cobumba / Cufar / Bedanda (região para onde vocês seguiram depois de Mansambo) mas ficaremos muito felizes se o meu amigo nos ajudar a colmatar essa lacuna.

Também escrevemos regularmente no Blogue-Fora-Nada... Em escassos dois ou três meses o nosso grupo (que inclui gente com muita experiência operacional) já produziu mais de cem textos.

Esteja à vontade para nos mandar os seus escritos e fotos (digitalizadas), com ou sem pseudónimo... Temos também um vídeo, em DVD, relativamente recente (2000) sobre a Guiné (incluindo o Sector L1: Xime, Bambadinca, Mansambo, Xitole…).

Para já aqui vai um abraço de todos nós. Welcome aboard, captain!

terça-feira, 12 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P107: Bibliografia de uma guerra (3)

Selecção de livros feita pelo Jorge Santos, membro da nossa tertúlia de ex-combatentes da guerra colonial:


TÍTULO: Rumo a Fulacunda
AUTOR: Rui Alexandrino Ferreira
EDITOR: Palimage
ANO: 2000

RESUMO: O autor nasceu em Angola (1943). Fez o curso de oficiais milicianos em Mafra (1964). Foi mobilizado para a Guiné,tendo rendido um desaparecido em combate e pertencido à CCAÇ 1420, sedeada em Fulacunda (1965/67). Depois de frequentar o curso de capitães, em Mafra (1970), volta à Guiné, para comandar a CCAÇ 18. Em 1973 faz uma comissão em Angola. Regressa a Portugal em 1975. Vive actualmente em Viseu. É Coronel de Infantaria na situação de reforma. Rumo a Fulacunda é a sua obra literária de estreia.

Nesta obra, de mais de 400 páginas, "perpassam os odores do mato, o cheiro da morte, o apelo da guerra", enquanto ao mesmo tempo se assiste ao fluir dos tempos sacrificados e difíceis, ao deflagrar das misérias e fraquezas humanas, ao vasculhar das situações caricatas e ridículas"...

Segundo a apresentação da responsabilidade da editora, "sente-se ainda a magia daquelas gentes diferentes e o sortilégio da terra inóspita, selvagem, rude e bela que condicionavam e faziam da vida um permanente confronto de sentimentos, um gigantesco conflito de emoções. Sobressaíam os verdadeiros homens. Sobreviviam os mais capazes, os que melhor se adaptavam, os que a sorte protegia".


TÍTULO: A Pátria ou a Vida
AUTOR: Gertrudes da Silva
EDITORA: Palimage
ANO: 2005

RESUMO: O autor nasceu no concelho de Moimenta da Beira (1943), tendo ingressado em 1963 na Academia Militar. Hoje é coronel de infantaria na situação de reserva.
Durante a guerra colonial, fez duas comissões, uma em Angola e outra na Guiné. É licenciado em História na Universidade de Coimbra (1980). Participou no Movimento do 25 de Abril de 1974.

O livro é, fundamentalmente, a visão romanceada da experiência pessoal do autor no contexto da guerra na Guiné.

Em A Pátria ou a Vida, segundo a apresentação feita pela editora, "vive-se, sofre-se e morre-se sem heroísmos nem honrarias; caminha-se sempre sobre o arame que marca a fronteira entre dois valores que temos como sagrados. Porque a Pátria – lugar comum – nesses tempos era madrasta, tratando como estranhos os seus próprios filhos. Não de sua própria natureza, que essa era boa, e por isso sempre lhe fomos afeiçoados; mas por força dos homens a que, ilegitimamente, se foi entregando, todos com jeito de abastados morgados, a largar-nos por aí, feitos filhos bastardos".

TÍTULO: Guiné 1968 e 1973 – Soldados uma Vez, Sempre Soldados
AUTOR: Nuno Mira Vaz
EDITORA: Tribuna
ANO: 2003

RESUMO: O autor é Coronel de Cavalaria na reserva. Fez toda a vida militar nas tropas pára-quedistas, tendo cumprido quatro comissões de serviço em África.

"A luta travada na Guiné entre Forças Armadas Portuguesas e guerrilheiros do PAIGC, apesar de não registar muitas acções militares com expressão significativa, é geralmente recordada como a mais dura de quantas se travaram no antigo ultramar português.

"Neste contexto, o heliassalto em Cafal-Cafine e a demorada e complexa acção naval, terrestre e aérea montada para libertar Guidaje, fornecem, na diversidade da sua concepção, duas imagens expressivas da intensidade dos combates e dos sacrifícios exigidos aos soldados portugueses.

"Na Operação Ciclone II, em Fevereiro de 1968, um comboio fluvial de rotina serviu de isco ao lançamento de duas companhias de pára-quedistas sobre uma unidade do PAIGC instalada em abrigos preparados, tendo as tropas portuguesas iniciado um combate de aniquilamento do bigrupo inimigo.

"Em Maio e Junho de 1973, a Operação Ametista Real e todos os outros combates travados para romper o cerco montado a Guidaje ocorreram numa época em que se registavam severas limitações aos meios aéreos, sendo o desfecho da guerra cada vez mais incerto. Ao fim de um mês e meio de combates, as baixas das duas partes foram bastante severas e, sabe-se hoje, equiparadas" (Texto de apresentação, da responsabilidade da editora).

Guiné 63/74 - P106: Bibliografia de uma guerra (2)

Notas enviadas por Jorge Santos:


TÍTULO: Memórias de um Prisioneiro de Guerra
AUTOR: António Júlio Rosa
EDITORA: Campo das Letras, Porto.
ANO: 2003


RESUMO: O autor pertenceu à Companhia Independente de Artilharia 1743, aquartelada em Tite, desde Dezembro de 1967 (agregada ao Batalhão de Artilharia 1914). Foi prisioneiro do PAIGC, desde Fevereiro de 1968 até Dezembro de 1970.

O autor refere-se à atitude de um regime que um dia o obrigou a lutar numa guerra que lhe tirou a liberdade. No livro conta a história de três anos de cativeiro vividos na Guiné-Conacri, transmitindo as experiências, o sofrimento e os factos vividos.

São relatos contados na primeira pessoa de momentos que, pela sua intensidade, ficaram para sempre guardados na sua memória. É a história de um jovem que, como tantos outros, um dia se viu numa terra distante e desconhecida com um simples objectivo: lutar.


TÍTULO: Os Dias da Guerra
ORGANIZADORES: José Manuel Lages e José Silva Ferreira
EDITORA: Externato Infante D. Henrique
ANO: 1995


RESUMO: Relatos de elementos da Companhia de Caçadores 2645 que desenvolveu a sua actividade na Guiné entre Fevereiro de 1969 e Dezembro de 1970.

Ultrapassando o frio e simples relato das operações militares, colige factos que marcaram mais ou menos profundamente os elementos que os sentiram, tanto mais que, em conjunto, passaram momentos de sacrifício, de angústia, de desânimo que, declaradamente, terão levado muitas vezes os seus autores ao próprio desprezo pela vida.

Registo de vivências, medos, mas também de momentos de cooperação com as populações locais, na melhoria do seu nível de vida. Inclui, ainda, exemplos de literatura de guerra retirados de correspondência entre os militares e as famílias ou as namoradas e termina com um texto sobre o Anexo Militar de Lisboa.


TÍTULO: Até Hoje (Memória de Cão)
AUTOR: Álamo de Oliveira
EDITORA: Ulmeiro
ANO: 1986

RESUMO: Excertos do livro: "Hoje, comi salsichas com arroz. Recebi um aerograma dos velhotes. Gritei que estava farto desta porcaria e o capitão mandou-me pró caralho. A tropa é mesmo uma merda! (…)

"Nome no placard, com as maiúsculas possíveis na lista pequena de mobilizados: SOLD. 127 – MACHADO, JOÃO DE S; o número primeiro, que na tropa é assim e depois Machado – machado de não cortar -, João. Iria para a Guiné em rendição individual. Estava ali, preto no branco, a ordem do poder absoluto.

"Apenas sentiu o sangue esquentar-lhe a cabeça, as pernas a quebrar pelos joelhos. Aguentou-se.

"Os mais entendidos diziam que a rendição individual era bom. Não se é operacional tanto tempo. Substitui-se o ferido, o desaparecido, o morto – um destino mórbido. É entrar vivo para o caixão que vagou. Mudar o número por outro".

Guiné 63/74 - P105: Bibliografia de uma guerra (1): "As Ausências de Deus", por António Loja; "No Regresso Vinham Todos", por Vasco Lourenço e "sairòmeM - Guerra Colonial", por Gustavo Pimenta

1. O Jorge Santos, autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso companheiro de tertúlia (embora tenha sido combatente noutra frente, em Moçambique) sugeriu-me, há dias, a inserção no nosso blogue de uma "Bibliografia sobre a Guerra Colonial na Guiné". Eu achei logo a ideia muito interessante e pedi-lhe para se encarregar dessa tarefa.

Ele respondeu-me: "Posso dar o meu contributo, enviando dados referentes a alguns livros, com uma pequena sinopse, bem como a foto da capa e uma nota biográfica do autor (sempre que possível). Outro pessoal [da tertúlia] colaborará, de certeza, e será uma forma de divulgar o que se tem escrito".

2. Da ideia ao acto foi um passo e aqui chegam as referências aos primeiros livros, que são também sugestões de leitura para as férias. Aqui ficam, pois, as três primeiras sugestões do Jorge Santos, a quem agradeço a excelente colaboração. Há já outras na calha. Para quem quiser aprofundar o conhecimento das relações entre a guerra colonial e a literatura (nomeadamente o romance de ficção), há vários sítios com artigos interessantes, como por exemplo:

Margarida Calafate Ribeiro (Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra) > Uma história de regressos: império, guerra colonial e pós-colonialismo

René Pelissier > Militares, polítios e outros mágicos. Análise Social. xxxviii (166)


TÍTULO: As Ausências de Deus - No Labirinto da Guerra Colonial.
AUTOR: António Loja
EDITOR: Editorial Notícias
ANO: 2001

RESUMO: Num quarto de hospital onde se encontra internado para uma intervenção cirúrgica, o autor regressa, de maneira obsessiva, à guerra de há trinta anos atrás. Desde os ruídos do dia-a-dia no hospital às pessoas com quem se cruza, tudo o faz voltar a uma guerra que nunca o abandonou, mesmo passado tatnto tempo. Memórias que o arrastam, sem querer, para as situações de combate e para aqueles que a viveram. Brancos e negros, todos povoam as suas recordações de um modo irrecusável.

Sem regularidade, mas sob pressão das memórias de cada noite e da dormência da recuperação pós-operatória, o autor mantém, entre Fevereiro e Setembro de 2001, uma espécie de diário, onde revive momentos que supunha esquecidos. E entrecruzando personagens e situações reais, em recordações diluídas pelo tempo, recria a realidade, numa teia com alguns nomes fictícios para não afectar a imagem (e pôr em causa o direito à privacidade) dos que, como ele, foram compelidos a lutar na Guiné, na época de 1966/68.


TÍTULO: No Regresso Vinham Todos
AUTOR: Vasco Lourenço
EDITOR: Editorial Notícias
ANO:1978

RESUMO: Mais do que a narração da guerra, este livro, escrito por um dos capitães de Abril, descreve-nos pequenos acontecimentos de uma comissão na guerra colonial, na Guiné (onde foi comandante da CCAV 2540), e sobretudo dá-nos conta das emoções, dos sentimentos, dos medos, dos passatempos, que passaram pela mente, pelo coração e pela vivência de um punhado de homens atirados para essa guerra.

No Regresso Vinham Todos é bem um testemunho da forma como a guerra colonial se desenrolou. A maioria dos portugueses que a ela eram obrigados, faziam-na com a ideia fixa no regresso, sãos e salvos, e nunca com a convicção da sua justeza e da sua razão de ser.



TÍTULO: sairòmeM - Guerra Colonial
EDITORA: Palimage
AUTOR: Gustavo Pimenta
ANO: 1999

RESUMO: A realidade, quando é sublimemente contada, ultrapassa quase sempre a ficção. De leitura de cortar a respiração, este relato da vida prende-nos à sua conclusão, afinal já conhecida, transportando-nos para o inferno da Guiné, onde se emprestam à memória do leitor as pequenas alegrias do dia seguinte e as marcas mais indeléveis que só a guerra consegue deixar. Memórias – sairómeM – de uma geração que se revê inevitavelmente na dor que delas transpira.

Guiné 63/74 - P104: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império (Luís Graça)

1. Vasculhando o baú das minhas memórias (físicas) da guerra colonial, acabei pro deparar com as velhas fotografias, algumas delas já irrecuperáveis, do meu pai que, por ironia do destino, também fez a sua tropa no Ultramar, em plena II Guerra Mundial, como muitos outros jovens da sua geração.

Já as conhecia, de puto. Conheci-as , de cor e salteado, de tanto ter desfolhado aquele album, desconjuntado e hoje já desaparecido. Não sei como algumas das fotos sobreviveram mais de sessenta anos. Uma boa parte já se terá perdido.

Nunca entendi, em puto, o seu significado. Que faziam aqueles homens numa terra distante, numa ilha careca, sem árvores nem bichos, aonde se chegava por mar, em grandes barcos que levavam magotes de gente ? Uma terra onde não chovia e a fome matava a pobre gente que lá vivia ou vegetava!...

Legenda no verso da foto:

"23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R. I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques".

© Luís Graça



2. Além de barcos e tubarões, o meu pai sempre me falou de fome, do Joãozinho que morreu de fome, apesar dos restos do quartel. Também me falou da morna e da coladera... O que ele nunca me contou foi que, nesse período, a Grande Seca e a Grande Fome dizimaram milhares e milhares de caboverdianos, miseravelmente entregues à sua sorte pelo regime de Salazar... Aliás, a seca, a fome e as epidemias sempre marcaram, ciclicamente, as gente das ilhas e a sua literatura. Os que puderam fugiram, na década de 1940, para a diáspora... Só percebi isso mais tarde, já adolescente, quando li o romance Hora di Bai, de Manuel Ferreira, que também esteve em Cabo Verde por essa altura como militar.

Legenda no verso da foto:

"O Paquete Mouzinho. Oferecido pelo meu amigo José B. Lourenço no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942. Luís Henriques,(...) em S. Vicente, C. Verde".

© Luís Graça

O meu pai, felizmente ainda vivo, era o 1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5. Esteve em Cabo Verde, no Lazareto, na Ilha de São Vicente, entre 1941/43. Muitos soldados portugueses morreram lá, de tuberculose, de doença, de desnutrição, de solidão, de saudade. Os seus restos mortais ficaram, para sempre, longe de casa, da terra natal, da Pátria. São os mortos e os esquecidos do Império.

Uma saga que durou cinco séculos, e que atravessou a minha própria família do lado paterno: a minha bisavó Maçarica, nascida em Ribamar em 1864, descendia justamente dos pobres diabos arrebanhados, à força, para os porões das caravelas e nas naus. Embarcados como pau para toda a obra, daí a alcunha (Maçaricos) e, possivelmente mais tarde, o apelido de família (Maçarico). O mar marcou-os de tal maneira que nunca conseguiram viver longe dele: foram (e continuam a ser) gente ribeirinha, concentrados maioritariamente em Ribamar da Lourinhã, mas também com um possível núcleo em Mira, sendo marinheiros, aventureiros, mercadores, pescadores, calafates, construtores de barcos, mestres de traineiras, pescadores de lagosta, pescadores do alto, cabos de mar, peixeiros, negociantes de peixe, donos de restaurantes, tascas e hotéis à beira mar, perdidos e achados nas setes partidas do mundo, junto aos cais...

3. Serve esta evocação nostálgicas dos meus antepassados, para dizer que a minha geração, a nossa geração, foi a coveira do Império. 500 anos depois liquidámos o Império. E justamente na Guiné. Foi na Guiné que enterrámos os últimos mortos e os últimos esquecidos do Império. Que derrubámos o último padrão das quinas e arriámos a última bandeira verde-rubra. Não é sem um arrepio que escrevo isto. Mas hoje apeteceu-me invocar aqui os meus antepassados, a nossa gente. Tal como o Guimarães que teve a ternura de chamar aqui, à colação, o seu velho pai, herói da 1ª Grande Guerra...

Legenda no verso da foto:
"Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (hospitalar). Luís Henriques".
© Luís Graça.

segunda-feira, 11 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P103: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

Versão, modificada, de um texto que publiquei originalmente em O Jornal, em 16 de Abril de 1981 (A tropa-macaca e a elite da tropa), no dossiê Memória da guerra colonial.


Furriel miliciano numa companhia africana (a CCAÇ 12, sediada em Bambadinca, na Zona Leste da Guiné), conheci de relativamente de perto as misérias e as grandezas da 1.ª Companhia de Comandos Africanos. 

Privei inclusive, embora ocasionalmente, com algumas das figuras que o Carlos França retratou do seu artigo “Arame farpado em tempo de massacre”, publicado em O Jornal, nº 319, de 10 de Abril de 1981.

Tal como a tropa-macaca (termo depreciativo dado às unidades do exército constituídas por praças do recrutamento local e por quadros de origem metropolitana tal como a CCAÇ 12, e outras que também já existiam, e que têm sido aqui evocadas no nosso blogue: a CAÇ 3, do ex-Alferes miliciano Lopes, a CCAÇ 13, do ex-furriel miliciano Fortunato, a CART 11 [depois CCAÇ 11] do ex-furriel miliciano Monteiro, a CCAÇ 14...), os comandos africanos faziam parte da nova força africana que era então a menina bonita de Spínola e da sua entourage.

Havia porém alguns diferenças substanciais entre a 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA) e as restantes unidades, incluindo os Pelotões de Caçadores Nativos (conheci alguns: estacionados em Bambadinca, Fá Mandinga, Missirá, estes dois últimos, comandandos respectivamente pelos ex-alferes milicianos Cabral, o 53, e Beja Santos, o 52): os comandos africanos eram uma tropa de elite, bem paga, bem treinada e bem armada, com quadros operacionais exclusivamente africanos, desde os oficiais aos sargentos.

Os muchachos de Pancho Villa

O primeiro contacto que tive com os futuros comandos africanos foi aquando da sua chegada ao Xime, vindos de Bissau, em LDG da Marinha. O meu grupo de combate havia sido escalado para os escoltar no percurso até Fá Mandinga – a mesma povoação onde, por ironia, fora a antiga estação agronómica onde, se dizia, trabalhara o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral (o que  não correspondeu  à verdade factual).

Em , situada junto ao Rio Geba, entre Bambadinca e Bafatá, ficariam instalados os futuros comandos africanos, para efeitos de instrução da especialidade e treino operacional. Isto passa-se em princípios de Fevereiro de 1970, já não posso precisar de cor.

Foi então que tive a oportunidade de conhecer o instrutor da 1ª CCA, o capitão-comando Barbosa Henriques. É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. Julgo que ele já tinha feito uma comissão na Guiné, à frente de umas das companhia de comandos então existentes.

No meio da bandalheira geral que já era então o nosso exército, corroído pelo mal dos milicianos e o cansaço dos oficiais e sargentos do quadro, o capitão-comando Barbosa  Henriques era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point!

A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma “instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada".

E no entanto por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como todos nós, capaz de deixar trair as suas emoções,e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana, se não me engano...

Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o All you need is love dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um festival de fogo de artifício como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (Um luxo, diga-se, de passagem já que no TO da Guiné o que era normal era haver um médico por batalhão, ou seja, um médico, para no mínimo quatro companhias, ou sejam, 600 homens; diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome).

O comandante operacional, esse, era o lendário capitão graduado comando João Bacar Jaló, um torre e espada, ex-alferes de 2^linha, comandante de miílicias em Catió, milícia, de etnia fula, que viria a morrer em combate, mais tarde, já depois de Conacri. Também me lembro do Zacarias Saeigh, o 2º comandante (creio que juntamente com o Januário Lopes, se não erro), Era um dos tipos mais evoluídos e correctos no convívo com os outros militares. Era libanês, ou de origem libanesa.

Não creio que tenha trocado com o João Bacar Jaló mais do que meia dúzia de palavras, em português. Mas estou a vê-lo, a entrar na parada do quartel de Bambadinca, ao volante de um burrinho (Unimog 411), à revelia de qualquer Regulamento de Disciplina Militar (RDM), à frente dos seus garbosos comandos, fabricados em série, denotando forte espírito de corpo e moral elevada.

Alguns de nós chamávamos-lhes, com uma certa ironia, os muchachos de Pancho Villa por andarem armados até aos dentes e com fitas de metralhadora a tiracolo, além de gostarem de se fazer anunciar com enervantes rajadas de Kalash para o ar… Nas barbas do comandante do BART 2917 e do seu oficialato.

- Comando africano é aquela máquina – diziam eles, pavoneando-se nas tabancas, de de Kalash na mão, impecáveis no seu camuflado a que a boina e o lenço vermelhos, além do crachá, davam o traço de distinção dos grandes predadores.

- Comando tem manga de mania, nô furriè – comentavam, não sem uma certa ponta de inveja, alguns dos meus soldados fulas, praças de 2ª classe, mal pagos, mal alimentados e já duramente marcados pela guerra…

Este comportamento sadobelicista não deixaria de ser, entretanto, fatal para alguns deles: estou-me a recordar, por exemplo, do primeiro dos seus graduados, um furriel, morto em combate em 18 de Junho de 1970, na antiga estrada da Ponta do Inglês, na região do Xime. Vi os restos do cadáver na capela de Bambadinca. Tinha sido literalmente serrado a meio como quem corta um tronco de árvore com cordão detonante: ao pisar uma mina antipessoal, as numerosas granadas de mão que levava à cintura haviam rebentado por simpatia...


Uloma, caçador de cabeças


Desconheço a origem dos comandos africanos, bem como os critérios utilizados no seu recrutamento e selecção. De qualquer modo, contrariamente às companhias de caçadores africanas como a CAÇ 3, 11, 12, 13 e 14 cuja composição tendia a obedecer a razões de natureza etno-luinguística geográfica, os elementos da 1ª CCA eram (ou pareciam-me ser) etnica e  socialmente heterogéneos.

Os seus quadros revelavam, inevitavelmente, um baixo nível cultural, embora falassem razoavelemente o português. Um ou outro desses quadros tinha sido educado nas Missões Católicas: caso do tenente graduado comando Januário, de etnia papel, que mais tarde irá jogar um papel determinante, por omissão, na Op Mar Verde, tendo sido considerado desertor pelas NT. Também havia alguns cabo-verdianos ou filhos de cabo-verdianos, segundo creio.

Julgo que as praças eram fracamente escolarizadas. Uma boa parte eram fulas, mas havia em contrapartida bastantes elementos já destribalizados, ou em perda de identidade cultural por via da assimilação, alguns podendo ter sido recrutados entre os descamisados, o lumpen-proletariado que vegetava pelas ruas de Bissau e pelas tabancas do Pilão. Seriam precisos mais elementos para uma boa caracterização sociodemográfica da 1ª Companhia de Comandos Africanos [mais tarde Batalhão, a 3 companhias].

Um dos comandos africanos mais conhecidos em Bambadinca era o furriel Uloma, filho de régulo, da zona de Varela, e um dos raros felupes que vestiam a farda do exército português, segundo se dizia no meu tempo. Uloma era uma espécie de coqueluche ou mascote da companhia, não só pelo seu aspecto físico (era um tipo entroncado, corpolento)  como sobretudo pelos seus estranhos rituais de guerra e pela sua macabra colecção de cabeças cortadas ao inimigo, conservadas em álcool (trinta e duas, ao que parece, segundo os cálculos do Carlos França, que terá privado com ele, em Fá).

- Essas práticas culturais de bom selvagem teriam a ver com as reminiscências do canibalismo ritual entre os felupes – como me tentava, em vão, explicar, em jeito de antropólogo, com uma garrafa de uísque na mão, o meu amigo Cabral, com fama de poeta, antimilitarista, filho de militar de carreira, alferes miliciano, tão dilacerado como eu pela brutal irracionalidade daquela guerra, e que privava como os comandos africanos na sua qualidade de comandante do Pelotão de Caçadores Nativos local, o Pel Caç Nat 63.

Para mim, não havia dúvidas: essas práticas, não sendo obviamente encorajadas, eram pelo menos toleradas pelos responsáveis da 1ª CCA e, no mínimo, pelas autoridades militares da zona leste (Bafatá) e do sector L1 (Bambadinca). Havia quem encolhesse os ombros, alegando que os comandos africanos dependiam directamente do Com-Chefe e, como tal, tinham carta branca.

Recordo certa vez que o Uloma  se deixou fotografar, como um verdadeiro predador, exibicionista, imponente, triunfante, com um dos seus sangrentos e macabros troféus de caça, no regresso de um raide a território IN, a norte do Rio Geba, no regulado do Cuor. (Julgo que esta cena se passou no final de um operação de vários dias em que a 1ª CCA actuou na região a norte do Enxalé, de 30 de Outubro a 7 de Novembro de 1970, às ordens do BART 2917; de qualquer modo, foi antes da invasão de Conacri).

À falta de caça grossa, dizia-se, tinha atirado sobre um pobre camponês, porventura balanta ou biafada, que cultivava, desarmado, o seu arroz na bolanha… Cortada a cabeça, rente ao pescoço, de um só golpe de catana, atara-lhe um pano branco que ligava a boca ao esófago, à laia de pega…

O nosso 1º cabo Encarnação, fotógrafo amador por necessidade e jeito para a biscatagem (batia e revelava, num estúdio fotográfico improvisado as chapas que os tugas mandavam para a família na Metrópole, as namoradas e os amigos, como certificado de que continuavam vivos, inteiros e de boa saúde), aproveitou o boneco do Uloma segurando a cabeça, pela carapinha, de um terrível e bravo inimigo, para fazer o negócio da sua vida…

De forma que muitas dezenas dessas macabras fotografias foram vendidas rápida mas discretamente em Bambadinca, como postal ilustrado de um ronco típico das terras da Guiné, até que a coisa chegou aos ouvidos do tenente-coronel, comandante do BART 2917...

Este, claro, alarmado com a eventualidade de algum escândalo (estava-se no auge da ideologia e da política da Guiné Melhor, da acção psicossocial, do spinolismo…) e, pior ainda, receoso da porrada mais que certa do Com-Chefe se a coisa não fosse abafada a tempo, mandou recolher de imediato as fotografias em circulação, confiscar e destruir as restantes cópias, além dos negativos… Mas algumas chegaram à Metrópole...

Moral da história: o nosso fotógrafo encartado, o pobre do nosso cabo Encarnação, como se não bastassem já as perdas e danos sofridos, esteve à beira de levar uma porrada…

Quanto ao Uloma,  teve um fim triste, às mãos dos vencedores, já depois da independência... Está na triste lista das vítimas das execuções sumárias levadas a cabo pelas novas autoridades da Guíné-Bissau.

O horror destas cenas de guerra, não só pela sua gratuitidade como também pela hipocrisia das autoridades militares de Bambadinca, não deixaram de impressionar alguns de nós, milicianos, mais informados, civilizados e/ou politizados, mas ninguém mexeu uma palha para as denunciar ou simplesmente divulgar. Eu próprio limitei-me a tomar algumas notas para o Diário de um tuga.


O filho da puta do tenente Januário

Nós não éramos a elite da tropa nem sequer a fina flor da Nação (como nos repetia ad nauseam o garboso tenente de Tavira que foi meu comandante de companhia, o tenente Esteves)... Mas quantos de nós, milicianos, não terão consciente ou inconscientemenete desejado sê-lo, ao admirar com volúpia e ciúme os brinquedos, os roncos, apanhados ao IN pelos páras, pelos comandos ou pelos fuzos ?

Estes poderiam ser algumas notas para outros tantos capítulos da história da 1ª CCA. A sua participação na temerária e controversa invasão anfíbia de Conacri em 22 de novembro de 1970 é, só por si, um outro capítulo, embora já relativamente conhecido depois das revelações feitas em 1976 pelo cérebro e comandante operacional da Op Mar Verde, o fuzileiro Alpoim Galvão.

Eu próprio vi-os partir, aos comandos africanos (só mais tarde saberia para onde…) e vi-os regressar, carregados de roncos, com o ar triunfal dos guerreiros de antigamente…

Lembro-me ainda de um deles que trazia um trombone de varas, pilhado num cabaré de Conacri que fora destruído à granada de mão e que não me consta que fizesse parte dos objectivos político-militares a atingir… Depressa deram à língua, contando histórias incríveis de perigos e de heroísmo, ao mesmo tempo que faziam negócio com armas automáticas que haviam trazido de Conacri como souvenirs. Na altura chegaram a oferecer-nos espingardas automáticas Kalash, novinhas em folha, em Bambadinca e Bafatá, por 500 pesos...

Alpoim Galvão, no seu livro (De Conakry ao MDLP. Lisboa: Editorial Intervenção. 1976), fala em 500 baixas por parte do IN. Rádio-Conacri, por seu turno, fazendo balanço dos trágicos acontecimentos, estimava-as em duas ou três mil, entre civis e militares. Entretanto, pudemos acompanhar, em Bambadinca, através daquela emissora os interrogatórios, em francês, do tenente graduado comando João Januário Lopes e dos seus homens pela comissão de inquérito da ONU.

As informações reveladas vieram confirmar o que já sabíamos (ou suspeitávamos ) sobre o grau do nosso envolvimento nesta operação que visava, claramente, o derrube do regime de Sekou Touré e a liquidação dos principais dirigentes do PAIGC, além da libertação dos soldados portugueses detidos em Conacri, alguns há vários anos, incluindo dos camaradas da CART 1690, do nosso amigo Marques Lopes, apanhados à unha em Catacunda no ataque à aquele destacamento do subsector de Geba, em 11 de Abril de 1968.

O "estranho e inexplicável rebate de consciência" do supervisor da 1ª CCA (o então major Leal de Almeida) que inicialmente se teria recusado a participar na Op Mar Verde; o "momento de hesitação" do capitão graduado comando e herói Bacar Jaló; e, mais tarde, a deserção do "filho da puta" (sic) do tenente graduado Januário e dos seus homens, além da "forma bizarra" como actuou no terreno a equipa do alferes graduado Jamanca (as expressões entre aspas não são minhas, mas do comandante Alpoim Galvão) não deixam, entretanto, de pôr em causa a tão proclamada eficácia, eficiência, disciplina e espírito de corpo dos comandos, sendo factos reveladores desta verdade tão simples e comezinha: mesmo os profissionais da guerra, mesmo a tropa de elite, por muito máquinas que sejam, não deixam de ser tão livres, responsáveis, vulneráveis e… até mortais como os outros homens, civis ou militares.

Post scriptum > Presto aqui as minhas homenagens aos comandos africanos, que eu escoltei do Xime até Fá Mandinga, que eu vi crescer e alguns morrer, com quem convi esporadicamente e que nós abandonámos miseravelmente depois do 25 de Abril (não dei se estou a ser justo para como homens como o Carlos Fabião, o Almeida Bruno, o Folques ou o Carlos Matos Gomes, brilhantes e corajosos oficiais portugueses que os enquadraram ou comandaram)... E sobretudo àqueles que foram perseguidos, presos, torturados e fuzilados no seu país, na sua terra, sem qualquer acusação ou julgamento. Esta página do pós-guerra colonial tenho pena que tenha sido escrita pelo (ou em nome do) PAIGC... Não digo: envergonho-me, porque eu nunca pertenci ao PAIGC (nem, aliás, a um nenhum partido político)... Mas confesso que na época (Guiné, 1969/71) tinha alguma simpatia pela figuar do Amílcar Cabral.


Páginas sobre a 1ª Companhia de Comandos Africanos > Links


Comandos: tropa de elite > Companhias: Guiné> 1ª Companhia de Comandos Africana

Associação de Comandos > Historial dos comandos: efemérides

E depois do adeus... O massacre dos comandos negros do Exército Português, por Hugo Gonçalves

João Paulo Borges Coelho (2003) > Da violência colonial ordenada à ordem pós-colonial violenta. Lusotopie.2003: 173-195


Vida e morre da 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA):


9 de Julho de 1969 - Início da organização da companhia, em Fá Mandinga, formada exclusivamente por naturais da Guiné e ecom base em anteriores grupos de comandos já existentes nos batalhões"

6 de Fevereiro de 1970 - Início da sua instrução

26 de Abril de 1970 - Cerimónia de juramento de bandeira em Bissau, na presença do COM-CHEFE.

21 de Junho / 15 de Julho de 1970 - Treino operacional na região de Bajocunda. No final é colocada em Fá Mandinga, com a missãod e interevenção e reserva do COM-CHEFE.

30 de Outubro a 7 de Novmebro de 1970 - Operação a norte da região do Enxalé, na zona de acção do BaRT 2917 (Bambadinca, 1970/72).

21/22 de Novembro de 1970 - Toma parte na Op Mar verde, sob o comando de Alpoim Galvão (invasão da Conacri). Perde um dos seus grupos de combate (comandando pelo tenente graduado Januário).

Princípios de Dezembro de 1970 / Finais de Janeiro de 1971 - Três pelotões em refeorço temporário das guarnições fronteiriças de Gandembel e Guileje.

Finais de Julho de 1971 - Segue de Tite para Bolama, para um curto período de descanso e recuperação.

Meados de Agosto de 1971 - É colocada em Brá (Bissau), nas instalações do futuro Batalhão de Comandos. Continua a sua intensa actividade operacional, durante o resto do ano de 1971 e o ano de 1972, em conjunto com a 2ª Companhia de Comandos Africanos, entretanto formada. Penetra em santuários do IN que eram verdadeiros mitos no meu tempo, como por exemplo o Morés (20-24 de Dezembro de 1971; 7-12 de Fevereiro de 1972), o Choquemone (18-22 de Outubro de 1971), a região de Salancaur-Unal-Guileje (28 de Março a 8 de Abril de 1972)e outras.

2 de Novmebro de 1972 - É integrada no Batalhão de Comandos.

7 de Setembro de 1974 - A 1ª CCA é desactivada e extinta, bem como as restantes forças do Batalhão de Comandos.

Fonte: Comandos: tropa de elite > Companhias: Guiné> 1ª Companhia de Comandos Africana